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AURÉLIO PORTO
Nascido em Cachoeira do Sul, a 25 de Janeiro de 1879.
Falecido no Rio de Janeiro, a 10 de Setembro de 1945.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS
DO URUGUAI
[ APR 4 1983
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JESUÍTAS NO SUL DO BRASIL
VOLUME III
História
das Missões Orientais
do Uruguai
Por AURÉLIO PORTO
Segunda Edição revista e melhorada pelo
P. LUÍS GONZAGA JAEGER, S. J.
PRIMEIRA PARTE
Edição da LIVRARIA SELBACH de Selbach & Cia.
RUA MARECHAL FLORIANO. 10 — PÔRTO ALEGRE
Oficinas Gráficas à Rua Dr. Timóteo n.° 4 1 6
IMPRIMI POTEST.
Porto Alegre, 10 de Janeiro de 1954.
P. Edvino Friderichs, S. J.
Provincial da Companhia de
Jesus no Sul do Brasil.
NIHIL OBSTAT.
Porto Alegre, 16 de Janeiro de 1954.
Mons. Dr. João M. Balen.
IMPRIMATUR.
Porto Alegre, 26 de Janeiro de 1954.
Mons. André Pedro Frank,
Vig. Ger.
AURÉLIO PORTO E SUA HISTÓRIA DAS
MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
Prólogo da segunda edição.
Em 1918, o saudoso P. Carlos Teschauer, S. J., publicava o
primeiro dos 3 volumes da sua HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO
SUL DOS DOUS PRIMEIROS SÉCULOS. Dela emitiu pelas co-
lunas do «Imparcial», do Rio, em 28-4-1919, o seguinte parecer
nosso emérito João Ribeiro:
«A erudição da «História do Rio Grande», mormente nas suas
origens tão embaraçosas e obscuras, necessitava uma mão forte e
um espírito de grande perspicácia, aturada constância e serenidade
como a do padre Teschauer. . . E como esses aspectos são retrata-
dos com escrupulosa crítica, merecem, por isso mesmo, a atenção de
todos os estudiosos da nossa história.» (Vol 2- da mesma His-
tória de Teschauer, p. 447, Referências.)
E quando, em 1922, aparecia na praça o 2" tomo, o mesmo
João Ribeiro ainda mais se entusiasmou e lhe teceu um rasgado
elogio, que rematou com estas palavras: «E' um trabalho cons-
ciencioso à altura do erudito, que já tem prestado ao País nume-
rosos serviços intelectuais. Pudessem os Estados da União ter
cada um deles um historiador do seu feitio e de sua escrupulosa
exactidão e fácil seria a tarefa da história geral da nacionalidade.»
(Cf. 39 volume, in fine, Referências da Imprensa.)
No entanto, os anos foram correndo; mas a História do Rio
Grande do Sul não ficou estacionária. Foi-se delineando cada vez
mais nítida, graças a novas achegas e documentos desconhecidos,
antes soterrados sob a poeira dos arquivos europeus e sul-america-
nos, desenterrados pouco e pouco pelos estudiosos do nosso passa-
do. Um dos que mais aprofundaram a História do Rio Grande
do Sul foi incontestàvelmente AURÉLIO PORTO. Se a Teschauer
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AURÉLIO PORTO
coube a missão de abrir uma luminosa picada através da floresta
do passado rio-grandense do sul, a Aurélio esteve reservada a ta-
refa de alargar mais esse caminho, oferecendo já aos seus póste-
ros urna vereda mais ampla e cómoda. E se Deus quiser, chegará
ainda o dia em que um sucessor desses dois pioneiros mimoseará
o nosso Rio Grande com uma estrada real, lisa e rectilínea, de his-
tória, cimentada toda ela em documentos inconcussos e completos.
Teschauer, em geral, conforme alguns críticos, se mostra com-
placente para com os espanhóis, aos quais defende na maioria dos
casos, ao passo que se manifesta mais rigoroso no julgamento dos
luso-brasileiros. É que o ilustre historiógrafo se abeberou preci-
puamente em fontes de origem hispânica, além de ele próprio per-
tencer à Companhia de Jesus, tão sacrificada pela política expan-
sionista dos portugueses e a acção hostil dos bandeirantes. Por
sua vez, Aurélio Porto carrega as cores no campo oposto pelas
razões contrárias e ainda por seu acendrado nacionalismo. Daí a
indiscutível conveniência de um futuro historiador que tenha a
capacidade e a coragem de pôr tudo nos seus justos termos, sem
conduzir a nau nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Todavia,
sendo as opiniões tão antagónicas, contagiadas pelo chauvinismo
de gregos e troianos, duvidamos sèriamente venham jamais a um
acordo completo, sendo que cada qual dificilmente arredará o pé
do ângulo de visão em que o coloca o seu patriotismo.
# *
*
Na madrugada de 11 de Setembro de 1945, o rádio, o telé-
grafo e a imprensa do Rio de Janeiro espalhavam pela Pátria
afora a estarrecedora notícia da morte inesperada do Coronel
Afonso Aurélio Porto, conhecidíssimo em toda a terra brasileira.
Às 23 horas do dia precedente, 10 de Setembro, sucumbira vítima
de angina do peito, agravada por uma fraqueza cardíaca, quando
eontava 66 anos de idade. Profundo foi o pesar que o desapareci-
mento do festejado historiador rio-grandense despertou nos cír-
culos literários do País, deixando uma lacuna difícil de preencher.
Aurélio Porto viu a luz do dia na Cachoeira, Rio Grande do
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
7
Sul, a 25 de Janeiro de 1879, como filho de Júlio Gomes Porto e
de Aurélia Guedes da Luz, esta descendente do herói farroupilha
Jacinto Guedes da Luz. Ao contar cerca de 10 para 12 anos,
o pai foi matriculá-lo no célebre Colégio de Nossa Senhora da
Conceição em São Leopoldo, onde lhe sorria um curso brilhante,
dada a sua estudiosidade e seu talento precoce. Entretanto per-
mitiu a Providência que à família Porto fosse arrebatado inopina-
damente o chefe, deixando na viuvez D. Aurélia e na orfandade 6
crianças. Aurélio, o primogénito, em vez de partir para o Colé-
gio, houve de empregar-se numa loja de sua cidade natal, afim
de ganhar um pouco de pão para a estremecida mãe e os maninhos.
Graças a um esforço hercúleo foi melhorando de emprego e a si-
tuação da família tornou-se mais desafogada. Nunca porém per-
deu Aurélio de vista as letras. Conseguiu ampliar os seus conhe-
cimentos literários em Cachoeira, Santa Maria e Porto Alegre. Já
homem feito, veio a encontrar em D. Isaura Martins uma esposa
dedicada, que lhe alegrou o lar com um filho e cinco filhas. O
carinho que lhe dispensaram os membros da sua família muito
contribuiu para lhe tornar a vida menos dura e até mais agradá-
vel. Dada a sua actuação política, como director local do Partido
Republicano Rio-Grandense, foi eleito intendente dos municípios
de Garibaldi e Montenegro.
Porém a sua actividade foi principalmente a da sua bem apa-
rada pena. Dirigiu e redigiu sucessivamente vários jornais, como
p. ex. O Progresso, de Rosário do Sul; A Fronteira, de Quaraí; O
Estado, de Santa Maria; O Rio Grande, de Cachoeira; O Correio,
de São Leopoldo; A Federação, O Petit Journal e Jornal da Manhã,
todos três de Porto Alegre; Combate e A Manhã, da Capital Fe-
deral. Colaborou ainda em vários órgãos da imprensa gaúcha e
carioca, e em diversas revistas económicas, históricas, geográfi-
cas e literárias. Dirigiu a revista Imposto Único, em Porto Ale-
gre, e estava à frente dos Anais do I tâmara ti, quando a impiedosa
morte lhe arrancou das mãos a incansável pena.
Sob a sua direcção, no Arquivo do Rio Grande do Sul, foram
reimpressos os facsímiles dos jornais do ciclo farroupilha O Ame-
ricano, a Estrela do Sul, O Mensageiro e O Povo. Foi ele ainda
um dos 55 patriotas que em Agosto de 1920 lançaram os funda-
s
AURÉLIO PORTO
mentos do Instituto Historio e Geográfico do Rio Grande do Sul,
e mais tarde da Academia Sul-Riograndense de Letras. Foi mem-
bro efectivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e cor-
respondente do de Santa Catarina e da Sociedade de Capistrano
de Abreu. Antigo funcionário do Museu de Júlio de Castilhos,
em Porto Alegre, foi destacado em 1932, para, junto à Direcção
do Arquivo Nacional, ordenar e publicar a vasta documentação
farroupilha ali existente, o que levou a feliz termo em quatro
alentados volumes, insertos nas Publicações do Arquivo Nacional.
Em seguida foi nomeado redactor-chefe dos Anais do Itamaratí,
afim de dirigir as publicações daquele Ministério.
As obras mais afamadas de Aurélio Porto são as seguintes:
O Milagre, peça dramática, em verso, Santa Maria, Livraria do
Globo. 1908; Epopeia dos Farrapos, Montenegro, 1922; O Último
Farrapo, Montenegro, 1923; Farrapíada, Rio de Janeiro, 1936, to-
dos em verso. Em história: Município da Cachoeira, História e
Estatística, Cachoeira, 1910; Coronel Dr. João Daniel Hillebrand,
Porto Alegre, 1924; A Conquista das Missões, Porto Alegre, 1921;
Real Feitoria do Linho Cânhamo, Porto Alegre, 1922; Professor
Artur Candal, Porto Alegre, 1924; General João de Deus Martins,
Porto Alegre, 1925; Cachoeira, o território, Porto Alegre, 1925;
O Regimento de Dragões do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1926; Um Capítulo da História Territorial do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 1929; Influência do Caudilhismo Uruguaio no Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 1929; São Sepé, fundação da capela
das Mercês, Porto Alegre, 1930; Notas ao Processo dos Farrapos,
nos já citados quatro volumes de Documentação das Publicações
do Arquivo Nacional, 1933 a 1936; O Colono Alemão, Notas sobre
a Imprensa no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, 1934; Documen-
tos do Itamaratí sobre a Revolução de 1835, Rio de Janeiro, 1936-
37; O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1934;
Caró, notas para um estudo etimológico, Rio, 1934; Terra Farrou-
pilha, dois volumes, comemorativos do bicentenário da fundação
do Rio Grande do Sul, com a colaboração de diversos intelectuais,
Porto Alegre, 1937; Simões Pires, notas genealógicas, Porto Ale-
gre, 1930; Pinto Bandeira, Porto Alegre, 1930; Pátria, drama na-
cionalista em 3 actos, Porto Alegre, 1918; O Tesouro do Arroio do
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 9
Conde, novela histórica, Porto Alegre, 1922; O Imposto Único em
Garibaldi, Porto Alegre, 1916; e muitos outros trabalhos esparsos
em jornais e revistas, além de relatórios. Sua colaboração na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
é notável.
Porém a obra que maior fama grangeou a A. P. e relegará o
seu nome à posteridade, foi sem discussão a sua volumosa HIS-
TÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI, publicada sob
os auspícios do SERVIÇO DO PATRIMÓNIO HISTÓRICO E AR-
TÍSTICO NACIONAL, N. 9, Rio de Janeiro, 1943, que ora damos
de novo à estampa. Como o próprio Autor no-lo adverte, havia
planejado dois volumes: primeiro «O Ciclo da Civilização Jesuí-
tica das Missões», e segundo «A Arte na Civilização Jesuítica das
Missões.» Desgraçadamente, o segundo volume ficou afogado no
tinteiro, com apenas algumas notas esparsas e um auspicioso ín-
dice, que prometia uma contribuição esplêndida e inédita para a
Cultura Cívico-Religiosa Sul-Americana. Entretanto, se Deus qui-
ser, esta última parte não ficará esquecida, mas será estudada
carinhosamente e dada à luz num futuro próximo, vindo consti-
tuir o volume V da série «JESUÍTAS NO SUL DO BRASIL.»
O primeiro volume, de 624 páginas de» grande formato, edi-
ção restrita a um milheiro de exemplares e destinado à distribui-
ção de entidades culturais, teve uma acolhida a mais alviçareira
possível. Acerca dele declarou o historiador gaúcho Othelo Rosa,
aliás reservado em seus elogios: «É uma magnífica História das
Missões Rio-Grandenses.» E o P. Dr. Serafim Leite, S. J., Autor
da monumental HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO
BRASIL, em 10 alentados volumes, — assim se exprime sobre o li-
vro mencionado de A. P. : «(É) o livro até hoje escrito com cri-
tério mais desempoeirado e com maior soma de documentos, sobre
estas Missões (Orientais do Uruguai), desde os começos até à sua
«decadência», quer dizer «destruição» no século XVTJI.» (Histó-
ria da C. J. no Brasil, VI, 250, nota 2.)
Os herdeiros de A. P., ao confiarem ao signatário deste Pró-
logo a segunda edição da «História das Missões Orientais do Uru-
guai», lhe manifestaram o desejo de ela não sofrer modificações
substanciais, mudanças além das que ele mesmo já deixara para
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AURÉLIO PORTO
a nova edição, sobretudo a sua divisão em duas partes separadas,
e outras emendas feitas do seu próprio punho. Reconheço a jus-
tiça desse pedido, que brota das saudades de filhos que gostariam
de ver esse património paterno conservado, quanto possível, em
sua forma primitiva. As alterações que se impuseram se redu-
zem a pouco: tradução ao português de longas e frequentes cita-
ções de textos castelhanos, redigidos na ortografia antiga e abre-
viada, que tornavam assaz fastidiosa a leitura e por vezes até
ininteligível; correção de alguns termos técnicos próprios da Com-
panhia de Jesus, como ainda aperfeiçoamento de tal qual expres-
são e de citações incompletas ou inexactas. Demais, em algumas
«Observações» apensas ao texto, rectificámos aqui e acolá a opi-
nião do A., referente principalmente ao uso de armas de fogo da
parte dos Jesuítas, da acção bandeirante no Rio Grande do Sul e
ainda o seu conceito acerca do «mercantilismo» dos missionários
dos Sete Povos, e a razão última do fracasso do Tratado de 1750,
e mais algumas coisas de somenos importância. Escoimado o
trabalho desses senões, bem como de lapsos de revisão, sem ab-
solutamente lhe mudar a estrutura geral, julgamos ter assim con-
tribuído para aumentar o valor da obra.
Não ocultamos ao leitor uma imperfeição, a de ser redigido
às pressas, antes de devidamente assimilado como se sentisse cer-
ta urgência em terminá-lo quanto antes. Daí o caso inevitável
de por vezes toparmos com passagens algum tanto obscuras ou
sem conexão, ou ainda o de se alargar em demasia em pontos que
lhe são simpáticos ou de longa documentação inédita que nos re-
vela em primeira mão.
Todas essas deficiências porém desaparecem diante da sóli-
da base com que o Autor soube alicerçar a sua História: a de
ser haurida das fontes mais primas, de documentos palpitantes de
verdade e ricos em dados históricos e episódios empolgantes, es-
critos pelos mesmos autores ou testemunhas dos factos que nar-
ram; de comunicações confidenciais não destinadas à publicidade,
mas por isso mesmo mais verídicas. Francamente, não sabemos
de um historiador patrício nosso que tivesse tido à mão um ar-
senal mais copioso de verdade para imprimir ao seu escrito ta-
manha autoridade e exactidão. Por esta causa, quanto à veraci-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 11
dade, não hesitamos em qualificar este livro de A. P. de «primus
inter pares».
No seu conteúdo, o livro é ainda de uma beleza singular. In-
troduz o leitor na história dos primitivos povos das plagas gaú-
chas, descreve a sua vida de nómades e silvícolas, seu estado de
decadência e degradação, sua paulatina elevação higiénica, econó-
mica e moral, graças à obra cultural e evangélica dos padres da
Companhia, acerca dos quais o Autor, certa vez, em palestra com
o abaixo assinado, declarou radiante: «Por vezes me sinto avas-
salado por uma profunda admiração por esses padres espanhóis
e portugueses, que tão abnegadamente trabalharam para dar aos
pobres índios uma civilização e uma fé da qual ainda hoje falam
em sua muda eloquência as ruínas dos templos e das cidades por
eles construídos.» Pouco a pouco vê o leitor, qual filme admirá-
vel, surgir diante dos seus olhos, as «Reduções» ou Aldeias cris-
tãs dos tapes e guaranis, no meio das selvas ou das campinas,
com as suas casinhas bem edificadas e asseadas, as suas igrejas
monumentais, suas plantações, seus campos bem cultivados, os er-
vais, os currais, as vastíssimas estâncias povoadas de inumerável
gado vacum e cavalar, as oficinas mecânicas, verdadeiras col-
meias de manufacturas, e ainda, a interromper o ritmo dessa vida
laboriosa, o aparecimento de hordas de caçadores indígenas vin-
dos de Piratininga, por fim, a total ruína dos Sete Povos, vítimas
da rivalidade secular e do profundo antijesuitismo das cortes de
Lisboa e Madrid. Antes de finalizar, o A. nos traça em ligeiras
pinceladas a chegada dos primeiros açorianos e a sua aproxima-
ção dos naturais da terra não atingidos pelos Jesuítas, e a incor-
poração definitiva das Missões no domínio lusitano e o completo
desaparecimento da raça primitiva da terra rio-grandense.
Porto Alegre, a um de Janeiro de 1954, no 4° centenário da
vinda de Anchieta ao Brasil e da fundação da cidade de São Paulo.
P. Luís Gonzaga Jaeger, S. J.
PREFÁCIO DA P EDIÇÃO
Êste trabalho, que inicialmente deveria obedecer às restritas
proporções de um modesto estudo sobre a "Arte na civilização
jesuítica das Missões", em virtude de um convite endereçado ao
autor pelo director do Serviço do Património Histórico e Artístico
Nacional, Dr. Rodrigo Melo Franco de Andrade, pelas injunções
do próprio assunto, excedeu os limites que se lhe traçaram. Sem
um estudo prévio da civilização jesuítica, que floresceu nas Mis-
sões Orientais do Uruguai e sua conexão com os lineamentos da
fundação do Rio Grande do Sul, difícil seria compreender, em suas
linhas estruturais, a arte jesuítica-colonial, cujos monumentos ve-
tustos se reerguem, agora, na região missioneira, reconstituído pe-
lo Serviço do Património Histórico, por determinação do Sr. Ge-
túlio Vargas, que assim integra ao património artístico nacional
uma das mais belas páginas da História do Brasil.
Ao iniciar as pesquisas documentais sobre que assenta este
trabalho, que tem como principal fonte a preciosa Colecção de
Angelis, mal vislumbrada pelos historiadores que versaram sobre
as Missões jesuíticas, compreendemos, desde logo, a arduidade da
tarefa que pesaria sobre os nossos ombros nesta tentativa de nos
distanciarmos das obras clássicas, que até hoje foram o veio qua-
se único de que se têm abeberado os estudiosos desse ciclo de ci-
vilização aborígine do sul. No prosseguimento dessas pesquisas
em milhares de documentos, em sua maior parte originais e iné-
ditos, que constituem essa colecção da opulenta Secção de Manus-
critos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, revelações sur-
preendentes encheram-nos de admiração e respeito por esses ho-
mens admiráveis que foram os jesuítas e compreendemos a ver-
dade que encerram as palavras de Capistrano de Abreu, quando
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AURÉLIO PORTO
afirmava que eles realizaram "uma obra sem exemplo na His-
tória".
Não nos tentava, porém, a pretensão de traçar os lineamentos
dessa história, senão carrear os materiais abundantes que a pes-
quisa nos desvendava. Aí estavam as matérias-primas para cons-
truir o arcabouço definitivo da etnografia indígena do extremo
sul, a penetração branca, a catequese jesuítica, a expansão do ban-
deirismo paulista, lutas, horas construtoras de paz, e as origens
da economia e da civilização jesuíticas. Outros, muitos outros as-
pectos afloravam dessas fontes prodigiosas, únicas pelo seu inedi-
tismo, de que somos os detentores e que mal vamos conhecendo
agora.
Revestimo-nos de coragem, de paciência e de tenacidade. A
arte míssioneira, que queríamos estudar em seus principais sec-
tores, não poderia cifrar-se, unicamente, na apreciação dos mo-
numentos que se adivinhavam nas ruínas vetustas das Missões,
nem nas estátuas, ou na colecção de peças dessa origem, reco-
lhidas aos nossos museus. Faltar-lhe-ia alguma coisa. E essa
seria a própria alma que vitalizara esses mudos atestados de um
mundo diferente em que palpitara a vida em estos admiráveis de
fé, em vibrações inspiradoras e fortes. Através da mudez secular
desses escombros, que reviviam agora, adivinhava-se o jesuíta, to-
cado pela divina intuição da sua fé imensa, a transmitir às chus-
mas incultas de pobres índios um pouco de si mesmo, com a pie-
dade infinita que se lhe extravasava da alma.
Não pretendemos fazer história e simplesmente nesta série
de monografias sobre vários assuntos que se entrosam, enquanto
não se divulgam mais amplos horizontes à pesquisa das nossas coi-
sas, oferecer elementos ao futuro historiador. A este, sobre as
proporções de um justo critério, caberá lançar as bases definiti-
vas da história da civilização jesuítica das Missões.
Para fazer os seus templos, imensas catedrais que lançam pa-
ra os céus americanos as suas torres altas, numa afirmação admi-
rável de fé, à frente das chusmas de índios que mal compreendiam
as finalidades espirituais desses monumentos, os padres percor-
riam distâncias imensas, sob a canícula dos sóis abrasadores e às
inclemências das intempéries, para trazer aos ombros uma pou-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 15
ca de terra, um madeiro pesado, uma pedra de singular valor que
ficasse nos alicerces do templo, como exemplo de sua contribui-
ção à obra que se erigia. É, no momento, o que cabe ainda a
nós, pesquisadores do passado, no carreamento desse material com
que outros, operários insignes e mestres consumados, levantarão
os templos indestrutíveis da nossa história.
Sentir-nos-emos felizes se esta contribuição de largos e afa-
nosos trabalhos de pesquisa puder de qualquer modo ser útil aos
construtores dessa obra.
Divide-se este trabalho em dois volumes:
1", o Ciclo da Civilização Jesuítica das Missões;
2", a Arte na Civilização Jesuítica das Missões.
Como salientamos, tem como fundo principal a Colecção de
Ângelis, magnífico e quase inédito repositório documental de his-
tória sul-americana, existente na Biblioteca Nacional. Ampliam
outros assuntos, além de ^elementos documentais da própria Biblio-
teca e do Arquivo Nacional, fontes bibliográficas citadas no texto.
Rio, 1941-1942.
A. P.
I
■
A COMPANHIA DE JESUS.
1. Fundação da Companhia de Jesus. — 2. Os
Jesuítas no Brasil. — 3. Província do Paraguai. —
4. A Catequese. — 5. Civilização jesuítica-colonial.
1. Fundação da Companhia de Jesus.
Quando, para maior glória de Deus, Inácio de Loiola escreveu
os seus Exercícios Espirituais, já não mais ecoava pela terra a
doce voz de São Francisco, a Caridade Perfeita. A Fé periclitava
entre os escombros da Idade Média. E a Igreja de Cristo, o mo-
numento mais sólido de todos os tempos, sentia em seus alicerces
o choque tempestuoso das correntes solapadoras de falsos precei-
tos cristãos. Com o Pobrezinho ãe Assis extinguia-se a prática
do bem, a caridade e a pobreza, virtudes elementares com que
Cristo cimentara a sua Igreja na terra. A ambição dos bens ter-
renos, o egoísmo que dividia os homens, a inveja que corrompia
as consciências, as perseguições e as injustiças iam-se infiltrando
no organismo religioso da época. O missionário de Cristo alijara
do coração o sentimento da fraternidade. E muitos membros da
Igreja, cuja missão era aproximar os homens de Deus pelo exer-
cício da oração, se afastavam dos homens pela prática da iniqui-
dade.
Com a Inquisição, pelo terror, implantam-se o ódio, a mentira,
a delação, o suplício. Em nome da Fé despenham-se cachoeiras
de sangue inocente, enodoando a Cruz de Cristo. E a violência,
com o surto de todos os seus horrores, invade a consciência reli-
giosa do tempo. Ao princípio condenam-se hereges ao fogo purifi-
cador, aos martírios, cujo refinamento atinge inimaginadas culmi-
nâncias. Mais tarde, a perseguição se estende a maometanos e
judeus. E começam essas hecatombes que a História registra com
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AURÉLIO PORTO
seus requintes de crueldade e de injustiça. E o homem, o filho de
um Deus misericordioso e justo, inquire, com olhos espavoridos,
os escombros de sua própria fé, vendo tênuamente dela se levan-
tar a luz de uma esperança a lhe acenar com a Caridade que de-
sertou do coração humano.
A Reforma, que surge com Lutero, solapa ainda mais os ci-
mentos da Igreja. Sente-se que ela oscila em suas multissecula-
res colunas, como ao sopro de um vendaval desenfreado. Só não
cai porque é eterna e a alimenta ainda o bafejo do espírito do Se-
nhor.
E, para salvar o seu prestígio, integrá-la aos princípios da ver-
dadeira caridade, retornar à pureza da Fé, obnubilada no espírito
humano, e realizar a prática de todas as suas virtudes, surge. Iná-
cio de Loiola, arvorando a cruz redentora, sob cuja guarda congre-
ga companheiros insignes.
Soldado e fidalgo temperou a rija fibra do seu espírito no
exercício das guerras, no heroísmo das refregas sangrentas, nas
resistências da própria bravura. Em luta contra os Franceses,
que invadem a Navarra, onde, em Pamplona, era capitão da guar-
nição militar, recolhe-se a um^ fortaleza e aí resiste com denodada
energia. Ferido, transporta-se ao castelo de Loiola, nas Provín-
cias Vascongadas, onde nascera, e ali se submete a duas interven-
ções difíceis para evitar ficasse claudicando de uma perna.
Já convalescente, para deleitar o espírito, pede algum livro de
cavalaria. Mas, à falta destes, lhe trazem uma Vida de Cristo e
um Florilégio de Santos. Foram estes livros a ponte espiritual
que se lhe estendeu para um ideal mais perfeito, porque eterno.
E, desde então, se pôs incondicionalmente ao serviço de Deus. Rei
dos Reis, relegando o dos príncipes da terra.
«Apenas se ergueu do leito, Inácio pôs-se a caminho. Visitou
as ermidas de Nossa Senhora. Passou por Montesserrate, e de-
teve-se em Manresa, na Catalunha, um ano. Pedindo esmola, dor-
mindo onde a caridade dos outros lho consentia, ia de vez em quan-
do orar a um lugar retirado, espécie de gruta na escarpa de uma
ligeira encosta. Jejuns, oração, reflexão, assistência divina. Nes-
te seu retiro de Manresa teve a primeira ideia dos Exercícios Es-
pirituais e aqui redigiu o primeiro esboço desta sua grande arma
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 19
de combate. De Manresa seguiu para Barcelona; de Barcelona
para a Palestina (1523). Não podendo ficar em Jerusalém (1524),
voltou, resolvido a pregar os Exercícios Espirituais através do
mundo. Verificando que lhe faltavam letras e teologia, põe-se,
homem decidido, depois dos 30 anos, a aprender latim nos bancos
da escola. Dirige-se depois para as Universidades de Alcalá e
Salamanca. Começando a dar os Exercícios, sem estudos, atrai
sobre si a atenção dos inquisidores, naquelas duas cidades. Ê pre-
so. Em Alcalá teve os grilhões aos pés durante 42 dias; em Sa-
lamanca durante 22. O processo, que lhe formaram, declarou-o,
é certo, isento de erro, na vida e doutrina; todavia, persistindo as
peias que lhe tolhiam a pregação, resolveu acabar os estudos em
Paris (1528). Ainda o molestou ali a Inquisição. Mas, dentro
em breve, impondo-se pela sua pessoa e pela sua doutrina, a Inqui-
sição permitiu a actividade apostólica de Inácio, sobretudo a dos
Exercícios Espirituais. Respirou. Em Paris estudou primeiro no
Colégio de Montaigu e, em Outubro de 1529, passou para o de
Santa Bárbara, de que era director o célebre pedagogo português
Diogo de Gouveia. Inácio de Loiola recebeu o grau de mestre
em Artes em 1534. E dando-se ainda à Teologia, concluiu, en-
fim, a sua cárreira de estudos. -)
Os Exercícios Espirituais dão corpo e alma à Companhia.
Sua missão é restaurar no coração humano a fé perdida. E levar
por todos os recantos do mundo, com bondade e com amor frater-
nal, a palavra de Cristo, os seus ensinamentos, os esplendores de
sua divina Caridade, a conquista das almas perdidas no desconhe-
cimento da verdade eterna. Através da propagação desses prin-
cípios, Deus desceria novamente até os homens, envolvendo-os na
paz de sua glória infinita.
f
Em síntese, os Exercícios Espirituais, essência das Constitui-
ções, que dão molde à Companhia de Jesus, são um pequeno livro
que «assenta em dois princípios: um, como fundamento, na razão
esclarecida pela fé, à criação do homem e o fim para que foi cria-
do; outro, fundado na fé, a Encarnação do Filho de Deus, cuja
1) Serafim Leite, S. J. História da Companhia de Jesus no Brasil.
I, 3.
20
AURÉLIO PORTO
imitação deve ser a maior ambição humana. Supõe-se o pecado
e, portanto, a reação contra o prazer. A mortificação é a grande
lição de Jesus. E ela, dada por amor dos homens, pede ao homem
a correspondência da imitação e do amor. Cristo apresenta-se
como rei à conquista do mundo sobrenatural e convida todos os
homens de boa vontade a participar desta conquista. Os Exercí-
cios acomodam-se a todos os géneros de pessoas, mas para os que
seguem ou escolhem a perfeição religiosa, Santo Inácio dá-lhes dela
um conceito novo. Até então a vida religiosa considera va-se como
afastamento do mundo. Santo Inácio integra a sua Ordem no
mundo e faz dela uma companhia para a conquista do mundo.
Cerra os laços da disciplina, fortifica as almas pela oração, exame
particular, sacramentos, e liberta os seus religiosos de práticas
externas, boas em si, mas que poderiam tolher os movimentos de
uma companhia activa: coro, jejuns, capítulo, hábito próprio. A
abnegação interior é a força da Companhia de Jesus. Fundada
nos Exercícios, a sua espiritualidade reveste carácter magnífico de
unidade, precisão, largueza de vistas, flexibilidade e segurança. A
espiritualidade da Companhia está na base de quase todos os Ins-
titutos Religiosos, fundados depois dela. 2)
Em torno de Inácio de Loiola reúne-se uma plêiade de homens
notáveis. O Beato Pedro Fabro, São Francisco Xavier, Diogo
Laínez, Afonso Salmeron, Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha.
Para realizar os objectivos que se propunham resolvem a 15 de
Agosto de 1534 organizar a sua vida espiritual. E, em Paris, na
capela de Nossa Senhora, erecta na colina de Montmartre, em hon-
ra de São Dinis, fazem os votos de castidade, de pobreza, de ir
em peregrinação a Jerusalém e ocupar a vida e forças na salva-
ção do próximo, administração dos sacramentos da confissão e
comunhão, pregação e celebração da missa, tudo sem estipêndio.
Depois de uma série de viagens pela Espanha, Veneza e Ro-
ma, onde são vítimas de perseguições, Santo Inácio e seus discí-
pulos concertam a fundação da Companhia de Jesus, que foi apro-
vada pela bula Regimini Militantis Ecclesiae, em 27 de Setembro
2) Serafim Leite. História cit. I. 15.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
21
de 1540. No ano seguinte era Santo Inácio eleito Geral da nova
Ordem.
Perfeita a organização do Instituto religioso, iria ele encher
séculos de obras edificantes na dilatação da fé e purificação dos
próprios costumes clericais. Assentava sobre a mais perfeita obe-
diência, pobreza e castidade. E dentro desse triângulo básico de
virtude sacerdotal, apurava-se a perfeição, «primeiro cuidado do
verdadeiro jesuíta, que inclui o de viver na união de uns para com
os outros, com espírito de generosidade para com Deus, numa per-
feita e total abnegação de si mesmo. Para este alto ideal dispõe
de meios de santificação adequados, além dos especificamente re-
ligiosos, que são os votos: a oração, a meditação, os sacramentos,
a mortificação dos sentidos e penitências discretas».
«Santo Inácio, com a sua clarividência me-
ticulosa, não deixa nada ao acaso. O cuidado
da saúde; as relações com as pessoas da fa-
mília e de fora; a abertura de consciência com
os superiores: tudo se regula na vida, externa
e interna, dum filho da Companhia que, sendo
fiel, diligente e generoso, fica apto para rea-
lizar o duplo fim de sua vocação: santificar-se
a si próprio e santificar os outros. 3)
Organizada a Companhia, iniciam-se os
São Francisco Xavier seus trabalhos apostólicos. Francisco Xavier
(1506-1552) segue para o Oriente a predicar o Evangelho,
recolhendo ao redil de Cristo, sob a bandeira
de Portugal, rebanhos inumeráveis de almas. Elevado aos alta-
res torna-se o padroeiro universal das Missões. Simão Rodrigues
funda a Província de Portugal, que vai dar origem à catequese
entre os Brasis. Outros seguem para regiões distantes, abrasa-
dos pela mesma fé, movidos pela mesma virtude, orientados pelos
rumos da fraternidade humana, sofrendo horrores, padecendo fo-
mes, mas firmes e fortes, quer na consagração ao Senhor nas sel-
vas inóspitas, nos descampados sáfaros, quer nos martírios glo-
riosos em que exalçam a glória de Deus.
3) Serafim Leite. Obra cit. I. 14.
22
AURÉLIO PORTO
2. Os Jesuítas no Brasil.
Coube ao padre-mestre Simão Rodrigues que, como São Fran-
cisco Xavier, se destinava à índia, ser o fundador da Assistência
Jesuítica de Portugal, uma das seis em que se dividia então a Com-
panhia. Compreendia essa Assistência, «além da Metrópole, a
Província da índia, que se desdobrou depois em duas — Goa e
Malabar — , o Japão, a vice-Província da China, a Província do
Brasil e a Vice-Província do Maranhão.»
Campo imenso para a colheita de frutos opimos, abria-se o
Brasil para os trabalhos da Companhia. Quis o padre Simão, em
pessoa, ser o desbravador do caminho. E havia resolvido partir
para esse destino, em meados de Janeiro de
1549, com 10 ou 12 companheiros, o que não
chegou a realizar pela dificuldade momentâ-
nea de sua substituição no provincialato de
Portugal. A Manuel da Nóbrega fora reser-
vada a glória de ser o Apóstolo do Brasil.
Em 29 de Março de 1549, em companhia
do governador-geral Tomé de Sousa, Nóbre-
ga e mais cinco companheiros aportam à Baía.
Eram estes os Padres Leonardo Nunes, Antó- Pe s,„,õ0 Rodrigues
nio Pires, João de Aspilcueta Navarro e os (1511-1579 >
Irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome,
nomes que se tornaram ilustres pelos trabalhos e pelas virtudes.
Ia-se abrir para o Brasil essa página de sua História que é,
em síntese, toda a sua própria história. Toda a vida da Colónia,
as raízes de sua economia; os princípios de sua cultura moral, es-
piritual, educacional; a catequese dos índios e a moralização
dos costumes dos colonos; as forças de coesão e unidade da raça
e da língua — daí decorrem e se expandem. O Jesuíta, honra lhe
seja, pela sua tenacidade e feitio moral, pela sua fé inabalável,
pela sua abnegação e bravura, como soldado de Cristo, realizou
no Brasil a obra mais notável que alicerça seus fundamentos his-
tóricos.
Começou na Baía, com a chegada de Nóbrega, a acção desses
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
23
pioneiros insignes. O que foram os primeiros tempos de lutas,
de sacrifícios, de renúncias e de glória não nos compete dizer. A
obra dos Jesuítas no Brasil já tem o seu historiador. O Padre Se-
rafim Leite, S. J., em sua monumental História, de dez alentados
volumes, dentro de um critério justo, descortina seus longínquos
horizontes.
Da Baía expande-se o trabalho apostólico dos companheiros
de Jesus. Já são mais em número, mas os mesmos em virtude,
ínclitos soldados da Fé. Entre eles já se conta José de Anchieta,
o futuro apóstolo do Brasil. Fundam-se os Colégios de São Vi-
cente, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pernambuco e outros. E
por toda parte a mesma assistência, o mesmo amor pelos oprimi-
dos e os humildes, o mesmo combate aos prejuízos e aos vícios, a
mesma abnegação construtora e exemplificadora.
Com a fundação de São Vicente, ruma para o Sul a actividade
apostólica dos Jesuítas. Dilatam-se os trabalhos da catequese
por terras ainda inexploradas, onde farta seria a messe das almas
do gentio. À frente da missão, que irá integrar à Colónia imensa
extensão territorial, completamente desconhecida, estão Nóbrega
e Anchieta. O Colégio de São Vicente fora fundado por Leonar-
do Nunes em princípios de 1550 e atingira notável prestígio. Em
1554 transfere-se para São Paulo de Piratininga, povoação que
exerceria predominante influência na expansão da Colónia para
o Centro e para o Sul.
Em São Vicente ingressa na Companhia o irmão Pêro Cor-
reia. É quem acompanha o Padre Leonardo Nunes na fundação
de Piratininga. Era então ali o único Jesuíta que pregava na
língua dos índios, que conhecia à maravilha. Falava horas a fio,
pela madrugada, como os pagés. E à sua palavra quente e per-
suasiva acudiam as chusmas de silvícolas e abriam-se amplas es-
tradas ao tabalho da catequese. Era Pêro Correia um elemento
de excepção. Muito moço aportara ao Brasil, indo conviver es-
treitamente com o gentio. Preador de índios, que vendia como
escravos, devassara quase todos os sertões, até o extremo sul.
Palmilhara as terras mais distantes, subindo levas de cativos que
apresava cruelmente. Antes de Villegaignon estivera na baía de
Guanabara. Preso pelos índios e destinado à morte, usou de um
24
AURÉLIO PORTO
estratagema, fazendo-se passar por filho de uma índia e de um
homem branco. E a índia se convenceu de que isto era real e
obstou a que o matasse.
Quando os Jesuítas chegaram a São Vicente, Pêro Correia era
um dos potentados da aldeia. Terras, gados e escravos consti-
tuíam-lhe bens apreciáveis. Tocou-lhe o coração a pobreza dos Je-
suítas, a sua caridade imensa, o seu amor pelo gentio. Proces-
sou-se em seu espírito uma súbita transformação. E o preador
cruel, o senhor de terras e gados, numa renúncia de todos os bens
terrenos doando aos meninos do Colégio tudo quanto possuía, foi
também ser ele mesmo apóstolo dos índios. Coração inundado
pela fé e pelo amor, morreu, protomártir da catequese, em terras
do extremo sul, para com seu sangue abrir fontes inexauríveis de
piedade cristã. Precursor dos insignes mártires e pioneiros da ci-
vilização jesuítica nas terras em que floresceram as Missões o ir-
mão Pêro Correia é o símbolo dessa civilização em sua etapa
inicial.
Já então a influência decisiva da Companhia de Jesus se es-
tendia por quase todos os recantos da vasta colónia portuguesa.
E com ela adoçavam-se os costumes, difundia-se a instrução, mo-
ralizava-se o clero desprestigiado, que não soubera se impor por
essas virtudes que eram o mais belo apanágio da Companhia. Do
Norte ao Sul, expondo a vida, derramando bens, cuidando da as-
sistência material e espiritual dos índios, diligente, probo, o je-
suíta tornava-se o factor preponderante na superestrutura orgâ-
nica da Colónia. Ia conquistar a terra imensa, uni-la pela língua,
pelos costumes e pela religião, preparando-a para o Brasil do fu-
turo.
3. Província do Paraguai.
A fundação da Província Jesuítica do Paraguai decorre, natu-
ralmente, da expansão dos trabalhos da Companhia no Brasil.
Muito influíram para a missão apostólica que se pretendeu levar
a essa longínqua terra, considerada então dentro das raias portu-
guesas, as primeiras notícias dali trazidas por expedições que, pelo
sertão, chegavam a São Vicente. António Rodrigues, soldado por-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 25
tuguês, que depois ingressou na Companhia, tendo sido, com D.
Pedro de Mendoza, um dos fundadores de Buenos Aires (1536) e,
mais tarde, companheiro de João de Salazar na fundação de As-
sunção do Paraguai (1537), foi um dos primeiros que informaram
aos Padres de São Vicente sobre «as tribos e costumes dos índios
e a catequese de um sacerdote virtuoso, chamado Gabriel, na ci-
dade de Assunção e, como este, desgostado do proceder dos- es-
panhóis, se retirou da cidade, indo numa nova entrada pelo Pa-
raguai acima». António Rodrigues falou com o Padre Nóbrega
«que fosse ou enviasse lá um da Companhia, porque ali perto há
outros gentios, que não comem carne humana, gente mais pie-
dosa e preparada para receber a nossa santa fé, por terem gran-
de estima e crédito dos cristãos.» 4)
Mais tarde o capitão Rui Diaz Melgarejo e o aventureiro ale-
mão Ulrico Schmiedel completam essas notícias. Um filho de Mel-
garejo, Rodrigo, em 1573, ingressa na Companhia. E «Rui Diaz
de Melgarejo», observa o Padre Serafim Leite 5), «tendo um fi-
lho jesuíta no Brasil, não seria estranho às negociações e pedidos
que depois se multiplicaram, no Paraguai, para a ida dos Padres.»
Já o Padre Leonardo Nunes, em 1551, pretendia pôr em prá-
tica essa ideia. Levaria consigo alguns línguas, entre os quais o
irmão Pêro Correia. Nóbrega, no ano seguinte, refere-se a essa
missão. E, em pessoa, resolve executá-la. Mas, o governador-ge-
ral Tomé de Sousa, que, a princípio, aprovara o cometimento, pon-
derando melhor o assunto, e vendo os inconvenientes que resulta-
riam do afastamento de Nóbrega e o desfalque de elementos de
escol que enfraqueceria a acção jesuítica no litoral, opôs-se depois
tenazmente à ida da missão ao Paraguai. Mas, Nóbrega não de-
siste do intento, adiando, para melhor época, a sua execução. De-
via atender às necessidades espirituais daquela dilatada Província,
porque tanto para ele como para Tomé de Sousa, como até para
Anchieta, o Paraguai era parte integrante da mesma expressão
geográfica, o Brasil. 6)
4) Serafim Leite. Carta de António Rodrigues. Anais da Biblioteca
Nacional. Rio. XLIX. Hist. da Comp. I, 335.
5) Serafim Leite. Hist. cit. I, 335.
6) Idem, ibidem, I, 338.
26
AURÉLIO PORTO
Não obstante os acontecimentos que desaconselham a parti-
da para o Paraguai, surge para Nóbrega o momento que lhe pa-
rece oportuno para fixá-la. Os irmãos Pêro Correia e João de Sousa
que, em missão aos carijós, abririam o caminho a João de Salazar,
foram martirizados por estes, quando entravam em terras dos
ibirajaras (1554). Com a grande expedição de João de Salazar,
em que iam os irmãos Góis, que introduziram o primeiro gado va-
cum no Paraguai, Nóbrega poderia seguir em condições de segu-
rança. Mas, em maio de 1555, quando se aprestava a expedição,
chega da Europa o Padre Luís da Grã, por quem Nóbrega espe-
rava. E Luís da Grã, contra a expectativa do Apóstolo, desaprova
a providência. Submete-se o Jesuíta à determinação do superior.
Adia novamente, renovando outras tentativas que não surtem efei-
to em face de proibições taxativas de Roma. E como era neces-
sária a sua presença no Brasil, havia-se mesmo resolvido a ida,
ao Paraguai, do Padre Grã, que parece ter até iniciado a viagem.
Mas o início da missão ao Paraguai estava reservado a Padres
da Província do Brasil. Em 1583, já reunidas as duas coroas pe-
ninsulares, foi sugerido que, aproveitando as armas espanholas, se
mandassem Padres ao «Rio da Prata, Paraguai e aos Patos, e a
outras partes que se contêm no ininterrupto litoral brasileiro.» No
ano seguinte aprovava o Padre Geral Cláudio Aquaviva essa su-
gestão. Em 1585, o bispo de Tucumã, D. Francisco Vitória, tam-
bém português, intercede junto ao governador da Baía e o provin-
cial do Brasil para a ida ao Paraguai de uma missão da Compa-
nhia.
Depois de seis meses na Baía, tempo em que se construiu um
navio, voltam os emissários do bispo, levando em sua companhia,
com destino a Buenos Aires, os Padres Leonardo Armínio, supe-
rior, Manuel Ortega, João Saloni, Tomás Fields e Estêvão da Grã.
Até o Rio da Prata a viagem correu normalmente, mas aí fo-
ram os navios apresados pelo corsário inglês Roberto Withrington,
que os saqueou, maltratando e prendendo os Padres. Sofreram
verdadeiros horrores, sendo o Padre Ortega atirado à água. De-
pois de várias peripécias conseguiram entrar no porto de Buenos
Aires, em Janeiro de 1587.
Ao chegarem a Córdoba de Tucumã, ali encontraram já dois
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 27
Padres da Companhia, procedentes do Peru. Surpresos por terem
de repartir tão gloriosos trabalhos numa seara que a eles parecia
competir, comunicaram ao Brasil as impressões recebidas e não
tardou a ordem do Geral ao Provincial do Brasil para que se re-
colhessem à sua sede. Voltou o P. Armínio com o P. Grã. Os
outros três ficaram, seduzidos pela terra e pela gente, depois da
respectiva licença. Não haviam iniciado ainda a sua missão quan-
do o visitador do Peru ordena que se retirem do Paraguai. Orte-
ga é levado, mais tarde, preso para Lima, e Fields, doente, fica
ali provisoriamente. Há falta de gente para a catequese que urge
e aquele visitador, o Padre Pais, pensa entregar a missão, defini-
tivamente, à Província do Brasil. «Fields», diz Serafim Leite, in-
terpretando o opinião corrente, «dirigiu-se ao Geral, de Assunção,
a 27 de Janeiro de 1601, insistindo por aquela entrega, alegando a
facilidade de comunicações com o Brasil, contraposta às difíceis e
demoradas com o Peru.» 7)
Esse alvitre, porém, não foi aceito. A dilatação dos traba-
lhos da Companhia, no Brasil, que já estendera suas missões para
o norte, não aconselhava maior dispersão de esforços. Em 1604,
por ordem do geral, terminara-se a criação de uma província in-
dependente, a do Paraguai, o que se levou a efeito em 1607.
«A missão, porém, já tinha sido fundada desde 1588, e essa é
a glória dos três Padres vindos do Brasil, Ortega, Saloni e Fields,
que foram os primeiros a regar com os seus suores apostólicos
aquelas históricas paragens. Ficaram algum tempo esses Padres,
depois de chegar a Santiago dei Estero, com o P. Barzana. Tendo,
porém, adoecido este padre e não sabendo eles a língua de Tucumã,
trasladaram-se todos os três ao Paraguai, com a anuência do P.
Angúlo, superior daquela missão. Os Padres Saloni, Fields e Or-
tega foram recebidos festivamente pelo governador e gente prin-
cipal na cidade de Assunção, no dia 11 de Agosto de 1588, ver-
dadeira data inicial da missão do Paraguai.
«A diversidade de nações de seus fundadores, um português,
7) Serafim Leite. Hist. da Comp. I, 349; — Luís Gonzaga Jaeger,
S. J. "Os bem-aventuraãos Roque González, Afonso Rodriguez e João dei
Castillo, cap. 3", p. 36 ss.
28
AURÉLIO PORTO
um catalão e um irlandês, é a imágem prévia da universalidade
que havia de ter mais tarde essa célebre Província.» 8)
4. A Catequese.
Estabelecida a missão, e tendo o Padre Saloni ficado em As-
sunção, como superior, seguiram os outros dois para o Guairá, on-
de iniciaram trabalhos de catequese do gentio.
O P. Barzana, que se reuniu ao P. Saloni, em Assunção, em
carta datada de 8 de Setembro de 1594, relata esse auspicioso
início: «Em Santa Fé esteve o P. Armínio onde fez grande fruto
com os espanhóis antes de regressar ao Brasil e, em Vila Rica do
Espírito Santo, trabalharam, mais de dois anos, dois da Compa-
nhia, tanto com índios como com espanhóis, acudindo também ao
Guairá, que se achava sem sacerdote, e aos espanhóis, que tinham
fundado nova povoação, havia coisa de dois anos, nos Niguaras.
Os três Padres, que vieram do Brasil, sabem muito bem o guara-
ni, pouco diferente do tupi; e o P. Manuel de Ortega tomou a peito
no Guairá o estudo da língua ibirajara, nação numerosa e valen-
te.» 9)
Falecendo o P. Saloni, em 1599, recaiu todo o peso da mis-
são sobre os ombros dos Padres Fields e Ortega. O primeiro tra-
balhou principalmente com os espanhóis, mas ao segundo, verda-
deiro fundador da catequese, no Paraguai, coube a glória de recru-
tar milhares de almas para o grémio da Cruz.
Era o P. Tomás Fields natural de Irlanda, tendo nascido em
1549. Depois dos estudos que realizou em Paris, Douai e em Lo-
vaina, foi a Roma, onde ingressou na Companhia, em 6 de Outu-
bro de 1574. Indo a Portugual, embarcou em Lisboa, no ano de
1578, para o Brasil. Percorreu os sertões brasileiros e estava em
São Paulo de Piratininga em 1584. No Paraguai prestou relevan-
tes serviços à catequese do gentio e «além dos ministérios comuns
a todos, coube-lhe a glória de ser o traço de união entre a missão
8) S. Leite, ibidem, I. 350.
9) Idem, ibidem, I, 351.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 29
fundada pelos Padres do Brasil e a província do Paraguai, erecta
em 1607.»
É, porém, o P. Ortega um dos grandes da América, no dizer
de Serafim Leite, o iniciador da catequese entre os ibirajaras, cuja
grande nação (guananás) se estende de Guairá até o Rio Grande
do Sul. E, mais tarde, nas tribos dessa procedência, iremos en-
contrar, quase desfigurada pelo tempo, a tradição dos trabalhos
do grande apóstolo que se reflecte nas ideias religiosas que esses
silvícolas conservam.
«Manuel Ortega nasceu em Portugal, na diocese de Lamego,
em 1561. Diz Lozano que o bispo de Lamego era irmão de sua
mãe, senhora nobre e insigne benfeitora da Companhia. Entrou
na Companhia de Jesus, no Rio de Janeiro, a 8 de Setembro de
1580. Indo muito novo para o Brasil, aprendeu com facilidade a
língua indígena, que lhe serviu à maravilha no Brasil e no Para-
guai. Entre as suas inúmeras excursões apostólicas correu gra-
ves perigos. Enquanto esteve em Tucumã com o P. Barzana fal-
tou-lhe de comer e chegaram a estar «cinco dias naturais contínuos
sem provar bocado». Disseram-lhes que, daí a oito dias de cami-
nho, havia espanhóis que os poderiam socorrer. E o P. Barzana
ordenou ao P. Ortega que fosse lá. Fez a viagem com um índio
em boas cavalgaduras, gastando apenas 11 dias. Só por milagre
não caiu nas mãos dos índios. Ele mesmo conta o caso, porme-
norizadamente, em carta sua que Lozano diz transcrever «a la le-
tra». Certo dia, em 1597, para acudir aos índios numa grande
enchente do rio, na região de Santiago de Jerez (no actual Mato
Grosso ),_ picou-se numa perna. Quando lhe arrancaram o espi-
nho no dia seguinte, era tarde e ficou a sofrer disso o resto da
vida. Visitou três vezes aquela cidade. O campo principal de
seu apostolado foram, no entanto, as cidades de Ciudad Real e
Vila Rica no Guairá. Nesta última acusaram-no de violar o se-
gredo sacramental. Levado para Lima esteve preso, stupente tota
Peruvia, (com estupefação de todo o Peru) em rigoroso cárcere,
suspenso dos ministérios sacerdotais, às ordens da Inquisição, du-
rante cinco meses. Consentiu depois o Santo Ofício que ficasse
preso no Colégio de São Paulo, em Lima. Felizmente, o delator
e caluniador, arrependido, confessou, antes de morrer, a falsidade
30
AURÉLIO PORTO
da acusação. E, para mais eficácia, chamou um notário público
de Vila Rica que reduziu a auto as suas declarações. Quando es-
tes documentos jurídicos chegaram a Lima, onde residia o peni-
tenciado, o P. Ortega foi conduzido ao Tribunal da Inquisição e de-
clarado livre. Ao voltar, num carro com o P. Cabredo, Reitor do
Colégio, o povo, que soube logo a novidade, aclamou com efusiva
alegria pelas ruas da capital do Peru a inocência do Padre.»
«Em 1607, foi escolhido para a missão de Tarija, onde pres-
tou grandes serviços aos cheriguanas. Faleceu no dia 21 de Ou-
tubro de 1622, no Colégio de Chuquissaca. Tinha 61 anos de idade
e 42 de Companhia, passados mais de 35 nas missões.»
«Manuel Ortega, sofrido e obediente, cativo dos piratas, con-
fessor da fé, apóstolo dos ibirajaras, converteu milhares de almas
e percorreu imensos territórios, então inexplorados, que se repar-
tem hoje pelas repúblicas do Brasil, Argentina, Paraguai (Uru-
guai?), Bolívia e Peru. É um dos grandes da América: adeo ut
inter Americae Heroes iure mérito computaretur.» 10) (tanto que
mereceu com justiça ser contado entre os heróis da América.)
O Paraguai se abria num vasto campo de batalha para os
insignes soldados da Fé. A missão do Brasil viera desvendar o
caminho da conquista espiritual, que não tardaria em acrescentar
aos trabalhos da Companhia gloriosas oportunidades de integrar
à civilização cristã multidões de almas redimidas pela fé. Mas.
para isso, de mister seriam momentos de sofrimento inenarrável,
fomes e dores e muito sangue vertido nos padecimentos do martí-
rio que coroaria de santidade a fronte serena desses grandes após-
tolos de Cristo.
Chegara ao conhecimento do Padre Geral Cláudio Aquaviva
a notícia dos frutos que a Missão ia colhendo em sua catequese
pela dilatada província do Paraguai. Necessário se fazia desmem-
brá-la da do Peru, dando-lhe autonomia para que melhor se desen-
volvesse. E, nesse sentido, em data de 9 de Fevereiro de 1604,
em carta dirigida ao P. Diogo de Torres, determina se faça de
Tucumã e do Paraguai uma província independente e, para diri-
gi-la, elege ao P. Torres, cujas nobres qualidades e virtudes eram
10) Serafim Leite. Obra cit. I, 357.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
31
assaz conhecidas. Traslada-se este para Lima, mas, ali chegando,
encontra-se a braços com o conflito originado pela denúncia levada
ao Santo Ofício contra o P. Ortega.E isto levou-o a sobrestar a
execução das ordens que recebera do Padre Geral para a fundação
da nova província. Desaprovando a dilação, renovou este a deter-
minação anterior, mandando que o P. Diogo de Torres seguisse,
sem demora, para o Paraguai, a fim de pôr em prática a ordem
recebida.
Levando uma escolhida plêiade de companheiros, cujos nomes
ficarão perpetuados por trabalhos de relevância, na nova provín-
cia, o P. Torres seguiu para Córdova, onde fundou o noviciado da
Companhia, passando logo depois a Santiago do Chile, para cele-
brar a primeira Congregação Provincial, em 12 de Março de 1607.
Em companhia do Provincial iam os irmãos Tioviços Pedro Romero
e António Ruiz de Montoya, cujos nomes são padrões eternos na
civilização jesuítica das Missões do Uruguai.
Dando notícia dos primeiros passos que se intentavam para
inaugurar aquela obra, o P. Torres escrevia, em 22 de Março
de 1608, de Santiago de Chile, ao Padre Geral, nos seguintes ter-
mos: «Encontrei nas duas governações de Tucumã e Paraguai
somente oito dos nossos; cinco em Tucumã, a saber: o P. João Ro-
mero, superior, P. João de Viana, P. João Dario, P. Horácio Mo-
reli e Irmão Eugênio de Baltodono, e três em Assunção, que assim
se chama a cidade metrópole daquela governação; P. Marcial de
Lorenzana, superior, P. Tomás Fields e P. João Cataldino. . .
Os três Padres que estão em Assunção têm trabalhado sem
sair dali, a pé firme, por ser uma cidade de muitos índios e espa-
nhóis que nos amam e estimam muito.» X1)
Neste ano recebe Assunção mais três dedicados obreiros que
se destinam ao aprendizado da língua guarani e entre os quais se
encontra o P. Simão Masseta, que deveria antes terminar o biénio
do seu noviciado em Córdova.
Recomendações especiais de S. M. sugerem a necessidade de
11) P. Pablo Pastells. Historia de la Compartia de Jesús en la Pro-
vinda dei Paragvxty, I, 131.
História das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte O
32
AURÉLIO PORTO
ordenar em sacerdotes os filhos da terra para que acudam às
doutrinas que se forem estabelecendo entre o gentio.
Em fins de 1609, estende o P. Diogo de Torres o âmbito dos
trabalhos de catequese, sendo fundadas as reduções iniciais do
Guairá. Vão para ali os Padres José Cataldino e Simão Masseta,
a que se vão juntar, em seguida, outros ilustres desbravadores da-
quela vasta seara de Cristo, trabalhada já, nove anos consecuti-
vos, pelos Padres Tomás Fields e Manuel Ortega, da missão do
Brasil. Outras regiões recebem também os benefícios da evange-
lização. A missão do Paraná, que é fundada pelos Padres Marcial
de Lorenzana e Francisco de San Martin, apresenta progressos
dignos de nota, depois de uma resistência tenaz dos índios. Diz
o P. Torres que essa missão «é uma planta de muita estimação,
onde padeceram esses dois obreiros muitos trabalhos para ganhar,
trazer e persuadir com razões a esta nação (guaicuru), que é mui-
to bárbara e feroz, è que somente deixou de comer carne humana
por persuasão dos Nossos». A perseverança dos Padres, a sua
piedade para com esses infelizes, iam-nos reduzindo aos poucos.
Já haviam sido doutrinados 200, principalmente crianças, por cujo
conduto se ganhavam os adultos. Mais tarde conquistam certos
caciques de prestígio, o que aumenta os resultados da missão. Os
Padres são ameaçados, inúmeras vezes, pelos infiéis. Os catecúme-
nos preparam-se para a guerra, mas o temor impede que os ini-
migos os assaltem. Em 1611, escrevia ao Provincial o P. Loren-
zana: «Estão chegando à minha redução cada dia novos caciques
com sua gente. Outros 10 virão com sua chusma dentro de 10
dias e um deles é Tabacambi, capitão-general do Paraná, e todo
Paraná está movido para vir dentro de dois ou três meses; espero
com o favor de Deus ter em minha redução mais de 1.000 índios,
que serão 6.000 almas e mais:» 12)
Designado Reitor do Colégio de Assunção, o P. Lorenzana
deixa a missão e é substituído pelo P. Roque González de Santa
Cruz, tendo como companheiro o P. Pedro Romero, mais tarde
fundadores das reduções do Uruguai e mártires da fé às mãos dos
índios, o P. Roque em terras do Rio Grande do Sul em 1628, e o
12) Pastells. Obra cit. I, 166.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 33
P. Romero em 1644, ao Norte do Paraguai, às mãos dos itatins.
E informa o P. Diogo de Torres, dando notícia da substituição:
«Escreve-me o P. Roque González. . . que há de ser esta redução
de grande proveito e muito povoada por aqueles índios; porque
está na passagem para todo o Paraná, e o que é mais, é que dali
se pode fazer missão para a província do Uruguai, onde há muito
tempo se há desejado entrar para acudir a mais de 50.000 ín-
dios.» ,!) O Padre Roque já tem assim os olhos e o coração vol-
tados para a terra missioneira, onde receberá a palma do martí-
rio e fará de seu sangue a sementeira da fé.
E assim vai-se estendendo, numa irradiação contínua, para
todos os lados, a obra da catequese jesuítica, levada á efeito por
esses admiráveis precursores. Guairá, Paraná, Uruguai e Tape
recebem, pouco a pouco, com a cruz que plantam em todos os seus
mais recônditos rincões, a luz da religião, os fundamentos da ci-
vilização cristã. Muitos tombarão na jornada, exaustos pelo tra-
balho, acabados pelos padecimentos, minados pelas enfermidades,
ou martirizados pelos índios. Mas, cada apóstolo que cai, para
não mais se levantar, é um símbolo da glória que os reveste de um
halo de benemerência eterna. Só a Companhia de Jesus, com as
suas regras de obediência, com o recrutamento de verdadeiros
predestinados, com a fé imensa de seus prosélitos, com a renún-
cia absoluta de tudo pelo bem de todos, com a caridade inigualá-
vel que enche o coração de seus sócios, poderia realizar essa obra
gigantesca pela vontade do Senhor.
5. Civilização jesuítico-colonial.
A civilização jesuítico-colonial, que floresceu nas Missões
Orientais do Uruguai, divide-se em duas fases perfeitamente dis-
tintas, entre as quais há um interregno de capital importância para
a história económica do sul do Brasil.
A primeira fase em que se incita a catequese do gentio é de
curta duração, pois compreende somente 11 anos (1626-1637), que
13) Idem, ibidem.
34
AURÉLIO PORTO
decorrem entre o estabelecimento das primeiras reduções e ex-
pulsão dos Jesuítas pelas bandeiras paulistas. Até p retorno dos
Jesuítas e a fundação do primeiro dos Sete Povos, em território
rio-grandense, transcorrem 45 anos (1637-1682), e é nesse ínte-
rim que os primeiros rebanhos de gado, aí lançados pelos Padres,
se desenvolvem assombrosamente, constituindo o fundo nuclear
da opulenta riqueza económica, razão de ser do futuro povoamen-
to do Rio Grande do Sul, entreposto que se fixa entre a Colónia do
Sacramento e a Laguna. A segunda fase, característica da mais
alta civilização jesuítico-colonial, em que se firmam elementos ar-
tísticos que perduram até aos nossos tempos, nas ruínas grandio-
sas dos templos e nas peças escultóricas que enriquecem nosso
património cultural histórico, ocupa 85 anos que medeiam entre
1682 e 1767, data da expulsão dos Jesuítas.
Começa então o declínio da civilização, criada pelos Jesuítas
nas Missões. As administrações leigas, a falta da disciplina que
os Padres sabiam impor, o relaxamento dos costumes cristãos e
a disseminação dos vícios corrompem o carácter das populações
missioneiras. Em 1801 tem lugar a Conquista das Missões, leva-
da a efeito por José Borges do (Canto e um reduzido grupo de rio-
grandenses. Incorporada ao domínio português, a Província de
Missões, que se torna teatro de lutas, é depredada por um ou outro
dos contendores que nela se entrechocam. Suas riquezas mara-
vilhosas em alfaias dos templos, prataria incontável e estátuas
magníficas, foram dispersas em saques consecutivos. Brasileiros
e Orientais, à porfia, em dezenas de carretas, transportaram para
toda parte o riquíssimo espólio das Missões. E, dentro em breve,
relegados ao descaso, ruíam os templos majestosos, sob as intem-
péries, e os próprios moradores dos Povos os iam sistemàticamente
destruindo para aproveitar seu material em construções particula-
res.
Gonçalves Chaves, em suas Memórias publicadas em 1822,
apreciando o fim melancólico da civilização missioneira, nos diz
que «nossos governadores portugueses em Missões (ao menos al-
guns deles), seguiram as regras dos Padres — não deixar os
brancos comunicar com os índios — e isto talvez para melhor se
apropriarem dos produtos do trabalho daqueles miseráveis, mas
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 35
não atinaram com a economia, que o governo dos ditos Padres
fazia prosperar aqueles Povos e por isto se pode dizer que apro-
veitamos dos Padres o mau e desprezamos o bom.
«Concluímos, pois, dizendo que todos os Povos estão em ruí-
nas, inclusive os suntuosíssimos templos e colégios magníficos, dos
quais já muitos deles estão por terra e a população quase extinta.»
Urgia, para atalhar a completa destruição dos Povos, emancipar
essas populações e consentir o comércio dos brancos, como têm
feito alguns comandantes. Criar localidades sob administrações
que regulem a economia e o governo dos próprios habitantes, «dei-
xando cada índio trabalhar, por si e gozar da protecção das leis, a
que têm direito como o mais povo do Brasil.» 14)
Quando o Brasil proclama a sua emancipação política, em 1822,
já quase nada existe dessa civilização que floresceu nas Missões.
Sugestivo é o confronto entre a população existente por ocasião
da conquista dos Sete Povos em 1801 e a de 1822, representada a
primeira por 14.010 e a segunda por 2.350 índios, em toda a re-
gião missioneira.
Com os templos que se esboroavam, com o património artís-
tico e cultural que se dispersava e consumia, com o eco longínquo
dos cânticos religiosos que não mais soavam nas igrejas e nas
pobres casas dos índios, extinguia-se a civilização jesuítica, símbo-
lo admirável da heróica tenacidade desses operários formidáveis
que plasmaram no barro bruto das populações selvagens gerações
de artistas e realizadores inconfundíveis.
14) Um português (António José Gonçalves Chaves — Memórias Ecó-
nomo-políticas sobre a administração pública do Brasil. Rio de Janeiro,
na Tipografia Nacional — 1822. Reeditadas pela Rev. I. H. G. do Rio
Grande do Sul. 1922 — Ano II — 2» e 3" trim. Porto Alegre.
CAPÍTULO I
PRIMITIVOS HABITANTES DO RIO GRANDE DO SUL
1. Unidade racial de um povo primitivo. — 2.
Ensaio de classificação aborígene. — 3. Grupo guai-
curii do sul. — 4. Grupo tape. — 5. Grupo guaianás.
— 6. O índio das Reduções.
1, Unidade racial de um povo primitivo.
Temos como provável, consoante documentação etnológica e
linguística que nos depararam demoradas pesquisas, serem os sil-
vícolas que povoaram o continente sul até o Rio da Prata, antes
da invasão tupi-guaranítica, em tempos pré-históricos* originários
de um tronco comum. Estabelecida a grande corrente migrató-
ria com que se derramaram para Sul e Oeste, estes povos foram
subjugando outros, legítimos autóctones, quiçá contemporâneos do
«homem das cavernas», ou das ostreiras litorâneas do sul, assina-
lados por Lund nos depósitos fósseis da Lagoa Santa e por vários
etnólogos que estudaram esses curiosos remanescentes de uma ra-
ça primitivíssima.
Constata F. Ameghino que «a América esteve povoada por
uma raça dolicocéfala, cujos representantes actuais parecem ser
os esquimós, os botucudos e quiçá também os indígenas da Terra
do Fogo. Essa raça foi, pouco a pouco, expulsa por outra bra-
quicéfala, cuja origem ainda ignoramos, mas que suplantou quase
completamente a raça primitiva». 2) E Carlos von Koseritz. es-
tudioso de vários aspectos da pré-história do sul para investigar
1) Aurélio Porto. Pré-história do R. G. do Sul, em "Terra Farrou-
pilha", I, 8.
2) F. Ameghino. La antiguedad dei hombre en el Plata, 93.
38
AURÉLIO PORTO
sobre a idade dos sambaquis, que supõe atingir a 7.000 anos, veri-
ficou que entre as conchas nele encontradas há algumas espécies
que há muito desapareceram do Atlântico e que os crânios de ex-
traordinária grossura, desenvolvimento anormal dos queixos e pro-
nunciado prognatismo indicam antiguidade remota. E conclui que
os ossos que se encontram nos sambaquis e nas igaçabas mais an-
tigas provam que o homem primitivo desta parte da América não
excedia a estatura mediana, que tinha cabeça pequena, mais com-
prida do que redonda, crânio de imensa grossura, queixos forte-
mente desenvolvidos com regular inclinação para o prognatismo,
«mais ou menos os mesmos traços característicos que Lund achou
no homem da Lagoa Santa, por ele qualificado como oriundo da
época terciária». 3)
Confirma essas conclusões o estudo que, em crânios provenien-
tes dos sambaquis de Santa Catarina e Paraná, fez o Dr. J. B. de
Lacerda, que diz:
«Nas duas primeiras séries (crânios referidos) o tipo desta-
ca-se por estes caracteres salientes — dolicocefalia occipital exa-
gerada com depressão considerável da fronte, grande desenvolvi-
mento facial com esbatimento de toda a região infra-orbitária e
notável projecção lateral dos pomos. O conjunto desses caracte-
res imprime ao semblante do indivíduo um aspecto bestial e revela
instintos ferozes de animalidade.
A um crânio assim conformado deverá corresponder um cére-
bro de lóbulos anteriores rudimentares compensado pelo desenvol-
vimento relativamente exagerado dos lóbulos parietoccipitais.
Por outro lado, as asperezas e os relevos ósseos que servem
de ponto de inserção aos músculos da face e da nuca indicam qual
a potência muscular de que dispunham esses indivíduos. Tudo,
pois, leva a admitir que esse tipo, cujos restos foram exumados
dos sambaquis de Paraná e Santa Catarina ocupava um nível mui-
to baixo na escala humana; e que ele pode ser equiparado aos po-
vos mais selvagens que hoje conhecemos». 4)
Nesse tipo racial, cuja primitividade é incontestável, encontra -
3) Carlos von «Koseritz, Subsídios etnográficos, 47.
4) Anais do Museu Nacional, IV.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 39
remos possivelmente o hoino-americanus ou, mais propriamente, o
autóctone do Sul. Ê o mesmo que iremos achar ainda, em seu
próprio habitat, já um tanto modificado em seus hábitos de fero-
cidade pelo contacto com outra raça de características superiores.
É o que faz supor a existência do grupo racial, completamente des-
locado entre duas correntes invasoras em choque, que os primei-
ros brancos vão encontrar, no Norte, na região lacustre do Rio
Grande do Sul e, mais tarde, na Serra do Nordeste, a cavaleiro do
litoral atlântico.
É o Jês, «grupo de povos etnogràficamente muito singulares
que, de carácter sobremodo arcaico, mais que todos os outros des-
sa região, merecem ser considerados autóctones». 5) Distin-
guem-se «pelo carácter fonético das línguas, o costume de bato-
ques ou rolhas de folha no lábio inferior ou nos lóbulos auricula-
res, pela falta de redes de dormir, a ignorância da olaria, assim
como certas peculiaridades nas armas, segundo a designação de
Martius. Estiveram geogràficamente derramados por toda a me-
tade oriental do planalto brasileiro desde seu declive ao Norte,
marcado pelas últimas cabeceiras do Xingu e do Tocantins, até
cerca de 30" Sul; para o poente até o alto Xingu, não alcançaram,
em compensação, o vale do Amazonas.» 6)
Dominando esse grupo e impondo, quiçá, a alguns de seus ramos
novas condições dé vida, constata-se a passagem de uma onda in-
vasora, vinda, provàvelmente, do Norte, que deixa vestígios em
monumentos líticos encontrados no Sul. Que migração foi esta?
Em que idade milenar realizou a sua penetração? Nada sabemos.
Ê de supor que a grande nação tape proceda dos remanescentes
dessa onda invasora, que ali estacionasse, seduzida pela terra apta
para a agricultura que dominava, enquanto outras avançadas for-
tes do mesmo povo, em sua marcha para Oeste, se dirigisse até
esbarrar nas altas muralhas dos Andes.
Encontram-se no município de Montenegro e em outros pon-
tos do Rio Grande do Sul, em lajes de grés duríssimo, ferrugino-
5) Di\ Paulo Ehrenreich. A etnografia da América do Sul. — "Rev.
Inst. São Paulo". XI. 296.
6) Idem, ibidem, 297.
40
AURÉLIO PORTO
so, algumas séries de escavações de diferentes diâmetros e profun-
didades, dispostas simètrimente, que se comunicam entre si por
canaletes superficiais ou furos internos. São as célebres «piedras
de tácitas», ou crisóis, destinadas a um culto totémico de uma ve-
lha raça ainda não identificada, mas que deverá ter-se expandido
por toda a América do Sul, onde se encontram os traços de sua
passagem. Essas pedras de crisóis, que serviam nas comemora-
ções totémicas para guardar o sangue das vítimas imoladas e onde
se molhavam as armas para que tivessem maior eficiência na
guerra e na caça, são encontradas em quase todos os países da
América Meridional, do Atlântico ao Pacífico. 7) As perfurações
similares, que existem na Serra de Baturité, Ceará, registadas pelo
Dr. C. Studart Filho, são inegàvelmente pedras de crisóis.
Confirmando, ainda, a unidade de uma raça desconhecida, que
deixou grupos representativos no Rio Grande do Sul, e cuja pas-
sagem deve ser anterior à invasão guaranítica, constata-se. entre
os nossos achados arqueológicos, a existência de estatuetas e ou-
tros petrefactos simbolizando o «phalus», bem como formidável
quantidade • de cachimbos de barro, de formas bizarras, recolhidos
ao Museu do Estado.
Referindo-se ao uso dos cachimbos, de que é notável a cole:
cão existente no Museu Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, o Dr.
H. von Ihering diz que os povos subandinos da Argentina exerce-
ram influência sobre o Brasil meridional e, particularmente, sobre
o Rio Grande do Sul, por esse uso que era comum entre os indíge-
nas pré-históricos do Estado, pois que os tupis fumavam charuto,
ao passo que os calchaquis (diaguitas) usavam cachimbo». s)
Em seu magnífico estudo sobre Tembetás e outros petrefactos
de inequívoca forma fálica, conclui o Dr. F. R. Simch que «a varie-
dade de objetos encontrados no Rio Grande do Sul leva a crer
na existência de um povo desaparecido do Brasil, anteriormente
ao aparecimento dos tupis-guaranis». '•')
7i Aurélio Porto. Pré-história cit.
S) Dr. Hermann v. Ihering. A etnografia do Brasil Meridional.
"Rev. Inst. S. Paulo". Vol. XI. 236.
9) Dr. F. R. Simch. Tembetás. "Rev. Inst. Rist. e Geogr. do R. Gran-
de do Sul". 1924-40.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 41
O afamado americanista Max Uhle, que estuda as civilizações
atacamenhas, nos mostra que as «pedras e penhas de tácitas, ou
morteiros em penhas, encontram-se, por uma grande parte, em re-
giões onde, notoriamente, em tempo antigo, habitaram diaguitas
e atacamenhos.» ln) São procedentes, diz, da época epigonal das
antigas civilizações.
Estamos, pois, em face de vestígios de uma grande corrente
migratória do Ceará ao Rio Grande do Sul, da Argentina ao Chile,
Bolívia, Peru, Equador, e Colômbia, onde se constata a distribui-
ção geográfica desse monumento lítico uniforme.
Que povo foi esse, e qual sua trajectória não é possível dizê-lo.
Dele ficaram também indeléveis traços linguísticos que foram mais
tarde opulentar de novas formas verbais o guarani do sul, língua
que dominou mais tarde o sul do Continente, quando da invasão
desse ramo tupi. Em outro estudo fica esboçada a hipótese dessa
influência. 11)
Em época ainda remota uma nova migração penetra o terri-
tório sul-rio-grandense impondo, aos elementos que ali encontra,
língua, usos e costumes. Ê o guarani que se despeja do Norte e
vai até o Prata, em cujas ilhas é ele encontrado pelos primeiros ex-
ploradores brancos. Uma grande onda deste povo, em sua marcha
para o Oeste, cruza o Chaco e vai-se chocar com a civilização in-
caica. São mais tarde os denominados cheriguanas, pertencentes
à família linguística tupi-guarani e descendentes das tribos guara-
nis emigradas aos contrafortes andinos e de tribos chanes, de lín-
gua aruaque, índios que os cheriguanas escravizavam. É interes-
sante registrar a existência no Rio Grande do Sul de uma grande
tribo denominada arachanes, que tinha seu habitat nas proximi-
dades da lagoa dos Patos e que ainda nas línguas das civilizações
diaguitas, o étimo ara se poderia traduzir por lagoa, o que nos da-
ria para designação desse povo — chanes da lagoa. «Os chanes
são de origem arnaque, outro ramo dos tupis-guaranis, e emigra-
ram para as proximidades dos contrafortes andinos em época des-
conhecida.» 12)
10) Dr. Max Uhle. Fundamentos étnicos de Arica. Equador, 1922.
11) Aurélio Porto. Caró. Jornal do Comércio, Rio, 22-VII-1934.
12) Enrique de Gandía. Historia de Santa Cruz de la Sierra. Buenos
Aires, 1935-49.
42
AURÉLIO PORTO
Diz o provecto historiador Enrique de Gandía que «os gua-
ranis que se estabeleceram nos contrafortes andinos emigraram
do Brasil e do Paraguai em uma data anterior ao ano de 1471 em
que, aproximadamente, começou a reinar o inca Tupac Yupanqui:
o primeiro monarca alto-peruano do qual temos notícias que com-
bateu contra eles».
A história conserva a lembrança das seguintes migrações gua-
ranis aos contrafortes andinos:
I, uma primeira migração anterior ao ano de 1471;
II, uma segunda migração realizada entre os anos de 1513-1518;
III, uma terceira migração realizada entre os anos de 1513-
1518 e 1521-1526;
IV, uma quarta migração capitaneada por um náufrago de
Solis chamado Aleixo Garcia, realizada entre os anos de 1521-1526;
V, uma quinta migração de 3.000 índios guaranis que segui-
ram a expedição de Domingos de Irala, realizada no ano de 1548;
VI, uma sexta migração que seguiu a Núfrio de Chaves em
sua viagem do ano de 1558;
VII, uma sétima migração de 3.000 índios itatines que forma-
ram parte da segunda expedição de Núfrio de Chaves do ano de
1564. 13)
Ê, quiçá, a primeira dessas migrações, ou outras não conheci-
das ainda, de origem guarani Ou, propriamente, tupi, que impõe
ao tape, pelo cruzamento e pela língua, a sua civilização e os seus
costumes, embora pareça não ter deixado tipos puros no territó-
rio rio-grandense. Não obstante releva notar que os Jesuítas es-
panhóis distinguiam dos tapes os índios das regiões que mediavam
entre o Alto Uruguai e o Ibicuí, como diremos adiante, dando aos
últimos o designativo de guaranis. Mas, o idioma guarani, no Sul
— que parece ter recebido o influxo de uma outra língua falada
pelos povos primitivos que aí viviam — se distancia grandemente
do tupi do norte.
13) Idem, ibidem.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
43
2. Ensaio de classificação aborígine.
O território compreendido por todo o curso do Uruguai, «des-
de que se povoou a cidade da Assunção» (1537), já era conhecido,
pois «se teve notícia das províncias do Uruguai, porque os antigos
foiam-na atravessando desde Viaza (Ibiaça) e nunca a puderam
conquistar, havendo ficado notícia entre os sucessores que o go-
vernador Hernando Arias de Saavedra fez entrada nela.» 14 )
Em carta ao Rei, datada de 12 de Maio de 1609, dizia Hei^
nandárias de Saavedra sobre esse território que fora o primeiro
governador do Prata a percorrer, que, «da ilha de Castilhos, ao
Rio Grande, que chamam Rio de São Pedro que está em 32" e meio
haverá 35 léguas, indo pela costa ao norte desse rio até o de D.
'Rodrigo, haverá 50 léguas, do de D. Rodrigo à Ilha de Santa Ca-
tarina, que chamam os Patos, província de Viaça, haverá 30 lé-
guas até a ponta da Ilha da banda do sul.» l5)
Pelos vicentistas também a terra já era conhecida desde os
primeiros tempos do estabelecimento daquela povoação. Em ca-
ra velões de costa entravam pela barra do Rio Grande (Rio de São
Pedido) e iam resgatar com os tapuias. Gabriel Soares, em seu
precioso Roteiro do Brasil, escrito em 1587, assinala o facto: «Esta
costa, desde o Rio dos Patos TSanta Catarina) até a boca do Rio
da Prata é povoada de tapuias, gente doméstica e bem acondicio-
nada, que não come carne humana, nem faz mal à gente branca
que os comunica, como são os moradores da capitania de São Vi-
cente, que vão em caravelões resgatar pela costa com êste gentio
uns escravos, cera da terra, porcos, galinhas e outras coisas,
cem quem não têm nunca desavença; e porque a terra é muito rara
e descoberta aos ventos e não tem matas nem abrigadas, não vi-
vem estes tapuias ao longo do mar e têm suas povoações afasta-
drs para o sertão ao abrigo da terra e vêm pescar e mariscar pela
costa.» 1,:) Entravam os vicentistas até o Jacuí, diz em 1627 o
P. Roque González, e iam resgatar, com os índios, panos, chapéus,
14i L. E. Azarola Gil. Lás orígenes de Montevideo. B. Aires, 1933.
15) Anais do Museu Paulista. São Paulo. 1922. tomo I, 299.
161 Gabriel Soares de Sousa. Roteiro do Brasil. "Rev. I. H. G. B.",
tomo XIV, 107.
44
AURÉLIO PORTO
etc, em troca de escravos que levavam em suas embarcações para
São Vicente.
Confinavam dentro do actual território rio-grandense, tripar-
tindo-o as províncias abraçadas pelo rio Uruguai, cujos designa-
tivos, desde os primeiros passos da penetração espanhola, ornaram
os títulos dos adelantados e governadores do Prata: Uruguai, Ta-
pe e Ibiaça.
Serviam essas designações para assinalar regiões distintas,
já perfeitamente delimitadas, quer por acidentes geográficos, quer
pela existência de uma nação aborígene, a Tape, metida entre a
primeira e a última como uma grande cunha territorial.
Encontraram os primeiros penetradores notícia dessas pro-
víncias etnográficas, não obstante o desconhecimento geográfico
do território que elas abrangiam desde o Prata até a Laguna. A
primeira, então, Uruai, que compreendia todas as mais, inicialmen-
te, estendendo-se desde as margens orientais do Prata até confron-
tar com a de Vera (Guairá) e a linha oscilante de Tordesilhas, é de-
nominação já registrada pelos primeiros desbravadores e navegan-
tes do grande rio de Solis.
Este, que lhe dera o nome, que pouco perdura, Gaboto e ou-
tros viajantes, referem-se já ao rio que dará, mais tarde, denomi-
nação a todo o território. Diogo Garcia, em 1527,- diz que «dali
parti logo em bergantim, armado, pelo rio acima, porque achámos
rasto de cristãos; andei pelo rio grande (que) se chama Ouriay, que
é onde se juntam todos os rios que tem este grande rio desde o
cabo de S. Maria até o cabo Branco.» 17) As duas outras desig-
nações se vulgarizam em meados do século XVI, recolhidas pelos
adelantados Alvar Núnez Cabeza de Vaca (1541) e Juan Ortiz
de Zárate (1572), que as aduz a seus títulos governamentais. Por
muitos anos conservam não só os governadores de Buenos Aires e
Paraguai, como mesmo os provinciais da Companhia de Jesus esse
predicamento. li5)
Coube à Ilha de Santa Catarina e depois à Laguna, desde 1504,
17) Diego Garcia. "Rev. I. H. B.", tomo XV. Parte III, 11.
18) Ainda em 1638 o P. Diogo de Alfaro, da Companhia, se intitula-
va "Superior de las Redueciones de Paraná, Uruguai, Sierra dei Tape y
Biasa". Techauer, "Hist. R. G. S.". I, 359.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 45
serem frequentadas pelas expedições que se sucediam, buscando o
Sul do Litoral Atlântico. Vem daí a fixação de alguns topónimos
como Porto dos Patos, Rio dos Patos, Laguna de los Patos (Lagu-
na) (Cristóvão de Haro — 1514) ; Rio de São Pedro (Pero Lopes
de Sousa) para o Rio Grande, cujo nome primitivo é Igaí, Iguaí,
que ainda perdura em I-guaí-be (Guaíba); Ibiaça (Cabeça de Va-
ca). O primeiro e o último vão sendo trasladados, por erros car-
tográficos, para acidentes geográficos diversos dos da nomenclatu-
ra inicial. Subsiste em Santa Catarina o de Laguna, mas Laguna
de los Patos (Lagoa dos Patos) se desloca para o Rio de São Pe-
dro (Rio Grande); Ibiaça, que abrange a região de Ibia deixa seus
vestígios em Viamão, de Ibiamon, Biamon, Viamon, isto é, junto
à Ibia (Ibia-moon).
Em 1554, quando Cabeza de Vaca desembarcou em Santa Ca-
tarina para prosseguir sua viagem por terra até o Paraguai, apre-
sentaram-se-lhe vários naturais da região e «por via deles soube
que na distância de 14 léguas em um lugar denominado Biaça (La-
guna) existiam dois frades franciscanos, um chamado frei Ber-
nardo de Armenta e outro frei Alonso Lebrón, oriundos da Gran
Canária. Haviam naufragado em 1538, nç Porto dos Patos, e aí
já acharam três castelhanos que falavam o guarani, segundo in-
forma Jaboatão. Hans Staden, que, em 1549, fazendo parte da
armada de Senábria, aportou a Santa Catarina, registra o forte
de Imbiaçupe, lugar na extremidade sul da ilha. 10 )
O designativo de Tape, como província ocupada por essa na-
ção, já era conhecido também na segunda metade do primeiro sé-
culo da conquista. Em Março de 1573 o adelantado Juan Ortiz
de Zárate, que se destinava ao Prata, desembarcou em Santa Cata-
rina. Grande era a falta de víveres que aí se sentia e tendo ele
ciência de que, no porto de Mbiaza, ou dos Patos (Laguna), ti-
nham os índios provisões, para ali se dirigiu com 80 soldados, sa-
queando a aldeia. Não obstante isto, os silvícolas trataram bem
aos espanhóis, pedindo-lhes que fundassem ali uma cidade, ao que
não anuiu o adelantado, porque estava resolvido a passar ao Rio
da Prata. Em seguida, por mar, se transportou à ilha de São Ga-
19) Hans Staden. Viagem ao Brasil. Ed. 1930. pág. 50.
46
AURÉLIO PORTO
briel, Juan Diaz de Melgarejo que, de volta do Paraguai, tinha
ido a São Vicente, voltou a Santa Catarina a fim de se encontrar
com Zárate. Na Ilha só achou os destroços da expedição e, que-
rendo levar socorro ao governador, acelerou a marcha por terra,
indo sair em frente às ilhas de São Gabriel, no Prata, cruzando,
dessa forma, as províncias de Ibiaça, Tape e Uruguai. -") Mel-
garejo teria levado ao adelantado notícia dessas três províncias
etnográficas em que se dividiam os actuais territórios rio-granden-
se e oriental, porque, tomando posse do governo do Prata, incorpo-
rava ele os designativos das novas províncias aos títulos de seu
governo, que assim transmitiria a seus sucessores. Constava ain-
da desse predicativo a província de Vera, fundada por Cabeza de
Vaca ao firmar a paz com os índios do Paraná e que «latamente
se estende até à costa, ilha de Santa Catarina e terras de Mbia-
za.» 21)
A Jaime Resquín, segundo Lozano 22), fora concedido o título
de «Governador das Províncias de São Francisco e de Mbiaza, que
por outro nome chamam o Porto dos Patos, de São Gabriel, Sancti
Spiritus, e o de Guairá e tudo mais que povoasse.» Contesta-o.
porém, Azarola Gil, provecto historiador uruguaio, que diz não ter
Carlos V concedido a Jaime Resquín «um governo distinto», e sim
autorização para erigir povoações, e entre elas uma em São Ga-
briel, propósito que não pôde realizar. 23) Refere o P. Nicolau
Mastrili Durán, em sua Ânua de 1628, que o governador D. Fran-
cisco de Céspedes projectara fundar na Província de Mbiaza uma
cidade e abrir um porto de grande movimento a fim de impetrar
do trono espanhol o título -de «Marquês de Ibiaça, Tape e Uru-
guái.» 24 )
D. Pedro Esteban Dávila, governador do Rio da Prata, em
documento existente na Biblioteca Nacional, assim descreve esse
20) P. Pedro Lozano. Historia de la Conquista dei Paraguay, Rio de
la Plata y Tucumán, III, 135.
21) P. Pedro J. Guevara. Hist. de la Prov. dei Paragtcay, 174.
22) Lozano. Op. cit., III, 131.
23) Azarola Gil. Origenes, cit., 28.
24) J. M. Blanco. Hist. documentada de los mártires dei Caaró e de
Ijuy. 1929, pág. 618; e Luís Gonzaga Jaeger. Os bem<iventurados Márti-
res . cap. 21 .
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 47
território: «Têm por confinantes as ditas Províncias (Uruguai,
Tape e Ibiaça) por uma parte as do rio da Prata e Paraguai, e por
outras o mar do Norte, Santos, São Vicente e São Paulo, estados
do Brasil e alguns Povos que estão reduzidos e aos quais doutri-
nam os Padres da Companhia de Jesus; estão os mais próximos
do mar do Norte dois ou três dias de caminho, e desde a cidade
de São João de Vera das Sete Correntes, que está fundada à mar-
gem do rio da Prata, há quarenta até a primeira povoação do Uru-
guai.» A terra destes índios toda fica em menos altura — a mo-
da (?) da terra é temperada e abunda em sementes e legumes, e o
que for plantado de legumes e sementes de Castela e arvoredo que
for plantado se dá bem o algodão de muitas partes. Há terra
plana, montanhosa, lombas e cerros, muitos arroios que entram
no principal do Uruguai e outros que desaguam no mar do Norte
e do que se forma a quem chamam Viaza, que, pelo que dele se
tem notícias podia ser porto capaz de embarcações grandes, e está
na costa do mar do Norte e distante de São Vicente e Santos, úl-
timas povoações do Brasil em direção ao Sul, em 28 graus, e desta
cidade (Buenos Aires), rumo directo, indo por terra firme dos
charruas, 190 léguas.» 25)
Dentro do actual território rio-grandense a Província do Uru-
guai, etnogràficamente considerada e assim designada pelos pri-
meiros penetradores brancos, lindava com a do Tape pelas fral-
des mais meridionais da Serra do Mar indo até as nascentes seten-
trionais do Jacuí. E daí pelas cabeceiras do Uruguai-pitã, hodier-
no rio Turvo, ia até o Uruguai, limitando-se por êle com a provín-
cia do Guairá. A primeira vez que o P. Roque González entrou
nesta província, pelo Ibicuí, andou por este rio 80 léguas para se
aproximar do Tape, mas da redução de São Nicolau, a primeira
que fundara, fez, por terra, o percurso em cinco léguas, «de sorte
que», diz ele, «se vem a economizar mais de 50 léguas, porque des-
de Conceição, para chegar ao posto onde se fundou a primeira
vez essa redução (da Candelária), se andava mais de 100 léguas;
e ao posto em que agora está fundada há menos de 20.» 26)
25) Bibi. Nac. Manuscritos, I, 29, 3. 1.
26) P. Roque González. Carta de 15 de Novembro de 1627. B. N. I.
48
AURÉLIO PORTO
Compreendidas nessa província ficavam as regiões de que
eram caciques supremos Tabaca e NheçU. A primeira se esten-
dia do Ibicuí ao Ijuí e a segunda deste rio até o Uruguai-pitã. Do
Sul do Ibicuí até o Prata, limitando com a província do Tape, do-
minavam os guaicurus do Sul, como melhor se dirá adiante.
A província do Tape ficava entre as do Uruguai e Ibiaça. A
Norte e Leste, dividindo-se com esta última, tinha por limites o
curso do Jacuí, desde suas nascentes mais setentrionais até a lagoa
dos Patos. A Sul e Oeste extrema va-se da província do Uruguai
pela Serra Geral, desde a secção ainda hoje denominada serra dos
Tapes até às origens do Jacuí. Dominavam os tapes toda essa
vasta região abrangida pela Serra Geral, cujos últimos contrafor-
tes a Oeste iam morrer entre os rios Ibicuí e Itu, isto é, na coxi-
lha do Boqueirão, ponto inicial da primeira penetração do P. Roque
González, no Tape.
A província de Ibiaça deveria estender-se desde Laguna e as
cabeceiras do Pelotas (rio Uruguai), baixando pelo afluente do
Uruguai, o Uruguai-pitã, antigo Paricai, hoje Turvo, por este atin-
gindo as cabeceiras mais setentrionais do Jacuí e todo seu percur-
so até a Lagoa dos Patos, canal do Rio Grande, e o litoral até o
seu ponto inicial, na Laguna.
Esta divisão etnográfica em províncias raciais distintas, que
o autor deste trabalho foi o primeiro a esboçar, para melhor com-
preensão da etnografia do Rio Grande do Sul, ressalta do copioso
material documental, em maior parte inédito, constante de Cartas
Ânuas dos Jesuítas espanhóis, existentes na Biblioteca Nacional
(Colecção de Angelis) e de outros trabalhos citados no texto.
Como se verifica do mapa etnográfico que esboçámos, o ter-
ritório do actual Estado do Rio Grande do Sul estava em grande
parte povoado por indígenas oriundos de três grandes grupos ra-
ciais perfeitamente distintos, que podem ser identificados pela di-
versidade de seus caracteres somáticos. Eram os caáguas tal-
vez os últimos representantes da raça primitivíssima dos samba-
quis do sul; os guaianás, os tapes e os guaicurus do sul, sendo que
29, 7, 19, apud Luís Gonzaga Jaeger. Os bem aventurados Roque Gonzá-
lez, p. 204/5.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
1!)
Grupo Racial
Ramos
Tribos ou par-
Nações cialidades
Província
Etnográfica
[Autóctone
Caágua Caaguaras
JÊ
MBAYA
[Caamoguaras
|Caatiguaras
f [Cariroiguaras
IGuaianás |Tebiquariguaras
| (Gualachos ou \ Ibirajara J,Piraiubiguaras
Coroados)
! í
IGuaranizados \ Tape
iGuaicurus
! do
I sul
{ Chaná
l
ITaiaçuapeguaras
lleiquiguaras
llbianguaras
ÍGuaibiguaras
Tapes
[Arachanes
•jCaroguaras
ITabacanguaras
í
! Guenoas
IChanás
\ Mboanes
j Iarós
i Charruas
ÍMinuanos
\ Província
| de Ibiaça
[Província
\ do Tape
| Província
do
! Uruguai.
os tapes, embora parecendo provir de origem diversa, apresenta-
vam, pela língua e pelos costumes, traços indeléveis de remota
guaranização.
Consoante larga pesquisa em material histórico etnográfico,
que nos foi dado realizar, não estamos de acordo com os autores
que afirmam a existência de guaranis puros dentro do território
rio-grandense. Os próprios caroguaras e tabacanguaras, que os
Jesuítas diferençavam dos tapes, chamando-os de guaranis, eram
afins dos tapes, segundo nos parece. Para melhor compreensão
deste trabalho procuramos sintetizar no quadro acima referido um
ensaio de classificação dos primitivos habitantes do Rio Grande
do Sul.
3. Grupo racial jê.
No primeiro século do descobrimento, segundo pesquisas a
que procedemos, ocupavam a região compreendida pela província
50
AURÉLIO PORTO
de Ibiaea as nações Caágua e Ibirajara, oriundas do mesmo tron-
co racial, mas profundamente diferenciadas pela língua e cultura.
a) Caágua. Esta região que cortava a província de Ibiaça,
lindando ao Sul e Oeste com a região de Ibia, ocupava toda a ex-
tensão da Serra Geral que se estende entre o litoral e o vale do
Taquari, pois como se verifica de Relación de lo sucedido, 27)
«estava da outra parte do Tibiquari para o mar, em umas serra-
nias muito férteis e abundantes de comida, que é como que outra
província distinta da da Serra, que chamam Caágua, onde há in-
finita gente».
Pode-se mesmo, com mais precisão, localizar o Caágua no
actual município de São Francisco de Paula, cuja cidade, antiga
estância de Pedro da Silva Chaves, por onde passava a estrada
das bandeiras, fica na altitude de 922 metros, e entre 29" 20' 0"
de lat. S. e 7" 31' 21" de Long. O. Rio de Janeiro. Esta região
estaria compreendida entre as nascentes do Rolante, ao Sul, do
Santa Cruz (Caí) ao Oeste, e Lajeado Grande e Tainhas, tributá-
rio do Rio das Antas, ao Norte. Este último seria o Caágua-ri-
-apipe (cabeceiras do Caágua), referido pela documentação jesuí-
tica espanhola, perto do qual ficava o Caati (Erval). A Leste en-
testa nas cabeceiras do Maquiné. Estudando essa região infor-
ma o P. Balduíno Rambo, S. J. : «Resta pouco a dizer sobre os
campos de São Francisco de Cima da Serra. Com seus 900-1.000
metros de altura são um resto maior e coerente do planalto primi-
tivo. Entre suas coxilhas mais elevadas nascem as cabeceiras do
rio . dos Sinos, ao Sul e ao Sudoeste, do Caí no Nordeste, do Rio
das Antas ao Nordeste e do Maquiné a Leste.» -s)
Os caaguaras, gente do mato, silvestre, que parecem ser os
últimos representantes do povo autóctone da região, talvez os
remanescentes dos primitivos homens dos sambaquis do sul, ti-
nham caracteres singulares e eram de uma rusticidade primitivís-
sima. Os tupis os designavam por Iraiti-inhacame, que significa
27) Biblioteca Nacional, Mss. I, 29, 1. 55.
28) P. Balduíno Rambo. A estrutura da Serra. "Anais do 2* Con-
gresso de Hist. do R. G. do Sul", 1937. vol. I, 109.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
51
cera na cabeça, pois sobre as largas coroas que usavam punham .
cera e, por isto, eram também conhecidos por cerados.
Inimigos dos portugueses que os escravizavam e dos ibiraja-
ras que acometiam as suas aldeias para vendê-los aos paulistas,
'tornaram-se logo amigos dos Jesuítas espanhóis. Ganhou-os a
bondade do P. Cristóvão de Mendoza. Tendo notícia dessa nação,
por cujas terras passava o caminho do rio (Ibiã), pelo qual deve-
riam fatalmente cruzar os bandeirantes que, mais tarde, invadiram
as reduções do Tape, foi o Padre combinar com os iraitis os mais
eficientes meios de defesa. Em 1635, antecedendo à primeira ban-
deira que entrou em terras do Rio Grande do Sul, e que tinha por
chefe António Raposo Tavares, alguns paulistas e tupis que bai-
xaram pelo caminho à cata de índios, haviam sido desbaratados
e mortos pelos caaguaras. E, na volta do Caágua, depois de con-
certar com esses índios a defesa da região, o P. Cristóvão foi mar-
tirizado pelos ibianguaras, no Ibia, em 25 de Abril de 1635. 29)
De «boa condição» e pacíficos, tornaram-se amigos e aliados
dos Padres e atenderam o convite do P. Cristóvão para irem-se al-
dear junto ao Tape, o que não levaram a efeito, no momento, por
não haver, naquele ano, comida suficiente no local que se lhes des-
tinava. Quando, no ano seguinte, entraram as grandes bandeiras
paulistas, foram os caaguaras, em quase sua totalidade, reduzi-
dos à escravidão e levados para as paliçadas que os portugueses
ueram junto ao Taquari, sendo conduzidos à volta da bandeira
de Raposo Tavares, para os campos de Piratininga. Os que pu-
deram fugir embrenharam-se pelos matos da Serra Geral, ficando,
assim, destruídas as suas aldeias. Muitos anos depois, em pleno
estado de selvajaria, muitos caaguaras eram encontrados nas ma-
tas quase impenetráveis do Alto Uruguai, onde se chocavam com
os tapes que ali iam à procura de erva-mate, nos ervais de Nhu-
corá. 30)
De sua língua, diz Hervás que o Caaiaguá, falado pela na-
29) Aurélio Porto. Martírio do ven. P. Cristóvão de Mendoza. P. Ale-
gre, Sep. "Anais III Cong. de Hist. sul-riograndense", 1940; Luís Gonzaga
Jaeger. O Herói do Ibia, Porto Alegre, 1943, p. 44.
30) Aurélio Porto. Terra Farroupilha. I. 27. Tanto autorizado. B.
N. Mss. I, 29, 3, 43.
52
AURÉLIO PORTO
„ cão do mesmo nome, estabelecida a Oriente do rio Uruguai até
seu nascimento a Oeste, é idioma particular, de difícil pronuncia-
ção, como observa Techo, que dele diz: «Os Caaiaguás (ou Caá-
gua-silvestre) usam língua própria, difícil de entender, pois quan-
do pronunciam suas palavras não parecem falar, senão dar asso-
bios ou formam acentos confusos na garganta. Os caaiaguás, co-
lhidos ou presos, não costumam falar quando estão fora de sua
nação por mais que os atormentem, porque poucos são os missio-
nários que puderam escrever palavras caaiaguás.»
b) Ibirajara. A primeira notícia que se tem sobre esta
grande nação é a de que ocupava a vasta região compreendida ao
Sul do rio Iguaçu, no actual Estado do Paraná. São encontrados
também, transposto o Alto Uruguai, dentro do Rio Grande do Sul,
na região compreendida entre o rio Uruguai-pitã, ou rio Turvo, até
as suas cabeceiras e daí, entroncando nas cabeceiras do Jacuí, por
este até se lançar no oceano. Pelo litoral até o Mampituba e ao
Norte o rio Pelotas, Uruguai, até o ponto de partida. Dentro des-
ta região rio-grandense exclui-se a Serra Geral, na altura do actual
município de São Francisco de Paula, cujas serranias constituíam,
como que «uma província distinta», ocupada pelos caáguas. Ao
Norte e Oeste, onde começam os grandes pinheirais que vão entes-
tar no rio Iguaçu, ou para o litoral até o rio Mampituba, linda-
vam os ibirajaras com os carijós, «pois a comarca destes carijós»,
informa o P. Jerónimo Rodrigues, em carta de 1605, «que estão
por estes campos ao longo do mar, e que é deste porto de D. Ro-
drigo (Imbituba) até o Boipetibla (Mampituba), pode ser de 40
léguas, pouco mais ou menos.» :<2)
De origem tapuia-jês meridionais e conhecidos também pelo
nome genérico de guaianás, os ibirajaras, cuja designação se tra-
duz por senhores do pau, devido aos grandes tacapes que usavam,
eram também apelidados pelos portugueses de bilreiros, dos com-
pridos batoques em forma de bilros que lhes pendiam do lábio in-
31) Hervas. Catai, de lenguas.
32) P. Fernão Guerreiro. Relação anual das coisas, etc. Lisboa.
1609-306. Memórias para o extinto Estado do Maranhão. Cândido Mendes
de Almeida, Rio, 1874, II, 542.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 53
ferior. Informa o ilustre etnólogo Dr. Rodolfo Garcia, que «os
bilreiros eram o mesmo que os caiapós, conhecidos também pelo
nome de Ubiraiaras (ibirajaras), localizados entre o rio Paraná
e as cabeceiras orientais do Paraguai».
Descrevendo o martírio dos Irmãos Pêro Correia e João de
Sousa, ocorrido na fronteira entre carijós e ibirajaras, depois do
Natal do ano de 1554, em sua Crónica da Companhia, Baltasar
Teles diz «que teve notícias nesse tempo o P. Manuel da Nóbrega
cie uma nação de gentios que está além dos carijós que, em sua
língua, se chamam ibirajaras (aos quais os portugueses comu-
mente chamam bilreiros), dos quais dizem ser algum tanto mais
domésticos e disciplináveis que os índios da costa do Brasil, posto
que divirjam alguma coisa na língua, o Irmão Pêro Correia com
seu grande zelo tinha já alcançado o conhecimento de seus vocá-
bulos e modo de falar, por via de um índio que muito tempo cativa-
ra entre eles.» ;; ■"•)
Ê o venerável José de Anchieta, porém, quem nos dá precisas
notícias sobre os ibirajaras e sua localização, informando que se
havia mandado o Irmão Pêro Correia «a umas povoações de índios
que estão situadas perto do mar, a pregar entre eles a palavra de
Deus, e, máxime, se puder, manifestá-la em certos povos, a que
apelidam ibirajaras, os quais cremos que se avantajam a todos
estes não só no uso da razão, como na inteligência e brandura de
costumes.» ::4) Depois de predicar entre os carijós, provàvelmen-
te na Laguna, acompanhados por 10 ou 12 principais destes, indo
até a fronteira de seus inimigos, ao entrar em uma região de pi-
nheirais, em que começavam as terras dos ibirajaras, os Irmãos
Pêro Correia e João de Sousa foram aí mortos a flechadas pelos
carijós em fins de 1554. •"■ 5)
Trinta anos depois, o P. Manuel de Ortega teve, ao Sul do
Guairá, transposto já o Iguaçu, novo contacto com os ibirajaras.
Foi depois da peste que, em 1589, assolou os povos do Paraguai,
que o missionário, sem acompanhamento algum, desceu de Vila
33) Baltazar Teles. Crónica da Companhia de Jesus, etc. Lisboa.
1647, 2» vol., 501.
34) P. José de Anchieta. Cartas Jesuíticas. Ed. Civ. Bras., 1933-48.
35i Idem. ibidem, 81, e Serafim Leite. História II, 240-242.
54
AURÉLIO PORTO
Rica e se dirigiu aos ibirajaras, julgando quebrantado seu ânimo
selvagem pela irrupção do mal. O P. Ortega conhecia «já à ma-
ravilha o idioma que falavam», diverso da língua geral. Essa
nação se compunha de umas 10.000 almas e se sustentavam da ca-
ça. Alguns deles haviam recebido o baptismo não se sabe quan-
do, mas o certo é que ignoravam os mistérios da religião e tinham
de cristãos somente o nome. Inimigos ferozes dos espanhóis, ha-
viam rechaçado o jugo que estes lhes queriam impor, e eram terrí-
veis em sua ferocidade. Combatiam com grandes paus (tacapes)
de que lhes adveio o nome (senhores do pau), ibirajaras. Grande
êxito teve a missão do P. Ortega. Conseguiu baptizar 2.800 ín-
dios atacados de peste. Os outros solicitavam insistentemente os
instruísse na religião, mas o Padre protelou a satisfação desse
desejo até que eles, pela sua bondade, modificassem seus bárbaros
costumes, abandonando prácticas antigas. Passado algum tempo
foram cristianizados mais de 300 índios que se submeteram ao do-
mínio espanhol. Insistiram os outros com os Padres para que
fossem ao seu país ensinar a doutrina católica e administrar os
sacramentos, dizendo que haviam já construído templos e levan-
tado cruzes. 3fi)
Em 1605, entrando até o Tramandaí, com êles tiveram rela-
ções os Padres João Lobato e Jerónimo Rodrigues, em sua missão
à Laguna. E quando o P. Roque González entra no Tape pela
primeira vez, não lhe faltam notícias dos ibirajaras que se esten-
diam além do Iguaí (Aí), actual Jacuí, até o litoral. Em sua ci-
tada carta de 1627 diz o beato Padre que, depois do Piratini e Ijuí,
«seguem-se 50 léguas de montanhas que entestam com o Uruguai
e há aí outros três mil índios», «e entre estes entram os Birajaras,
que são lavradores e estão nas montanhas ditas.» :!T)
António Serrano, em magnífico trabalho, dando aos ibiraja-
ras o nome genérico de guaianás, e dividindo as suas tribos em
bates, chovas e pinarés, dentro do Rio Grande do Sul, fornece-nos,
através das informações de Azara, alguns traços dos caracteres
36) Aurélio Porto. Bandeiras paulistas. "Terra Farroupilha", I, 53.
37) B. N. Mss. Col. Angelis, Calvo. Recueils complets, vol. II. Na có-
pia original (B. N.) o rio citado pelo P. Roque está grafado Ai e não Aix,
como se encontra em todas as publicações da citada carta.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
35
físicos dos ibirajaras. Seja, porém, dito de passagem que de toda
a documentação, quer portuguesa, quer espanhola contemporânea
da época a que nos referimos, nada encontramos que autorize a
dar a esses índios tal denominação, excepto a última, encontrada
em alguns mapas antigos, que se refere à localização, pois os pina-
res «ocupavam as cabeceiras do Uruguai, onde existem bosques
de araucária, de cujos frutos se alimentavam.» ;s)
Tinham estes silvícolas uma estatura proporcionada que não
excedia a dos espanhóis e era a pele de cor clara e olhos azuis.
Falavam os ibirajaras língua diferente do guarani. Observa
Lozano que essa língua era «muito elegante, não faltando o F, J
e H, de que carecem os guaranis, e admite muda com líquida, e
dobrada, o que não se encontra em outro idoma.» 39 ) Essa língua
pode identificar-se com o caingangue, hoje ainda falado pelos bu-
gres do Rio Grande do Sul, que descendem dos guaianás. Na to-
ponímia rio-grandense, além de outros étimos que se poderiam fi-
liar ao caingangue, encontram-se alguns tipicamente dessa origem,
como, no Alto Uruguai: Capoerê, Erechim, Erebango, Guaporé,
etc. No nome dos caciques da região dos ibirajaras encontrare-
mos várias palavras caingangue, como Tópen (Deus, santo) ; Ya-
kua-caporu, Yakua, cabelo — capuru, preto) ; Yopepoyeca (braço
que dá pancada) e outros muitos.
Caingangue era designativo dos coroados, palavra que tam-
bém significa homem. Foram também conhecidos por cabeludos,
porque deixavam crescer os cabelos em redor da coroa.
Andavam geralmente nus, mas as mulheres traziam uma es-
pécie de saiote, feito de fibra de urtigas, ou manta do mesmo ma-
terial, que lhes cobria o corpo dos peitos aos pés.
Eram os ibirajaras índios guerreiros e valentes, e acérrimos
inimigos de seus vizinhos, os tapes. Caçavam-nos como se caçam
os javalis. De suas incursões à margem direitá do Guaíba e do
Jacuí, traziam sempre grande presa de tapes, que vendiam aos
38) António Serrano. Etnografia de la antigua província dei Uru-
guay. Paraná. 1936-40.
39) Padre Pedro Lozano. Hist. de la Conquista dei Paraguay. Ed.
Lamas, Buenos Aires. 1874, I, 423.
56
AURÉLIO PORTO
paulistas. Ao princípio, alguns ibirajaras, usando da maior cau-
tela, conseguiam localizar uma aldeia ou grupo de silvícolas inimi-
gos. Voltavam, dando aviso ao povo que, em chusma, armados de
arcos e tacapes, cervavam a aldeia e surpreendiam a todos, levan-
do-os prisioneiros.
O processo de caçadas foi adotado mais tarde pelos catecúme-
nos cristãos para levar algumas vezes aos Padres Jesuítas selva-
gens infiéis que eram catequizados nas aldeias.
Para reunir o povo, o cacique principal dava aos outros uma
porção de suas flechas de guerra, que eram levadas a toda parte,
concitando os guerreiros das tribos. Vinham os índios armados
de arcos e tacapes compridos, enfeitados todos com seus cocares
de plumas vistosas e, tendo os cliefes à frente, em fileiras, cami-
nhavam um atrás do outro. Ainda nos combates conservavam essa
formação com que envolviam os inimigos, cercando-os ao som de
seus instrumentos de guerra e de uma gritaria infernal. Apertado
o cerco, sucedia, muitas vezes, tornarem-se os próprios compa-
nheiros alvos de suas flechas.
Os ibirajaras não eram antropófagos. Mas os seus feiticeiros
sacrificavam as vítimas, que comiam como prática litúrgica. As
informações dos Jesuítas espanhóis são acordes em apontar muitos
casos de antropofagia desses feiticeiros, principalmente daqueles
que eram chamados apicairés.
Eram estes geralmente temidos e obedecidos por todo o povo,
tornando-se assim os seus verdadeiros caciques. Eram índios ter-
ríveis, de aspecto medonho, insensíveis à dor e a qualquer sofri-
mento físico. Tomavam nas mãos enormes brasas que comiam,
como se saboreassem aqueles manjares incandescentes. Outras
vezes se transformavam em tigres, cujos bramidos imitavam e co-
mo se tivessem verdadeiras garras espedaçavam, em poucos mo-
mentos, os índios que se lhes aproximavam. Alguns, para atrair
a chusma, dançavam e cantavam, armados de itaiçá (martelo ou
faca afiadíssima de pedra), e quando se acercavam da roda que se
formava em torno, procuravam atingir o índio mais gordo, que aba-
tiam com certeiro golpe e, ali mesmo, o estraçalhavam, comendo
com voracidade incrível as carnes ainda quentes da vítima. Eram
talvez esses apicairés os últimos remanescentes do homem selva-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 57
gem das pedras de crisóis (tácitas), de que se encontram no Rio
Grande do Sul vestígios singulares. '")
Os feiticeiros foram sempre os mais encarniçados inimigos dos
Jesuítas espanhóis, para o que grandemente influíra o imemorial
contacto com os portugueses com quem tinham os ibirajaras cons-
tante intercâmbio de escravos e frutos da terra. Havia, mesmo,
entre eles, prepostos dos paulistas que faziam larga preia de ín-
dios que, em levas, subiam para Piratininga.
Depois de terem martirizado, em Ibia, ao P. Cristóvão de Men-
doza, resolveram dar cabo de todas as reduções espanholas. «Pa-
ra conseguir esse seu diabólico intento», informa o P. Boroa, «fi-
zeram uma trama infernal que foi remedar e contrafazer todas
as acções dos Padres fazendo umas espécies de igrejas, onde se
juntavam, e tinham púlpitos e baptistério, onde pregavam os seus
sermões e baptizavam a seu modo, pondo nomes nos baptizandos,
e o que pregavam tudo era contra os Padres, fazendo burla do que
ensinavam e pregavam estes, atemorizando os que se reduziam e
assistiam no povo, e publicando que todos os cristãos haviam de
se acabar e os povos e reduções consumir-se. Porque, diziam, ti-
nham já convocado os tigres que haviam de assolá-los, e estavam
para sair de suas cavernas os itaquiceias e os ibipitas, que são
uns pseudo-fantasmas que o vulgo e chusma imagina horrendos, e
aos quais todos temem muito e dizem que vivem nas furnas e
buracos que fazem e têm os cerros e montes altos em seu centro
e trazem nas mãos uns montantes de pedra, muito compridos, co-
mo se fossem grandes colunas, de cujas pontas pendem fios cor-
tantes, que, mesmo de muito longe, matam a todos que atingem.
E, para confirmar tal embuste, dão a entender aos índios que os
ecos dos montes, que trazem as palavras e os gritos que se dão
junto a eles, são as vozes destes fantasmas que repetem o que os
outros dizem para sair atrás dos que gritam. Estes fantasmas,
dizem os feiticeiros, obedecem a seu mandado e estavam ali escon-
didos, mas eles poderiam soltá-los quando lhes aprouvesse.» 41 )
40) Aurélio Porto. Pré-história do Rio Grande do Sul. "Terra Far-
roupilha", I, 7-31.
41) Relación de lo sucedido. Bibi. Nac. Mss. 1-29, 1, 55.
58
AURÉLIO PORTO
A dança e o canto exerciam grande atração sobre o ânimo
dos ibirajaras. As festas com que solenizavam as suas vitórias, e
em que as mulheres preparavam as bebidas, mas só os homens
bebiam até se embriagarem, eram entretecidas com cantos e dan-
ças. Usavam, principalmente, os feiticeiros, uma espécie de entor-
pecente, feito de erva-mate em pó que aspiravam pelas narinas,
caindo em transe.
Seus dançadores, hieroquiaras (senhores da dança), torna-
ram-se célebres na história das reduções. Eram geralmente ra-
pazes, vestidos de formas bizarras, que atraíam a chusma e, dan-
çando, improvisavam cantos de façanhas guerreiras, entremeados
de conselhos a que não dessem ouvido aos Padres a quem invecti-
vavam, mostrando o castigo que lhes estava reservado quando os
tigres, os itaquiceias, os ibipitas, saissem das cavernas para des-
truir as aldeias e as comidas das roças. Foram os hieroquiaras
os guardas avançados dos bandeirantes. De um deles ficou me-
mória nos documentos jesuíticos. Referiu aos Padres o capitão
Ariya, cacique de São Joaquim, «que queriam dar sobre estes três
povoados, e que os autores são Jacuaraporú, Jaguarobí e Chem-
biabaté, muito famosos dos lusitanos, e que traziam consigo um
rapaz, grande bailarino, com um colete de anta, que era quem os
afervorizava, e de quem se dizia que este rapaz era filho dos
Portugueses ainda que era índio, deve de ser algum mestiçoulo,
filho de alguma índia de Jocuacaporú. 4J)
Embora não se possa afirmar que praticassem alguma espé-
cie de religião, os ibirajaras acreditavam na imortalidade da alma.
Guardavam de tempos primitivíssimos certas práticas religiosas
que haviam recebido de missionários católicos portugueses e espa-
nhóis que, em meados do século XVI, entre eles haviam estado.
Referem documentos que, em algumas aldeias, encontravam-se
umas casas como igrejas com púlpitos e baptistérios, onde prega-
vam e desbaptizavam os catecúmenos dos Jesuítas.
Chamavam a alma weikupri (coisa branca) ou acupli. Deus,
Tópen e o demónio Det kori (coisa ruim). De suas práticas fu-
nerárias diz Lozano que cada aldeia possuía um cemitério. Ali
42) Carta do Padre Francisco Diaz Tano. Bibi. Nac. Mss. 1-29, 1. 53.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 59
enterravam seus mortos directamente ou em uma sanga aberta
de propósito, cobrindo a sepultura com um montículo de terra de
forma piramidal. Na cúspide desse montículo colocavam uma va-
silha e junto a ela acendiam um fogo lento de que os parentes do
defunto cuidavam e alimentavam, dia a dia. O recipiente servia
para que o morto bebesse e o fogo «para afugentar as moscas».
Os pinarés, da região de Caamo (caamoguaras) tiravam os mori-
bundos para fora da choça, a fim de que não morressem dentro
dela.
Informa o P. Boroa que os ibianguaras, que deixaram por mor-
to ao P. Cristóvão, voltaram no dia seguinte para abrir-lhe o ven-
tre e queimar o corpo, como costumam, «porque têm estes bárba-
ros uma superstição, que diz que se o matador não rasgar o ventre
do morto, assim como o cadáver vai inchando, se incha o matador
também e morre.» 43 )
A designação das tribos ou parcialidades da classificação que
ensaiamos, decorre da localização dos diversos grupos em que es-
tavam divididos os ibirajaras, segundo notícias de fontes jesuíti-
co-espanholas.
Os caamoguaras, ou pinarés de outros autores, são os mora-
dores de Caamo, região que se pode localizar nos campos de Va-
caria, pelo que, como a outros selvagens que ocupavam regiões
idênticas, dava-se também o nome de campeiros. Com suas seis-
centas léguas quadradas de planalto, e altitude média de 1.080 me-
tros, era o ponto inicial, transposto o Uruguai, da velha estrada
de penetração para o centro do Rio Grande do Sul. E é por aí,
pelo Caamo, que passaram as bandeiras paulistas que investiram
contra as reduções do Tape. A própria significação do topónimo
indica a localização, pois caá, quer em guarani, quer em caingan-
gue, que seria a língua dos ibirajaras, tapuias de origem guaianá,
se traduz por mato e mo, junto, ligado, isto é, junto ao mato, que
cercava essa grande extensão de campos.
Na documentação jesuítica espanhola encontra-se também a
43) Aurélio Porto. Martírio do venerável Padre Cristóvão de Mendo-
za. Rio, 1940. Sep. do III Cong. de Hist. do R. G. do Sul. 12; e L. G. Jaeger,
Herói da Ibia, Cap. 18, p. 48.
60
AURÉLIO PORTO
forma Caamome, quando se quer referir os que moram nas proxi-
midades de Caamo. Quando os Padres fundaram Santa Teresa,
que ficava nas imediações da hodierna cidade de Passo Fundo, em
1634, avançou a fronteira das reduções, que era pelo Jacuí, até o
rio Taquari, Guaporé, a entroncar no rio Ligeiro, que deságua no
Uruguai (limites da Lagoa Vermelha), e daí a observação do Pa-
dre Diaz Tario que, em carta de 6 de Setembro de 1635, dizia pa-
recer que «temos toda fronteira contra nós: os ibianguaras que
mataram o P. Cristóvão, e esses de Caatime (junto ao Caati) e de
Caamome, e os de Taiaçupé, Piraiubi e Taquari, aos quais ajudam
os de Guaíbe-renda, também muito dos portugueses.» 44 )
Os caamoguaras foram grandes inimigos dos Jesuítas espa-
nhóis que, com suas aldeias, haviam transposto as fronteiras de
Ibiaça. Explica-se naturalmente essa hostilidade, conhecendo-se
as ligações com os portugueses e paulistas que, desde tempos ime-
moriais, por ali passavam resgatando índios que, em grandes le-
vas, faziam subir para Piratininga.
E foi principalmente em Caamo, quando os índios resolveram
dar sobre as reduções, que se reuniram as grandes juntas de fei-
ticeiros, depois da morte do P. Cristóvão, e só não levaram a efeito
esse intento porque os índios cristãos sairam-lhes ao encontro e
dispersaram a junta.
Caati (Erval), onde havia uma grande parcialidade, ficava
junto a Caamo, entre este e Caágua, isto é, nas cabeceiras do rio
de Caágua ( Caágua-ri-apipe ) . Os caatiguaras aderiram logo às
juntas de Caamo e deram sobre a aldeia de Apecê, cacique amigo
dos Jesuítas, que, com sua chusma, se preparava para reduzir-se.
Morto Apecê, no assalto dos caatiguaras, foram seus índios escra-
vizados e vendidos aos paulistas.
Para não alongar estas notas sobre as diversas parcialidades
em que se dividia a nação ibirajara, notaremos os moradores de
Ibia, região compreendida entre a serra de nordeste e campos de
Viamão (Ibiamon — junto, ligado, pegado a Ibia), que martiriza-
ram ao P. Cristóvão de Mendoza, e os guaibeguaras que ocupavam
44) Carta cit. Mss. Bibi. Nac. 1-29. 1, 53.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
61
a região de Guaíbe-renda (porto de Guaíba, actual cidade de Porto
Alegre.)
Eram os guaibeguaras acérrimos inimigos dos tapes, com os
quais defrontavam pelas alturas de Itapuã e margem direita do
grande estuário. E tais eram as razias de seus vizinhos que, quan-
do o P. Roque entrou no Tape, este estava grandemente diminuído
no número, que devia ter sido considerável. Diz Lozano que essa
diminuição se «verificava pelo comércio que seus vizinhos (guai-
beguaras) faziam de escravos com os portugueses e mamalucos
que entravam em lanchas e botes pelo Iguaí (Guaíba) «adonde-
llegaban los fronterizos tapes» 4"')
A primeira notícia que se conhece desse comércio que se exer-
cia intensamente pelo porto do Guaíba (Porto Alegre), nos trans-
mite o relatório do P. Roque González, citado anteriormente: «En-
te eles (rios), há um principal que chamam Aí (Iguaí) por onde
me disseram os índios entravam portugueses em navios pequenos,
deixando os grandes em alto mar, para comerciar com eles, tra-
zendo-lhes muita roupa do mesmo pano que era feita a minha,
que é de feltro, e muitos chapéus, que é como eles chamaram-me
os sombreiros.»
As relações que esses índios mantinham com os paulistas res-
saltam a todo instante dos informes dos Padres Jesuítas, teme-
rosos do mal que lhes adviria por essa entrada, uma das duas por
onde os inimigos poderiam assaltar o Tape. Informa o P. Taho
que muitas parcialidades de Ibia estão rebeladas contra a cristia-
nização dos índios. E acrescenta: «E os ajudam os de Guaíbe-
renda, também muito dos portugueses, com que duvidámos mui-
tas vezes, se isso é traça deles.» 40) E o P. Pedro Mola informa
que «há certos indícios de que os portugueses podem nos vir do
«pueblo de gue-bi renda.» 47 )
45) Padre Pedro Lozano. Hist. cit. I, 32.
46) B. N. Mss. 1-29, 1,53.
47) B. N. Mss. 1-29, 7, 29.
MAPA DAS PROVÍNCIAS ETNOGRÁFICAS NO
TERRITÓRIO DO RIO GRANDE DO SUL
Organizado por Aurélio Porto
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 63
4. Grupo Tape.
O Dr. José de Saldanha, que muito de perto estudou, em seu
próprio habitat, os nossos silvícolas, traz um precioso informe so-
bre a latitude dessa grande nação, ainda vultosa na época da con-
quista. «Estes índios habitavam», diz, «o que nós chamamos pre-
sentemente Continente do Sul, ou desde a costa leste do Paraná
(porque do outro lado já são os paraguaios) até a praia do mar
oceano e desde o Rio da Prata até os pontos meridionais da Cordi-
lheira Geral da Costa do Brasil. |s)
Quais as origens do grupo tape que vai aos poucos se circuns-
crevendo entre a bacia meridional do Jacuí e os contrafortes mais
extremados do sul da Serra Geral? Não seria certamente possí-
vel precisá-lo sem estudo mais acurado, para o que ainda escas-
seiam elementos etnográficos. Entretanto, não erraremos se o
filiarmos a troncos setentrionais, quiçá ao grande tronco dos maias
que se derramaram, em épocas milenares, pelo Continente do Sul.
Elementos linguísticos, aliás escassíssimos, que nos foi dado con-
seguir, induzem a essa aproximação. 40) É possível que as avan-
çadas dessa migração hajam, em sua marcha para o Ocidente, as-
sentado suas tendas na região de Atacama, onde receberiam influ-
xos das civilizações andinas.
Diz o Dr. José de Saldanha que os tapes «têm as ventas dós
narizes grandes, e como inchadas, as faces altas e cheias, os ca-
belos somente no extremo da barba e no beiço superior: não são
de estatura mui alta, e as mulheres quase do mesmo tamanho que
eles, e maiores do que os minuanos.» 50)
Não resta dúvida que possuíam uma língua própria, com cu-
jos étimos opulentaram o guarani do Sul, que se distancia do tupi
do Norte, ambos oriundos da mesma matriz. Quando da invasão
da onda guaranítica, que os dominou, muito antes dos tempos his-
48) Dr. José de Saldanha. Diário Resumido. "Anais da Biblioteca Na-
cional". Vol. LI. Rio, 1938.
- 49) Aurélio Porto. Pré-história cit. Caró. Jornal do Comércio. Rio,
citado.
50) Saldanha. Diário, citado.
História das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte
3
64
AURÉLIO PORTO
tóricos, receberam dos dominadores parte de seus usos, costumes
e língua.
Eram os tapes exímios agricultores, tendo grandes roças de
milho, mandioca e outros grãos. Quando os Jesuítas espanhóis
penetraram em suas aldeias constataram que já não tinham quase
terras para plantio, pelas grandes derribadas que haviam feito nos
matos, para lavouras. É o P. Roque González, em sua primeira
visita à terra, que nos noticia: «E assim livremente andei por
ela (terra), posto que com bastante dor, porque em todo o Tape
não há lugar para reduzir nem sequer duzentas famílias, porque,
como antigamente a gente era muita, acabaram os matos, e as-
sim lavram entre cerros e penhascos, e estão em pequenas povoa-
ções, das quais as maiores são de cem índios.» 51)
Dividiam-se os tapes em várias parciahdades que tomavam as
designações de seus caciques ou dos lugares em que se encontra-
vam. Diz Rui Diaz de Guzmán, na Argentina, que nas imediações
da lagoa dos Patos, existia uma grande nação denominada Aracha-
nes, que significa em guarani «povo que vê assomar o dia», ou
«povo do Leste.» Mas, como deixamos registrado, pode-se tam-
bém traduzir por «chanes da lagoa», levantando a hipótese que
fossem estes, como os tapes, os remanescentes da grande nação
chane, de cuja migração para Leste temos notícias em estudos de
modernos etnógrafos. Estes chanes, de língua aruaque, foram es-
cravizados pelos guaranis, e se encontravam profundamente mes-
clados com os cheriguanas, ainda nos contrafortes andinos. Os
bandeirantes que, em 1636, iniciam as suas entradas no território
rio-grandense, generalizaram a denominação, pois em grande nú-
mero de inventários e testamentos de paulistas se encontra a desig-
nação de «sertão dos arachanes», «terra dos arachanes» etc, dada
à região em que viviam os tapes e às reduções em que indiferente-
mente se tinham aldeado. "'-')
Não só Rui Diaz como outros historiadores ",:!), que se refe-
51) J. M. Blanco, Hist. Docum. de los mártires dei Caaró. 635; Luís
Gonzaga Jaeger, Os Bem-aventurados Roque... Cap. 24, p. 194.
52) Vide Inventários e Testamentos, passim. Col. public. do Arquivo
de São Paulo.
53) Techo, Charlevoix, Lozano. Guevara, etc.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 65
rem aos arachanes nada de particular nos dizem sobre estes ín-
dios. As Cartas Ânuas dos Jesuítas espanhóis nem sequer lhes
mencionaram o nome. Entretanto, diz a Argentina que os ara-
chanes se contariam por 20.000, no que há visível excesso. De tu-
do isto se depreende que tapes e arachanes seriam o mesmo povo,
designados de acordo com a situação local.
Outra nação que alguns historiadores e mesmo os antigos ban-
deirantes colocavam nessa região do território rio-grandense, por
visível erro de deslocação toponímica, é a dos carijós, também de-
nominados patos. Como vimos, os carijós lindavam com os ibira-
jaras, ao norte, pelo Mampituba. O erro que deu margem a essa
afirmativa provém da cartografia antiga que deslocou a designa-
ção de Laguna de los Patos (Laguna, Santa Catarina) para o Iguaí
(Rio de São Pedro, Rio Grande). E como os carijós, ou patos,
demoravam pelas imediações da Laguna de los Patos, quiseram os
cronistas situar na hodierna lagoa dos Patos (Rio Grande) o ha-
bitat desses índios que só penetrariam em território rio-grandense
quando das guerras que levavam a seus fronteiriços inimigos, os
ibirajaras, ou quando, com os aliados paulistas, fazendo parte das
bandeiras, salientavam-se como preadores de índios.
Em seu Mapa etnográfico r'4) Teschauer localiza os guaranis
no território compreendido entre os rios Ibicuí e o da Várzea, em
que se fundaram as primeiras reduções, território pertencente à
antiga província etnográfica do Uruguai, extremado a Leste pelas
províncias do Tape e de Ibiaça.
Quando ali entrou, o P. Roque encontrou duas parcialidades
distintas que delimitam duas regiões, tendo por chefes principais
Tabacã e Nheçu. Em Caró, recebeu-o afàvelmente o cacique Ca-
robai. Outro índio, Taiubai era aí principal e, sendo castigado
pelo P. Cristóvão de Mendoza, foi para Ibia e ali instigou os ibian-
guaras a martirizarem este santo Jesuíta. Todos esses nomes são
de pura origem tape, conforme estudo detalhado já feito em torno
do assunto. 55) A própria toponímia da região está indicando a
identidade de nomenclatura da bacia do Uruguai e a do Jacuí e
54) C. Teschaeur. Hist. do R. G. do Sul. I, 154-155.
55) Aurélio Porto. Pré-história. Caró cit.
66
AURÉLIO PORTO
Lagoas. Basta assinalar o Cebolati, ou Turvo, no Uruguai e Ce-
bolati, na lagoa Mirim; Piratini, afluente do Uruguai e do São Gon-
çalo; Camaquã, no Uruguai e lagoa dos Patos; Taquari, no Ibicuí
e Jacuí.
Ora, essas afinidades flagrantes, os mesmos costumes, a iden-
tidade da língua, fazem classificar os silvícolas que povoaram essa
região como parentes próximos dos tapes, senão propriamente ta-
pes, já largamente guaranizados. Seriam, naturalmente, hordas
ali radicadas da grande nação invasora, pré-guaranítica, quando de
sua passagem para o Ocidente. Mais tarde atinge-a também a on-
da avassaladora do guarani que atravessa o Continente e vai até os
contrafortes subandinos, e o Chaco paraguaio.
Entretanto, embora isto nos pareça, classificamo-los interro-
gativamente guaranis, pois os próprios Jesuítas, em sua vasta do-
cumentação, quando se referem a estes índios, os designam como
guaranis, diferentes dos tapes, em cuja província entra o P. Roque
pela serra do Boqueirão.
5. Grupo guaicuru do sul.
Na província do Uruguai, isto é, ao sul da Cordilheira Geral
e rio Ibicuí, da actual serra dos Tapes, litoral, até o rio da Prata,
dominava a grande nação Guenoa, aí já encontrada, no século XVI,
pelos desbravadores do grande rio. Semi-sedentários antes da in-
trodução do gado, estendiam-se pela costa, povoando desde a lagoa
Mirim e vertente do rio Negro, os campos que se desdobravam até
o rio Uruguai.
Dando-lhe procedência do ramo guaicuru (Mbaia), Rodolfo
Schuller, notável etnógrafo, assim se refere ao habitat dessas tri-
bos que, de acordo também com o trabalho de António Serrano " ),
classificamos de nação guenoa e subnação chaná: «O grupo do
sul da família guaicuru do nosso sistema de classificação habitava
os campos situados entre o Rio Negro e a costa atlântica, que hoje
forma parte da República Oriental do Uruguai; em toda a exten-
são norte-sul da mesopotâmia sul-americana, pois «até o rio Cor-
56) A. Serrano. Primitivos habitantes dei território argentino, 78.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
67
rientes alcançavam as toldarias dos valentes charruas,» diz Quesa-
da; nas terras ribeirinhas ocidentais do Paraná, desde o arroio
Carcarahá, limite norte natural do país dos Querandis, até a Fren-
tónia do P. N. dei Techo, que começava à altura da confluência
dos rios Paraguai e Paraná. «Os guaicurus do Sul se estendiam,
pois, desde os 27" até os 35" de latitude sul e desde os 62° até os
54" de longitude ocidental de Greenwich, e em direcção Sudes-
te.» 5T)
Dividia-se este grupo, que tão larga influência exerceu na for-
mação gaúcha, com a introdução do gado, em guenoas, chanás,
iarós, mboanes, charruas e minuanos.
Não obstante as incursões que todos faziam ao território
sul-rio-grandense e, mesmo, o ensaio de catequese e colonização
de um grupo em Santa Maria dos Guenoas (São Borja), só nos im-
porta directamente o último, amigo dos portugueses, desde a pri-
meira hora, e que mais tarde se radica no Rio Grande do Sul, er-
guendo aí as suas toldarias.
No último quartel do século terceiro após o descobrimento,
demoravam os minuanos pelas alturas da lagoa Mirim. Aproxi-
mam-se do Rio Grande por ocasião da entrada de João de Maga-
lhães e são fornecedores de gado aos lagunistas. Antes, mesmo,
seus caciques visitam Laguna e aí recebem, com nomes baptismais
portugueses, varas de comando. D. Cacildo, D. Bartolomeu e ou-
tros são grandes amigos do Coronel Cristóvão Pereira e seus só-
cios nas vacarias iniciais da Colónia do Sacramento. Quando da
expansão do povoamento do Continente, localizam-se novos grupos
na serra do Caverá, dominando os campos da Jarau e do Quaraí.
Ê aí que se processa a formação do gaúcho do campo, tipo semi-
bárbaro do Pampa, cujos usos, costumes, indumentária e língua
ficam como património da etnia rio-grandense e difundem-se tam-
bém no Prata, criando esse factor étnico comum.
Viu-os muito de perto o Dr. José de Saldanha, que deles nos
deixou os principais traços: «Os minuanos não têm as ventas do
nariz e as maçãs do rosto tão entumescidas como geralmente to-
dos os índios; estes são, pela maior parte, corpulentos e bem feitos,
57) R. Schuller. Sobre él origen âel charrua. Chile. 1906. 237.
68
AURÉLIO PORTO
porém as mulheres quase todas de meia estatura. As mais fei-
ções são iguais às do Americano.» Referindo-se a seus trajos, e
comidas, diz: «Os cabelos soltos e eriçados de que procede não
crescerem muito, cobertos pelas costas até os calcanhares com os
caipis, ou grandes mantas de couros descarnados e sovados com
o pelo para o corpo e o carnal para a parte de fora, atado com
uma tira do mesmo couro por cima dos ombros e por diante do
pescoço (poncho primitivo) ; envolvidos desde a cintura até o joe-
lho com volta e meia de pano de algodão (xiripá) são estas as
suas gerais vestimentas. Aos caipis que eles fazem de pele de
veado ou de vitelas sovadas descarnadas e cosidas umas às outras,
ou enfim de couro de uma nova vaca pintam pela parte exterior
que é a do carnal, com umas listras ao comprido e atravessadas,
de encarnado e cinzento, aquela cor tiram da terra de ocra de fer-
ro» encontrada nos regatos do rio Cacequi.
«Parcos são os alimentos, porém de sua demasiada preguiça
procede a sua parcimónia; eles têm que ir ao campo carnear as
reses, ou trazê-las para o pé das Toldarias: esta carne ou de vea-
dos, pouco assada (churrasco) e ainda os caracarás e outras se-
melhantes aves de rapina, ou alguns avestruzes, são a sua usual
comida. A bebida do mate (chimarrão) não a deixam enquanto
têm desta erva, como também de mascar o tabaco de fumo e con-
servar a masca entre o beiço superior e os dentes, ou tirando-a da
boca e pondo-a atrás da orelha, onde a guardam até que a tornam
a mastigar; poucos são os que pitam ou cachimbam e todos muito
amigos de beber aguardente e importunos para que lha dêem com
a qual ficam finalmente bêbedos.»
De suas armas e religião diz Saldanha: «As flechas que em
uma aljava de couro trazem e a tiracolo pelas costas são por eles
somente usadas na ocasião da peleja, pouco se servem para caçar
e a razão deve ser porque como tudo que é de ferro lhes custa al-
cançar e trabalhar para fazerem os farpões das setas, as reser-
vam como instrumentos de sua maior segurança: elas não têm mais
de três palmos de comprido, e o arco também à proporção não é
muito grande, a pé e a cavalo as sabem disparar. As suas lan-
ças são umas varas compridas e direitas que acabam em uma das
extremidades com um palmo ou dois de punhal, ou espada, e antes
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 69
de seu encaixe, na madeira, as guarnecem de uma flor de penas de
avestruz: tem coisa de duas alturas deles, veloz e ligeiramente as
movem a cavalo e a todo o galope. Estas, além de serem também
de seus instrumentos bélicos se servem algumas vêzes para chu-
çar as reses ou touros no campo, ou ainda os tigres. As bolas e
laços, instrumentos comuns e necessários aos campeiros, que estes
campos vadeiam, neles tiveram a sua origem, com estas apanham
0
no campo várias éguas, potros bravos, e também os cavalos man-
sos, que nestas alvorotadas manadas encontram, com trabalhos os
chegam a amansar, tendo-os atados e débeis, pela falta de susten-
to, servindo-se deles depois em pelo, só com um pequeno couro no
lugar onde montam. A faca flamenga, com uma bainha de couro
cru, sempre a trazem entalada entre a tanga de algodão e a cintu-
ra pela parte das costas.»
«Costumam estes índios minuanos, em sinal de sentimento
quando morrem alguns dos parentes mais chegados, ferir as cos-
tas com golpes ou pequenas picadas; algumas das mães chegam
a maior excesso na sua mágoa pela falta dos filhos, cortando as
falanges ou partes extremas dos dedos mínimos pelas juntas.
Acção tão bárbara, se foi obrigatória, se tem desvanecido muito,
de sorte que presentemente (1785) raros executam. São casados
com várias mulheres, em o número de duas até cinco; as mais ve-
lhas vão desprezando, e só trazem consigo, nas avulsas jornadas,
as mais moças: pelo ajuste e convenção entre o noivo e os pais
da noiva se efectua o casamento, ou entrega da esposa ao marido,
tendo procedido uma prática, ou larga conversa de sua mãe à mi-
nuana, sobre as obrigações daquele estado: elas têm de servir ao
marido, ajuntar lenha para o fogo, em fazerem os assados para
comerem, em lhe ensilharem os cavalos aos que têm os preparos
para isso, que somente são os caciques e suas mulheres.»
«Vivem os minuanos em um estado propriamente livre entre
os espanhóis e portugueses: àqueles se queixam destes, principal-
mente quando dão com pessoas de inferior qualidade que lhes gos-
tam de ouvir esses errados sofismas. Contudo, ou pelas dádivas
que com mais frequência encontram nos portugueses, ou por outra
qualquer causa, pende mais a sua inclinação para esta nação.
Quem poderá haver tão falto de razão que do Ente Supremo ne-
70
AURÉLIO PORTO
gue a existência? Se o mesmo Batu (um dos caciques), da gema
dos minuanos, falto de discursos e combinações, responde apon-
tando para o céu, — só quem ali existe senhor é das vidas e hu-
manas mortes. E' certo que eles não são tão cruéis como os ín-
dios tapes, não consta que os minuanos jamais matassem algum
português, ou espanhol, posto que os encontrassem sós, ou perdi-
dos pela campanha, como costumam várias vezes fazer os guara-
nis.»
Quanto ao idioma que falam, diz o ilustre observador: «Agra-
dável e veloz é a sua linguagem, muito diferente da dos tapes, e bem
semelhante e talvez idêntica à dos índios da América setentrional,
aos quais se assemelham bastante nas feições. Quem sabe se eles
são os mesmos? Quem sabe se esta pequena porção de minuanos,
que hoje habitam as terras austrais do Brasil, de lá trouxe a ori-
gem?»
Quando o Dr. Saldanha teve contacto com esses índios, «divi-
didos em vários bandos ou tribos», formavam seus cacicados. Ha-
via entre eles alguns que, pela descendência ou mútuo acordo, eram
os caciques dos bandos que obedeciam a um cacique geral, ou rei.
Eram esses caciques, em 1785, Maulein, Saltein, Batu e Tajuí, e rei
D. Miguel Caraí, que foi o último dos minuanos e o primeiro gaú-
cho do campo.
Interessante retraçar a figura deste produto inicial do cruza-
mento que será o ponto de transição entre a barbaria minuana e
a civilização nascente do branco, em terras do Rio Grande do Sul.
Quando os primeiros portugueses palmilharam o litoral, para da
Laguna alcançar a Colónia do Sacramento, recém-fundada no Pra-
ta (1680) em um dos afluentes do Cebolati, conhecido por Zapata
ou Ayala, que fica a 369 6' 37" de lat. S., encontraram estabelecido
um paraguaio de origem espanhola desse nome e apelido, D. Mi-
guel Ayala, mais conhecido por Velho Zapata. Era filho desse
Velho Zapata e de uma minuana, D. Miguel Ayala, ou D. Miguel
Caraí, último rei dos minuanos, referido também por Saldanha,
Alvear, Azara e outros demarcadores.
Quando o depois Coronel Francisco Pinto Bandeira estabele-
ceu sua estância nas imediações do Capivari, antes de 1730, foi
peão dela este mestiço de espanhol e de minuano. Rafael Pinto
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
71
Bandeira, filho de Francisco, que foi o primeiro general rio-gran-
dense, teve de uma filha de D. Miguel Caraí, também uma filha
a quem mais tarde legitimou e casou com o oficial miliciano Ro-
drigues Lima, tronco de um ramo dessa família, que teve repre-
sentantes de importância no Rio Grande do Sul.
Mais tarde, D. Miguel Caraí, que fora criado pelos minuanos,
foi recebido como rei deles, levando porém do contacto com os
brancos noções de humanidade. E' sob a sua dominação que se
processa, entre os minuanos, o acolhimento hospitaleiro que dis-
pensavam aos brancos e pretos, quer espanhóis, quer portugueses,
seus companheiros de guerrilhas com os outros índios, sócios nas
arreadas de gado, que vendiam aos lagunistas e colonistas, e com-
participes no contrabando que campeava nas imprecisas frontei-
ras entre as colónias de Portugal e Castela.
O que se diz dos minuanos, com pequenas modificações, po-
de-se aplicar aos charruas, mboanes, iarós, guenoas, parcialidades
ou pequenas tribos, de origem guaicuru do sul. Destes os char-
ruas, principalmente, tiveram grande influência na formação do
povo oriental, pois sempre demoraram no hodierno território do
Uruguai, sendo seus últimos remanescentes puros trucidados por
ordem dos caudilhos orientais. Os iarós, mboanes, extinguiram-se
em guerras com os outros índios e os guenoas, de que falaremos,
aliás designação genérica, fundaram ainda o Povo de Santa Maria
dos Guenoas, de vida efémera, em São Borja. Os minuanos, tra-
zidos à civilização, por cruzamento, contribuíram grandemente na
formação do índio mestiço do Rio Grande do Sul. Devem-se-lhe os
nossos usos e costumes campeiros, e grande parte da indumentária
gaúcha.
6. O índio das reduções.
O material humano com que os Jesuítas criaram a civilização
cristã das Missões, que teve seu relativo esplendor, não era fácil
de plasmar. O índio tape, elemento principal em seus trabalhos
de catequese, no território rio-grandense, ainda dois séculos depois
de seu contacto inicial com os Jesuítas, ao ser aldeado em Gra-
vataí (Aldeia dos Anjos), apresentava as mesmas características
72
AURÉLIO PORTO
de origem, entre as quais sobressaíam a preguiça tradicional, a
imprevidência avoenga e os maus instintos de sua primitividade
bárbara. Continuavam a ser as mesmas «crianças grandes» que
os primeiros Jesuítas encontraram nas matarias selvagens, e das
quais jamais puderam fazer um «homem» que soubesse dirigir as
suas próprias acções.
Embora reduzidos em grandes povos, onde gozavam das van-
tagens de uma incipiente civilização, sob o regime severíssimo im-
posto pelos Jesuítas, os tapes jamais se adaptaram à vida de tra-
balho e de iniciativas próprias que caracteriza a actividade huma-
na. Conhecendo-os perfeitamente, desde os primeiros tempos, es-
tabeleceram os Padres um regime de comunidade, sob o qual se
desenvolvia todo o trabalho dos homens, das mulheres e das pró-
prias crianças. Poucos tinham as suas lavouras privativas, pois
a incapacidade de trabalho não permitia que prosperassem. O
mesmo se dava com a criação de animais domésticos para a ali-
mentação e para transporte. Os alimentos que colhiam, em suas
roças, quando conseguiam levá-las ao bom termo das colheitas,
sob a inspecção dos Padres; os gados que criavam, ou os bois de
arado, — tudo devoravam num só dia. sem que lhes sobrasse
grão para sementeiras futuras, ou carne para os dias seguintes.
Por sua natural preguiça, deixavam morrer à sede e à fome os
animais que lhes eram confiados. Século e meio mais tarde, não
se modificara ainda esse modo de ser.
Foi esse o motivo por que os Padres estabeleceram o regime
comunal que abrangia a lavoura, a indústria e a pecuária. Só
mesmo uma disciplina férrea, exercida material e espiritualmente,
poderia fazer desses pobres índios elementos de utilidade humana.
E sob a constante vigilância dos curas e o exemplo admirável de
virtudes cristãs com que se impõe à versatilidade dos índios, po-
dem eles, esses admiráveis fautores de uma civilização que nos
causa admiração e espanto, conseguir o fruto de acurados esforços.
«.O Padre é a alma de tudo: faz ao Povo o que a alma faz ao
corpo», nos diz o Padre José Cardiel'. r,s) E, realmente, qualquer
58) Padre José Cardiel. Relación verídica de las Misiottes de la Comp.
de JHS. en la Prov. que fué dei Paraguay. Faenza. 1772. Cod. mss. B. N.
II-5, 1. 52.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 73
descuido em seu zelo vigilante e atento, é o bastante para destruir,
até seus alicerces, uma obra de tenacidade e esforço incalculáveis.
«Deus N. S., por sua altíssima Providência, acrescenta, deu a estes
pobres índios um respeito e uma obediência muito especiais para
com os Padres; de outra maneira era impossível governá-los, bem
como escolher os mais capazes para os vários ofícios e os encarre-
gados de dirigi-los, por meio dos quais podem perfeitamente zelar
pelo cumprimento das obrigações comuns.»
Apreciando o ciclo da civilização missioneira que, sob a di-
recção dos Jesuítas, se desenvolve por quatro gerações consecuti-
vas de indígenas e que, durante 140 anos, floresce nas missões que
fundaram, impõe-se-nos reconhecer a soma de dedicação e de sa-
crifícios em que ela importou para esses homens abnegados e he-
róicos. Só eles poderiam realizar essa obra gigantesca com os
elementos materiais e humanos de que dispunham. E quando, ex-
pulsos e arrancados ao convívio dos índios, se inaugura o regime
laico hispano-colonial, de um dia para outro tudo desmorona e se
destrói. O homem, dominado pela preguiça, sem a fiscalização
salutar do Padre, atira-se à embriaguez e retorna à vida semi-sel-
vagem que lhe mata no espírito os germes da virtude cristã, e os
templos vão-se envolvendo em escombros de ruínas.
Mas, não obstante essa incapacidade do silvícola rio-granden-
se de se dirigir por si próprio, ficaram, na história das Missões,
documentos imperecíveis que atestam qualidades superiores de in-
teligência, dedicação e heroísmo.
Embora lhe faltasse o engenho criador tinha o índio, em alto
grau, desenvolvidas, suas faculdades de imitação. De uma cerâ-
mica tosca e pobre que revela o atraso de sua cultura, passa, mais
tarde, o índio das Missões, sob a inspiração artística dos Jesuítas,
a lavrar essas admiráveis peças, cuja cinzeladura marca o apogeu
da civilização jesuítico-colonial que mais demoradamente aprecia-
remos.
Referindo-se a essa capacidade de imitação, diz Charlevoix
que os índios aprendem, com o instinto, as artes a que se aplicam.
«Basta, por exemplo, mostrar-lhes uma cruz, um candelabro, um
turíbulo, e dar-lhes a matéria de que esses objectos se fazem, para
que eles façam outro de tal modo semelhante que difícil seria dis-
74
AURÉLIO PORTO
tinguir a sua obra do modelo que lhe foi apresentado. Fazem e
tocam muito bem os instrumentos; fazem órgãos, os mais compli-
cados, e para isto foi bastante que vissem um; fazem, da mesma
forma, esferas astronómicas; tapetes que imitam os turcos, e o
que há de mais difícil nas manufacturas. Pulem e gravam so-
bre o bronze tudo quanto lhes mandam; possuem excelente ou-
vido para a música e têm, por esta arte, um gosto muito singu-
lar» r,!l)
E não só os tapes tinham essa faculdade de imitação. Os
ibirajaras, segundo o depoimento do Padre Boroa, eram grandes
imitadores. Quando os Padres entraram em suas terras, para ca-
tequizá-los, encontraram umas choupanas que imitavam perfeita-
mente os templos católicos. Nada lhes faltava, pois tinham alta-
res, baptistérios e púlpitos. Era aí que pregavam aos índios con-
tra os sacerdotes cristãos; era aí que desbaptizavam os catecúme-
nos, impondo-lhes nomes diferentes e contrafaziam os actos reli-
giosos a que haviam assistido nas igrejas missioneiras. Quanto
aos guaicurus do sul (charruas, minuanos, etc), não era menos
notável a tendência para a imitação. São os criadores da idade
do couro, no Rio Grande do Sul. Introduzido o gado, tornam-se
cavaleiros inimitáveis. Inventam o laço, as bolas, o tirador, a
guaiaea, e bota de couro, feita de pernas de animal cavalar ou
vacum, garroteado ou sovado. Suas casas têm paredes de couro
e tecto do mesmo material. Nas pelotas feitas de um couro, atra-
vessam os rios. Seus trabalhos, neste material, principalmente os
entrançados, em que foram exímios, são dignos de apreço.
Há, entre os tapes, cujo fundo de ferocidade era tradicional,
exemplos admiráveis de humanidade, de dedicação e mesmo de
heroísmo. Alguns até revelaram tal piedade cristã que os Jesuí-
tas, sempre severos e zelosos dos princípios morais que pregavam,
não trepidaram em lhes dar «cheiro de santidade», proclamando-os
insignes entre os que mais o foram no serviço de Deus.
Estão, em primeira plana, os heróis que se santificaram pelas
suas acrisoladas virtudes cristãs e pela defesa heróica da terra.
Um desses índios recebe*mesmo a canonização do povo: São Sepé.
59) Charlevoix, Historia.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 75
Outros dois que marcam o início e fim do ciclo jesuítico-colonial
das Missões, passam à história com auréolas de santidade, a pró-
pria lenda lhes dá, como ao último, o título pomposo de «Impera-
dor das Missões». E por uma notável coincidência, ambos, afas-
tados qu.ase um século e meio um do outro, trazem o mesmo nome:
Nicolau Nenguiru.
CAPÍTULO II
REDUÇÕES DO URUGUAI.
1. Conquista espiritual do Uruguai. — 2. São
Nicolau de Piratini. — 3. Expansão da catequese je-
suítica. — 4. últimas reduções fundadas na provín-
cias do Uruguai.
1. Conquista espiritual do Uruguai.
No primeiro quartel do século XVII a fama dos Jesuítas, que
haviam fundado as primeiras reduções do Paraguai, alastrara-se
pelas extensas gentilidades que povoavam a bacia do Uruguai. Xa
redução de Nossa Senhora da Encarnação, de Itapua, em fins de
1619, estava o Padre Diogo de Boroa, varão apostólico" que foi,
mais tarde (1634-1641), reitor de Assunção e provincial do Para-
guai, e alma da conquista espiritual do Uruguai e do Tape.
Foi ao P. Boroa que se dirigiram os índios do Uruguai, «po-
rém especialmente um do mesmo rio, cacique principal», que soli-
citava «que os recebêssemos também a eles por filhos e os ajudás-
semos, e assim, em cumprimento disso, os haveria de ir z ver o
Padre em suas terras.» 1) Era este «cacique principal» Nicolau
Nenguiru, largamente referido, que abria assim as portas do Uru-
guai à catequese e à civilização jesuítica.
Entre os operários que mais se distinguiam por suas qualida-
des excepcionais, nessa vinha que o P. Boroa cultivava, contava-se
o P. Roque González de Santa Cruz que, várias vezes, propusera
já se dilatasse o âmbito dos trabalhos apostólicos do Paraguai, a
1) Ânua do P. Boroa, de 16-X-1619, Mss. B.N.I.-29. 7, 9. (10)
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
77
eles incorporando a vasta região oriental do Uruguai, por onde se
abriria caminho para o mar Oceano.
Oportuníssima a ocasião para tentar o empreendimento pro-
jectado. Voltando de uma excursão recebeu o P. Roque a notícia
auspiciosa. E aprestou-se «com grande fervor e espírito para a
partida que foi ontem, 25 deste (Outubro de 1619), dia dos santos
mártires Crisanto e Daria, dia alegre e felicíssimo para esta exten-
sa província do Uruguai e para V. Rma. por cujo intermédio N.
Senhor lhes fez tão insigne benefício e para o P. Roque, que é o
primeiro a trabalhar nesta vinha e para mim, cujos olhos se tur-
vam, quando escrevo isto, pela ternura que sente o coração.» '-')
Depois da missa solene que o P. Roque cantou e das despe-
didas que todos lhe levaram, beijando-lhe as mãos, saíram proces-
sionalmente do povo, acompanhando o desbravador cristão, até um
riacho, de onde, só em companhia de um menino, seguiu rumo ao
Uruguai desconhecido. 8)
Em 8 de Dezembro de 1619, depois de ter atraído muitos caci-
ques e índios das circunvizinhanças, «que lhe vinham dar as boas
vindas e dizer-lhe se alegravam com sua chegada», lançou o P.
Roque os fundamentos da primeira redução do Uruguai, a que deu
a invocação de Conceição, a três léguas da margem direita desse
rio. Contava o Padre com 500 famílias de índios que, num perí-
metro de oito léguas, se poderiam juntar, ou sejam aproximada-
mente 2.500 almas.
Em Conceição, onde, antes de vadear o Uruguai e penetrar
em território de sua banda oriental, permaneceu o P. Roque mais
de seis anos, teve ao princípio, -como companheiro o P. Alonso de
Aragona, substituído, mais tarde, pelo P. Diogo de Alfaro, notá-
vel evangelizador das selvas rio-grandenses e um dos mártires, em
1639, do bandeirismo paulista. 4) Cercado de perigos, tendo con-
tra si feiticeiros e selvagens que não viam com bons olhos a in-
tromissão dos Padres em suas terras, impondo-lhes normas novas
2) Ânua cit. 1-29, 7, 9.
3) Padre Luís Gonzaga Jaeger, S. J. Os bem-aventurados Mártires...
2' ed. 1952, p. 148.
4) Padre Luís Gonzaga Jaeger, S. J. As Invasões Bandeirantes no
Rio Grande do Sul, 1635-1641, p. 52.
78
AURÉLIO PORTO
de vida, coagindo-os em sua liberdade nativa, passou o P. Roque
horas amargas que só sua heróica tenacidade pôde suportar.
Foi nos últimos dias de Abril ou em princípios de Maio de
1626 que, contando com a boa disposição dos tapes que demoravam
sobre a margem esquerda do Uruguai, conseguiu o bem-aventurado
Padre transpor o grande rio e lançar as bases de S. Nicolau, a pri-
meira redução no Rio Grande do Sul, em 3 de Maio de 1626. Mui-
to contribuiu para esse resultado Nicolau Nenguiru, «capitão não
só daquele povo (Conceição) sinão general de todo o Uruguai e
de toda a terra do Tape» 5), a cuja prestigiosa propaganda se
deve a aproximação de caciques como Tabacã, Guaracica e outros
que dominavam as tribos a oriente do Uruguai.
No ano seguinte atravessou o P. Roque o rio Uruguai, nas
alturas da confluência do Ibicuí, onde não encontrou povoação ne-
nhuma de índios quer numa quer noutra margem. E, por este rio,
em uma canoa, penetrou 50 léguas e, só depois desse percurso, che-
gou à primeira aldeia do cacique Tabacã. Bem recebido, ganhou-
logo a afeição dos selvagens, a quem distribuiu as miçangas que
trazia. E foi aí que ergueu, em terras do Rio Grande, a segunda
cruz, que os próprios índios ajudaram a fazer e plantar, como sím-
bolo da aldeia cristã que se erigia. Uma capela tosca, feita de
pau a pique e coberta de palha, recebeu no seu altar a imagem de
Maria Santíssima, sob a invocação de N. S. da Candelária.
Não pôde, porém, aí permanecer. Nomeado superior das no-
vas reduções que se iam fundando, regressou o P. Roque a Concei-
ção, prometendo não esquecer os do Ibicuí. Voltando novamente
soube que os índios comarcãos do Ibicuí, tendo feito uma grande
junta, haviam dado sobre Candelária e destruído a capela e quei-
mado a cruz. Animoso, não obstante o perigo que corria, o beato
Roque retorna à redução e, «assim que cheguei ao porto, onde ha-
via começado a redução, mandei chamar os caciques vizinhos que
logo vieram, entre eles Tabacã, em cuja aldeia se cometera o sacri-
légio, e interroguei-o sobre o caso. Responderam-me que era ver-
dade. Censurei-os com severidade; mas eles se desculparam, ale-
gando que aquilo havia acontecido estando eles ausentes e longe
5) Ânua cit. B. N. 1-29, 7, 36.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
79
dali, pelo que, sendo grande a multidão de índios malfeitores, po-
diam cometer a salvo o delito.» ,:)
Depois de agravar-lhes o caso, declarando que não mais volta-
ria ao local em que se havia praticado tal insulto, o P. Roque resol-
veu mandar chamar os caciques do Tape, para que o levassem às
suas terras, pois havia fama de ali existir muita gente. O próprio
nome da província estava-o indicando: «povoação grande».
Tape era a dilatada região confinada pelas serras do Mar e
Geral, a entestar no alto Jacuí e, pelo curso deste, até se lançar no
mar. (Cf. Mapa Etnográfico.) Ao princípio, para atingir o Tape
pelo Tebiquari, afluente do Ibicuí "), levou o Padre cinco dias e,
mais tarde, entrando pela porta natural da cordilheira, o Boquei-
rão (Serra de Santiago), a distância se reduziu de muito.
Atendendo à solicitação do P. Roque acorreram vários caci-
que do Tape, com muita gente, ao seu chamamento. Estavam in-
decisos quanto à entrada que o venerável apóstolo pretendia fazer
em suas terras, mas soube ele persuadi-los. E, assim, conseguiu
que lhe dessem remadores para prosseguir por via fluvial a sua
jornada, enquanto os caciques, por terra, penetravam no Tape.
De chegada ao porto, onde deveria arribar a canoa, encontrou o
jesuíta um casebre já feito, pois os índios queriam evitar que os
caciques de terra a dentro o hostilizassem, se ele- fosse acolhido
na aldeia.
«Acomodei-me com eles naquele dia», diz o P. Roque. «Mas,
no seguinte, depois de muitas persuasões e (alegando) exemplos
de outros caciques, alcancei que me deixassem entrar em suas ter-
ras. Consentiram-no ainda que com muito medo dos índios comar-
cãos e dos da terra, os quais vieram depois para ver-me, trazendo
seus filhos e mulheres com muita afabilidade, e a todos os quais
procurei ganhar e afeiçoar às coisas de nossa santa fé; mas, por
mais empenho que fizesse, não pude lograr que me deixassem fi-
6) Carta do Padre Roque. Cf. tradução do Padre L. G. Jaeger. Os
Bem-aventurados Roque Gonzalez... cap. 24, p. 194. Com pequenas va-
riantes encontra-se este relatório em Mss. B. N.; Mártires. J. M. Blanco;
Doe. Hist. Argentina, XX, 373; Calvo Recs. Compls. Parece mais exacta,
porém, a cópia existente na B. N.
7) Pensa o P. Jaeger seja este o hodierno Jaguari. principal tribu-
tário do Ibicuí. (Os três Mart. Riogr., 2a ed. p. 194, nota 5.)
8i)
AURÉLIO PORTO
car em suas terras. Todavia, eu estava firme, entretendo-os com
a promessa de ir-me embora depressa, mas que isso não havia de
ser sem primeiro eu ter reconhecido todas as suas terras e pro-
curado sítio para em algum tempo «reduzi-los». Isso mo conce-
deram eles, e assim andei livremente por elas. embora com bas-
tante dor, porque em todo o Tape não se encontra posto para nem
sequer 200 famílias, que, como antigamente fosse muita a gente,
acabaram com os matos e assim plantam entre cerros e penhascos
e vivem em aldeolas, cujas maiores são de cem índios».
Estava o apóstolo empenhado em percorrer e observar a dila-
tada província do Tape quando, quase ao voltar, soube que os
índios «da outra banda da cordilheira» 8), haviam feito uma junta
em que. se conluiaram para dar sobre ele e roubá-lo. A essa no-
tícia, sairam os índios amigos, que o haviam trazido e conseguiram
aquietar os sublevados com a promessa de que fariam sair ime-
diatamente o Padre de suas terras, impedindo assim o ataque pro-
jectado.
Mas tudo, trabalhos, riscos, privações, deu o P. Roque por
oem empregados. Era o primeiro Jesuíta que conhecera o Tape
b podia, agora, com os elementos de que dispunha, organizar um
plano geral de catequese da região. Ao mesmo tempo desencan-
tara-se do Ibicuí, sobre cuja região corriam fantasiosas notícias.
Toda a terra do Uruguai, observa, não é mais do que uma provín-
cia extensíssima, que mede 300 léguas de comprimento por 100 de
largura. «Porque, acrescenta, desde o porto de Buenos Aires até
a nossa primeira redução de Reis (Japeju) há 100 léguas; desta
até a cordilheira que fica a 10 léguas mais acima da redução de
São Nicolau (Serra geral), que é a última, há 50 léguas, e é a me-
lhor de toda a província; logo seguem outras 50 de bosque cerrado
até sair às planuras em direção ao Guairá (o antigo Contestado
das Missões) e daqui aos confins do Brasil há outras 100 léguas,
dando todas o número de 300».
8) Padre Jaeger. Os 3 Mártires, etc. de quem seguimos a tradução, diz
em nota 6. pág. 194 que essa cordilheira deve ser a Serra de S. Xavier,
ou, talvez, com maior probabilidade a Serra de S. Martinho, que se es-
tende entre S. Maria e Jaguari.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 81
Refere-se o P. Roque, com detalhe, ao sistema hidrográfico
da bacia do Jacuí que se estende pelo Tape. Formam-no o Tebiqua-
ri, o Caiii e o Jaí, com águas vertentes ao mar. O Jaí (Aí = Igaí
= Jacuí), é o principal e por ele, segundo lhe disseram os índios,
entravam os portugueses em navios pequenos, ficando os grandes
em alto mar, a resgatar com os índios. Traziam os portugueses
roupas de pano, como a que usava, que era feltro, e muitos «cha-
péus», nome que, em português, davam aos sombreiros.
Não é exacto que houvesse a quantidade de índios que se di-
zia. No Ibicuí, principalmente, não se encontram esses milhares
que as falsas informações dos governadores consignam. Existem,
já reduzidos, 1.000 selvagens em Conceição, São Nicolau e São
Xavier e mais 1.000 a reduzir nos rios Piratini e Ijuí acima até a
cordilheira do Tape (Serra geral). Seguem-se 50 léguas de mata-
ria onde há mais 3.000 índios que trafegam no Uruguai. Os ibira-
jaras, que são de língua diferente da do guarani, estão nessas ser-
ras e são lavradores. Seguem-se logo os índios que dizem do cam-
po, abamiris (homens pequenos), cujas terras ele não viu, nem a
eles, mas é certo que são muitos, o maior número da província,
isto é, pouco mais ou menos, uns 10.000 que, com os outros, perfa-
zem uns 20.000 índios lavradores.
Traçava, assim, o P. Roque, as linhas gerais da etnografia
dessa vasta região. E releva notar a exactidão de que se revestem
as suas informações. Mais tarde os nossos historiadores, indu-
zidos por erro, multiplicaram esses aborígines, dando nomes bi-
zarros de tribos e nações inexistentes. E, três séculos depois, pro-
curando classificar os primitivos habitantes da antiga província do
Uruguai, chegámos às mesmas conclusões do venerável sacerdote,
encontrando somente os três grupos raciais a que ele se refere:
tapes, ibirajaras e abamiris (guaicurus do sul).
Esse relatório do P. Roque González de Santa Cruz foi escrito
na redução de Reis (Japeju, na Argentina) 9), e tem a data de
15 de Novembro de 1627.
9) Nasceu aí o General San Martin, em 23 de Fevereiro de 1778.
82
AURÉLIO PORTO
2. São Nicolau do Pira tini.
Foi São Nicolau do Piratini a primeira redução fundada pelo
P. Roque, que prosperou, ao passo que a de Candelária (1*), no
Ibicuí, destruídas a capela e a cruz pelos tapes, teve vida efémera.
A São Nicolau já se refere aquele insigne missionário na carta re-
ferida, datando a sua erecção de 3 de Maio de 1626, data em que
se celebra a Invenção da Santa Cruz. Estava assente entre o rio
Ijuí e o Piratini. E Rego Monteiro, cujo magnífico trabalho será
aqui citado a todo momento, pois está profunda e saudosamente
ligado a pesquisas comuns 10), localiza-a, como provável, a 28"26'
de lat. S. e a 12°24' Long. O. Rio de Janeiro e, tomando por base
a informação do seu beato fundador que diz ficar ela a 40 léguas
de Japeju, deduz, feita a conversão dessa antiga medida linear cas-
telhana, que distaria 91 milhas, pelo rio Uruguai.
No ano seguinte ao da sua fundação foi São Nicolau oficiali-
zada pelo governador D. Francisco de Céspedes, que a aprovou por
acto governamental de 27 de Março de 1627. E ao mesmo tempo
mandava-lhe socorrer com 466 pesos m/c, subvenção que se dava
a cada uma das reduções da província. 1 1 )
E' daí que se irradia e desenvolve por toda parte o trabalho
inicial de catequese. Entregou-a o seu fundador ao P. Afonso de
Aragona que logo se fez querer e respeitar pelos índios. Entre
estes sobressai o capitão António Guaracica, cacique principal, que
irá acompanhar de perto todos os sucessos, e nas horas boas e
más estar sempre pronto ao serviço de Deus e da civilização de
seus irmãos.
São Nicolau, que foi fundada com 280 famílias, prosperou
grandemente, de sorte que, dentro em breve, contava mais de 500
famílias, ou sejam mais de 2.500 almas. E como o trabalho era
intenso e o P. Roque, superior das reduções do Uruguai, era soli-
citado por outros serviços, foi-lhe dado como companheiro o P.
Miguel de Ampuero, a quem ficou afecta a redução. 12)
10) Jonatas da Costa Rego Monteiro. As primeiras reduções jesuí-
ticas no Rio Grande do Sul. "Rev. Inst. Hist. R. G. Sul". 1". XIX, 15.
11) B. N. Mss. Ânua 1-19, 3, 3.
12) O P. Miguel de Ampuero, designado pelo governador D. Francis-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
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Grandes tribulações para os Padres e índios presidiram o iní-
cio da redução. Uma fome terrível sobreveio em seguida, con-
sequente da nova organização que se dava aos selvagens e do pre-
paro das sementeiras, pois, imprevidentes e ociosos, não guarda-
vam víveres para subsistência comum, estando acostumados a pro-
vê-la individualmente com a caça, frutos, etc. Grande número de
índios, ainda não catequizados, moviam perseguições aos amigos
dos Padres, procurando assim prejudicar os trabalhos de organi-
zação do Povo.
Em sua Ânua de 12 de Novembro de 1628, o provincial P.
Nicolau Mastrilli Durán 13 ) dá detalhadas notícias sobre essa fun-
dação: «O P. Afonso de Aragona, pela confiança que conquistou
entre os índios, fez algumas entradas por terra, descobrindo gente
bastante e bom sítio para fundar outra redução, que não princi-
piou então, embora lho pedissem os índios, por motivo de não ha-
ver nenhum Padre para nela pôr. Quando cheguei a fim de vi-
sitar essa redução, foi tal a alegria de todos os índios que, forçan-
do-me a noite a passá-la um pouco longe do povoado, gastaram-na
totalmente em festas e regozijos que atroavam os campos com o
estrondo de seus instrumentos. Pela manhã saíram todos a re-
ceber-me, e tão atropeladamente se atiraram a beijar-me a mão,
que me vi no perigo de ser sufocado no tumulto, se dois Padres
que iam a meu lado não os moderassem. As mulheres estiveram
sempre escondidas em suas casas; somente três das dos caciques,
por grande favor, saíram para me ver. Porque com tanto cuida-
do as ocultam os índios, e elas mesmas são tão ariscas, que sem-
pre se acham recolhidas sem permitir que alguém as veja, até que,
pelo trato dos Padres, vão perdendo aquele acanhamento; e, nes-
ta redução, escreve-me o P. Aragona, já lhe consentem a entrada
co de Céspedes em 4 de Julho de 1626 para companheiro do P. Roque,
era "persona de muchas letras, religión y púlpito, que ha asistido en este
puerto", diz o governador. (B. N. 1-29, 1, 27). Natural da Espanha es-
teve em B. Aires e nas reduções do Paraguai e Uruguai. Em 1636 era
reitor do Colégio de Assunção.
13) Ânua autografa B. N. 1-29, 7, 19. Traz no índice: "Este cua-
derno es el original de las ânuas que tradujo y publico el P. Jacobo Ran-
çonier en 1636 en 8" le falta solamente el primer cuadernillo".
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AURÉLIO PORTO
em suas casas e a visita aos enfermos e enfermas, que ao começo
era um caro custo pela dificuldade com que o concedem.» 14)
E termina o Padre Provincial Nicolau Mastrilli, que inúmeros
são os trabalhos por que passa ali o P. Aragona, bastando referir
que só tem para alimentação uma espécie de feijões e um pouco
de charque velho, que lhe mandam de outras reduções e, quando
nada tem, passa as noites em oração contínua, depois de trabalhar
o dia inteiro.
Indo para o Paraguai o P. Aragona, foram nomeados para
dirigir a redução, que já atingira grande desenvolvimento, os Pa-
dres Adriano Crespo, Vicente Badia e Silvério Pastor. Os dois
primeiros são depois retirados para outras reduções e permanece
ali o último a que se vem reunir o P. João Baptista Mexia. Em
1634, por ocasião da construção do templo de São Nicolau, ali per-
manece o irmão Bartolomeu Cardenosa, notável arquitecto jesuíta,
de que falaremos oportunamente.
Com a invasão dos paulistas, em 1638, a redução, que já con-
tava mais de 4.000 almas, muda-se para a margem ocidental do
Uruguai, junto ao arroio Agarapucaí, e daí para o povo de Apos-
toles, de onde, em 1687, se traslada novamente, vindo fundar a 2«
redução de São Nicolau, no território dos Sete Povos, um pouco
distante da primitiva, mas ainda ao norte do rio Piratini.
3. Expansão da catequese jesuítica.
Fundada a primeira redução de São Nicolau, já confiada ao P.
Aragona, recebeu o P. Roque notícia de que ao norte do rio Pira-
tini, em um posto magnífico para estabelecer uma nova missão,
havia grande quantidade de índios que estariam dispostos a rece-
ber as sementes do Evangelho.
Por este tempo havia sido designado para auxiliar o P. Ro-
que, em seus trabalhos apostólicos, o P. Pedro Romero, uma das
maiores expressões da catequese sul-americana e cujo nome está
fortemente vinculado à história das reduções do Uruguai e do
Tape.
14) Veja a tradução completa apud L. G. Jaeger, Os Bem-aventura-
dos Mártires, cap. 20, p. 169/170.
I
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 85
Em companhia deste missionário penetrou o fundador na-
quela terra, sendo recebidos por selvagens em armas, que procura-
ram hostilizá-los. Mas tais foram as razões do P. Roque, que o
cacique principal, Aguaraguavi, se mostrou disposto a auxiliá-lo,
convertendo-se à fé cristã. Era o lugar conhecido por Caaça-
pá-mini, e aí, depois de aplainadas todas as dificuldades, fundou o
P. Roque a redução de Nossa Senhora da Candelária, a 2 de Feve-
reiro de 1627, data em que a Igreja celebrava a festa da Purifica-
ção da Mãe de Deus.
Solicitado por outros trabalhos, deixou o P. Roque em Cande-
lária ao P. Romero, que aí ainda se encontrava quando foi marti-
rizado o seu companheiro, em Caró, 15 de Novembro de 1628. Sa-
bedores da notícia os candelaristas se congregaram para vingar a
morte do P. Roque, no que foram obstados pelas solicitações do P.
Romero, que só permitiu fossem eles recolher o corpo do mártir,
partindo daí 200 índios armados, sob o comando do capitão Mba-
caba. Pelo mesmo tempo, os índios de Caró, com Carupé à fren-
te, procuraram dar sobre Candelária para matar ao P. Romero,
que, montando a cavalo, com dois neófitos, os espantou. Acudi-
ram os índios que estavam nas chácaras e depois de um combate
puseram em fuga os 300 índios de Caró. 15 )
Candelária, que estaria localizada, provàvelmente, a 28"32' de
lat. S e 11"52' de Long. O do Rio de Janeiro 16), ficou a cargo do
P. Pedro Romero, que iniciou logo os seus trabalhos de evangeli-
zação. Informa o P. Roque que em Fevereiro de 1627 foram fei-
tos os primeiros baptismos de crianças e adultos, dos quais 176
pelo P. Roque. Outros mais tarde, cabendo ao P. Romero bapti-
zar 498 catecúmenos, e os Padres Afonso Rodriguez e João dei
Castillo 10 cada um. Foram reduzidos ali 3.000 índios e dentro
de pouco tempo já se contavam os seus moradores por 7.000 almas.
Por acto de 28 de Março de 1628 era, pelo governador D. Francisco
de Céspedes, aprovada essa fundação, que vencia por ano 466 pesos.
Substituiu ao P. Romero, logo destinado a outros trabalhos, o
15) Luís Gonzaga Jaeger, Os Bem-aventurados Mártires, cap. 35,
p. 266.
16) Rego Monteiro. Op. cit.
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AURÉLIO PORTO
P. Manuel Bertot. Em 1630 uma peste assolou a redução. Por
esta ocasião foram baptizados 400 adultos in periculo mortis e en-
terrados por este Padre 1.000 índios entre crianças e adultos, viti-
mados pela peste. 1T) A este sucederam os Padres Francisco de
Molina e João de Salas, que muito trabalharam naquela vinha.
Em Setembro de 1633 um grande incêndio, que teve origem
em uma casa do Povo, quase devorou a redução inteira. Na oca-
sião um Padre dizia missa e, quando ouviu o alarma que o fogo
produziu no Povo, não quis interromper o ofício começado, achan-
do mais eficaz pedir a intercessão da Virgem em socorro de sua
redução. E o fogo que tentava envolver a Igreja foi dominado
dentro em pouco. Quatorze casas de índios foram reduzidas a cin-
zas, sendo elas as maiores e melhores da povoação. 1S)
Em 1636, ao receber a notícia da invasão bandeirante no Ta-
pe, o povo de Candelária, para mais de 1.000 almas, tendo à fren-
te o P. José Domenech, foi o primeiro a abandonar as suas terras,
passando para Itapua, à margem do Paraná. 19)
Prosseguindo o seu intento de ampliar a acção da catequese
entre os silvícolas rio-grandenses, o P. Roque, em companhia do
P. João dei Castillo, se embrenha pelas selvas ao norte do Ijuí-gran-
de, na fralda da Serra e aí lança, em 15 de Agosto de 1628, os fun-
damentos de Assunção, cuja localização provável seria aos 27°58\
de lat. S. e 12°00' long. O. do Rio de Janeiro. 20)
Era a região perigosíssima para a actividade dos Padres, pois
era ali a estância de Nheçu, célebre cacique e feiticeiro que foi o
chefe da conjuração em que pereceram ■ depois como mártires o
P. Roque e seus dois companheiros.
O erudito historiador dos «Os Bem-aventurados Roque Gonza-
lez. . . 21), diz que foi com os fundadores de Assunção o índio Filipe
17) L. G. Jaeger. em "Terra Farroupilha", I, 40. p. 327/28.
18) Ânua da Candelária. Padre Pedro Romero, S. J. — B. N. Mss.
1-29, 7. 25.
19) A propósito dessa precipitada fuga, diz o P. Diogo de Boroa "que
las reducciones de Candelária e de los Mártires uiendo su peligro ísi bien
que no era tan próximo como de otras reducciones) se mudaron en este
tiempo a el rio Paraná", etc. B. N. Mss. 1-29, 1. 66.
20) L. G. Jaeger, "Os Bem-aventuradps, cap. 40, in fine.
21) P. L. G. Jaeger. Op. cit., cap. 27, p. 220. Com ressalvas nossas
quanto à grafia de Caró, pelas razões expostas na seguinte nota.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
ST
Yeguacabai, carpinteiro de S. Nicolau, e o jovem Francisco Nheçu,
que seria o cozinheiro do P. Castillo. Cita a Ânua do P. Ferrufino,
cujos tópicos transcrevemos: «Escolheu o P. Roque ou melhor a mão
divina, para a nova redução (Pirapó) ao P. João dei Castillo, e assim
os dois partiram a tomar posse em nome de Jesus Cristo, pondo
o título de seu glorioso estandarte nas terras de Nheçu. No dia
da Assunção de Nossa Senhora, 15 de Agosto de 1628, que deu
nome àquele povoado, viram aqueles campos os raios do Evange-
lho, levantando o sagrado troféu das glórias de Cristo e consagran-
do-os com o santo sacrifício da missa.» Levaram os Padres mui-
tas cunhas e, distribuídas pelos índios, logo estes trataram de fa-
zer as suas chácaras e as sementeiras, de sorte que em breve a re-
dução se apresentava florescente. Por algum tempo ficou ainda
ali o P. Roque, não só cuidando de aplainar dificuldades que sur-
giam, como dando ao próprio P. Castillo os melhores exemplos da
sua abnegação e virtudes.
Com a morte do P. João dei Castillo, em 17 de Novembro de
1628, essa redução foi abandonada, pois as Ânuas posteriores não
mais se referem a ela.
A ideia da fundação de Caró 22), que dominava a vasta re-
22) Em sua Conquista Espiritual (ed. Bilbau, 1892, 227), diz o P.
António Ruiz de Montoya, que "cerca de la reducción de la Candelária
(que atras dejamos) habia un cacique llamado Cuarobay, ganado con dá-
divas de poco valor, la votuntad de aqueste facilito la entrada dei padre
á su tierra, llamada Caró, que quiere decir Casa de avispas, que aun el
nombre dei lugar concurrió al dichoso hado de los Padres; casa de avispas
fué, pues con sus aguijones apresuraron el paso á la corona". Os que
pretendem se grafe o étimo pela forma Caaró, queriam ver, nessa região,
grandes bosques de erva-mate nativa, amarga, (caa = erva-mate e
rob = amarga). Em estudo exaustivo sobre o assunto (Jornal do Comér-
cio, Rio, Julho de 1934) coube-nos provar que nessa região jamais houve
erva-mate nativa e, portanto, os índios sempre precisos em sua nomen-
clatura não lhe teriam dado uma designação de coisa inexistente. Caró
(cab = vespa e ró, casa) provàvelmente significando grandes lechigua-
nas ali encontradas pelos índios, é a grafia certa e assim se deve escrever,
não só em atenção à verdade histórica, como pela justa significação do
termo. Persistir em erro conscientemente prejudica essa verdade que
deve ser o escopo da história e a sua própria razão de ser.
OBSERVAÇÃO de L.G.J.: E' este o respeitável parecer de Aurélio Por-
to. Entretanto, desde o início aparecem nos documentos históricos quatro
grafias: Caró, Caaró, Caro e Caaro. A opinião de Montoya é de ineontes-
- távcl peso. Mas, apoiado em razões indiscutíveis, ficou oficializado no pro-
\
AURÉLIO PORTO
gião que se estende entre os rios Piratini e Ijuí, já ocorrera ao P.
Roque mesmo antes de lançar os alicerces da redução de Assunção.
Estabelecida a redução de Candelária, que distava umas seis lé-
guas daquela região, isto é, do «campo rodeado de matos e peque-
nas aldeias», a que particularmente se dava essa designação, ha-
via o bem -aventurado desbravador das terras missioneiras recebi-
do contínuas visitas de caroguaras que solicitavam levassem os Je-
suítas até aquele posto a cruz civilizadora de Cristo.
Convidou-os o P. Roque a irem estabelecer-se em Candelária,
ao que não anuíram os caciques, pois não queriam abandonar as
suas terras onde, insistiram, desejavam ter um povo cristão. «Ven-
do, pois, o santo P. Roque», informa o P. Romero, «tão boa dis-
posição na gente de Caró, nos levou consigo, a mim e ao santo
P. Afonso Rodriguez para que víssemos o sítio e a disposição da
gente e a todos nos pareceu que era quanto se podia desejar. E
para a gente que ali se reuniu a fim de ouvir a nossa palavra,
marcou o santo Padre um lugar onde deviam fazer uma choupana
com dois lanços: um que servisse de capela e outro para sua pró-
pria vivenda.» - •"■)
Foi a 1 de Novembro de 1628 que o P. Roque González de
Santa Cruz, em companhia do P. Afonso Rodriguez, demandou a
região de Caró, onde ia fundar a redução. Caminhava para o mar-
co terminal das suas grandes actividades apostolares que deveriam
ser coroadas pelo martírio.
Rego Monteiro localizou Caró a 28"26' de Lat. S. e 11"32' de
Long. O. do Rio de Janeiro, com cujos elementos o Padre Jaeger
pôde determinar essa redução na posição exacta de 28"26'01"1 de
Lat. S. e 54>4r56"3 de long. O. de Greenwich que coincide perfei-
tamente com as indicações daquele saudoso companheiro de pes-
quisas, e insigne historiador da Colónia do Sacramento.
cesso de Beatificação dos três Mártires Roque, Afonso <• João, em 1932 e
1933 a grafia Caaró. (Veja L. G. Jaeger, Os Bem-aventurados Mártires,
Cap. 30, nota 1 p. 236 e cap. 39, parág. 3. p. 304,05.). Respeitando po-
rém ;i memória do benemérito Autor, conservamos nesta obra a escrita de
Caró.
23) J. M. Blanco. Hist. documentada. 469. — Cf. trad. do P. Jaeger.
Os Bem-aventurados... p. 237).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
89
No dia seguinte, dedicado à festa de Todos os Santos, é que se
ergueu a cruz que marcava a nova redução. Deu-lhe o Padre o
nome de Todos os Santos do Caró, ou Mártires, sendo seus oragos
os três mártires da Companhia no Japão: S. Paulo Miki, S. João
de Goto e S. Diogo Chisai, que haviam sido pela igreja beatificados
no ano anterior.
Nos dias seguintes, até 15 desse mês, data em que foi marti-
rizado juntamente com Afonso Rodriguez, o P. Roque não des-
cansou um instante na fama de fazer da redução uma povoação
modelar. Com o auxílio dos índios, ergueu uma capelinha modes-
ta para a celebração dos ofícios divinos. Entre as coisas que le-
vara estava um pequeno sino para chamar à prece os catecúme-
nos. E já havia providenciado para erguer o campanário em um
poste de madeira com o comprimento de 17 metros que, no dia
anterior, festivamente, os índios haviam transportado para a pra-
ça, de um mato próximo.
Foi na ocasião em que, inclinado sobre o pau, amarrava uma
corda ao badalo do pequeno sino que um escravo do índio Carupé,
de nome Maraguá, a um sinal daquele, desfechou sobre a cabeça
de Roque um golpe de itaiçá. Outro índio também desferiu-lhe
mais uma pancada. E o Padre, sem um gemido, teve morte ins-
tantânea, terminando, assim, as suas gloriosas actividades aposto-
lares, e regando com seu sangue, magnífica semente, a terra que
conquistara para Deus. Com o alvoroto que se produziu o P. Afon-
so Rodriguez acorreu ao local em que jazia morto o P. Roque, po-
rém, mal pôde dar alguns passos, pois sobre ele se atiraram os
índios conjurados, o arrastaram, desferindo-lhe golpes sobre gol-
pes até o prostrarem também sem vida, pouco distante do compa-
nheiro.
Mortos os Padres, entregaram-se os selvagens ao saque da
capelinha, dividindo entre si as pobres alfaias que nela havia e
ainda até as vestes dos Padres que cortaram em pedaços. Depois
queimaram a capelinha e dos missionários. E sobre a fo-
gueira deitaram também o corpo do beato P. Roque que, mal quei-
mado, depois retiraram dali para abrir e tirar-lhe o coração. Cra-
vara-no de setas e novamente o lançam ao fogo. E é esse coração
que, salvo mais tarde, ficou como relíquia, até hoje venerada.
90
AURÉLIO PORTO
Foi, mesmo, em Fevereiro e Março de 1940, trazido de Buenos Ai-
res, onde se encontra, percorrendo as terras do Rio Grande. Em
Caró foi erecta uma capelinha em louvor dos três mártires. -i)
A conjuração para matar os sacerdotes, que tinha como insti-
gador ao cacique-mor Nheçu, alastrou-se depois desse aconteci-
mento. Emissários assassinos saíram em demanda do P. João dei
Castillo que estava em Assunção do Pirapó. No dia 17 de No-
vembro, depois de o agredirem a golpes, ferindo-o no rosto, amar-
raram o jovem sacerdote a uma corda de cipó. E o arrastaram,
assim, durante largo tempo, numa distância de mais de três quiló-
metros. No trajecto, os selvagens que o acompanhavam, desferi-
ram-lhe inúmeros golpes com pedras agudas, crivando-o de feri-
das, de que o sangue escorria.
Mortos os três Padres, resolveram os índios dar sobre as mais
reduções a fim de destruí-las. Chegaram mesmo a São Nicolau,
onde estavam os Padres Afonso de Aragona e Francisco Clavijo.
Conseguiram deitar fogo à igrejinha coberta de palha, que não
puderam queimar e, ante a resistência que encontraram dos moços
cristãos que ali se encontravam, desistiram do intento, voltando a
Caró.
Célere correu a notícia pelas reduções da outra banda do Uru-
guai. Os Padres Diogo de Alfaro e Tomás de Urena, que assis-
tiam em Conceição, convocaram os caciques principais do povo
para socorrer os nicolaístas. Apresenta-se então D. Nicolau Nen-
guiru, o piedoso amigo dos Jesuítas, que. resolve organizar um con-
tingente de índios guerreiros e à frente deles segue para São Ni-
colau com o intuito de castigar os sublevados. Foram estes em
número de 200. Também na Candelária, onde estava o P. Pedro
Romero, haviam aparecido vários índios de Caró e Pirapó, em ati-
tude agressiva. Foram, porém, detidos pelos catecúmenos e o
P. Romero, que corajosamente os enfrentou.
A força de Nenguiru segue até o Pirapó, onde ficava a al-
deia de Nheçu. Como auxiliar estratégico vem o Irmão António
Bernal que, quando secular, estivera em várias campanhas e que,
mais tarde ainda, encontraremos opondo-se à invasão bandeirante.
24) L. G. Jaeger, Os Bem <iventiirados, cap. 39, p. 314.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
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Em companhia do P. Clavijo, que fora solicitar recursos em Cor-
rientes, acode também às reduções o capitão Manuel Cabral de Al-
poim, português, -5) opulento fazendeiro da região que leva con-
sigo alguns soldados espanhóis. E a Alpoim é confiado o coman-
do da expedição. Dá-se o choque com os índios conjurados aos
quais foi infligida terrível derrota. Muitos foram mortos, sendo
presos os principais assassinos dos Padres. E assim ficou paci-
ficada aquela região.
Depois destes acontecimentos, Caró foi abandonada alguns me-
ses pelos Jesuítas e, mais tarde, restabelecida. O acto do gover-
nador Céspedes, que reconhece a redução dos Três Mártires do
Japão de Caró, tem a data de 23 de Julho de 1630. Em sua se-
gunda fase vão dirigi-la o P. José Orégio que tem como auxiliar o
P. Jerónimo Porcel.
Anos terríveis teriam de passar os caroenses. A fome devas-
tou as populações. A peste dizimou muitas vidas. Só em 1633
tiveram algum desafogo. Neste ano foi também para ali o P. Pe-
dro de Espinosa, que ensinava O catecismo. E o fruto foi exce-
lente, pois baptizaram-se 880 adultos e 343 infantes. Recebiam os
selvagens com boa disposição os ensinamentos dos Padres, de sor-
te que muitos, além das práticas religiosas, haviam deixado mui-
tas de suas mulheres, casando-se com a que preferiam. Em 1633
foram assim realizados 400 casamentos.
25) Entre o grande número de portugueses, provàvelmente judeus
que estão entre os primeiros povoadores de Buenos Aires, conta-se Ama-
dor Pais de Alpoim, natural da freguesia de Santa Maria, da ilha Tercei-
ra, e filho de outro de igual nome e de D. Isabel Vela. Era casado com
D. Margarida Luís de Cabral, também natural da mesma ilha e filha
legítima de Matias Nunes Cabral e neta de Nuno Lourenço. Teve o casal
vários filhos, entre os quais Manuel Cabral de Alpoim, nascido na ilha
Terceira e que foi para Buenos Aires com oito anos de idade. Manuel Ca-
bral, que teve larga actuação em vários sucessos das reduções e, especial-
mente, na resistência aos bandeirantes, havia ocupado postos de destaque,
como alcaide da Irmandade, em Buenos Aires, e mais tarde, indo residir
em Corrientes, onde foi grande accionero, foi ali tenente-de-governador da
Província, e mestre-de-campo-general. Casou primeiro com D. Inês Árias
de Mansilla, descendente de Hernandárias e, por morte desta, com D. Jua-
na Delgado de Espinosa, filha de conquistadores. Foi criador de infinito
gado e o maior terratenente da Província. E faz parte desse gado. ad-
quirido pelos Jesuítas, o primeiro rebanho que entra no Rio Grande do
Sul e constitui a riqueza pecuária da terra. (Vide, sobre os Alpoim, R. de
Lafuente Machain, Los Portugueses en Buenos Aires. 125, 126, 127, 128).
92
AURÉLIO PORTO
Quatro anos depois, por ocasião da invasão bandeirante, Caró
foi abandonada e seus índios, conduzidos pelos Padres Porcel e
Pasqual Garcia, passaram o Uruguai, localizando-se na redução
de Corpus.
4. Últimas reduções fundadas na Província do Uruguai.
São Carlos do Caapi foi fundada pelos Padres Pedro Mola e
Filipe Viveros em princípios de 1631, e em 23 de Agosto deste
mesmo ano era reconhecida e aprovada pelo governador D. Fran-
cisco de Céspedes. Segundo Rego Monteiro, estava localizada no
actual Campo de Santo Cristo, ao norte da povoação de Santo Ân-
gelo nas fraldas da serra, ao norte do Ijuí grande, sendo suas coor-
denadas prováveis 28" 28' lat. S. e 10° 43' Long. O. do Rio de Ja-
neiro.
Estava o povo ao princípio em lugar ameno e aprazível à vis-
ta, mas, muito castigado pelos ventos que sopravam com tal in-
tensidade a ponto de destruir as casas dos índios e uma vez mes-
mo levou pelos ares o tecto da igreja, que era de palha. O frio
também era intenso, e isto fazia com que os índios abandonassem
o povoado, fugindo constantemente. Descoberta a causa da de-
serção, foi a redução mudada para "posto mais abrigado; e logo
voltaram todos os índios, construíram a igreja e as suas casas e
ficaram contentíssimos em sua nova situação.
Muito devia a prosperidade em que se encontrava o povo ao
antigo cacique, ora capitão, chamado Apicabiyia «índio terrível e
mui temido entre eles por sua eloquência e valentia. Anterior-
mente havia ameaçado ao Padre que lhe queria tirar as suas man-
cebas; mas, por fim, chegou a sua hora e de leão se fez manso cor-
deiro, pedindo com muita instância o santo baptismo, porque, di-
zia, queria ser filho de Deus. E o missionário, conhecendo seu
bom coração, o baptizou e casou as suas mancebas, que eram sete
ao todo, e ele tomou sua própria e verdadeira mulher, que era uma
velha. Com a graça de Deus, poderosa para realizar estes mila-
gres, deixou totalmente as outras, aliás moças e de bom parecer,
particularmente uma que ele havia criado desde criança e queria
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
93
em extremo tendo dela um filhinho de um ano.» -,;) E isto con-
tribuiu muitíssimo para firmar no Povo a moral cristã que os Pa-
dres pregavam.
O exemplo serviu para abrir a porta dessa redução a outros
índios entre os quais seis caciques de que se destacava o afamado
cacique Jandeya, que sé converteu, e foi para o Povo fazer as suas
sementeiras.
Havia na igreja a imagem de São Carlos, devida ao pincel do
insigne artista Irmão Luís Vergel, que foi colocada no altar com
muito gosto e alegria de todos.
Em 1636 foram nomeados para dirigir o Povo os Padres Pe-
dro Mola, Diogo Ferrer e Nicolau Inácio. Já tinha a redução mais
de 6.000 almas quando, em 1638, foi destruída e abandonada pela
acção desumana das bandeiras paulistas.
A redução de Santos Apóstolos São Pedro e São Paulo, de
Caaçapa-guaçu. é dada por Teschauer e Rego Monteiro como ten-
do sido fundada em 1633. Pode-se, entretanto, recuar essa data
para 1631, pois que o acto de 23 de Agosto desse ano, do governa-
dor Céspedes, já aprovava a sua fundação. Teria as coordenadas
prováveis de 28" 28' de Lat. S. e 11°6' de Long. O. do Rio de Ja-
neiro, deduzidas, pelo provecto Rego Monteiro, da carta de Carra-
fa. Estaria, assim, situada entre os Ijuís, grande e mirim, nas
pontas da coxilha que divide as águas desses dois rios.
A Ânua referida do P. Romero dá várias notícias sobre essa
povoação. Em 1633, por falta de operários, ali estava somente o
P. Adriano Crespo, de saúde escassa e cheio de achaques. E a re-
gião era bastante trabalhosa, porque ali vivia o célebre feiticeiro
Ibapiri, que muito prejudicou a catequese. Morto este, melhorou
a situação e os índios livres de sua influência chegavam aos poucos
para receber a palavra de Cristo. Assim, em pouco tempo, já po-
dia contar a povoação com 600 almas de baptismo, das quais 200
crianças.
Era o P. Adriano o médico do povo. Acudia a todos com
notável zelo e caridade. Do que tinha para si empregava a maior
parte para fazer remédios e beberagens, com que curava a mui-
26) Ânua do P. Pedro Romero, superior. B. N. Mss. 1-29, 7, 25.
94
AURÉLIO PORTO
tos enfermos, sofrendo as suas impertinências e bobagens pelas
quais são mais dificilmente curados, porque, não aturando os re-
médios que lhe dão, ou aplicações que fazem, as tiram, embora
vejam claramente que lhes causam bem. Não se abstêm de coi-
sas nocivas à sua saúde, nem os de casa se atrevem a negar o que
pedem; se precisam ter resguardo, não se conformam. Assim é
de mister muita paciência para curá-los. Teve-a o P. Adriano
e conseguiu curá-los corporal e espiritualmente, pelo que foi sem-
pre muito querido pelos índios. -T)
Em 1636 foram tomar conta da redução os Padres José Oré-
gio, Luís Ernot e Francisco Jiménez. Em 1638, atemorizados ante
o avanço paulista, foi essa redução abandonada. Tinha ela en-
tão uma população superior a 3.000 almas.
27) Ânua 1633. B. N. Mss. 1-29, 7, 25.
I i i i imiTiiirf i l i l r-t -i— l—r-1— r-t
Carta organizada pelo Padre Luis Gonzaga Jaeger, S.J. e executada no Gabinete de Desenho da 1." Divisão de Levantamento do Serviço
Geográfico do Exército, em Pôrto Alegre. — Huns Thofehrn desenhou. Julho de 1936.
CAPITULO III
REDUÇÕES DO TAPE
1. Penetração jesuítica no Tape. — 2. Reduções
do Alto-Ibicuí. — 3. Reduções da bacia do Jacuí. —
4. Martírio do venerável Padre Cristóvão de Mendo-
za. — 5. A "Junta" dos feiticeiros.
1. Penetração jesuítica no Tape.
A dilatada província do Tape, desde as primeiras horas da
penetração jesuítica em território aquém-Uruguai, tinha sido uma
das maiores preocupações desses abnegados caçadores de almas.
Dadivosa e fértil a terra, que se estendia até o mar, era cortada
de rios que Constituíam um sistema hidrográfico que a tornava
apta para a exploração extensiva da agricultura e da pecuária;
de condições orográficas que a circunscreviam entre altitudes e
depressões de climas variados e amenos; de vasta extensão de
campos com excelentes pastagens que corriam para o sul desde
os contrafortes extremos da Serra, e de matarias virgens alcan-
dorando as serras e bordando as margens dos rios que, ora se
despenhavam em quedas fortes dos altos desníveis do planalto,
ora, deslizando suavemente, espraiavam-se em várzeas extensas
pelas planuras fecundas.
Além da disposição geofísica que singularizava a terra, o ho-
mem que nela habitava seria, trabalhado pela catequese, um óp-
timo elemento, não obstante a sua incapacidade nativa para o tra-
balho. Pequeno não seria o esforço para adaptá-lo à civilização
cristã; mas o resultado compensador das primeiras tentativas in-
duziu os padres a tentá-lo, com a coragem característica que sem-
pre singularizou a sua acção.
História .das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte
96
AURÉLIO PORTO
Em 1626 já o P. Roque González, atraído pela fama do Tape,
entrara pelo rio Ibicuí, depois de um percurso de 40 léguas, até a
aldeia de Tabacã, cacique poderoso daquela região. E ali, como
vimos, lançou os lineamentos da redução de Candelária, a primei-
ra, logo destruída por selvagens vizinhos que não queriam aceitar
o domínio da Cruz. O sucesso só serviu para dar mais ânimo ao
heróico evangelizador, pois, voltando ao Tape, conseguiu o levas-
sem terra a dentro até Itaiasaco onde, mais tarde, o P. Cristóvão
de Mendoza fundaria São Miguel, nas proximidades da actual ci-
dade de Santa Maria.
A tragédia de Caró, em que perdeu a vida, não permitiu rea-
lizasse o apóstolo a aspiração de expandir a catequese e fixar
marcos de civilização cristã até o Tape longínquo. Coube aos
seus sucessores, principalmente um de seus discípulos e compa-
nheiro dè trabalho, o venerável P. Pedro Romero, quando superior
das Missões, a tarefa de levar à afamada província a acção ben-
fazeja dos ínclitos soldados de Cristo.
Num depoimento do P. Manuel Bertot, um dos desbravadores
do Tape, encontra-se a notícia do dia exacto em que, sob a direcção
do P. Pedro Romero, os Padres Luís Ernot e Paulo Benavides, por
via fluvial e os Padres Cristóvão de Mendoza e Manuel Bertot, por
terra, encontraram-se na aldeia do cacique Guaimica, ponto ini-
cial da catequese do Tape. «Foi servido Nosso Senhor», depõe
o P. Bertot, «abrir a porta da extensa e povoada província do Ta-
pe a seu Santo Evangelho, na Serra que corre até o mar, cerca
de cem léguas, à qual me levou o venerável P. Pedro Romero, su-
perior que era das Reduções. Entrámos nela a 13 de Junho do
ano de 1632, e achámos, na outra banda da Serra, nos campos
que correm até Buenos Aires, cerca de 150 léguas, um povo de
400 índios juntos, ao qual não faltava senão igreja e cruz. 1)
Até fins do ano de 1631 poucos eram os sacerdotes de que dis-
punha a Companhia, com as condições exigidas para os trabalhos
de catequese no Uruguai. Além das condições morais e de com-
provada abnegação, resistência física e outros atributos indispen-
1) Visita y testimonio, cit. B. N. Mss. 1-29, 1, 52 (n. 4).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 97
sáveis ao bom desempenho da missão, mister se fazia que fossem
«bons línguas e experimentados no ministério dos índios, pessoas
doutas e de toda satisfação».
E isto só foi possível quando, destruída a província do Guai-
rá pelos mamalucos de São Paulo, nove Padres, tendo à frente
essa compleição formidável de apóstolo que foi o P. António Ruiz
de Montoya, desceram com seu povo num êxodo de 12.000 almas,
Paraná abaixo, sofrendo as maiores privações, indo até o Para-
guai, onde se localizaram os 4.000 sobreviventes. -) Além do pró-
prio Montoya outros missionários insignes virão regar com seu
suor aquela vinha promissora. Recebe-os o Tape em que se mul-
tiplicam as povoações. Há, entre esses homens fadados ao tra-
balho e ao martírio, figuras gloriosas que ficam circundadas de
halos imperecíveis de santidade. Os novos operários são os Pa-
dres Simão Masseta, Paulo Benavides, Luís Ernot, Pedro Mola,
José Cataldino, José Doménech, Pedro Ãlvarez e Cristóvão de
Mendoza. Veteranos do Guairá, trazem ainda no coração o tra-
vor dos dias dolorosos, da destruição, dos incêndios, das mortes
e da escravização do povo guairenho, e dessa formidável migra-
ção para a liberdade que, fugindo ao barbarismo dos bandeiran-
tes foi encontrar a morte em sua maior parte.
São estes os debravadores do Tape. Penetram pelas serras,
navegam pelos rios, transpõem o Jacuí, o Guaíba, o Rio Pardo, o
Taquari, o Rio das Antas, e palmilham a terra em todas as di-
recções e vão levar a cruz redentora a todos os seus quadrantes.
Surgem pelas aberturas das florestas, cavalgam pelos campos de
coxilhas dobradas, sobem as escarpas do planalto, baixam às pro-
fundas depressões das valadas verdes e, por toda a parte, condu-
tores formidáveis de povos selvagens, deixam um traço de bon-
dade, um raio de fé, um cântico de louvor ao Criador Supremo e,
muitas vezes, ali ficam, olhos postos no céu, coroados pelo mar-
tírio, glorificados pela santidade de uma vida exemplaríssima de
virtudes e de uma morte de inigualáveis torturas.
2) L. G. Jaeger, O Herói de Ibiã, cap. 12 e 13.
4*
98
AURÉLIO PORTO
2. Reduções do Alto-Ibicuí.
As reduções do Alto-Ibicuí, fundadas já na província do Tape,
são, por ordem cronológica, as seguintes:
a) São Tomé. — Foi, como se disse, a 13 de Junho de 1632,
que o P. Pedro Romero, superior das reduções do Uruguai, com
os Padres Manuel Bertot e Luís Ernot, a que vieram se reunir
os Padres Cristóvão de Mendoza e Paulo Benavides, (o único por-
tuguês que trabalhou no Uruguai), chegaram ao rio Jaguari, aflu-
ente do Ibicuí, em cuja margem direita levantaram cruz. Ficava
aí o Povo, de 400 almas, a «às quais não faltava sinão igreja e
cruz», a que se refere o padre Bertot. Erguida esta, que tinha 40
pés de altura, naquele mesmo dia se baptizava São Tomé, a pri-
meira redução da província do Tape.
Localiza-a Rego Monteiro na lat. de 299 22' S. e Long. O. Rio
de Janeiro de 11" 34'.
Informa o P. Bertot no Testimonio citado que «no primeiro
ano da redução de São Tomé reduziram-se outros 400 índios e nos
anos seguintes mais, de sorte que o Povo atingiu a 1.400 e mais
famílias e entraram para a escola 900 crianças.» Baptizaram-se
naquele Povo mais de 3.000 almas. A redução ficou aos cuida-
dos do P. Luís Ernot, que baptizou outras mais, bem como seu
companheiro P. Bertot.
A Ânua do P. Romero, referente a 1633, dá-nos preciosos
informes sobre as actividades apostólicas desses dois sacerdotes
naquele núcleo inicial do cristianismo no Tape, designação vetusta
da própria aldeia (Tape = cidade grande), de onde se irradiaria
pela província dilatada, numa expansão notável, a catequese je-
suítica.
Antes do segundo ano da fundação, São Tomé já contava
cerca de 1.800 habitantes. Haviam-se realizado 70 casamentos,
resultado acima do comum, tendo em vista a dificuldade que sem-
pre se encontrou em convencer os índios a abandonar as suas mui-
tas mulheres e entrar no regime da monogamia.
Entre os muitos índios que se baptizaram refere-se a Ânua
a um capitão velho e cacique principal do povo, ao qual sendo
perguntado pelo nome que queria adotar disse que lhe dessem o
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 99
de Roque, em louvor do P. Roque, que ali estivera por amor deles.
Um dos primeiros cuidados dos Padres foi organizar uma or-
questra e ensinar o canto aos índios, entre os quais um revelou
tais aptidões que em pouco tempo era escolhido para maestro.
Duas provações cruéis estavam destinadas a reduzir de muito
a população da incipiente aldeia. A primeira foi a peste que dizi-
mou grande parte do povo, pois morreram, por essa ocasião, 770
crianças e 160 adultos. Seguiu-se-lhe uma praga de tigres. Ir-
rompiam de todos os lados, atacavam a redução e vinham cevar-se
nos pobres índios que devoravam às dezenas. Isto sucedeu por
duas vezes, ocasionando a fuga de muitos selvagens, que recaíram
nas práticas pagãs.
Em 1638 foi São Tomé, com receio das incursões bandeiran-
tes, mudada para a margem direita do Uruguai, quase em frente
à actual cidade de São Borja.
b) São Miguel. — Dias depois da fundação de São Tomé,
ainda no mês de Junho de 1632, daí seguiu o P. Romero em com-
panhia dos Padres Cristóvão de Mendoza e Paulo Benavides para
lançar os fundamentos da redução de São Miguel, que distava
daquela treze léguas. Ficaria, conforme Rego Monteiro, à mar-
gem direita do rio Ibicuí, proximidades da actual vila de São Mar-
tinho, na serra do mesmo nome, sendo suas coordenadas prová-
veis 29" 36' Lat. S. e 10? 54' Long. O. Rio de Janeiro.
O lugar em que foi fundada São Miguel era conhecido dos
índios pela designação de Itaiacecó. Era uma grande aldeia que
poderia congregar umas 5.000 almas da região que abrangia, gen-
te dócil e de boa condição, pronta a receber a semente do evan-
gelho. Edificada a igrejinha, de pau a pique, de que os próprios
índios se encarregaram, sob a direcção do P. Cristóvão, em pou-
cos dias pôde este iniciar as suas actividades. Um ano depois
de sua fundação, São Miguel já contava 843 catecúmenos bapti-
zados, sendo 408 adultos e 435 crianças. Morreram nesse perío-
do 95 pessoas.
Alguns maus elementos vieram, dentro em pouco, perturbar
a harmonia da povoação. «Um destes, que estivera entre os ma-
tadores do beato P. João dei Castillo, quando soube da chegada
100
AURÉLIO PORTO
do santo jesuíta, fugiu para os matos e ali se ocultou, temeroso
de castigo. Sabendo disto, o P. Cristóvão, embrenhando-se na ma-
taria, conseguiu encontrá-lo e, com boas falas, lhe fez ver a bon-
dade do Senhor, que perdoava aos que se arrependiam. O índio
voltou para a redução, recebeu o baptismo e viveu cristãmente.
Outro, que não foi passível de emenda e que se chamava Taiubai,
feiticeiro e inimigo dos Padres, apareceu em São Miguel quando
a redução já florescia, procurando destruir a obra da catequese.
Dizia-se Deus e que a seu mando desencadear-se-iam pragas ter-
ríveis sobre o povo, se este não abandonasse os Padres que des-
truíam os velhos hábitos da vida livre dos selvagens. Capturado
por índios cristãos, foi levado à presença do P. Cristóvão que, para
desenganar os que acreditavam no feiticeiro, teve-o um dia preso,
mandando, em seguida, saísse da povoação. Taiubai foi para a
terra de Ibia, onde, um ano mais tarde, promove a conjuração de
que resultou a morte do P. Cristóvão.» 3)
Era cacique principal de São Miguel o capitão Guaimica, que
se singularizou pela sua dedicação à catequese de seus irmãos e
pela bravura e resolução pronta em todas as ocasiões em que foi
necessário sair à frente de forças em defesa das reduções, como
se deu na ocasião da invasão bandeirante e outras.
Solicitado para novas fundações e outros trabalhos de pe-
netração no Tape o P. Cristóvão deixou a redução que havia ini-
ciado, sendo substituído ao princípio pelo P. Benavides e depois
pelo P. Manuel Bertot. Ali, em 1638, estava o P. Orégio, retiran-
te de S. Ana, assolada pelos mamalucos, e se dispunha a encami-
nhar o povo para o Uruguai quando, distanciando-se dos vaquea-
nos, perdeu-se na floresta, onde esteve por alguns dias sofrendo
as maiores privações.
O povo de São Miguel emigrou para Conceição, na margem
direita do Uruguai, donde voltou, em 1687, para fundar a segun-
da São Miguel.
c) São José. — Informa o P. Bertot, no Testimonio citado
3) Aurélio Porto. Martírio do venerável Padre Cristóvão de Mendoza,
S. J. Sep. "Anais 3' Cong. de Hist. Rio-grandense". Porto Alegre, 1940.
25; e L. G. Jaeger, O Herói do Ibia, cap. 18.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 101
que «a sete léguas de São Tomé, caminho de São Miguel, fun-
dou-se a redução de São José, alguns meses depois da de São
Tomé, e, porque não havia Padres, o P. Luís Ernot e eu procurá-
mos reduzir os índios comarcãos naquele posto; fizemos igreja e
casa, indo alternativamente cada mês baptizar as crianças e, quan-
do avisados, os enfermos. Aí se reduziram perto de 400 índios
e continuámos com essa tarefa até que o P. José Cataldino foi
encarregado do curato daquele Povo.» 4)
Ficava São José, conforme Rego Monteiro, à margem direita
do Ibicuí, entre o Toropi e o Jaguari, na encosta da coxilha de
São Xavier. Tinha as coordenadas prováveis de Lat. 29" 36' S.
e Long. O. Rio de Janeiro 11" 16'.
Cansados estavam os índios, havia quase um ano já aldeados,
e somente recebendo a visita periódica dos Padres de São Tomé;
por isto resolveram mandar seus caciques ao Superior que sabiam
andava em viagem pelas reduções, a fim de lhe pedir designasse
um Padre efectivo para instruí-los na religião. Encontraram em
caminho o-P. Cataldino, especialmente mandado para cura de São
José, e festivamente o levaram à sua aldeia, depois de passarem
por São Tomé, onde os esperava o capitão e mais autoridades do
Povo.
Quando o P. Cataldino entrou na aldeia, achou aí já cons-
truída uma igreja com capacidade para a gente que então existia,
que eram 350 famílias. Já se tinha iniciado o levantamento dos
esteios da casa do padre. Além disto, os índios haviam cercado
um pequeno curral para as vacas, que a redução devia receber, e
a chácara para as sementeiras estava quase pronta.
Era notável a boa vontade com que todos acudiam com fer-
vor e gosto às práticas religiosas, pois, «tocando o sino, saíam
logo de suas casas para entrar na igreja, e era tal a pressa a que
alguns se davam que deixavam os seus companheiros e saíam
correndo; entre outros um menino quis correr com tal ímpeto que,
tropeçando na carreira caiu e feriu-se gravemente, do que veio a
morrer.» 5)
4) Test. cit. B. N. Mss. 1-29, 1. 52.
5) B. N. Mss. 1-29, 7, 25.
Í02
AURÉLIO PORTO
Um ano depois, já São José apresentava desenvolvimento
digno de nota, e o P. Romero, em sua Ânua citada, observava que
«ia-se reduzindo a gente muito depressa, sendo já mais de 600
famílias, e as crianças começam a ler, cantar e dançar, com pra-
zer seu e alegria de seus pais.»
d) São Cosme e São Damião. — Foi fundada esta redução,
segundo Azara, em 24 de Janeiro de 1634 e ficaria à margem di-
reita do Ibicuí, pontas da serra de São Martinho, nas proximida-
des da vila deste nome. Rego Monteiro dá para coordenadas pro-
váveis 29^32' Lat. S. e IO9 40' Long. O. Rio de Janeiro.
Foi designado para dirigi-lo o P. Adriano Formoso, que pou-
co depois já havia ali congregado mais de 1.000 famílias, número
que, em 1637, se elevava a 2.200. Assolada pela peste e pela fo-
me muito sofreu a redução. Iludidos pelos apicairés, terríveis
feiticeiros, muitos índios fugiram, encarregando-se de suas lavou-
ras o próprio missionário para que, ao voltarem, não sentissem
fome.
3. Reduções da bacia do Jacuí.
Foi em princípios de 1633 que, ampliando a acção da cate-
quese, penetraram os Jesuítas na bacia do Jacuí, fundando ali
várias reduções que tiveram desenvolvimento notável. Era a re-
gião a grande porta que se abria para ligar o Uruguai ao litoral
e essas fundações facilitariam as comunicações pelo Iguaí, ou Rio
Grande, uma das vias de penetração dos inimigos paulistas, de
que já havia veementes indícios de aproximação. E era também
ali o campo de acção dos preadores de índios e seus prepostos,
os ibirajaras, amigos dos tupis, que entravam pela Laguna, des-
cendo até ao Tibiquari, onde assaltavam os tapes para resgate com
os paulistas. Logo que foi possível dispor de maior número de
Padres, alguns mesmo retirados das aldeias antigas, tratou o
P. Romero, superior das reduções, de estender para leste do Ja-
cuí a linha de penetração missioneira.
Entretanto, veteranos consumados na obra da catequese, es-
tendiam, cruzando o Taquari e o Rio das Antas, a exploração das
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 103
terras ainda não palmilhadas pelos Padres espanhóis, indo, como
os Jesuítas Cristóvão de Mendoza, Francisco Jiménez e João Suá-
rez até a bacia do Caí. Urgia a providência, pois era voz corren-
te que, em Piratininga, aprestavam-se bandeiras para reproduzir
no Tape a depredação que tão viva ainda estava na memória dos
retirantes do Guairá.
a) Santa Teresa. — A primeira povoação dessa nova série
foi Santa Teresa, localizada nas terras do cacique Guarae, nas
pontas do rio Passo Fundo, antigo Uruguai-mirim. Erecta a cruz,
em fins de 1632, aldeados os índios, nada mais se pôde fazer, de-
vido às dificuldades que os Padres encontravam de ir até ali. De
vez em quando, muito solicitados pelos catecúmenos, um ou outro
das reduções mais próximas se aventurava a fim de atender às
práticas religiosas.
Para obviar essas dificuldades, que contribuíam para o rela-
xamento dos costumes cristãos, já em bom caminho, resolveu o
superior fosse Santa Teresa mudada para posto de mais fácil
acesso, conforme a sugestão do P. Francisco Jiménez, cura de
Apóstolos, e fundador da primeira Santa Teresa.
Fácil não foi, depois de escolhido o novo local, convencer o
cacique Guarae e seus índios que abandonassem a antiga terra
em que haviam nascido e vivido seus antepassados. Convenceu-os,
porém, a promessa de terem Padres efectivos, o que não se daria
se persistissem na região em que tinham as suas aldeias.
Vencida a resistência dos índios e feita a transmigração do
Povo, a 22 de Março de 1633 erguia o P. Jiménez a cruz que mar-
cava o local da nova redução. Dá Rego Monteiro para esta as
coordenadas prováveis de 28? 12' Lat. S. e 99 8' de Long. O. do
Rio de Janeiro, coincidentes, mais ou menos, com as da actual
cidade de Passo Fundo, e nas pontas da vertente mais ocidental
do Jacuí.
A carta que o P. Francisco Jiménez dirige ao Superior, rela-
tando essa fundação, nos dá interessantes notícias, motivo pelo
qual se reproduz na íntegra: «Parti, como V. Revma. me orde-
nou, para visitar Santa Teresa e no tempo preciso em que com
a graça do Senhor pude fazer a mudança do Povo, muito embora
104
AURÉLIO PORTO
estivesse a parcialidade do cacique Guarae sem vontade para isto,
por amor de suas terras e por lhe haverem dito que também teria
Padres ali ; contudo o venci e desenganei, dizendo-lhe que não
havia tantos Padres que pudessem ir a sua terra, e com isso fo-
ram voando e se deram a tal gana para fazer as suas casas que
antes que eu viesse, as tinham quase acabadas, com que ficou
já o lugar com forma de povoação. Logo começou a chegar gen-
te de Mbocarirói, e matriculei 250 famílias, baptizei 50 crianças,
e alguns enfermos que corriam perigo. Dali parti para São Joa-
quim e no caminho não faltou o que padecer, porque me colheu
um temporal tão rigoroso que me deteve seis dias, em que esti-
vemos para morrer de frio e de fome. Nos dois últimos dias es-
tivemos sem comer até que, vendo a coisa mal parada, e que não
havia senão erva para tomar, e o tempo não se aplacava, nem
cessava de cair neve e granizos, disse aos índios: «Filhos, vocês
se sustentam dormindo e bebendo erva (mate), mas eu não posso
mais padecer a fome e tenho a obrigação de me cuidar e não me
deixar morrer à míngua, portanto, quero seguir, muito embora
faça o frio mais intenso». E saí do rancho sob o forte granizo
e os índios me seguiram. Fazíamos fogo a miúdo porque nos cor-
tava o frio, e com este trabalho chegámos a um rancho onde a
Providência divina nos fez esperar um alcaide de São Joaquim
com muita comida de milho e lenha guardada para fazer fogo, o
que nos confortou um pouco.
«A gente do povo nos recebeu muito bem; baptizei as crian-
ças que havia e matriculei 100 famílias novas que vieram. Que-
rendo fazer a igreja, como me mandou V. Revma., mandei abrir
os buracos para os esteios, mas o terreno era todo pedra viva, com
o que desisti da obra, dizendo aos índios que ia procurar melhor
local para a construção. Ficaram eles muito tristes com isto e,
havendo eu me recolhido a uma choça, saiu uma índia varonil,
mulher do capitão Camaí, e começou a repreender os índios, cha-
mando-os de indolentes e por tão pouco, e era de apreciar a ener-
gia com que a boa índia dizia que quebrassem as pedras e as fu-
rassem para fincar os paus para a igreja. Eles, com isto, can-
saram-se algum tempo em querer quebrar as pedras sem que o
conseguisem, mas não desistiam do intento e, de pena deles, saí
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
105
e mandei que cavassem em outro lugar onde havia até três pal-
mos de terra sobre as pedras. Ali, como foi possível, armei a
igrejinha onde se pode doutrinar os índios por enquanto, com que
ficaram consoladíssimos e eu ainda mais por ver seu bom cora-
ção.
«Não pude atravessar em direcção a Apóstolos, por não estar
aberto o caminho, nem haver canoa no Igaí e assim baixei por
SanfAna, onde matriculei mais 100 famílias e baptizei as crian-
ças.» 6)
Só em 6 de Agosto, entretanto, o P. Francisco Jiménez foi
efectivamente residir na redução de Santa Teresa. Torna-se a
povoação conhecida, principalmente dos paulistas bandeirantes, pe-
las suas extensas florestas de araucária e de erva -mate: Santa
Teresa dos Pinhais e Ervaçais. E ali, mais tarde, estabelece An-
dré Fernandes um posto de aprovisionamento para as Bandeiras
em que fica um filho seu, o P. Francisco.
No ano seguinte já tinha Santa Teresa 800 habitantes, ten-
do sido baptizadas 400 crianças e quando foi destruída pelos pau-
listas sua população passava de 4.000 almas, inclusive grande nú-
mero de ibirajaras que haviam sido atraídos pelo P. Jiménez.
Dessa redução, em 3 de Janeiro de 1635 partiu o P. Jiménez
em companhia do P. João Suárez para fazer um reconhecimento
pelo rio Taquari, cuja bacia percorreram longamente. Consta a
exploração de uma interessante carta do P. Jiménez ao superior
P. Pedro Romero. 7)
b) SanfAna. — A penetração na bacia oriental do Jacuí,
magnífico campo para a catequese jesuítica, deu-se naturalmente
pelas alturas do Vacacaizinho, antigo Araricá, onde foi fundada
a redução de SanfAna. Ficava esta, segundo Rego Monteiro, na
Lat. S. de 29? 55', e acima da foz do actual arroio Paredão.
Foi em meados de 1633 que o P. Inácio Martinez, por deter-
minação do superior, tendo ido àquele local, aí já encontrou gen-
te reunida, e levantando a cruz deu início à redução que já estava
6) Ânua citada Mss. B. N. 1-29, 7, 25.
7) B. N. Mss. 1-29. 1, 47.
106
AURÉLIO PORTO
em franco desenvolvimento, quando o P. Romero, em companhia
do P. Adriano Formoso, ali chegou de volta do Paraguai. Sendo
o P. Inácio mandado no ano seguinte para o Peru, em companhia
do P. Pedro Alvarez, substituiu-o o P. Manuel Bertot, que aí es-
teve quase um ano, tendo reduzido mais de 1.000 índios. Mais
tarde a sua população atingiu a 7.700 almas. O cacique principal
chamava-se Aierobia, recebendo no baptismo o nome de Bartolo-
meu. Muito auxiliou os Padres no recrutamento de catecúmenos
e, tendo aprendido o ofício de carpinteiro, empregou-se na cons-
trução da igreja.
c) São Joaquim. — Ficava situada na serra de Butucaraí
ílbiti-caraí) , nas pontas do Rio Pardo, provàvelmente entre 29"10'
de Lat. S. e 9" 18' de Long. O. Rio de Janeiro, segundo Rego Mon-
teiro. Determinou a sua fundação não só uma aldeia populosa
de índios que havia no local, como, principalmente, a facilidade
de exploração de ervais nativos que ali se estendiam.
Foi em 1633, logo depois da fundação de SanfAna, que a eri-
giu o P. João Suárez, «tão pobre de coisas e alfaias que, pergun-
tando-lhe um Padre o que levava para dar princípio à sua redu-
ção e para ganhar os índios, respondeu que não levava mais do
que a semente do Evangelho para semear em suas almas e que
com ela levava uma riqueza.» 8) E com a sua humildade e po-
breza, dentro em pouco, ganhou realmente para Deus os pobres
índios, não obstante os incómodos a que deu causa semelhante
pobreza.
Muito sofreu o Padre com a alimentação de milho e uma es-
pécie de feijões a que se via obrigado a alimentar-se. E enquan-
to não podia colher o trigo, que todos plantavam não só para hós-
tias como para seu sustento, só se alimentava quando os Padres
vizinhos lhe mandavam um pouco de pão, embora também escas-
so nas reduções novas.
Isto não obstou porém que desenvolvesse uma actividade dig-
na de nota, pois, em pouco tempo, havia levantado a sua peque-
na igreja e a pobre casa em que ia viver. Segundo o P. Romero,
era esta uma das reduções mais trabalhosas da serra, porque a
8) B. N. Mss. 1-29. 7, 25.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 107
gente dela está metida pelos matos e ásperas serranias. Muito
auxiliou ao P. Suárez o seu companheiro Cristóvão de Arenas que,
por matos e serras quase inacessíveis, conseguiu em dois dias,
descendo o planalto, ir até a Jesus-Maria, que ligou por um pique
a São Joaquim, facilitando assim as comunicações entre ambas,
até então inexistentes. São Joaquim prosperou grandemente, con-
gregando mais de 1.000 famílias catequizadas. n)
d) Natividade. — Foi localizada esta redução nas fraldas
da serra de São Martinho, entre as vertentes do Ivaí e do Jacuí,
segundo Rego Monteiro: «a indicação topográfica de Carrafa faz
ver que essa redução ficava à margem direita de um afluente for-
te do Igaí (Jacuí), muito acima de sua forte deflexão para o
Norte, cerca de meia distância entre a forqueta Jacuizinho-Jacuí
a essa deflexão». Seriam suas prováveis coordenadas 299 14' lat.
S. e 10" 14' Long. O. Rio de Janeiro.
Foi em Agosto de 1633 que o P. Pedro Alvarez, depois de ha-
ver auxiliado a baixar os índios de Iguaçu, deu início a essa re-
dução, que denominou «Natividade de Nossa Senhora». Várias
vezes haviam os índios, que ali demoravam, solicitado aos Jesuí-
tas fizessem uma aldeia em suas terras, aproveitando a que ali já
existia e, como demorasse a vinda dos Padres, levavam às outras
reduções os seus filhos, a fim de serem baptizados. O P. Pedro
foi recebido com as maiores demonstrações de alegria; mas o lo-
cal em que os índios estavam já aldeados, muito exposto aos ven-
tos e ao frio, não atendia às necessidades de uma boa povoação,
sendo assim mister mudá-la para outro local. Feita a mudança,
embora com sentimento de alguns que ali estavam arraigados,
inaugurou-se Natividade em 8 de Setembro.
«Fizeram logo sua igreja e a casa para o Padre, melhor do
que se fossem índios há muito já reduzidos, de. sorte que o P. Al-
varez, que muitos anos estivera no Paraná entre índios há muito
cristianizados, confessa que estes excedem àqueles em capacida-
de e num natural mais brando e dócil para as coisas da Fé.» 10)
9) B. N. Mss. 1-29. 7, 31.
10) Ânua cit. 1-29, 7, 25.
108
AURÉLIO PORTO
Assim, em pouco tempo Natividade tornou-se uma redução notá-
vel pelo seu desenvolvimento, pois, no ano seguinte, já contava
mais de 800 famílias e com o tempo se iam descobrindo mais «pois
parece que os índios são como mina e em cada dia se descobrem
mais veias de ouro puro e finíssimo, capaz de bem-aventuran-
ça.» 11 )
e) Jesus-Maria. — Foi Jesus-Maria a redução mais avan-
çada para Leste que os Jesuítas fundaram no Rio Grande do Sul.
Não pertenceria mesmo à Província do Tape, que tinha por fron-
teira o rio Jacuí, e cuja sentinela extremada seria a redução de
SanfAna. Ficava à margem direita do Rio Pardo e acima da
foz do rio Pardinho cerca de 20 a 25 quilómetros. Rego Monteiro
encontrou para Jesus-Maria as coordenadas prováveis de 29" 45'
Lat. S. e 99 22' Long. O. Rio de Janeiro. Coincide essa posição
com o último contraforte da serra do Butucaraí e por ela passava
a linha dos ervais nativos, grandemente explorados pelos índios.
Estava o P. Pedro Mola, varão apostólico e virtuoso, em São
Carlos, quando recebeu ordem do superior a que atendesse à so-
licitação dos índios das cercanias do Iequi (Rio Pardo), que in-
sistiam pela fundação de uma povoação cristã em suas terras.
Em Novembro de 1633, cumprindo essa ordem, seguiu o Padre
num animal cavalar, mas tão fraco e imprestável que teve de fa-
zer a pé quase todo o caminho, sob fortes calores e perseguido
de mutucas e outros insectos. Em São Joaquim, detido por uma
enchente, esteve três dias, sendo obsequiado pelos catecúmenos
com caças de veado e batatas.
Souberam os de Jesus-Maria que o Padre se dirigia para
suas terras e, com grande acompanhamento, foram os caciques
encontrá-lo, tendo à frente o seu capitão que lhe ofereceu presen-
tes de mbocayiy, uma espécie de linho muito apreciado da região.
E todos o cumprimentaram a seu modo e seguiram em companhia
do P. Mola que, mais adiante, surpreso, viu que outra turma de
índios melhorava e enfeitava o caminho por onde ele devia pas-
sar. A entrada do Povo estava engalanada de arcos de folhagens.
11) Idem, ibid.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
109
E, chegando o missionário, todos à porfia apresentavam seus filhos
para que os baptizasse e, nessa ocupação, gastou muitos dias, pois
era muita a gente que desejava o baptismo.
Em quatro dias somente, quase sem assistência do P. Pedro,
os índios construíram uma casa de 24 pés de altura e relativa-
mente boa. Ao mesmo tempo deram começo à igreja com 34 pés
de altura por 50 de largura, onde se dissesse missa e se administras-
sem os Santos Sacramentos. 12)
Nessa ocasião chegou o P. Cristóvão de Arenas, que trouxe
algumas vacas para a redução e ficou em companhia do P. Mola.
Mais tarde para ali foi o P. Cristóvão de Mendoza, que fez
várias explorações na bacia oriental do Taquari, onde, " em Ibia,
em 1635; recebeu a palma do martírio. Houve mesmo intenção
de ampliar além do Rio Pardo a linha das reduções, a fim de opor
resistência aos piratininganos, preadores de índios que entravam
pelo Caágua e por Guaiberenda (Guaíba), levando da região nu-
merosos escravos. Seria cura dessas novas reduções o P. Cristó-
vão de Mendoza, que conseguira matricular 2.200 índios prontos
a reduzir-se, em três Povos já existentes com 100 casas cada um.
Diz o P. Mola que ele contava, no ano de 1635, colher 100
fanegas de trigo que os índios haviam cultivado em suas cháca-
ras e outras tantas de milho. As vacas e os porcos estavam mui-
to gordos e iam aumentando, sendo diàriamente encerrados em
potreiros, sem que houvesse faltado uma cabeça sequer. Em
1636, além do gado vacum, em Jesus-Maria havia já um bom re-
banho de ovelhas. 13)
Foi a primeira redução, devido à sua posição geográfica, que
sofreu o ataque dos Paulistas, sendo por eles tomada e destruída
em 1636. Nessa página sombria, largamente descrita no capítulo
seguinte, ressaltam outros informes sobre a vida de Jesus-Maria,
uma das mais prósperas e florescentes reduções da Serra. E' daí,
após a invasão bandeirante, que se inicia o largo êxodo de cate-
cúmenos, que termina pelo completo abandono de todas as po-
voações cristãs do Tape e do Uruguai.
12) Ânua cit. 1-29, 7, 25.
13) Ânua de Jesus-Maria. Padre Pedro Mola, 1-29. 7, 28.
110
AURÉLIO PORTO
f) São Cristóvão. — Foi erguida esta redução à margem
direita do Rio Pardo, abaixo da foz do Rio Pardinho, Sueste da
actual povoação de Cruz Alta, tendo, conforme Rego Monteiro, a
posição de 309 00' Lat. S. e 9? 28, Long. O. Rio de Janeiro.
E' a última das reduções do Tape e foi confiada ao zelo do
P. Agostinho Contreras que, em 1634, elevou a cruz e demarcou
a povoação. Ao capitão António Caraichure, que . era o cacique
principal da região, deveram os padres os fundamentos desta po-
voação que atingiu apenas em dois anos grande desenvolvimento.
Por falta de sacerdotes que os atendessem, mandavam os índios
que seus filhos fossem a outras reduções a fim de serem instruí-
dos na religião e baptizados. Estes, voltando, tornavam-se mes-
tres dos próprios pais, a quem, em suas aldeias, ensinavam as
práticas religiosas que com os Padres haviam aprendido. Entre
os que mais aproveitaram com essas lições, contava-se D. Antó-
nio, o cacique principal que, em pouco tempo, reunindo os índios,
lhes pregava a doutrina cristã.
Foi com prazer, assim, que receberam o Padre e fundaram a
redução de São Cristóvão, que é a última das povoações erguidas
na província do Tape, pelos Jesuítas.
Como veremos, foi de pouca duração a vida desta próspera
missão, pois, em 1636, assediada pela bandeira de Raposo Tava-
res, foi arrasada, depois de um combate com os índios que durou
de 4 a 5 horas. A igreja foi queimada, e saqueada a povoação.
4. Martírio do venerável Padre Cristóvão de Mendoza.
Venerável apóstolo da cristandade em terras do Rio Grande
'do Sul, o P. Cristóvão de Mendoza é uma das mais singulares fi-
guras que surgem nesse cenário, enchendo-o com a projeção de
uma vida admirável de abnegações e de virtudes e com a própria
morte, que se reveste de trágico martírio.
Nasceu em 1589 em Santa Cruz de la Sierra, sendo vinculado
às mais nobres famílias de Espanha, que se desdobram dos Man-
rique de Lara aos Mendoza Orellana, e directo descendente dos
primeiros Condes de Castroxeriz; filho e neto de conquistadores
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
111
do Prata e primeiros governadores daquela cidade, recebeu o P.
Cristóvão, no baptismo, o nome de Rodrigo de Mendoza Orellana.
Piedoso e humano, desde a infância sentiu-se dominado por
um profundo sentimento de amor aos pobres índios, cujos inenar-
ráveis martírios, escravidão e extermínio enchiam-no de mágoa,
despertando-lhe os pendores da caridade cristã com que essa plêia-
de de soldados da Companhia de Jesus, com abnegação e heroís-
mo, combatiam os prejuízos do tempo, em nome da fraternidade
humana.
Foi assim que, podendo aspirar altas dignidades e posições
brilhantes, contrariando a vontade da família, desertou de casa
e, depois de muitos meses de penosa viagem, atingiu o Colégio
dos Jesuítas de Tucumã no qual ingressou em 1616, com 27 anos
de idade, adotando o nome de Cristóvão, pela devoção que con-
sagrava a esse Santo.
Seu noviciado foi um largo exemplo de virtudes religiosas.
Uma caridade imensa, uma abnegação ilimitada, uma coragem
que raiava pelo heroísmo, e uma fé iluminada, transbordavam dos
recessos de sua alma íntegra e pura, consagrada à glória do Se-
nhor, naquelas searas enormes que eles, humildes operários, an-
davam cultivando nas terras selvagens da América.
Ressoavam ainda os ecos de sua primeira missa e já, ampa-
rado ao bordão de missionário, seguia para Guairá, onde um pu-
nhado de insignes companheiros, sacrificando todos os dias a vida
e padecendo tormentos e arrostando cruel fome, congregava os ín-
dios infiéis, em populosos redutos humanos para lhes incutir no
fraco entendimento a ideia de Deus, Criador supremo dos homens
e das coisas.
Foi nesse aprendizado, que demandava qualidades excepcionais
de fortaleza de ânimo e altas virtudes cristãs que, tendo como mes-
tre o insigne P. António Ruiz de Montoya, pôde Cristóvão de Men-
doza temperar a sua alma e enrijecê-la nos duros combates pela fé,
destacando-se, desde logo, entre os próprios veteranos da catequese.
Ao princípio junto a Montoya, depois só, embrenha-se pelos
sertões, tem contacto com as mais ferozes tribos da mata e do cam-
po, domina-as pela sua coragem e pelas suas virtudes, fontes inex-
auríveis de um poder formidável e funda reduções e incute no es-
t
112
AURÉLIO PORTO
/
pírito quase inacessível dos índios essa luz maravilhosa que reves-
tia o seu coração de fé, de ternura e de piedade humana.
Um dia baixam de Piratininga, à preia de índios, as hordas
dos bandeirantes, que caem sobre as povoações cristãs do Guairá,
maltratam os sacerdotes, e levam cativos infindáveis chusmas de
catecúmenos, arrasando e queimando as suas aldeias, torturando
crianças e mulheres. E' o P. Cristóvão, na sua ânsia de defen-
dê-los, uma das vítimas da furiosa investida dos piratininganos.
Ferido duas vezes, nem por isto, malbaratando a vida, deixa de
socorrer com seu auxílio espiritual, ante a ineficácia do esforço
material, esses infelizes que, presos a correntes de ferro, seguem,
gotejando sangue das feridas, para serem vendidos nos merca-
dos humanos de São Paulo.
Reproduzem-se novos atentados à liberdade dos índios. Con-
certam então os Jesuítas essa providência extrema do êxodo de
milhares de silvícolas que baixam, pelo Paraná, reduzidos pela
fome, pela peste e pelas feras, até as velhas povoações do Para-
guai, onde estarão em maior segurança. E, à frente desses ho-
mens, o P. Cristóvão, multiplicando-se em abnegações e coragem,
dá-se inteiro a seu povo, acrisolando ainda mais os sentimentos
dessa caridade que, levando-o ao martírio, dar-lhe-á os resplen-
dores da santidade.
Feita a transmigração dos guairenhos, novos campos de acção
esperam a actividade do veterano soldado de Cristo. Abre-se o
Tape aos trabalhos da catequese. Milhares de almas esperam ali
o bafejo da civilização cristã. Difícil a tarefa que se lhe impõe.
Como em Guairá, designa-o a obediência para desbravar incultos
caminhos e trazer ao redil as ovelhas perdidas que integrarão o
rebanho do Senhor.
Entrando no Tape, o P. Cristóvão funda São Miguel. Os
índios, tocados pelo seu singular encanto de predestinado, vene-
ram-no com sinceridade. Pai Quirito o chamam. Padre corajo-
so, valente, destemido. De São Miguel passa a outras reduções.
E por toda parte, onde mesmo não vai, seu nome corre, sua fama
transborda e os índios se acolhem à sua sombra benfazeja e
amiga.
Uns tupis, que, vanguardeiam bandeiras paulistas que não
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
113
tardam, aparecem na serra do Nordeste, outros sobem pelo Guaí-
ba em canoas ligeiras, resgatando tapes que os ibirajaras cati-
vavam. E o P. Cristóvão, para livrar os pobres índios, voa em
seu socorro, percorre a bacia do Caí, e alicia numerosas tribos
para reduzir nas aldeias fundadas no Tape.
Está, em 1635, em Jesus-Maria quando se avolumam rumores
do próximo surto de bandeirantes paulistas, capitaneados por
António Raposo Tavares, o destruidor das reduções do Guairá.
Corre, então, valente, destemeroso, no intuito de organizar a re-
sistência, aliás improfícua, ao Caágua, por onde necessàriamente
deveriam descer os inimigos temidos.
E', nessa ocasião, de volta do Caágua, onde consegue im-
por-se àqueles selvagens primitivos e simples que, junto ao ar-
roio de Ibia, é martirizado e morto pelos ibianguaras, tribo dos
ibirajaras, que dominam a província de Ibiaça.
Grandioso como sua vida foi seu martírio, junto ao arroio
de Ibia, local que se pode identificar nas proximidades do rio Piai,
município de Caxias do Sul, paróquia de Santa Lúcia do Piai, na
região da serra do Nordeste.
Cabe perfeitamente aqui essa página heróica, vazada em do-
cumentação inédita e preciosa, sem que se lhe^tire o sabor primi-
tivo que a emoção profunda de seus primeiros cronistas, compa-
nheiros de glória e de dor, lhe dão, na hora mesma em que, co-
roado pelo martírio, o P. Cristóvão de Mendoza santificava com
seu sangue a terra rio-grandense.
«Quando o padre chegou junto ao arroio começara a chover.
Relâmpagos contínuos cortavam o céu com zigue-zagues de fogo.
E, ali mesmo, desmontando do cavalo em que viajava, procurou
abrigar-se, para o que, os índios amigos de sua comitiva, «come-
çaram logo uns a erguer o rancho e outros a trazer lenha para
fazer a comida e alguns a arrancar a palha para fazer as suas
choças.» 14) Poucos eram esses companheiros, mas valentes, pois
os caaguaras, certos de que nada aconteceria ao bom Padre, ha-
viam ficado em suas aldeias.
Voltavam os catecúmenos carregados de lenha e de palha,
14) Jaeger, O Herói de Ibia, cap. 18.
114
AURÉLIO PORTO
quando do mato surgiram as chusmas de índios, armados em
guerra, que lhe tomaram o passo. Alguns conseguiram chegar até
o lugar em que estava o sacerdote, avisando-o aos gritos do peri-
go que corria. Desarmados, tentaram opor-se à investida dos in-
fiéis, mas, ante a superioridade numérica dos inimigos, a maior
parte, sob uma nuvem de flechas, fugiu para os matos. Poucos
ficaram, arrostando a morte, junto a Cristóvão. Este, ao pri-
meiro alarma, tornara a montar o seu cavalo, tomando de um es-
cudo que um índio lhe dera, para se defender das flechas de que
era alvo. E, preocupado com os índios infiéis que o acompanha-
vam, para que não morressem sem baptismo, gritava-lhes que fu-
gissem e com êle só ficassem os cristãos. Não queria perder
aquelas almas em caminho do céu. Moribundo, cai um dos pa-
gãos que o acompanhavam, crivado de flechas. Indizível a afli-
ção do Padre. «Água, gritava, tragam-me água para baptizá-lo.»
Mas, naquela confusão horrível, ninguém atendia a seus rogos.
E assim, andava escaramuçando o cavalo, de uma parte para ou-
tra, até que a chusma enfurecida o cercou por todos os lados, bran-
dindo tacapes e atirando-lhe setas. Um tremedal próximo co-
lheu o cavalo, que dele não se pôde desvencilhar. Entregue à
fúria dos inimigos, o Padre apeou. Poderia ter fugido, mas não
quis. Que se cumprisse essa destinação ancestral que desde um
século pesava sobre a estirpe dos velhos avoengos. Seu sangue
era a redenção, porque Deus o acolheria em suas mãos misericor-
diosas. «E vendo que era impossível livrar-se com a vida, quis
antes morrer e perder a sua temporal, para que não perdessem
a eterna os que estavam em sua companhia.»
Instintivamente, defendia-se, com a rodela, das flechas que
lhe eram dirigidas. «Mas, pesando já muito, por estar coberta de
setas, e querendo o Padre quebrá-las, para aliviar o peso, desco-
briu o corpo e então deram-lhe um flechaço na face, com que meio
o aturdiram» e um índio, que lhe veio pelas costas, tirou-lhe o
chapéu da cabeça e um outro vibrando um tacape, derribou-o por
terra. Novos golpes, novos flechaços e assim o tiveram por mor-
to. E para que efectivamente não lhe restasse resquício de vida,
deram-lhe alternativamente muitos golpes pelo corpo, e um dos
feiticeiros, como troféu de vitória, cortou-lhe uma das orelhas.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 115
Desnudaram-no completamente. Um Cristo pendia-lhe do pes-
coço. Arrancaram-no, blasfemando. «Salva-o!» diziam-lhe escar-
necendo. Mas, a chuva apertara. Copiosa, em fortes bátegas,
caía dos céus escuros e tristes. Para fugir à intempérie corre-
ram os índios às suas aldeias. Voltariam no dia seguinte para
queimar o corpo e furar-lhe o ventre; porque, se assim não o fi-
zessem, quando o corpo do morto inchasse, o mesmo sucederia
ao do matador que, inchado, morreria. Levaram consigo as ves-
tes do Padre e as dos meninos, ajudantes de missa que, mortos,
jaziam junto ao corpo de Cristóvão, a quem não quiseram aban-
donar, porque com ele preferiam subir à bem-aventurança eterna.
Mas, Pai Quirito não morrera ainda. E naquela noite tor-
nou novamente a si, no silêncio do descampado. Chovia, e um
frio terrível sobreviera. Estava estendido na terra fofa do ba-
nhado e o sangue lhe escorria de mil feridas. Doía-lhe, como
maior ferida, o pudor de sua nudez. Procurava em torno alguma
coisa com que cobrir-se. Só o céu negro e profundo estendia-
-se-lhe do alto, como imensa batina, naquela agonia indizível.
Estava só, «a cabeça partida em duas partes, uma orelha
decepada, que os índios levaram como troféu, as faces em san-
gue, um olho vazado, o corpo moído a pancadas, completamente
desnudo, molhado, inteiriçado de frio, e banhado em seu próprio
sangue. E levantou-se a custo, arrastando-se ; andou um trecho
em busca de um abrigo, procurando ver se encontrava algum de
seus companheiros. Mas, não podendo continuar, estendeu-se no-
vamente sobre a terra dura, cheio de dores das feridas, moído pe-
los golpes, tiritando de frio, que a noite alta aumentava.»
Só Deus velava-o naquela agonia. «E o que o Padre passa-
ria naquela noite, os colóquios que teria com Nosso Senhor, os
actos Jaeróicos e fervorosos que faria, e como se ofereceria de no-
vo para padecer maiores trabalhos e tormentos por seu amor e
pela salvação das almas», só Deus o saberá.
Pela manhã voltaram os índios e não o achando no lugar
em que o haviam deixado, pelo rasto de sangue conseguiram des-
cobrir o corpo. Cristóvão ainda vivia. Ergueram-no, mofando de
Deus, escarnecendo e martirizando-o novamente. Diziam-lhe :
Oroyuca mbae catupae tupa?» (Ferimos-te e matamos-te, por-
116
AURÉLIO PORTO
que teu Deus não te livrou das nossas mãos?) E o Padre res-
pondeu com mansidão: «Viera para fazê-los filhos do verdadeiro
Deus e Deus permitira que fosse assim tratado para sua própria
glória e para a salvação deles.» E disse-lhe muitas outras coisas,
que os índios não sabiam reproduzir, falando sempre manso e do-
ce, na sua gloriosa agonia.
Mandaram-no calar e ele continuou na sua prédica. Deram-
lhe novos golpes, de que o sangue jorrava. Com um deles, arran-
caram-lhe os dentes que um rapaz, mais tarde, recolheu, entre-
gando-os aos Padres em Jesus-Maria.
«Mas, nem por isto deixou de lhes -pregar e lhes dar a enten-
der as coisas e os mistérios da Fé, recebendo, por isto, mais pau-
ladas e golpes; e, vendo eles que o Padre não morria nem deixava
de lhes falar, disseram uns aos outros : «Este não deve morrer no
campo, levemo-lo ao mato para que morra lá». Atravessaram-lhe
o corpo num pau comprido, de cabeça para baixo, e assim o con-
duziram até o lugar em que fizeram uma choça de palha para
abrigá-lo, por compaixão ou, talvez, para melhor queimá-lo ali. e
ouvindo que ainda lhes dizia não lhe causar dó que lhe despe-
daçassem o seu corpo, porque à alma nenhum mal poderiam fazer,
e logo subiria para gozar da paz do Senhor, eles, loucos de fúria,
cortaram-lhe o nariz, e outra orelha, os lábios e, como ainda fala-
va, abrindo-lhe a garganta, tiraram-lhe a língua e foram-lhe a gol-
pes rasgando e cortando o peito e o ventre, enquanto o Padre, olhos
no céu para onde sua alma havia de subir logo, agonizava ainda.
Acabaram, arrancando-lhe as entranhas e o coração que crava-
ram de flechas para ver se morria assim.» 15)
Teve lugar o martírio do P. Cristóvão de Mendoza no dia 26
de Abril de 1635, em pleno coração da serra do Nordeste. 16) Ti-
nha 46 anos de idade e 19 de Companhia. 17)
15) Ânua do padre Diogo de Boroa. B. N. Mss. 1-29, 1, 55.
16) Aurélio Porto. Martírio do ven. Padre Cristóvão de Mendoza.
Sep. Anais 3° Cong. de Hist. Sul-rio-grandense. P. Alegre, 1940. Estudos,
Ano III, vol. V. 220.
17) Padre Mathias Tanner. Societatis Jesu, etc. Praga, 1675. — Veja
ainda: "História da República Jesuítica do Paraguai", pelo Cónego João
Pedro Gay. segunda edição anotada (por Rodolfo Garcia), Rio de Janeiro,
1942, pág! 234 ss.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 117
5. A «Junta» dos feiticeiros.
A notícia da morte do P. Cristóvão de Mendoza que célere
correu pelas redondezas do Tape, fez com que os índios catecúme-
nos se apresentassem não só para ir em busca do corpo do Jesuíta
martirizado pelos ibianguaras, como também para exercer sobre
eles a vingança merecida. Exortaram os Padres de Jesus-Maria
e outros que ali se haviam reunido não se expusessem os cristãos
à sanha enfurecida dos infiéis. Mas, de São Miguel, redução que
Cristóvão fundara, baixou logo, sob o mando do capitão do Povo,
um forte destacamento de índios que, ao som de guerra, se pro-
punha à arriscada empresa. De outras reduções também acor-
reram guerreiros a Jesus-Maria, escolhido para ponto de concen-
tração do exército cristão e, em poucos dias, uma força de mais
de 1.600 catecúmenos ali se reunia.
Não podendo obstar a determinação expressa dos caciques de
irem resgatar o corpo do mártir, pregaram, entretanto, os Padres
se abstivessem de uma vingança que atentava contra os princípios
da religião cristã. Vencidos por estas exortações, formalmente
prometeram não se excederem no cumprimento dessa missão.
E com este propósito partiram de Jesus-Maria e chegaram ao
arroio de Ibia em 15 de Maio. Ao aproximarem-se do local em
que estava o corpo do Padre Cristóvão saíram-lhes à frente, or-
ganizados para combatê-los ao som de seus instrumentos de guer-
ra, os ibianguaras que receberam os cristãos sob nuvens de flechas.
Intentaram estes dizer-lhes que não vinham com o intuito de com-
bater e somente levar os despojos do Jesuíta para sepultura con-
digna.
«Mas, os malfeitores, mostrando-lhes pedaços da sotaina do
Padre lhes diziam: «Matámos a vossa abuela 1S) (que assim cha-
mam os feiticeiros os Padres por escárneo da sua continência),
vinde também para que vossos ossos fiquem com os dele». E aco-
metendo os nossos com fúria, foram rechaçados valorosamente,
morrendo muitos e sendo outros presos. Procuraram novamente
18) Abuela = avó. expressão irónica com que pretendiam ridiculari-
zar a castidade dos Padres, capazes de viver sem mulher. (L. G. J.)
118
AURÉLIO PORTO
os malfeitores impedir que trouxessem o santo corpo do mártir,
juntando-se com maior número que ia chegando onde estavam os
nossos. 19) Organizaram os infiéis, com sua táctiva de guerra, o
cerco que, em forma de anel, vai-se estreitando para colher den-
tro dele os inimigos, perigosa manobra em que eram exímios. Mas,
os cristãos, exercendo a mesma táctica, romperam o cerco, «co-
lhendo nele os inimigos da mesma forma» e assim mataram mui-
tos, principalmente aqueles que mais encarniçados se haviam mos-
trado na morte do Padre». Outros muitos foram presos, «e en-
tre eles o feiticeiro Taiubai, autor dessa maldade, capturado pelo
cacique principal de São Miguel, Guaimica, que, levando-o ao lu-
gar em que o tirano havia maltratado e morto ao santo mártir,
«ali o prostrou a golpes de macana».
Transportaram o corpo para Jesus-Maria, mas assediados sem-
pre por numerosos bandos de infiéis que os inquietavam com suas
arremetidas.
Deu isto lugar a novos acontecimentos. Convocadas pelos
feiticeiros e caciques principais da serra, reuniram-se as Juntas
das aldeias de toda a região. E nelas ficou assentado se congres-
sassem todos os índios para destruir as reduções do Tape e matar
os Padres que nelas assistiam.
Inicialmente, «em umas como igrejas em que se juntavam,
e tinham uns como púlpitos e baptistérios, onde faziam prédicas
e baptizavam a seu modo, 20) começaram a arremedar e contra-
fazer as acções dos Padres. E dali diziam que as reduções deviam
ser arrasadas. Tinham já convocado os tigres, que as teriam de
assolar; os itaquiceas, que estavam para sair de suas cavernas; e
os ibipitas, que são uns pseudofantasmas, que o vulgo e chusma
imagina horrendos e aos quais todos temem».
Obedecia a Junta ao mando dos terríveis feiticeiros Chemboa-
bate e seus filhos Ieguacaporu e Iaguarobi e outro não menos afa-
mado, Ibapiri, que tomara o nome de um feiticeiro morto nas pon-
tas do Igaí, querendo fazer crer aos índios fosse ele um morto
ressucitado.
19) B. N. Mss. I, 29, 1, 55, n. 1.
20) B. N. Mss. I, 29, 1, 55, n. 2.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
119
Convocados, reuniram-se em Taiaçuapé (Caminho do porco do
mato) os índios de diversos lugares, principalmente os de Carirói,
Piraiubi, Tibiquari e outros, que logc atingiram a centenas. For-
mada a Junta que obedecia a três feiticeiros, entre os quais uma
índia gigante de estatura disforme, despacharam logo para todas
as partes hieroquiaras (dançadores) para avisar os índios infiéis
e atemorizar os cristãos, o que faziam com danças e cantos, em
que diziam que breve se acabariam as reduções e seriam expul-
sos e mortos os catecúmenos e os Padres.
Muitas aldeias foram, pelo temor incutido nos próprios cris-
tãos, aos poucos, se despovoando. Era costume, quando abando-
navam as casas, desfazê-las e queimar a madeira e, assim, aldeias
inteiras iam sendo desfeitas e seus moradores desaparecendo do
convívio cristão. As roças também eram abandonadas e as se-
menteiras perdidas.
Entretanto crescia a multidão que em torno dos feiticeiros
se congregava para as juntas de Taiaçuapé. Foi quando, por ini-
ciativa própria, resolveram alguns capitães dos Povos, fiéis aos
princípios cristãos, tomar providência para coibir esse mal que
daria cabo de todo o trabalho de catequese dos Jesuítas. Reuni-
dos os índios, armados em guerra, e cobertos de plumas, como era
usual nas guerras, foram, tendo seus capitães à frente, dar caça
aos hieroquiaras, que eram os promotores daquela desordem. Con-
seguiram prender muitos desses emissários da Junta, sendo alguns
mortos e outros aprisionados e levados para a redução onde, não
obstante os rogos dos Padres, eram duramente castigados como
exemplo para o Povo. Diziam-se deuses e, para desengano dos
que neles acreditavam, entregaram-nos às crianças que os enchiam
de lodo e deles escarneciam, fazendo-os dançar sob os mais ridí-
culos apodos.
Foi o capitão Ariya, cacique de São Joaquim, quem conseguiu
levar às reduções exacta notícia da extensão do perigo que sobre
elas pairava. Disfarçado como selvagem, levando suas armas, e
tendo o corpo pintado como os infiéis, conseguiu entrar em Taia-
çuapé, que ficava nas proximidades de São Joaquim e ali obser-
vou que os feiticeiros aprestavam os índios para que dessem sobre
120
AURÉLIO PORTO
as reduções de São Cristóvão, São Joaquim e Jesus-Maria, matas-
sem os Padres e destruíssem as povoações.
Reuniram-se logo, para organizar a defesa, os Jesuítas, sob
cuja direção estavam aqueles Povos e os capitães Antoni, Guirara-
gué e Ariya, tendo-se resolvido concentrar em Jesus-Maria o maior
número de índios guerreiros das reduções da Serra. A 29 de Se-
tembro, feita a concentração, contavam-se ali 500 índios de guerra,
tendo para isto contribuído SantAna com 108, São Cristóvão com
96, São Joaquim com 50, além do contingente de Jesus-Maria e de
seus arredores, o que elevou o total do exército cristão a mais de
1.000 combatentes.
Estavam já os infiéis entrincheirados à margem direita do Ie-
quimini (Rio Pardinho) que, tendo crescido muito devido às chuvas
que caíram à noite, não dava passo franco, sendo necessário fazer
uma ponte. E nem todos haviam transposto o rio quando os
fiéis, que os aperceberam, caíram sobre eles com grande fúria.
Ouvida e gritaria que fazem em combate, o resto do exército cris-
tão, a nado, vadeou a corrente, dando sobre as paliçadas fortes
em que os inimigos se acoitavam. Em pouco tempo estavam ven-
cidos, em fuga precipitada uns, outros prisioneiros, muitos feridos
e os principais pagaram com a- vida essa tentativa de expulsar de
suas terras os Jesuítas, que vinham destruir os seus costumes
antigos, a sua vida livre, a prática de primitivas usanças, para lhes
impor uma civilização que não compreendiam ainda.
CAPITULO IV
BANDEIRAS PAULISTAS NO SUL.
(1636-1669)
1. O bandeirismo paulista. — 2. A bandeira de
Aracambi. — 3. A bandeira de Raposo Tavarçs. —
4. Bandeira de André Fernandes. — 5. Bandeira de
Caaçapá-guaçu. — 6. O desbarato de Mbororé. —
7. Outras actividades do bandeirismo paulista. —
8. O êxodo das populações aborígines.
1. O bandeirismo paulista.
O ciclo da caça ao índio, que dá origem à eclosão do bandei-
rismo, surge com as exigências económicas que logo se deparam
aos povoadores de São Vicente. Precisavam de braços para as
suas incipientes lavouras, de escravos para organizar os seus con-
tingentes de «homens de arco» afeitos à guerra e, daí, esse movi-
mento inicial que realizou a expansão por terras dilatadas. O vi-
centista, o piratiningano, cujas bandeiras assolam as populações
pacíficas de índios selvagens, ou os aglomerados humanos traba-
lhados pela civilização cristã que os Jesuítas impõem, em terras
do sul, nada mais fazem do que continuar, com melhor aparelha-
mento, a usança primitiva das hordas selvagens em suas guerras
de escravização das tribos inimigas.
Não houve, inicialmente, nem quiçá depois, um propósito pre-
concebido de expansionismo territorial. E a mesma investida con-
tra os Jesuítas espanhóis, que dominam as posições além da linha
de Tordesilhas, não representa uma acção de reivindicação patrió-
tica e, sim, puramente, a certeza de que ali era fácil fazerem-se as
largas provisões de peças óptimas que adquiriam preços mais ele-
vados nos mercados do Centro-Sul.
122
AURÉLIO PORTO
Documentos modernamente exumados dos arquivos autorizam
a recuar para épocas anteriores às fixadas pelos historiadores do
bândeirismo paulista esse^surto de actividades concernentes à preia
de índios, que deu origem ao ciclo das bandeiras.
Em meados do século XVI, intenso já era este comércio, no
extremo sul, de onde os vicentistas levavam inúmeros escravos,
resgatados ou tomados das aldeias em que passavam.
António de la Trinidad, residente em Assunção, em carta que
escreve aos membros do Conselho de índias, datada de 2 de Julho
de 1556, nos revela que «veio um português que se diz Fulano
Farinha de São Vicente, povo de Portugal, e voltando lhe permiti-
ram certos homens que ele levasse índios da terra que com ele
iam, e até lhe venderam outro e os levou a São Vicente e vendeu
a outros portugueses e pagou sua décima aos oficiais do Rei por
escravos, que foram trinta, sem muitos outros que pelo caminho
se lhe morreram, /veio depois outro português que se diz Diogo
Dias e lhe deu o governador licença que lhe vendessem a ele mui-
tos índios ororocotoquins e de outras nações os quais havia tra-
zido numa «entrada», e os levou a São Vicente com outros índios
que pelo caminho tomou Dom Diogo como escravos, que vendi, e
pagou os direitos a seu Rei. /Outros três ou quatro cristãos, ven-
do que isso se consentia, saíram daqui e levaram/daqui/cada um
sua meia dúzia, e tendo vindo, nenhuma coisa lhes disseram, vindo
dos tupis certos homens que é outra nação de índios, num rio topa-
ram com quinze canoas, e carregados de índios dos que conosco
estão, levam-nos amarrados- outros mortos e assados e cozidos,
disse-lhes este homem a um principal dos tupis porque levavam
e faziam guerra aos nossos. Respondeu-lhe : estes andam fugin-
do de vós e fez a um dos que iam amarrados, e disse-o porque
fogem de/nós, pois os tratam estes assim. Respondeu-lhe o índio
preso: deixá-los que matem, e coma-nos, que mais queremos que
nos comam estes do que não sofrermos a vosoutros .» 1)
Muitos outros nomes poder-se-iam apresentar à lista desses
precursores do bândeirismo, entre os quais sobreleva Pêro Cor-
reia, grande preador de silvícolas, entre carijós e ibirajaras. Po-
1) B. N. Mss. I, 26, 30, 13. Cf. Campana dei Brasil, V vol.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 123
tente em arcos, sesmeiro de dilatadas terras em São Vicente, onde
contende com Brás Cubas, um dia, edificado pelas prédicas de
Manuel da Nóbrega, pela piedade de José de Anchieta, a tudo re-
nuncia, seguindo-lhes o exemplo e ingressa domo noviço na Com-
panhia. Doa aos meninos do Colégio terras e vacas, dá liberdade
aos índios que apresara e, língua admirável, pela madrugada alta,
acorda os selvagens nas aldeias distantes, falando-lhes, horas a
fio, de um Deus misericordioso, que era o Senhor Supremo de
tudo e, atrás de si, eloquente e persuasivo, arrasta multidões de
aborígenes que se convertem à fé de Cristo. Palmilha de novo
os sertões e às mãos dos carijós encontra o martírio e a glória,
em terras do extremo sul.
Mas, as bandeiras propriamente ditas, organizações regula-
res, chefiadas por homens de prol, e auxiliadas por índios aliados
e, mais tarde, por mamalucos, têm suas origens na segunda me-
tade do século XVI. Quase todas são dirigidas ao sul, principal-
mente contra os carijós. O erudito Basílio de Magalhães as rela-
ciona. 2) Abre o ciclo, em 1561, a célebre bandeira de Anhebi, que
leva a guerra a esses silvícolas. Vai como intérprete José de
Anchieta. No ano seguinte, sob a chefia de João Ramalho, outra
se apresta contra os índios do Paraíba. E' com a bandeira sob
o comando de Jerónimo Leitão, capitão-mor de São Vicente, que
se iniciam, em 1585, as guerras contra os carijós. Em 1594 Jor-
ge Correia marchou a guerrear estes índios. De 1600, em diante,
já as bandeiras se organizam para a ostensiva descida de índios
do sertão. E entre estas, visando o Sul, seguem à preia dos ca-
rijós Nicolau Barreto (1602), Belchior Dias (1607), Fernão Pais
de Barros (1611).
Outro rumo, porém, tomam logo as bandeiras paulistas. Am-
pliando a acção catequista, haviam os Jesuítas estendido as suas
aldeias até Guairá, no actual estado do Paraná, onde contavam
já com reduções florescentes. Por esse caminho, à cata de índios,
palmilhara Fernão Pais de Barros (1611), que teve a sua bandei-
ra quase completamente destroçada. E, no ano seguinte, Sebas-
2) Basílio de Magalhães — Expansão Geográfica do Brasil Colonial
— 2' ed. 1935. Ed. Nacional. 107/121.
124
AURÉLIO PORTO
tião Preto renova a façanha, encontrando também a resistência
do governador de Ciudad Real, que lhe toma mais de 500 guara-
nis que apresara.
E' Manuel Preto «o herói do Guairá», o primeiro bandeirante
que investe contra as aldeias que os Jesuítas haviam fundado na-
quela região. Em 1619, 1623 e 1624 apresou nessas aldeias gran-
de quantidade de índios que levou para sua fazenda da Expecta-
ção.
«Não se imagina», escreve Capistrano, «presa mais tentado-
ra para caçadores de escravos. Por que aventurar-se a terras des-
vairadas, entre gente boçal e rara, falando línguas travadas e in-
compreensíveis, se perto demoravam aldeamentos numerosos, ini-
ciados na arte da paz, afeitos ao jugo da autoridade, doutrinados
no abá-nheen? Houve alguns salteios contra as reduções desde
o seu começo, mas a energia e o sangue frio dos Jesuítas conti-
veram os arreganhos dos mamalucos, que se retiraram proferin-
do ameaças. Para pô-las em prática precisavam, porém, da co-
nivência da gente de Assunção. Isso conseguiram em fins de
1628 e muito concorreu para assegurá-la Luís Céspedes Xéria,
governador do Paraguai, casado em família fluminense, senhor
de engenho no Rio. Fez por terra a viagem para seu governo;
esteve em Loreto do Pirapó e Santo Inácio de Ipá-umbuçu, admi-
rou as igrejas, ermosisimas iglesias, que no las he visto mejores
en las índias que he corrido de Perú y Chile, — e fez sinal aos
bandeirantes para avançarem.» 3)
E estes, com uma grande bandeira composta de «900 mama-
lucos, 2.000 índios auxiliares, dirigidos por 69 paulistas qualifica-
dos como locotenentes de António Raposo Tavares», 4) atacam as
reduções do Guairá, «bradando aos Jesuítas, consoante relata Mon-
toya, «que iam expulsá-los de toda aquela região, porque era dos
portugueses e não do rei da Espanha», "•) e destroem, depois de
duros combates, as aldeias cristãs. E' quando resolvem os Je-
suítas, à frente dos catecúmenos que restam, abandonar aquela
região e emigrar do Paraná.
3) Capistrano de Abreu. Cap. Hist. Colonial, 102.
4) Basílio de Magalhães. Ob. cit.,' 120.
5) Basilio de Magalhães. Ob. cit.. 120.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 125
2 — A bandeira de Aracambi.
A primeira bandeira que assola o território rio-grandense, ain-
da sob o comando do grande Raposo Tavares, nele penetra em
fins de 1636.
O erudito historiador paulista, Dr. Alfredo Ellis Júnior, assi-
nala o ano de 1635 para a penetração da primeira bandeira pira-
tiningana nos sertões do Rio Grande do Sul, tendo como chefe o
ousado bandeirante Fernão de Camargo, o Tigre. '•) Aceitando
essa assertiva, o mestre do bandeirismo, Dr. Afonso d'E. Taunay,
em sua obra monumental, transcreve largamente o trabalho do
Dr. Ellis, que recebe, assim, o consenso do notável historiador
das Bandeiras. 7)
Em pesquisas levadas a efeito, na Biblioteca Nacional, cuja
divulgação serviu para outros trabalhos que foram feitos poste-
riormente, s) encontramos, especialmente nas Ânuas jesuíticas,
referentes a esse período 9), interessantíssimos informes 10) que
vêm modificar, em parte, a opinião do historiador paulista e res-
tabelecer a verdade sobre o objectivo dessa bandeira (a de Aca-
cambi), que rumou para os sertões do sul, com o intuito de escra-
vizar os índios Patos.
Conjugando elementos da preciosa documentação oficial de
São Paulo, o Dr. Alfredo Ellis reconstitui essa bandeira, que, em
princípios de 1635, se dirigiu aos «ditos Patos». Além de índios
de arco compunha-se ela de «200 homens», que levavam pólvora,
chumbo e correntes, e deveria ter partido de São Paulo nas pro-
ximidades de 17 de Março de 1635. «Vinte dias, mais ou menos»,
diz o Dr. Ellis, «deveriam os barcos ter levado na rota de Santos
ao Rio Grande do Sul, pois que eram meios de transporte infinita-
6) Alfredo Ellis Júnior. O bandeirismo paulista e o recuo do meri-
diano. 2* ed. São Paulo, 1934.
7) Afonso de E. Taunay. História Geral das Bandeiras. São Paulo,
1924.
8) Olyntho Sanmartin. A bandeira de Aracambi. Anais 2" Cong. de
Hist. do Rio Grande do Sul, 1937, III, vol. 7; e Bandeirantes no Sul do
Brasil, 1949, Porto Alegre.
9) P. Luís Gonzaga Jaeger S. J. As invasões bandeirantes no Rio
Grande do Sul (1635-1641).
10) Colecção de Ângelis.
126
AURÉLIO PORTO
mente mais rápidos do que as longas caminhadas pelos sertões
agrestes da via terrestre. 1X)
Deveria a bandeira em questão ter desembarcado na Laguna,
em Santa Catarina, justamente onde passava o meridiano de Tor-
desilhas, lugar que desta data em diante foi muito frequentado
pelos bandeirantes, como faz certo o inventário do paulista Custó-
dio Gomes (1638) (Inv. e Test., vol. XII-253), ou no próprio Rio
Grande, porto muito em uso, também, por bandeirantes marítimos,
paulistas, como as que são referidas em uma carta de Filipe IV,
dirigida de Madrid ao vice-rei do Peru, marquês de Monera, em
16 de Setembro de 1639, na qual dizia que os moradores e vizi-
nhos de São Paulo haviam realizado desde 1614 várias entradas
por terras do Brasil a dentro, «como por el puerto de Patos y Rio
Grande». 12)
Assinalando isto, o provecto autor da História Geral das Ban-
deiras acha provável que esta entrada se tivesse realizado «pelo
Rio Grande, na lagoa dos Patos, e daí rumando ao Norte, houvesse
mesmo penetrado pelas bocas adentro do Jacuí, para no curso bai-
xo desse caudal, quais normandos da América, assaltar as malocas
dos patos ou araxanes e quiçá ameaçar as primeiras reduções do
Tape, que margeiam esse rio.
Saindo em 17 de Março, de São Paulo, essa bandeira «em prin-
cípios de Junho do mesmo ano estava acampada em arraial, junto
à aldeia do principal Aracambi, no sertão dos Patos, em pleno Rio
Grande do Sul». Faleceu aí o bandeirante Juzarte Lopes, e de seu
testamento são identificados vários paulistas que dela faziam par-
te. Acrescenta o Dr. Ellis: «Ignoramos, infelizmente, por falta
de referência nos documentos, por nós analisados, quais os feitos
dessa bandeira no sul e se chegou ela a atacar as reduções do
Tape; curta, porém, foi a permanência dela fora do povoado pau-
listano, pois oito meses depois de tê-lo abandonado, a ele tornava,
novamente, de regresso de seu longo percurso, pois que encontra-
mos a Fernão de Camargo, o Tigre, da lista supra novamente em
Câmara, a 10 de Novembro de 1635 (Atas, vol. IV, 268), prova
11) Dr. A. Ellis. Bandeirismo, cit., 142.
12) A. Taunay. Hist. Geral, cit., II, 229.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 127
evidente de que a bandeira também se encontrava em São Paulo».
Termina o autor desse estudo dizendo ter sido «essa a bandeira
iniciadora da invasão do Rio Grande do Sul, pelos paulistas».
Determinados, assim, os pontos cardeais da asserção do eru-
dito historiador quanto à bandeira de Aracambi, procuraremos,
mercê da larga documentação consultada, expor os motivos da nos-
sa discordância no que diz respeito a essa entrada nos sertões
rio-grandense, se bem que pequeno número de seus componentes
possa ter vindo até o Caágua, como se dirá.
Ela deveria, aportando a Laguna, ter-se dirigido aos «ser-
tões dos Patos», isto é, ao próprio território lagunense, em di-
recção a Oeste, seguindo pela margem direita o curso do rio Pe-
lotas, que dá origem ao Uruguai. A designação de «Sertão dos
Patos» não abrangia o Rio Grande do Sul. Só a recebeu, isto mes-
mo com aplicação à lagoa (Lagoa dos Patos), muito mais tarde,
quando, por um erro cartográfico, se estendeu ela a essa massa
d'água e aos índios circunvizinhos que eram ibirajaras e tapes, di-
tos araxanes (xanés da lagoa? = ara, lagoa). Laguna de los
Patos, sertões dos patos, sertão dos carijós, foram sempre a actual
Laguna e seus sertões de Sul e Oeste. A fronteira, pelo sul, no
litoral, dos carijós ou patos, com os ibirajaras, estendia-se pelo
rio Mampituba. E' o que nos diz, em 1605, em sua carta de 26
de Novembro, o P. Jerónimo Rodrigues, que naquele ano, junta-
mente com o P. João Lobato, havia estado na Laguna, em missão
aos carijós. «A comarca desses carijós, que estão por estes cam-
pos ao longo do mar e que é deste porto de D. Rodrigo (Imbitu-
ba) até Boipetiba (Mampituba), pode ser de 40 léguas, pouco mais
ou menos, terra mui baixa, campinas de areia, que correm entre
o mar e umas serras que não há ser um palmo de terra nem de
barro; no inverno, muito fria, no verão muito quente, e de muitas
ruins águas e daqui vem de ser muito doentia.» 1?>)
A fim de restabelecer a verdade sobre os acontecimentos ocor-
ridos nesse ano de 1635, no território rio-grandense, procuraremos
13) P. Fernão Guerreiro. Relação anual das coisas que fizeram, etc.
Lisboa. 1609 — 306. Memórias para o extinto Estado etc. Cândido Mendes
de Almeida. Rio, 1874, II, 542.
História «ias Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte
5
128
AURÉLIO PORTO
estudar, detidamente, este período obscuro da nossa história, afas-
tando para o fins do ano seguinte a entrada de bandeiras regula-
res que iniciaram a destruição das reduções jesuíticas.
Grandes amigos dos tupis, mamalucos e paulistas, os bilreiros
ou ibirajaras eram insignes mercadores de índios que resgatavam
com aqueles preadores insaciáveis. Organizaram eles, em fins de
1634, uma junta (espécie de bandeira), com o intuito de cativar
índios e até mesmo os catecámenos das nascentes reduções do Ta-
pe, principalmente os que demoravam por Jesus-Maria, onde, com
o P. Pedro Mola, cura da aldeia, se encontrava o venerável P.
Cristóvão de Mendoza. Correu célere a notícia desse sucesso, di-
zendo-se que essa razia seria feita pelos bandeirantes paulistas,
o que depois se verificou não ser exacto. Ã frente de grande nú-
mero de índios cristianizados, os Padres Cristóvão e Mola conse-
guiram dispersar parte do bando, aprisionando os principais que
foram mandados para as reduções do Paraná, e libertando os ca-
tivos destinados a serem vendidos na costa do mar, aonde os vi-
nham buscar os paulistas, que faziam incursões periódicas até
Laguna. Outras notícias sobre actividades escravagistas dos ibian-
guaras e guaibiguaras levam o P. Cristóvão a empreender larga
entrada pela região do Caí e da Serra Geral, transpondo o rio
Taquari.
Avolumavam-se, porém, rumores de que os bandeirantes se
aprestavam em São Paulo para destruir as reduções do Tape, a
exemplo do que haviam praticado no Guairá. Ao provincial P.
Diogo de Boroa, que se dirigia a Buenos Aires, chegaram precisos
informes «que los brasilenos de S. Pablo estaban alistando una
invasión á la Província dei Uruguay, para que, como los habían
hecho, hace poco, en el Guairá, recogiesen una buena porción de
cautivos». Tomou o P. Boroa imediatas providências para evitar
a destruição das reduções. Em conselho com outros Padres, Go-
vernador da província e Reitor do Colégio foi acordado que «se
devia opor à invasão com força armada». Em consequência dis-
so, desde logo se despachou, afim de tomar a seu cargo as medi-
das do caso no Uruguai, ao P. Francisco Diaz Tano, veterano e
insigne missionário, e em sua companhia os dois Irmãos Coadjuto-
res António Bernal e João de Cárdenas, ambos, antes de entrar
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 129
na Companhia, por longo tempo exercitados na arte militar.» «Ao
mesmo tempo», acrescenta o provincial Boroa, «dei aos mesmos
plenos poderes para comprar todas as armas e apetrechos que se
precisavam para essa empresa.» 14) O P. Diaz Tano, que foi no-
meado superior daquelas reduções, partiu para o Uruguai a 15 de
Maio de 1635, levando consigo armamentos e outros petrechos
necessários à defesa das reduções.
Antes, porém, que chegasse a seu destino, graves aconteci-
mentos haviam ocorrido na província do Tape, promovidos pelos
ibirajaras e outros índios infiéis, inimigos dos Padres, mas abso-
lutamente sem interferência dos paulistas.
Fundada, como vimos, a redução de Santa Teresa, pelo P.
Francisco Jiménez, iniciou este, em companhia do P. João Suarez
e alguns índios vaqueanos, a exploração da vasta região a que ia
servir, estendendo sua excursão à bacia oriental do Taquari e ao
litoral. Nessa viagem empregou o Padre 24 dias, tendo partido
de Santa Teresa a 3 de Janeiro de 1635.
Entrou o P. Jiménez pelo Caapi (pontas do rio Taquari), no-
ve dias distante de Santa Teresa, e, embarcando aí em uma ca-
noa, com mais meio dia de viagem, atingiu o Mbocarirói (Guapo-
ré), pelo qual em dois dias saiu no Tibiquari (Taquari) e tendo
navegado mais três dias entrou no Mboapari (Rio das Antas)
onde deixou as canoas, voltando, cinco dias depois, à sua redução.
Encontrou o missionário, nos lugares visitados, aproximada-
mente 2.000 índios que poderiam ser reduzidos em três pontos :
Caapi, Iuti (serras que ficam sobre o Taquari), e na boca do
Mboapari (Antas). Havia em outros lugares grande número de
gente reunida, mas não convinha localizar neles qualquer redução,
«porq' la tierra es fragosissima, sus caminos infernales, no ai cam-
po onde tener 4 baças».
O Padre foi bem recebido de todos. Acompanharam-no em
34 canoas, perto de 200 índios, «que, pintados e emplumados a
seu modo, espalhadas pelo rio as canoas, causavam agradável as-
pecto.» Tentou o P. Jiménez localizar parte dessa gente nas re-
14) Documentos para la História Argentina. Iglesia. Cartas Ânuas
de la Província dei Paraguay, etc. B. Aires. 1929. II, 549-550.
5*
130
AURÉLIO PORTO
duções já existentes no Tape, prometendo 300 deles ir para Santa
Teresa. Os outros, naturalmente, acompanhariam, mais tarde, os
seus parentes. Sentiu o Jesuíta, entretanto, que a «gente de Ta-
quari estava mui pouco disposta e nada afecta a nós-outros e as-
sim não tratei muito de ganhá-los; falei e procurei atrair os caci-
ques de mais nome (não me custou pouco alcançá-los, porque toda
a gente, quando eu chegava, fugia para os matos) e trouxe alguns
comigo, tendo-os presenteado e despachado satisfeitos. Entre o
Jequi (Jacuí) e Mboapari (Antas) sobre o Tibiquari (Taquari) e
os matos a dentro, onde é cacique principal Nacê, que mandei a
Piratini falar com V. R. [Padre Pedro Romero.] (ainda que por
tardar V. R., voltou sem fazê-lo), havia muita gente e confiavam
que lhes havia eu de levantar cruz; eu lhes mostrei as dificulda-
des que havia, e que se quisessem ter Padres saíssem dessa parte
do mato; eles ficaram de juntar os caciques e procurar ver onde
melhor fazer o seu povo e creio que o farão, porque eles já conhe-
cem o mal que os espera, e que é forçoso deixar suas terras e vir
buscar seu remédio». «Ficava-lhes, acrescenta o desbravador, por
ver os princípios [origens] do Tibiquari, Caramataí [Gravataí] e
Jequi [Jacuí], etc, onde estava a maior força da gente que da
parte do mar se há retirado, mas eu e meus companheiros estáva-
mos cansados e tendo-se-me dito que Tapeei, que vanguardeia toda
essa gente, havia saído para ver-me (embora não fora assim, só
me mandando boas palavras) me pareceu bem voltar para tratar
com ele que fizesse esse povo, que se pretende, entre esta redução
e de São Carlos (Visitação), porque só ele me parece o pode fazer,
mas há de ser necessário darmos algum princípio; de forma por
que tratei com V. R., porque de outra maneira quem há de querer
vir a este desterro? Sem base alguma de comida?»
A carta do P. Francisco Jimenez, datada de 4 de Fevereiro
de 1635, embora assinale que a região percorrida era «el cutidero
de los tupis», não noticia ainda a existência de bandeirantes (pau-
listas) em território rio-grandense. Havia, sim, tupis, mercadores
de índios, prepostos dos piratininganos, que iam resgatar com cies,
levando-os cativos à Laguna. E' interessante, neste sentido, um
tópico da carta do Jesuíta, que transcrevemos na íntegra:
«Dois mercadores ou mais, dos portugueses, achei por estas
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 131
terras, um estava sobre o Mbocarirói | Guaporé] e se chama Ibi-
raperobi, está aborrecido com eles, deixou já seu mau trato; fa-
lei-lhe e ganhei-o de maneira que me acompanhou três dias com
mostras de grande amor, e querendo-o ele assim, matriculei a
gente que se lhe havia aproximado para a Visitação, onde» me deu
palavra de reduzir-se e creio que o cumprirá. O outro se chama
Parapopi e está no Tibiquari, 4 léguas mais abaixo da boca do
Mboapari, isto é grandíssimo velhaco e que vendeu toda esta na-
ção, e a ele vinham parar todos os tupis assim pelo rio [Guaíba]
como por terra [Laguna] (e os que Vossa Reverência tomou a ele
vinham \e eu já tinha notícia de sua vinda) ; dele fiam os portu-
gueses todos os seus resgates, e da sua casa partem todos os anos
as frotas de miseráveis cativos que os tupis levam por terra (por
onde me dizem que gastam apenas cinco dias até o mar). Eu ia
na intenção de trazê-lo por força se por sua vontade não quisesse
vir comigo, mas não sei que índio se me adiantou e de noite lhe
deu aviso e fugiu com alguns tupis que eu comigo tinha. Fiz-lhe
queimar a casa e destruir quanto pude a comida para que se vá
dali.» 15)
Duas eram as entradas «por onde podem vir |os paulistas]
a nossas reduções: uma é o Caagua e outra o povo de Guebirenda
[pouso, sítio do Guaíba = Porto Alegre] e disso há indícios cer-
tos», diz o P. Pedro Mola na Ânua, de Jesus-Maria, de 22 de Ou-
tubro de 1635. 1,;)
E foram esses «indícios» e a notícia de que alguns mamalu-
cos que aportaram a Guaíbe-renda haviam sido mortos pelos índios,
e o desejo de despertar nos caaguaras o sentimento da defesa de
suas terras, por onde «fatalmente teriam de passar os inimigos»
para assaltar as reduções do Tape, que moveu o P. Cristóvão de
Mendoza a ir àquela região, como fica historiado.
Nada encontrou o Padre, em toda Serra, que autorizasse a
supor a presença ali de piratininganos. Em 25 de Abril, ao dei-
xar o Caágua, além de instruções detalhadas sobre o modo de de-
fender aquelas terras e delas expulsar os invasores, o P. Cristóvão ,
15) Carta do P. Francisco Jimenez ao Prov. P. Boroa, I, 29, 1, 47.
16) Ânua do P. Pedro Mola. B. N. Mss. I, 29, 7, 28.
132
AURÉLIO PORTO
encarregou a alguns varistas de Jesus-Maria e São Miguel, que
consigo levara, de ali ficarem para vigiar o passo dos inimigos e
dar aviso às reduções, se eles aparecessem.
Em seguida dão-se os trágicos sucessos de Ibia, a expedição
armada .de índios catecúmenos que vai buscar o corpo do Padre
e vingar a sua morte, e os consequentes acontecimentos da Junta
de Feiticeiros que se organiza em Carirói, avança para Taiaçuapé,
até o Rio Pardinho, onde é destroçada pelos cristãos.
Nesse ínterim, porém, isto é, entre Junho e Agosto de
1635, forte indício da aproximação de uma bandeira, na região do
Caágua, nos induz a modificar estudo anterior 1T) e aceitar, em
parte, as observações do Dr. Alfredo Ellis Júnior, no que se re-
fere à «Bandeira de Aracambi. 1S) Mediante pesquisas mais com-
pletas, nos documentos jesuíticos da época, 19) pela coincidência
das datas e pelo número de «portugueses» mortos pelos caáguas,
admitimos, senão a entrada dessa bandeira de Aracambi no terri-
tório rio-grandense, pelo menos o de um destacamento que à mes-
ma pertencesse e que, baixando da Laguna, em Julho ou Agosto,
houvesse sido trucidado pelos caaguaras, sob o comando dos va-
ristas que o P. Cristóvão ali deixara.
Em sua carta ânua de 6 de Setembro de 1635, ao receber as
primeiras notícias sôbre a «Junta de Feiticeiros» que se formava
na província de Ibiaça e referindo-se ao Caágua, diz o P. Boroa
que «como ali estão três varistas, dois daqui (Jesus-Maria) e um
de São Miguel, cristãos todos e estes foram os que ajudaram a
matar os portugueses, pelos quais (caaguaras) é necessário pas-
sar primeiro, parece que não é (a Junta) coisa de portugue-
ses.» 20) Os índios de Guaíbe-renda (Porto Alegre) haviam tam-
bém, mais ou menos na mesma ocasião, se defendido e morto ou-
tros portugueses que ali tinham aportado. 21 )
Só em fins de Setembro os varistas que estavam no Caágua,
deixados pelo P. Cristóvão, voltaram com grande perigo e «afir-
17) Aurélio Porto. Terra Farroupilha, I, 55/61.
18) Alfredo Ellis Júnior. O bandeirismo paulista etc, 1* ed., 69-77.
19) B. N. Colecção de Ângelis. Ânuas das Reduções, etc.
20) B. N. I, 29, 1, 53.
21) B. N. I. 29, 7, 28.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
133
mam que foi certa a matança dos portugueses». Em uma nota,
só agora encontrada, aposta pelo P. Romero em uma carta do
provincial Boroa, datada de 14 de Junho de 1636, encontra-se a
seguinte revelação: «29 fueron los portugueses que mataron los
indios dei Caagua» e os portugueses do Rio de Janeiro não se de-
ram por sentidos, porque dizem que eles tiveram a culpa de me-
ter-se serra a dentro e fazer agravo às suas roças.» --)
Como se verifica, o número de mortos é assaz grande para
que se despreze a possibilidade de pertencerem a uma bandeira,
que estaria nas proximidades. Esta seria, provàvelmente, a de
Aracambi, que o Dr. Ellis identifica, em princípios de Julho de
1635, acampada no «sertão dos Patos», isto é, no sertão da Lagu-
na, quiçá à margem direita do rio Pelotas.
Há, também, a hipótese de que esses portugueses houvessem
entrado por via marítima, sabendo-se que eram contínuas as in-
cursões desse género, justificadas no próprio trabalho do Dr. Ellis
Júnior, que transcreve do Registro Geral referência a barcos aos
patos, «com pólvora e pelouros e correntes a dar guerra ao gentio
dos Patos que está há tantos anos de paz e alguns cristãos, o que
protestamos.» 2;J>) ,
Autoriza a hipótese a referência, em vários documentos je-
suíticos de 1635, a portugueses que os índios guaibirenhos teriam
matado ao chegarem às suas terras, de onde subiriam «a meter-se
serra a dentro» sendo aí, por «varistas e caaguaras», mortos os
29 restantes. Seria um dos barcos da bandeira de Aracambi que,
da Laguna, tivesse demandado a barra do Iguaí (Rio Grande, La-
goa, Guaíba) ?
Os Jesuítas não deram maior importância ao acontecimento e
nem consideraram como bandeira esses grupos isolados de preado-
res de índios que desciam de São Vicente, Piratininga e outros lu-
gares da costa do Brasil. Aquele ano de 1635 era o terceiro em
que, na província de Ibiaça, haviam sido destroçados pelos índios
infiéis e pelos Padres, como se depreende da afirmação do P. Boroa
«que lhe deram na cabeça, por três vezes, por aquela parte».
22) B. N. Nota do P. Romero à carta do P. Diogo de Boroa, I, 29,
1, 59.
23) Alfredo Ellis Júnior. Bandeirismo. 1» ed., 73, Reg. Geral, I, 499.
134
Supuseram, a princípio, os Jesuítas, que a morte do P. Cristó-
vão e os acontecimentos que a ela sucederam fossem «traça de los
portugueses». Seus matadores, principalmente os feiticeiros Iagua-
caporu, Iaguarobi e Chemboabaete, «eram muito insignes dos lusi-
tanos, e que traziam consigo um rapaz, grande dançarino (hiero-
quiara) com um colete de anta que era dos que enfervorizava e que
se dizia que esse rapaz era filho dos portugueses embora fosse índio,
deve ser algum mesticinho filho de alguma índia de Iaguacapo-
ru.» ->4) Com este primeiro mamaluco rio-grandense começara o
processo de mestiçagem que antecede de quase um século a nossa
formação étnica.
Não obstante, porém, a guerra pregada contra os Jesuítas es-
panhóis, por este hieroquiara, em suas danças e cantos, as indaga-
ções feitas pelos índios amigos não autorizaram a afirmar que nes-
ses acontecimentos, quer antes, quer depois do martírio do venerá-
vel Cristóvão, houvesse intervenção de bandeirantes, isto é, «nestas
juntas de velhacos não têm intervindo portugueses, nem tupis, se-
não unicamente índios velhacos comedores de carne humana, e fei-
ticeiros», reconhecia em sua carta ânua de 26 de Setembro de 1635
o P. Francisco Diaz Tano, Superior das reduções. )
Ficam historiados os sucessos que determinaram a acção da
«Junta de Feiticeiros», a organização do exército cristão que foi
combatê-la e a derrota que se seguiu dos índios coligados. Nessa
ocasião quiseram os Padres acompanhar os catecúmenos que iam à
guerra, temerosos de que essa sublevação que se estendia até as
fronteiras do Tape, abrangendo toda a província dos ibirajaras, fos-
se promovida pelos piratininganos. Os índios, entretanto, não per-
mitiram a interferência dos Religiosos da Companhia, preferindo
ir somente sob o comando de seus capitães: «eles queriam ir so-
zinhos, pois índios contra índios melhor se ajeitariam sem Padres,
que, se houvesse portugueses, então nos avisariam». Sabendo o P.
Superior (Diaz Tano) que se faziam juntas em Carirói (em frente
a Santa Teresa) e em Piraiubi (margem direita do Taquari), mas
ignorando a intenção com que eram feitas, escreveu ao Irmão Cár-
24) Carta do P. Diaz Tafio. original e inédita. B. N. Mss. I, 29, 1, 53.
25) Carta cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 135
denas que lhe avisasse qualquer «rumor de portugueses», mas até
20 de Setembro de 1635, data da carta, nada averiguara nesse sen-
tido. Segundo o P. Pedro Mola, em carta datada de 22 de Outubro
do mesmo ano, «há certos indícios» de que os bandeirantes desce-
riam sobre as reduções por um dos dois caminhos a que nos refe-
rimos.
Transcorreu, assim, o ano de 1635 sem que entrasse no terri-
tório rio-grandense nenhuma bandeira paulista, não obstante as
contínuas notícias de que se preparavam elas para dar sobre as re-
duções e destruí-las, cativando, além cios infiéis, os índios cristãos.
Grande parte do ano seguinte, 1636, passa, sem que apareçam os
terríveis inimigos. A ânua do P. Pedro Romero, datada de 3 de
Abril de 1636, dirigida ao provincial P. Diogo de Boroa, ainda não
se refere à entrada de bandeirantes. Só mais tarde, em Novembro,
como se verá, têm os Padres conhecimento da passagem, pelo Ca-
água, da primeira bandeira que penetra o Rio Grande do Sul e a cuja
frente vem o insigne António Raposo Tavares, o mesmo que, no
Guairá, já tivera contacto com muitos dos missionários que catequi-
zavam nas doutrinas do Uruguai e do Tape.
Mas, qual a direcção dessa bandeira, composta de 200 homens
brancos, assinalada pelo Dr. Alfredo Ellis, que esteve no «sertão
dos Patos», de Março a Junho de 1635? Não foi, por certo, como
documentamos, dirigida ao Rio Grande do Sul, porque os Patos eram
os mesmos índios carijós, cujas fronteiras, ao Sul, com os ibirajaras,
iam até o Mampituba. Só nos princípios do século XVIII é que La-
guna de los Patos (actual Laguna) perde essa designação que, por
extensão e erro cartográfico, se estende à hodierna lagoa dos Pa-
tos, chamada então Iguaí, com todo o curso de Guaíba (I-guaí-be)
e Jacuí inferior. Apesar de alguns documentos paulistas, de ori-
gem bandeirante, se referirem a «Jesus Maria de Ibiticaraíba no ser-
tão dos patos ou arachanes», 26 ) não nos parece exacta a designa-
ção, tendo em vista que Jesus-Maria, que ficava junto ao Ibitica-
raíba (Butucaraí), poderia ter sido fundada por arachanes, que as-
sim também eram chamados os tapes, mas, nunca por patos, isto é,
carijós, que não estavam localizados dentro do território rio-gran-
26) Inv. e Test. úe São Paulo, vol. XI. 143.
136
AURÉLIO PORTO
dense. Toda a documentação jesuítico-espanhola da época desau-
toriza essa designação.
O sertão dos Patos, onde esteve, na aldeia do principal Ara-
cambi, acampada a bandeira, que o Dr. Ellis assinala, é o sertão de
Santa Catarina, que se estende ao norte do Uruguai, provàvel-
mente.
3. A bandeira de Raposo Tavares.
Não surpreendeu às reduções da Serra o aparecimento da ban-
deira de António Raposo Tavares, que atinge Jesus-Maria a 2 de
Dezembro de 1636. Havia muito os Jesuítas a esperavam, ten-
do, para enfrentar os mamalucos, preparado largamente meios
de defesa.
Foi dito, linhas atrás, que «em conselho com outros Padres,
Governador da Província e Reitor do Colégio», em Buenos Aires
ficou acordado com o Provincial P. Diogo de Boroa, deviam as re-
duções se opor à invasão com força armada. E, para isto, com o
P. Francisco Diaz Tano, veterano e missionário, são destacados para
as reduções do Tape dois antigos soldados das guerras sul-ameri-
canas, Irmãos António Bernal que havia sido soldado no Chile e
João de Cárdenas, profissionais da arte militar. -7)
Para o desempenho dessa missão, levando armas e munições,
partiu o P. Taho, em 15 de Maio de 1635. A 6 de Setembro do
mesmo ano, de Jesus-Maria, onde aprestava a defesa, escrevia ao
Padre Superior uma carta de que este riscou, tornando quase ilegí-
vel, a primeira e a última página. -7 ) E seria o segredo, que
(27) Observação; O costume primitivo de Irmãos leigos da Compa-
nhia, que conheciam a arte bélica, serem aproveitados na instrução dos sol-
dados guaranis, foi oficialmente legalizado por Felipe IV por Cédula Real em
21-11-1642. (P. Pahlo Hernández, Organización Social de las Doctrinas Gua-
rani"- de la Companía de Jesus. Barcelona, MCMXIII, p. 525). (L. G. J.)
27*) B. N. Mss. I, 29, 1, 53. Continham essas páginas matéria que
não conviria passar à posteridade, pois que proibido era o uso de armas
pelos índios. Deve-se a reconstituição desse verdadeiro palimpsesto à
tenacidade e beneditina paciência do saudoso Rego Monteiro que, a pedi-
do nosso, nessas duas páginas que restaurou, empregou largos dias de
afanoso trabalho.
Observação: Não é bem exacto o que aqui afirma o Autor. No
cap. VI, vol. I da sua esplêndida «Organización Social de las Doctrinas Gua-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 137
em torno do emprego de armas de fogo fizeram os Jesuítas, o
motivo por que historiadores modernos 2s) afirmam que com suas
armas de flechas e pedras não podiam os índios «concorrer com as
europeias, que os alcançavam de tão longe e irresistivelmente. Ha-
via aí as provas, os factos, devendo abandonar as florescentes re-
duções do Guairá, e ao depois as do Tape, no Rio Grande do Sul,
perdendo-se tantas vidas e a liberdade de tantos capturados como
escravos.» -!')
Faz o austero P. Tano, em sua carta, uma revelação sigular.
Os arcabuzes existentes em Jesus-Maria, por ocasião da morte do
P. Cristóvão, já haviam sido empregados contra os próprios índios,
o que constituía até hoje um segredo, que a decifração da carta can-
celada revela. Quando o P. Tano chegou à redução, achou «muito
mau preparativo de armas, porque com a morte do bom Padre Cris-
tóvão, tudo se desconcertou.Aos arcabuzes encontrei sem chaves
e os demais quebrados, e o P. Mola dizia que Vossa Reverência (P.
Romero, Superior) havia levado as chaves para concertá-las, po-
rém não tinham voltado nem se sabia delas; pediam para esse efei-
to que viessem para compô-las e para fazer os quatro mil farpões
raníes, I p. 167-193, trata com a competente autoridade o P. Pablo Her-
nandez o debatido assunto das armas de fogo em mãos de guaranis. Houve
da parte dos colonizadores espanhóis longa e tenaz resistência, que facilmen-
te se compreende, pois que apenas pela arma de fogo é que o europeu era
capaz de subjugar o ameríndio. A proibição expressa, por parte do Rei da*
Espanha, de os Jesuítas entregarem armas de fogo a seus índios convertidos,
data só de 16 de Outubro de 1661. Porém, dezoito anos após, em 1679,
lhes foi restabelecida a licença, devolvendo-se-lhes as armas que haviam en-
tregado, com as cautelas impostas pelas circunstâncias. Até mais, em 1640,
1642 e 1646 obtiveram os Missionários Jesuítas das Reduções a permissão
de entregar a seus índios cristãos certo número de escopetas afim de
repelir as investidas bandeirantes. (Op. cit. p. 174-177). A aludida carta
do P. Diaz Tano, tornada ilegível na sua primeira e última página, é de
1635, Jogo anterior à proibição geral. Talvez fossem riscadas essas linhas
para não darem aso aos pósteros malévolos de acusar a Companhia como
Insubmissa. E, ainda se tivessem dado armas de fogo acs seus guaranis,
teriam lançado mão não só de um direito iniludível, como ainda do úni-
co meio eficaz de defender suas vidas, posses e liberdade contra os assal-
tes de um agressor injusto, unicamente as armas de fogo dos mamelucos os
obrigou a usar armas iguais, e com o resultado almejado. Veja ainda
a nota 8 do Cap. V, parág. 2 deste volume. (L. G. J.)
28) C. Teschauer — Hist. Rio Grande do Sul, I, Cap. XXVIII, 306 e
seguintes.
29) Idem. Ob. cit., I, 308.
138
AURÉLIO PORTO
de ferro e também para corda de arcabuzes, porque ainda que aqui
haja bocayi ::") e arde bem, mas não serve para corda nem tão
pouco o pinheiro, porque tanto que começa a arder o fogo, logo se
vai cobrindo de cinzas, e por mais que se soprem nunca se descobre
o fogo sem que esteja pegada em cima a cinza e assim era neces-
sária corda de guarda-chuvas e fio de algodão para fazê-lo, que não
há por aqui coisa que tanto temos experimentado e procurado.
De chegada a Jesus-Maria, onde, era certo, deveriam inicial-
mente tocar os bandeirantes, os Irmãos Bernal e Cárdenas, ins-
trutores militares, procuraram organizar uma força regular com
os índios guerreiros que ali encontraram. A Ânua do P. Boroa, de
13 de Agosto de 1637, informa que os índios «assistiam com gran-
de entusiasmo aos exercícios militares, sob a direcção do nosso
Irmão Bernal. Cada dia acudiam em tropel ao campo para se
exercitarem em ataques e contra-ataques, em ginástica, tiro e es-
grima, obedientes à voz de comando e até a um simples sinal. '■'-)
Com esses exercícios, em pouco tempo, estavam os índios maravi-
lhosamente aptos para' os misteres da guerra. Sabiam formar
alas, mudar de frente, fazer assaltos em regra e rechaçar ataques.
E (o que não diz o P. Boroa, mas que em outros documentos se
encontra), conhecendo, perfeitamente, alguns deles, o manejo das
armas de fogò e podendo com elas atirar com perfeita pontaria.
Além do preparo dos índios para resistir à investida dos ban-
deirantes, resolveu o Irmão Bernal erguer fortes paliçadas em re-
dor de Jesus-Maria. Eram estas defendidas por uma valada, com
paredes de taipa. Aproveitaram-nas os bandeirantes, que lhes
acrescentaram ainda um forte.
Com o enérgico P. Diaz Tafío, escolhido especialmente para
superintender as reduções, nesse difícil momento de provação, ali
estava com a sua ponderação e judicioso conselho o P. Romero,
que as fundara, e delas era o Superior. Era 3 de Abril de 1636,
informava este que «por agora não há prova (da existência) de
30) Bocayi, uma espécie de fibra semelhante ao linho, muito apre-
ciada pelos índios.
31) B. N. Ânua inédita e original, cit.. I. 29. 1, 53.
32) Ânua cit. Iglesia, tomo XX, págs. 549 e seguintes.
33) Ânua. Mss. B. N. I, 29. 1, 69.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
139
portugueses, nem coisa que dê receio e eu confio no Senhor». Co-
nhecendo a táctica do inimigo, que mais tarde confirma perfeita-
mente a sua previsão, diz, em seguida: «E* certo que antes que
os portugueses cheguem às nossas reduções, terão muita gente que
levar, porque a que estava por reduzir é mais do que a reduzida,
e nem são tão pouco recatados que se atrevam a chegar às nossas
reduções, não deixando as costas resguardadas e mais havendo-lhes
dado na cabeça já três vezes, por aquelas partes.»
Convinha prover o abastecimento de possíveis reforços, no ca-
so da invasão bandeirante. Lembrara o Provincial se reservasse
para este fim um corte de gado, em uma das reduções menos aces-
síveis ao ataque do inimigo. Escolheu o P. Romero a redução de
Natividade e para ela fez conduzir «uma tropa de gado escolhido»,
300 reses, «que somente estão à disposição do Superior para o dito
fim, e esteja V. R. certo de que, se dentro de três ou quatro anos
não chegam a elas, que haverá muito gado para acudir a qualquer
necessidade.» a5,)
Mas, não esperavam que os paulistas viessem tão cedo e nem
que fosse tanta a gente de que se compunha a bandeira. E' ain-
da o P. Boroa que informa, em outra carta preciosa que os ma-
malucos: «saíram de sua vila de São Paulo no ano passado de 1636
e, caminhando sete meses, sujeitando nações com um exército de
150 portugueses com arcabuzes e 1.500 índios tupis bravios, além
de outros muitos que se lhes agregaram pelo caminho à força ou
por vontade, acercaram-se de nossas reduções. Tiveram notícias
deles o P. António Ruiz e o P. Pedro Romero, que chegou por No-
vembro à redução de Jesus-Maria, que está na fronteira, e, jul-
gando que ainda estavam longe, que não eram tantos e nem eram
de São Paulo, não supôs chegariam até as nossas Reduções. '•)
Dá o Dr. Ellis para partida da bandeira de Raposo Tavares,
de São Paulo, data que mediaria entre 1 e 7 de Janeiro de 1638,
mas observa causar-lhe admiração tenha essa levado 10 meses
para chegar ao Rio Grande do Sul. Mas, o P. Boroa, que teria
34) Ânua P. Romero. Autografa e inédita. Mss. B. N. I, 29, 7, 31.
35) Carta do P. Romero. B. N. Mss. I, 29, 7, 31.
36) B. N. I, 29. 1. 69.
140
AURÉLIO PORTO
exactas notícias, pela sua própria participação nos acontecimentos,
nos informa que Tavares caminhara sete meses, sujeitando nações,
chegando a Jesus-Maria a 2 de Dezembro, o que dá, para a data
inicial da partida, fins de Maio ou princípios de Junho. Parece,
assim, estar mais próximo da verdade o P. Luís Gonzaga Jaeger
que observa que em 11 de Maio de 1636 ainda estava em São Pau-
lo Brás Gonçalves, ■ o velho, componente da bandeira, morto em
Outubro do mesmo ano, no sertão dos Araxãs. Brás Gonçalves,
naquela data, assinava um conhecimento de dívida em favor de
António Álvares Bezerra. ?,T) E basta este documento para con-
firmar a asserção do P. Boroa.
Aparatosa e perfeitamente equipada estava essa primeira ban-
deira paulista que, sob o comando de António Raposo Tavares,
demandou terras do extremo sul. Não lhe faltavam, mesmo, para
as desobrigas espirituais, dois Padres que a integravam, sendo um
«clérigo excomungado», dizem os documentos jesuíticos. Vinham
com ela, além do locotenente, capitão Diogo Coutinho de Melo, os
mais considerados sertanistas de São Paulo, de que Ellis nos dá
nominata de 33 componentes conhecidos.
Saindo de São Paulo em fins de Maio ou princípios de Junho,
não nos parece ter a tropa piratiningana rumado para Oeste até
atingir Guairá, de onde, deflexionando para Sudeste, penetrasse
nos sertões do Rio Grande do Sul. E uma das principais razões
disto é que, em Outubro, já havia apresado quantidade considerá-
vel de selvagens que, como se dirá, estavam concentrados nas pa-
liçadas do Taquari, sob a vigilância do capitão Diogo de Melo.
Não erraremos por muito indicando o mês de Julho para a entra-
da presumível da bandeira em território rio-grandense.
Um só e conhecido caminho existia, então, para os sertanis-
tas que, por terra, demandavam o extremo sul. E' a antiga ve-
reda das migrações primitivas e «único existente», ainda em 1773,
no dizer do brigadeiro Francisco João Róscio e não «aberto pelos
portugueses», como assinala o P. Quiroga em seu mapa de 1749.
No itinerário que nos deixou, dá Róscio um percurso de 43 léguas
37) Inv. Test. S. Paulo, XXVI, 56 e 57; L. G. Jaeger. As Invasões
Bandeirantes, 1635-1641, p. 34).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 141
e meia, para essa estrada, desde a Capela ÍViamão) até o Registro
(passo de Santa Vitória, no rio Pelotas). Aí vinha entroncar a
estrada de São Paulo, identificada pelo mestre Dr. A. Taunay, co-
mo a das bandeiras paulistas. 38)
Diz o brigadeiro Róscio que «principiando a seguir este cami-
nho da Capela, ou povoação de Viamão, para o Norte, ou melhor,
para Oriente, pelos lados do rio Gravataí, à distância de 12 léguas
está a freguesia de Santo António, novamente estabelecida em uma
lomba nas faldas da montanha. Desta freguesia à distância de
uma légua, serra acima, está um desmonte ou grande corte de
mato, que chamam Campestre; mais adiante, três léguas, passa o
rio Rolante. Do Rolante, a quatro léguas está a ilha que é o ou-
tro desmonte de mato; daqui à saída do campo três léguas Mais
adiante, uma légua, mora Pedro da Silva [Pedro da Silva Chaves,
fundador de São Francisco de Paula, antigo Caágua] e deste, à
distância de duas léguas, passa o rio Santa Cruz, ou rio Caí.
Mais adiante, uma légua, mora o Freitas; deste, à distância de
seis léguas, está a estância do Cedro; do Cedro ao Rio das An-
tas, três léguas e meia. Do Rio das Antas à freguesia contam
três léguas. Da freguesia, que fica na fazenda do Leandro [Lean-
dro da Silva Soares, sesmeiro da depois freguesia de Nossa Se-
nhora da Oliveira de Vacaria] ao Registro [passo de Santa Vitó-
ria, no rio Pelotas], onde termina, a largura destes campos, no
rio Uruguai, contam quatro léguas.» Este caminho, trans-
posto o Pelotas «no registro já mencionado «, acrescenta Róscio,
entronca no «que segue para a vila de Lajens e continua acompa-
nhando o lado da Cordilheira até a cidade de São Paulo».
Encontramo-lo perfeitamente esboçado no mapa do P. Diogo
Soares, de 1738, e publicado em outro trabalho. 40) Podem-se se-
guir, desde a capitania de São Paulo, as suas indicações principais.
Barretos, Pousos Altos, Porcos, Frutas, Rio Capivari, Tapes, Rio
Arambaí (Aracambi?) , Rio Pearas (Pelotas?), dado erradamente
38) A. d'E. Taunay — Hist. geral — Mapa das Bandeiras.
39) Francisco João Róscio — Compêndio Noticioso. Cod. inédito B.
N. I. 5, 2. 3.
40) Presidio do Rio Grande. Aurélio Porto. "Terra Farroupilha",
I. 176.
142
AURÉLIO PORTO
como afluente do Tebiquari), Vacaria, Rio das Antas, Morretes,
Rio Camisas, Roça Nova, São Francisco, Rio Tainhas, Rio Com-
prido, Alto da Serra, de onde segue para os campos de Viamão.
Interessa-nos, porém, somente o percurso entre o Pearas (Pelo-
tas?) e o Alto da Serra (Cima da Serra: Caágua). Segundo
Róscio a distância entre o Pelotas e Cima da Serra seria, aproxi-
madamente, de 20 léguas. Deste último ponto, na Serra de Nor-
deste, uma variante do caminho dèflexionava para Oeste, atra-
vessando o Rio de Ibia. Largas pesquisas feitas nos autorizam
a identificar o Ibia, onde foi martirizado o P. Cristóvão de Men-
doza, quando voltava do Caágua, com o actual Piai. que nasce em
cima da Serra e separa os municípios de Caí e S. Francisco de
Paula, dando nome ao distrito de Santa Lúcia do Piai, pertencente
ao município de Caxias do Sul.
O P. Cristóvão, que foi de Jesus-Maria ao Caágua, e a ban-
deira de Raposo Tavares" que foi do Caágua a Jesus-Maria, atra-
vessaram o Taquari. Um mapa desenhado de acordo com as in-
dicações dos Padres Techo e Ovalle, o n" 6, de Guilherme de L'Is-
le, 41 ) o único que assinala a terra dè Ibia, traz a palavra Ibiaes,
cortando o Taquari, um pouco abaixo da foz do Rio Guaporé. Co-
nhecido, depois do Taquari, é o Taiaçuapé (caminho do porco do
mato) por onde a Junta dos Feiticeiros atingiu o Rio Pardinho,
fronteira de Jesus-Maria. E é -este o itinerário das bandeiras que
investem contra as reduções jesuíticas do Tape.
O ilustre autor das Invasões Bandeirantes no Rio Grande do
Sul, iz) procura estabelecer um novo itinerário para as entradas
bandeirantes no território missioneiro. Na hipótese que lança, os
bandeirantes, transposto o rio Pelotas, «já no Rio Grande do Sul,
passavam por São Pedro ína Vacaria)., Extrema (Vacaria), Lagoa
Vermelha (cidade) furavam o célebre Mato Postuguês (com a
largura de apenas 11 km de mato), cortavam o lindo Campo do
Meio, varavam o afamado Mato Castelhano (com a largura de
20 km de floresta) e daí, com mais 12 km de campo, se achavam
41) P. Guilherme Furlong. Cartografia Jesuítica dei Rio de la Pinta.
Buenos Aires, 1936.
42) P. Luís Gonzaga Jaeger — As invasões bandeirantes — Tip. Cen-
tro, 1940, págs. 32 e seguintes.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 143
junto das fontes do Rio Jacuí e Taquari, ambos nascendo no Po-
vinho da Entrada. «Cortando os campos da Soledade, acrescenta,
entrariam no «Sertão de Ibiticaraíba», ou Butucaraí, a Oeste da
moderna Candelária, já em pleno território missioneiro. Tinha o
autor para lhe corroborar a opinião, segundo diz, «o facto.de o
capitão Diogo Coutinho de Melo, da expedição de Raposo Tavares,
se ter achado em um salto, que não pode sei1 outro que o grande
salto do Jacuí, o mais próximo das reduções agredidas por Raposo,
como logo se dirá.» 4:!) Deduz isto de «preciosa advertência»
encontrada na pág. 45 dos Inventários e Testamentos, de São Pau-
lo.vol. XXVI, que diz, textualmente: «Com declaração que o dito
capitão Diogo Coutinho de Melo mandou fazer este inventário, por
estar fora do arraial do capitão-mor António Raposo Tavares, em
um salto, e mandou vendèr esta fazenda, etc.»
Houve evidente equívoco do ilustre historiador. Não só a do-
cumentação jesuítico-espanhola detalha precisamente o itinerário
da bandeira de Raposo Tavares, como o salto referido no inventá-,
rio do bandeirante não significa «queda d'água». Em toda do-
cumentação antiga, quer portuguesa, quer espanhola, encontra-se
repetidas vezes essa palavra de que Morais Silva, em seu Dicio-
nário, dá a exacta interpretação: «Salto s. m. § O ato de saltear
nas estradas, ou em acção hostil e bélica. Barros 2.8.1 gente que
vive de rapina, e saltos. D.2.Í.16 e 190 «fazer salto no inimigo».
Saltos, que fizeram na terra firme», etc. Também em espanhol.
Compendio de Diccionario Nacional — D. R. J. Dominguez —
Salto. Pillage (El acto o efecto de pillar, saquear»). E é esta a
exacta significação do salto em que se achava Diogo de Melo no
dia 10 de Outubro de 1636, em pleno sertão rio-grandense. 4 '■'■■)
Não é difícil acompanhar o bandeirante, em sua trajectória,
desde que, vadeando o Pelotas, no hoje passo de Santa Vitória, de-
43) P. L. G. Jaeger. As invasões cit., 33.
(43') Observação: Não obstante todo esse interessante arrazoado, o
operoso historiógrafo gaúcho Olyntho Sanmartin, comparando os argumen-
tos pro e contra a respeito do provável roteiro de Raposo, escreveu à pá-
gina 187 da sua recente obra: «Bandeirantes no Sul do Brasil», Porto Ale-
gre, 1949: «Perfilhamos plenamente o que aí fica dito (As Invasões Ban-
deirantes p. 33) pelo estudo e conclusão a que chegou o ilustrado Pe.
Jaeger». (L. G. J.)
144
AURÉLIO PORTO
moradamente, em saltos sucessivos, cativa mais de um milhar de
índios, que leva até às paliçadas do Taquari.
Em Janeiro de 1639 o mestre de campo Valbueno, a mandado
de D. Pedro de Lugo, foi até às ruínas de Piratini e ali encontrou
o P. Pedro Mola e outros jesuítas que reuniam índios dispersos,
depois do ataque às reduções. Seguindo para Ijuí conseguiu cap-
turar quatro índios que se lhe tornaram suspeitos. Eram Guai-
miguru, Abaianti, Marandasa. naturais do Tape e António, do
Guairá. Quando os paulistas passaram em Caágua aprisionaram,
além de grande número de índios daquela região, a Guaimiguru e
Marandasa. Na distribuição de escravos couberam Marandasa e
uma sua irmã ao bandeirante Pascoal Leite Pais, irmão de Fer-
não Dias, o qual passou a viver com a prisioneira. Esta, porém,
fugiu e o chefe da bandeira mandou que os outros, acompanhados
por António, índio de sua confiança, fossem em busca da fugitiva.
Nesta ocasião declarou António que a bandeira percorrera as pro-
víncias de Caamo e Ibia. 44 )
Preciosa a indicação para o trajecto da bandeira, conhecidas as
situações de Caamo, Caágua e Ibia e, sabendo, ainda, que Raposo
Tavares concentrou no Taquari a chusma de cativos que fizera
em seus saltos anteriores. Temos, pois, Vacaria, Cima da Serra
(São Francisco de Paula), Piai (Serra do Raposo, campo do Ra-
poso) 4V) e rio Taquari, linha de penetração que coincide com o
caminho traçado na carta de Diogo Soares; no mapa do Paraguai,
gravado por Matias Seutter (1726) e, finalmente, no roteiro do
brigadeiro Róscio.
Em Caamo, onde havia aldeias bastante povoadas, começou a
razia bandeirante. Mas, foi exactamente no Caágua, onde exis-
tiam índios inimigos, que se verificou a quase completa escraviza-
ção do povo. E dali partiram, «sujeitando nações» e aumentando
a leva com «outros muitos que agregaram a si pelo caminho, por
força, ou por vontade.» 4,;)
44) B. N. Mss. (?)
45) A coincidência do topónimo é interessante, mas não se refere a
Raposo Tavares. Serra e campo do Raposo procedem de uma sesmaria
concedida em 1766, ao paulista Francisco José de Oliveira Raposo, que
aí teve seus campos de criação.
46) Ânua. B. N. Mss. I, 29. 1, 69.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
145
Pode-se afirmar, com poucas probabilidades de erro, levava
a bandeira rumo do Taquari, em cujas proximidades dera o assal-
to aos índios de que resultou a morte, em princípios de Outubro,
do bandeirante Brás Gonçalves, o velho. Em Novembro, quando
o P. Romero, designado cura de Jesus-Maria, ali chega, recebe a
notícia de que, no Rio Taquari já estão os paulistas. Julga, po-
rém, não serem tantos e nem que tão depressa atingiriam a sua
redução.
A região seria bem conhecida pelos vaqueanos da Bandeira.
Era ali que, sobre o Taquari, quatro léguas abaixo da foz do Mboa-
pari (Rio das Antas), tinha seus ranchos o índio Parapopi, pre-
posto dos paulistas no resgate de cativos. Em sua incursão pelo
Taquari, em carta de 4 de Fevereiro de 1635, o P. Jiménez dá no-
tícia detalhada desse «grandíssimo velhaco ( que vendeu toda esta
nação a ele vinham parar todos os tupis [que chegam] tanto pelo
Rio [Guaíba] como por terra. (E os que V. R. colheu vinham a
êle e eu já tinha notícia de sua vinda). Nele confiam os portu-
gueses todos os seus resgates, e de sua casa partem todos os anos
as frotas de miseráveis cativos que levam os tupis, por terra (por
onde me dizem só tardam cinco dias até o mar) [Laguna]. Eu
ia com intento de trazê-lo à força se não por vontade, de vir comi-
go, mas não sei que índio se adiantou e de noite lhe deu aviso e
fugiu com alguns tupis que consigo tinha. Fiz queimar-lhe a casa
e destruir quanto pude de comida [roças], para que se vá dali. 47)
Coincide essa distância de quatro léguas iS) com o Corvo, dis-
trito e arroio no município de Estrela, que fica sobre o rio Taqua-
ri, a 17 km da cidade de Estrela. Há aí um passo e porto sobre o
Taquari e um morro que domina vasta região. Situou-se, pro-
vàvalmente, no posto de Pirapopi com a vanguarda de exploração
e preia de índios, o locotenente de Raposo Tavares que aí devera
ter construído, se já não existiam para os mesmos fins, as gran-
des paliçadas em que eram vigiados os selvagens cativos em toda
a província de Ibiaça. Foi o P. Pedro Mola, de Jesus-Maria, o
47) B. N. Mss. I, 29, 1, 47.
48) Era a légua da época de 17 % ao grau, que corresponde no pa-
ralelo 29* a 5.582 m.
146
AURÉLIO PORTO
primeiro que teve notícia da aproximação do inimigo que, «em
duas paliçadas, a 12 ou 14 léguas dali, no Rio Taquari» 49), tinha
grande número de índios cativos.
Foi quando, provàvelmente, em fins de Setembro, tendo dei-
xado roças feitas para o inverno, e outros prisioneiros, sob a vigi-
lância de alguns bandeirantes e índios amigos, que o grosso da
bandeira, sob o comando de Raposo, abalou do Ibia (Piai), em di-
reitura ao Rio Taquari. Com pequenas variantes, pelas estradas
ainda hoje existentes, segundo a carta do Estado de 1936, o tra-
jecto seria aproximadamente de 100 km, ou sejam 15 léguas
actuais. Do Ibia (distrito de Santa Lúcia do Piai, município de
Caxias) com altitude de 834 m, a bandeira rumaria para Oeste,
atravessando pelo sul das respectivas sedes os municípios de Ca-
xias, Farroupilha com a altitude média de 750 m, e o de Garibaldi,
com 600 m até descer a serra na altura de Ipiranga (município de
Garibaldi), ligada hoje ao Corvo (190 m de altitude) por uma
estrada carroçável.
Durante algum tempo, provàvelmente até Novembro, Raposo
levou a guerra e cativou grande multidão de índios ribeirinhos que
eram conduzidos para as fortes paliçadas de seu campo de con-
centração. Transposto o passo do Taquari, junto ao Corvo, ou
mais abaixo, e tomando por Conventos, na região de Piraiubi, que
deve ser o Rio Forqueta, despontaria as nascentes dos arroios
Sampaio e Alegre entrando em Taiaçuapé, (caminho do porco do
mato) que vinha dar no Rio Pardinho, um pouco ao sul da foz do
Sinimbu, e deflexionando para o Sul, atingiria Jesus-Maria In-
dicado está esse caminho, já bastante trilhado pelos índios e por
onde a «Junta de Feiticeiros» de Piraiubi, em 1635, tentou assal-
tar Jesus-Maria. 50)
Diz o P. Mola e confirma o P. Boroa que a distância de Je-
sus-Maria ao rio Taquari, em que estavam as paliçadas dos ma-
malucos, seria de 12 a 14 léguas, o que confirma o cálculo actual,
tomando a légua de 17 VL> ao grau.
49) Ânua do P. Boroa — B. N. Mss., I, 29. 1. 66. Idem ibid. Mss.
I, 29, 1. 69.
50) Relación de lo sucedido — Mss. B. N. I. 29. 1. 55. Junta de feiti-
ceiros, pág. 76.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
147
Ficaram com os cativos de Taquari «alguns portugueses», tu-
pis e índios amigos, sob o comando de um dos bandeirantes, possi-
velmente, do próprio capitão Diogo de Melo. Um mês depois de
ter Tavares partido com a bandeira para assaltar as reduções, em
princípios de Janeiro, souberam os cativos, nas paliçadas, que os
«índios cristãos se estavam reunindo para cair sobre os bandei-
rantes», e isto deu origem a uma revolta. «Uns índios infiéis»,
diz o P. Boroa, 51) «lhe mataram alguns de outra paliçada que
haviam deixado no Rio Taquari, 12 a 14 léguas, e recebendo avi-
so os que nos tinham como cercados, desse mau sucesso, procura-
ram retirar-se.» E, em outra Carta Ânua, diz que teve «aviso,
embora não de todo certo, que a causa de se haverem retirado os
portugueses foi porque tiveram notícia de 'que os índios, que dei-
xaram cativos no Tibiquari, se haviam revoltado e morto os por-
tugueses que os guardavam, e que assim haviam ido auxiliá-los,
mas que haviam sabido que todos os índios infiéis daquela comar-
ca se convocavam contra eles e por isso trataram de fortalecer-se
e invernar no Tibiquari. 52)
A copiosa documentação jesuítica espanhola, só agora exu-
mada, dará, ao ciclo bandeirante do sul, um novo aspecto, em suas
revelações, às vezes, surpreendentes, de verdade flagrante que os
historiadores ignoravam ou, quiçá, não desejaram frisar, em seus
detalhes. E' o que iremos pouco a pouco desvendando, em home-
nagem aos próprios Jesuítas, protagonistas desta tragédia formi-
dável, que descrevem com verdade, possibilitando, assim, se des-
façam as lendas com que se cercaram a passiva desistência de uns
e a agressividade cruel de outros. Não nos podem negar a sim-
patia forte, alicerçada em fundas raízes, que consagramos à obra
emérita desses admiráveis condutores da civilização cristã, em ter-
ras sul-americanas ; mas, a verdade, que os dignifica, até quando
revela aspectos que outros historiadores não quiseram detalhar,
está acima de certas conveniências de ordem particular que o tem-
po já destruiu.
Veremos assim que a história da bandeira de Raposo Tavares,
51) Mss. B. N. I, 29, 1, 69.
52) Mss. B. N. I, 29,1, 66.
148 AURÉLIO PORTO
escrita por missionários insignes como Boroa, Tano e outros, é
muito diversa da que conhecemos através dos livros clássicos de
outros historiadores.
Sabendo da notícia de que os bandeirantes estavam no Ta-
quari, a 12 léguas de Jesus-Maria, os Padres António Ruiz de
Montoya, Superior Regional das Reduções e Pedro Romero que
deixara o superiorato e fora mandado para cura dessa redução,
em Novembro, «apressaram umas taipas, das quais não fez mais
que um rincão sem cubo algum, e o demais fez cercar mal de uns
paus.» 53) Em outro documento fala-se também na construção
de um forte que defendia um lanço da paliçada. Coube dirigir
essas obras de defesa ao Irmão António Bernal, já então com 60
anos e que fora veterano das guerras no Chile, especialmente vin-
do de Buenos Aires com o P. Diaz Tano para organizar a resis-
tência aos paulistas e industriar os índios no manejo das armas
de fogo ali existentes.
Foi no dia 1 de Dezembro de 1636, pela tarde, que os Padres
Pedro Romero e Pedro Mola e os Irmãos António Bernal e João
de Cárdenas, que estavam em Jesus Maria, quando «menos espe-
ravam» souberam «que o inimigo estava a duas léguas dali e nem
sabiam ainda que trazia tão grande exército.» 34 ) Coincide essa
distância com o capão de Bom Jesus, no rio Pardinho, nas proxi-
midades da actual cidade de Santa Cruz do Sul, onde teria acam-
pado a bandeira.
No dia seguinte, 2 de Dezembro, dia de São Francisco Xa-
vier, •"•"') estando a meia légua de distância, isto é, a 2 km e meio,
53) B. N. Mss. I. 29, 1, 69.
54) B. N. Mss. li 29, 1, 69.
55) Uma diferença de calendário induziu e está até hoje induzindo
a erro de datas aos nossos historiadores. Diz o P. Boroa que Raposo Ta-
vares chegou a Jesus-Maria em "2 de Dezembro, dia de São Francisco Xa-
vier", e em outra carta que diz haver terminado no "dia dos S. S. Cosme
e Damião", data de 26 de Setembro. Ora, no calendário moderno o dia
de São Francisco Xavier cai a 3 de Dezembro e o de São Cosme e Damião
a 27 de Setembro. Há, assim, um dia de diferença entre o calendário
onomástico do século XVII e o actual. Isto posto, explica-se porque his-
toriadores modernos, como o Padre L. G. Jaeger, (Inv. Bandei., 39) insis-
tem em asseverar que a data da chegada de Tavares a Jesus-Maria foi a
de 3 de Dezembro. Tem o documento, no catálogo Ângelis, a indicação
de I, 29, 1, 69, mas, em outra carta (I, 29, 1, 66) sem referir o dia ono-
mástico, o próprio Prov. P. Boroa diz que "a los 2 de Dieiembre dei ano
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 149
já transposto o Rio Pardo, em cuja margem direita ficava Jesus
Maria, pelas 8 horas da manhã, mandou Raposo Tavares aos Pa-
dres um parlamentado, com carta de sua autoria, dizendo-lhes
«que vinha procurar comida para seu exército, que eles o recebes-
sem em paz.» Nada, porém, responderam os Padres e, não sa-
bendo «que eram tantos», julgaram poder resistir-lhes. Mas, não
furtemos ao precioso documento o seu sabor original e inédito
de que os historiadores jesuítas e outros até hoje nos privaram,
para que melhor se possa ajuizar do ciclo do bandeirismo no sul.
Diz textualmente a Ânua original e autografa do P. Diogo de Bo-
roa, datada de Santa Fé, Abril de 1637, vertida fielmente ao por-
tuguês: -
«A Redução já* tinha ali, por matrícula, com chácaras, mais
de mil e seiscentos índios; porém, sendo povoado novo, .e véspera
de colheita, quando a fome costuma ser grande, quase todos fora
de 200, estavam ausentes, buscando que comer, em seus povoa-
dos antigos, e pelos matos e rios.
de 636, por la mariana llegaron (os portugueses) a vista de la Reducción
de Jesus-Maria" etc. Diz o historiador citado que "esta batalha", isto é
o ataque a Jesus-Maria, "não se travou no dia 3 de Dezembro de 1637, co-
mo quer Teschauer, seguindo nisso a Montoya, e sim no dia 3 de Dezem-
bro de 1636, como revela claramente uma carta escrita por Boroa em 4
de Março de 1637, citada por A. Porto em Terra Farroupilha (I, 62)
(P. Jaeger — Inv. 39, 2*). Aliás, o que se diz aí é que "np dia 2 de De-
zembro (não 3 como ocorre na citação) de 1636 chegaram pela manhã",
etc. Como se vê, houve também erro de um ano (1637 por 1636) na
Kist. de Teschauer. "Esse erro de data do provecto historiador deu ori-
gem à duvida quanto à identificação da bandeira de Raposo Tavares fei-
ta por Alfredo Ellis que, no entanto, jogando com os dados oficiais, pro-
curou rectificar a data de Teschauer, o que fez também outro notável
mestre, o douto Basílio de Magalhães. Mas, Taunay, apreciando Ellis,
comenta: "Não nos parece a ilação decisiva. Pensa Basílio de Maga-
lhães, aliás como Ellis. Há, em primeiro lugar, a divergência considerá-
vel de milésimos; o assalto de Jesus-Maria, para Teschauer, foi em 1637,
para Ellis um ano antes, exactamente. Em todo o caso, a referência do
inventário de Pasqual Neto (Inv. e Test. XI, 143) a Jesus-Maria de Ibiti-
caraíba, sertão dos índios araxãs tem p máximo relevo indiciai. E há
ainda as indicações das datas dos documentos bandeirantes do sertão. E'
preciso lembrar por espírito de equidade que o próprio Teschauer anota
sobre a dificuldade de se ter um fio cronológico seguro para os aconteci-
mentos rio-grandenses daquele tempo" (A. Taunay — Hist. Ger. das Ban-
deiras, I, 236. Terra Farroupilha 1,62.)
Observação: Foi o Papa Alexandre VII que transferiu a festa de São
Francisco Xavin, em 18-VII-1663, de dois de Dezembro para o dia três do
mesmo mês. Daí o equívoco a que se refere o Autor. (•« -r\ •<-¥)
150
AURÉLIO PORTO
Os 200 com as suas mulheres e outros 100 que vieram de São
Cristóvão e SanfAna, que estavam próximos, com que fizeram
300, se meteram naquela cerca da casa dos Padres e a Igreja; e,
estando ali os Padres Pedro Romero e Pedro Mola e os Irmãos
António Bernal e João de Cárdenas, a dois de Dezembro, dia de
nosso Padre S. Francisco Xavier, lá pelas oito da manhã, enviou
de meia légua dali António Raposo Tavares, capitão dos Portu-
gueses, o mesmo homem que destruiu as Reduções do Guairá, uma
carta aos Padres com um índio livre e descomedido,, e no fim dela
dizia que vinha por comida para o seu exército, què o recebessem
em paz. Ao que não lhes responderam nada os Padres. 5,i) E
ele. marchando com o seu exército, com caixa e trombeta -de guer-
ra e bandeira desfraldada, ao som de guerra, se pôs sobre a Re-
dução e casa dos Padres, e seus soldados começaram a disparar
os seus arcabuzes, e alguns índios que se recolhiam à casa dos
Padres e à igreja, e o Irmão António, com alguns tiros os ia am-
parando dos que lhes tiravam afim de afastá-los dali; e eles apro-
ximando-se mais iam impelindo e matando índios dos do cerco que
os Irmãos e outros dois índios defendiam com grande valor der-
rubando também dos seus em defesa natural.» 57)
Como se evidencia da própria documentação, os Padres de
Jesus-Maria não foram apanhados de surpresa, pois Raposo Tava-
res, antes de aparecer frente à redução, os concitara, em carta, a
«recebê-los em paz», porque vinha «por comida para o seu exér-
cito.» Seria sincero o bandeirante, que vinha com essa força ar-
mada? E' bem possível que. entrando em negociações, conseguis-
sem os Jesuítas pelo menos atenuar o golpe terrível que seria des-
carregado sobre a cabeça dos catecúmenos cristãos. Nessa oca-
sião já milhares de índios infiéis, aderentes ou cativos, desde
Caamo até Taiaçuapé, sobrecarregavam a bandeira, nas paliçadas
que atrás ficavam. Foi, talvez, a veterana belicosidade do Irmão
56) Nos outros documentos não existem referências a essa carta de
Raposo Tavares. Mas. em 1641. o capitão Manuel Pérez. em Mbororé,
na carta que dirige aos Padres faz alusão a ela quando se refere à res-
posta que espera, "e não seja a que se deu a António Raposo Tavares, em
Jesus-Maria. e V. Pes. muito bem sabem o que disso resultou, o que en-
tendo não farão V. Pes.". B. N. I. 29, 1, 93.
57) Ânua P. Boroa — B. N. Mss. I, 29, 1, 69.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 151
Bernal, recebendo à bala a bandeira paulista, que precipitou a
sanha dos mamalucos. Refere o P. Boroa, em sua Ânua de 4 de
Março de 1637, que, em um «posto da redução encontrou uma
índia que estava agonizando» e não podia falar, mas, «havendo-lhe
dado uma pouca de água misturada com vinho, falou e disse que
era Cristã e que os Portugueses a haviam capturado por engano
e lhe levavam sua mãe e irmãos cativos, e a ela tinham deixado
naquele sumo desamparo.» 58) A afirmação do austero superior
dos Jesuítas presta-se à interpretação que não condiz com outras
referidas, mas que convém registrar em honra da verdade.
Terminada a refrega, que foi dura, ficaram em poder dos
bandeirantes muitos índios cristãos, entre os quais os moços «que
serviam aos Padres» e a mulher do capitão António, cacique prin-
cipal de Jesus-Maria. O P. Romero «tratou com o capitão [Ra-
poso Tavares | » de resgatar alguns cativos, «deram alguns, porém
no principal intento, que foi o resgate da mulher do capitão [An-
tónio] foram fementidos, pois tendo-a apanhado no seu próprio
Povo, de quem era capitão o seu marido e cacique muito principal,
e recebido um resgate muito grande, por fim não a quiseram dar,
e desta maneira levaram muitas mulheres cristãs casadas.» 59)
Houve, porém, da parte dos mamalucos alguns gestos de piedade
cristã. Padres, irmãos e índios, depois de cinco horas de comba-
te, vencidos, cansados e feridos, ficaram expostos ao rigor do sol
«sem casa porque eles se haviam queimado junto com a igreja e
sem alguém que lhes desse um jarro de água, porque eles tinham
cativado e morto até os rapazes que lhes serviam, nem ainda quem
se compadecesse deles, antes, com corações de serpentes, estavam
ferindo com as línguas aos que haviam ferido com as mãos, car-
regando-os de afrontas e opróbrios até que finalmente aquele dia
ou no seguinte um, menos cruel, lhes fez fazer chocinha em que
se recolheram.» etc. 60 )
As Ânuas originais do P. Boroa, que refletem ainda a im-
pressão dos primeiros momentos, e o carácter austero do Jesuíta,
58) Ânua P. Boroa — B. N. Mss. I, 29. 1. 66.
59) Mss. B. N. I, 29, 1, 69.
60) Mss. B. N. I, 29. 1, 69.
152
AURÉLIO PORTO
sobre as quais, exclusivamente, baseamos a relação dos aconteci-
mentos, divergem, em parte, dos autores conhecidos, desde Mon-
toya, no que se refere ao ataque a Jesus-Maria, e ao excesso de
crueldade, «Espadas, machadinhas e alfanges que derribavam ca-
beças, truncavam braços, desjarreteavam pernas, atravessavam
corpos» etc. 61), dos índios que fugiam do fogo pelo buraco que
abriram os mamalucos na parede do templo «para dar um escape
aos que iam morrer abrasados.» A história é mais simples, se
bem que desumana. Vendo os Padres que a igreja se abrasava e
os índios, mulheres e crianças que ali estavam iam morrer quei-
mados, e mesmo, «não podendo já os Irmãos disparar os arcabu-
zes, por estar dessangrados e haver tanto que durava o combate,
pediram pazes 62), e «em fim, levantando um lenço um Padre, lhes
disse que olhassem se eram Cristãos, que bastava já e viesse paz,
deram-lhe e foi a de Judas, porque capturaram e mataram a mui-
tos daqueles pobres e suas mulheres, etc». ,í:í)
Atendo-nos da melhor forma possível aos documentos que
compulsamos, com toda a isenção de ânimo, procuremos fazer a
súmula desses acontecimentos dolorosos que, vistos hoje, à dis-
tância desses tempos bárbaros, avultam em desumanidade.
Quando a bandeira de Raposo Tavares, pelas oito horas da
manhã do dia 2 de Dezembro de 1636 chegou à vista da redução
de Jesus-Maria, encontrou-a transformada em uma praça de guer-
ra. Cobrindo-a, por um dos flancos acessíveis, havia uma mura-
lha de taipas, terminando por um forte. «Vendo os Padres e Ir-
mãos que estavam cercados, e que os portugueses e tupis pegavam
de suas armas, disparando seus arcabuzes, e atirando suas flechas,
começaram a defender-se, animando os índios que estavam em sua
companhia e defendendo-os com alguns mosquetes que atiravam os
Padres e Irmãos e dois ou três índios que entendiam alguma coisa
disto. Não se atreveram os portugueses e tupis a acercar-se mui-
to da casa e cerca dos Padres.» 64 Coube a um índio defender
uma parede do forte e o fez com tanta valentia com um mosque-
61) Montoya. Conquista Espiritual, 280. Jaeger — Inv. 38, 1*.
62) Mss. B. N. I, 29, 1, 66.
63) Mss. B. N. I, 29, 1, 69.
64) Mss. B. N. I, 29, 1, 66.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 153
te, que espantava. Achava-se entre as índias que se recolheram
à igreja uma de ânimo varonil que saía de quando em quando para
animar aos índios e não se satisfazendo seu ânimo e valor em so-
mente animá-los com palavras, fê-lo com a acção, pois tomou uma
camiseta de um índio e pondo-a sobre o vestido, armada de uma
lança, e vendo que um tupi queria entrar pela porta do forte, de-
fendeu-a a lançadas, e tantas lhe deu que, o deixou ali por morto;
depois correndo a uma e outra parte do forte, onde supunha ha-
ver perigo, avisava a uns e outros sobre a pontaria que o inimigo
lhes fazia, e resistia aos que procuravam se aproximar.
Estes e outros actos heróicos levaram o Padre Superior a no-
tar «que era tanto o ânimo com que se defendiam, que não pare-
ciam senão soldados veteranos e experimentados em semelhantes
encontros, animando-se uns aos outros sem fazer caso da multidão
do inimigo, nem do sangue que derramavam das feridas recebidas,
mas, pelo contrário, isto mesmo lhes dava mais ânimo e brio». E
teve ainda por milagroso o facto de «haverem podido sustentar o
combate quatro religiosos somente, cerca de cinco horas (pois os
demais pouco faziam) » e «não se deve ter por menos maravilhoso
o não terem morrido, sendo tantos os tiros de mosquetes e arca-
buzes e tanta a flecharia, que apenas descobertos em uma ou ou-
tra parte em que eram vistos, eram logo alvos de seis ou sete dos
inimigos.» 65)
Forte e tenaz a resistência que encontraram os bandeirantes.
Ao primeiro ataque, mulheres, crianças e alguns índios não com-
batentes refugiaram-se na igreja, que era coberta de palha e pare-
des de taipa, enquanto os Padres, Irmãos e índios de guerra, ar-
mados de arcabuzes, flechas e tacapes, se abrigavam na muralha
e forte, feitos de «boas taipas», a que se seguiam cercas de paus
muito delgados. Alguns retardatários procuravam refugiar-se na
igreja e casa dos Padres, sendo alvos dos primeiros disparos dos
assaltantes. E o Irmão António, com alguns tiros, os ia ampa-
rando e matando alguns contrários «em defesa natural». En-
quanto se desenrolava a batalha, os que estavam na igreja, era
altas vozes rezavam as suas orações. 66 )
65) Mss. B. N. t, 29, 1, 66.
66) Mss. B. N. I, 29, 1. 69.
154
AURÉLIO PORTO
Ao iniciar-se a peleja recebeu o Irmão António Bernal um fe-
rimento de bala* no dedo mínimo da mão esquerda, tendo o projéctil
atingido o estômago sobre a imagem da Puríssima Conceição de
Nossa Senhora,^ de que lhe ficou o sinal, fazendo-o deitar algumas
golfadas de sangue. «Pouco depois levava o Irmão Cárdenas ou-
tro balaço, não menos milagroso que o anterior, pois a bala, pas-
sando pelo peito do lado esquerdo para o direito, rompeu a sotai-
na sem tocar o colete até encontrar o braço direito que passou de
parte a parte». Outro balaço recebeu o mesmo Irmão, de que fi-
cou o sinal, sem o ferir. O P. Rcniero foi quase atingido por uma
bala que lhe passou junto ao rosto, e foi matar um rapaz que es-
tava a seus pés. E P. Mola teve a cabeça ferida por uma bala
pequena de chumbo, que se alojou entre o couro e o casco.
«Vendo os portugueses a resistência que se lhes opunha, e o
valor com que os Padres e Irmãos defendiam sua gente e embora
aqueles fizessem destroço e matassem muitos dos que estavam
dentro da cerca, casa e igreja dos Padres, e que não estavam tão
a salvo que não houvessem perdido já muitos dos seus índios e
alguns portugueses com as balas e flechas dos nossos, puseram
fogo por duas vezes à igreja, arrojando-o nas flechas, e pela se-
gunda vez que o fizeram conseguiram abrasar a igreja e a casa
dos Padres, de que se salvaram poucas coisas, causando confusão
as lamentações da chusma, calor do dia e fogo, flechas e balas que
choviam no cerco.» fiT)
Cinco horas durava a refrega e foi quando os Padres capitu-
laram, erguendo um pano branco e pedindo paz, suspendendo logo
os bandeirantes o ataque que já lhes custara, segundo o P. Boroa,
a vida de cinco paulistas e muitos feridos, inclusive 50 tupis que
«nesta refrega caíram».
Não constam dos documentos paulistas (Inv. e Test.) os no-
mes desses cinco bandeirantes mortos e, somente, o de Pasqual
Neto, que aí deve ter sido ferido, pois no dia 9 desse mês fazia,
em Jesus-Maria de Ibiticaraíba, um codicílo a testamento anterior
e já era falecido a 20, quando se procedeu a leilão de seus bens.
67) Mss. B. N. I, 29. 1, 6G.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
155
Os Jesuítas não nos dão também o número de seus feridos e mor-
tos, poucos, aliás, excluindo a lenda da chacina não referida.
A igreja foi destruída pelo incêndio ao meio-dia, e, tendo
os Padres capitulado, sem condições, uma hora depois entrava An-
tónio Raposo Tavares, à frente de sua bandeira no povoado lo-
calizando a sua força nas paliçadas e forte que ali encontrou e que,
mais tarde, ainda reforçou com outras defesas. Os Padres e Ir-
mãos ficaram presos sob palavra, podendo, no entanto, locomo-
ver-se. E tanto assim que, «embora os Padres ficassem bem can-
sados e moídos e os Irmãos feridos e fracos com o sangue que ha-
viam derramado dos ferimentos, tendo-lhes dado permissão aque-
les cruéis tiranos, depois de tê-los afrontado com palavras inju-
riosas, saíram para enterrar os corpos dos mortos que havia por
ali, ocupando-se com isto o P. Pedro Romero e os Irmãos (Antó-
nio Bernal e João de Cárdenas), e o P. Pedro de Mola foi pelo
campo em vbusca dos feridos dos próprios inimigos, confessando
os cristãos e baptizando os infiéis que haviam trazido em seu au-
xílio, sem fazer caso do trabalho passado nem das feridas que ti-
nha. es) Alguns moços, catequistas e ajudantes dos Padres, iam
também pelos banhados ajudar índios enfermos, cativados pelos
bandeirantes, a bem morrer.
Entrando na redução, os paulistas saquearam parte das al-
faias e, abrindo «uma caixa dos Padres, tiraram dela alguns pa-
péis e um de muita importância, fizeram em pedaços o livro de
baptismos e casamentos, de que ficaram só uns cadernos. Mais
tarde devolveram algumas coisas, outras não.» tt9)
Ao terceiro dia da detenção dos Padres (5 de Dezembro),
depois de pôr a salvo em SanfAna parte de sua gente, apareceu
em Jesus-Maria, em socorro aos Padres, o P. João Agostinho de
Contreras, cura de São Cristóvão, redução que ficava sobre o Rio
Pardo, cerca de 17 km de Jesus-Maria. Já conhecia o P. Contre-
ras o chefe Raposo Tavares, com quem anos antes, no Guairá, ti-
vera contacto em defesa de índios apresados. Ou porque atendes-
se às solicitações do P. Contreras, ou, o que é mais certo, segundo
68) B. N. Mss. I, 29, 7, 29.
69) Mss. B. N. I, 29, 1, 66.
156
AURÉLIO PORTO
referem os documentos «para ter ocasião e lugar de destruir a re-
dução de São Cristóvão», ao quarto dia de detenção (6 de Dezem-
bro) consentiu Tavares que os Padres e Irmãos se retirassem para
outras reduções.
Mas, no dia anterior, coincidindo com a chegada do P. Con-
treras despachou o chefe bandeirante um força para São Cristó-
vão, onde cativou vários índios que andavam escondidos pelos ma-
tos, os moços que serviam na igreja e apreendeu muitos objectos
da casa, inclusive um pano de cor de grande valor, bem como pro-
dutos das lavouras e «umas vaquinhas» que mataram.
A instância do P. Contreras consentiu Tavares o acompanhas-
sem um ou dois dos catequistas que haviam sido presos 'com os
quais o Padre se retirou para SanfAna, onde já estavam o P. Ro-
mero e seus companheiros. Deixava aquilo «deserto e os portu-
gueses senhores daquela redução e suas chácaras, como eram já
da de Jesus-Maria, de onde saltavam a correr a terra e cativar os ín-
dios das reduções que andavam foragidos pelos matos.» "")
Ampliando o seu raio de acção, de Jesus-Maria. onde fizeram
outras paliçadas em que eram concentrados os índios cativos na
região, os bandeirantes mandaram destacamentos em todas as di-
recções. São Joaquim, que ficava ao norte de Jesus-Maria, e don-
de os Padres já haviam retirado os habitantes, recebeu também
a importuna visita.
Concentraram-se em SanfAna, que ficava à margem esquer-
da do Jacuí, os índios e Padres das reduções atacadas pelos pau-
listas. Em 15 dias puderam os Padres e Irmãos organizar um
exército superior a 1.600 homens de guerra com o qual julgaram
opor resistência a Raposo, que assentara o seu real em Jesus-Ma-
ria, dominando assim as reduções da Serra. Poucos dias antes
do Natal moveu-se o exército dos neófitos e tomou posição na re-
dução de São Cristóvão, que ficava a três léguas de SanfAna
(cerca de 17 km).
E' o P. Boroa quem descreve a acção: «sentiram tanto os
portugueses que estes pobres índios se juntassem para defender
suas terras e Povos, como se a eles tirassem suas povoações de
70) Mss. B. N. t 29. 1. 66.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 157
Portugal ou Brasil, que saíram de sua paliçada ou fortaleza, com
bandeira e caixa, como haviam acometido a redução de Jesus-Ma-
ria, para destruir São Cristóvão, que invadiram hostilmente, no
dia santo de Natal. Mas, os índios serranos brigaram com tanto
valor que, por duas vezes, rechaçaram os inimigos e, depois de
pelejar quatro horas e meia, já estando uns e outros cansados, ao
cair da noite, ficaram eles em pior posição, e se os nossos tives-
sem umas duas dezenas de espanhóis, que interviessem com suas
escopetas, ou lhes viesse um refresco de mais 300 índios, não fica-
ria deles quem desse notícia.» 71 )
à noite, destroçados os índios, que ali deixaram perto de 20
mortos e grande número de feridos, sob as ordens dos Padres e do
Irmão António «que somente assistiram à peleja, encomendando-os
a Nosso Padre [Santo Inácio], retiraram-se para SanfAna, onde
ficara o P. José Orégio, a fim de tratar dos feridos que levavam.
Os paulistas, que haviam poupado a igreja de São Cristóvão,
«que era mui linda, toda caiada», queimaram-na juntamente com
dos Padres, destruindo, assim, a redução. Em seguida re-
tiraram-se para Jesus-Maria.
Em face da insegurança que oferecia agora a redução de
SanfAna, o P. António Ruiz de Montoya, Provincial, que ali che-
gara, resolveu, com o parecer unânime dos Padres, se retirasse o
povo para Natividade, quatro léguas adiante, isto éf mais ou me-
nos 23,5 km, e a qual ficava à margem direita do Igaí (Jacuí),
barreira natural, pela dificuldade de o transpor. Até aí, porém,
chegavam as incursões de destacamentos da bandeira que se trans-
portou para SanfAna, onde levantou sua fronteira de guerra. Ca-
tivou Raposo Tavares muita gente que por amor de suas chácaras
ali ficara, e fez larga provisão para reabastecer o seu exército.
Em fins de Janeiro chegou a Natividade o P. Superior Diogo
de Boroa com o P. Diogo de Alfaro, que substituiria como Provin-
cial o P. Ruiz. Este, o P. Romero e muitos outros, que ali se
haviam reunido, organizaram a defesa da redução, porque era voz
corrente que Tavares se dispunha também a atacar Natividade.
Ao quarto dia da chegada do Superior um índio, que conseguira
71) Mss. B. N. I, 29, 1, 69.
158
AURÉLIO PORTO
fugir do real de Tavares, levou a Natividade a notícia de que os
bandeirantes se dispunham a abandonar as reduções da Serra. Jul-
garam os Jesuítas fosse a nova um estratagema de guerra, para
colhê-los desprevenidos. Outros informes logo confirmaram a
exactidão da notícia. Quatro dias depois, quando à frente de
uma força considerável de índios, o P. Boroa passava o Jacuí, sou-
be que os paulistas haviam abandonado SanfAna e apressadamen-
te estavam saindo de Jesus-Maria, em direcção ao rio Taquari.
Novas informações precisavam a causa da rápida retirada do ini-
migo. Os índios infiéis que haviam deixado em duas paliçadas
no Rio Taquari, a 12 ou 14 léguas de Jesus-Maria, tinham-se re-
voltado e morto alguns portugueses que os guardavam. Os ban-
deirantes procuravam fortalecer-se naquela região do Taquari,
onde estabeleceriam seus quartéis de inverno.
à frente de seu exército de catecúmenos, forte de - 1.500 ho-
mens de guerra, o P. Boroa percorreu as reduções destruídas, se-
pultando mortos e socorrendo os feridos que encontrou. Foi a
SanfAna. São Cristóvão, Jesus-Maria e São Joaquim, encontrando
por toda parte a destruição e a morte.
Havia pedido, anteriormente, socorro às autoridades espanho-
las que não só deixaram de atender, como levantaram calúnias
contra a Companhia de Jesus. E, assim, «parece acertado tomar
o exemplo que nos deram os novos cristãos de Jesus-Maria, pois,
vendo o perigo em que estavam, quando começou a arder a igreja,
todos em coro começaram a rezar o padre-nosso, como pedindo so-
corro ao céu, pois não o tinham da terra, e assim peço a V. R. P.
e aos meus caríssimos Irmãos que me ajudem em suas orações e
sacrifícios a fim de alcançar de Nosso Senhor o remédio para tan-
tos males, que não se pode esperar da terra, para que não se per-
cam tão gloriosos e apostólicos trabalhos.» 7 '-')
Um ano exacto esteve a bandeira de Raposo Tavares no ser-
tão, sendo os últimos quatro meses em suas paliçadas no Rio Ta-
quari, pois a 20 de Junho, Pêro Leme, o moço, apresentou em car-
tório, na vila de São Paulo, o inventário de Pascoal Neto, morto
em Jesus-Maria, onde ele próprio o fizera como «escrivão do ar-
72) Mss. B. N. I. 29. 1. 66.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 159
raiai». Por este inventário e pelo de Brás Gonçalves, o velho, se
pode organizar a nominata de mais de 30 paulistas componentes
da bandeira de Raposo Tavares. Além dos dois inventariados, do
capitão e do locotenente da bandeira, António Raposo Tavares e
Diogo Coutinho de Melo, conhecem-se mais os ali referidos:
Alberto de Oliveira, António Faria Albernaz, António Pedroso
de Freitas, Baltasar de Godói, Baltasar Gonçalves Vidal, Do-
mingos Borges Cerqueira, Duarte Borges, Estêvão Fernandes, o
moço, Fernando de Godói, Francisco de Chaves, Gaspar Maciel
Aranha, Gaspar Vaz Madeira, Jerónimo Rodrigues, José de Ca-
margo, João de Godói, João Maciel Bassão, João Machado, João
Nunes Bicudo, João Rodrigues Bejarano, Luís Feio, Mateus Neto,
Miguel Nunes, Paulo Pereira, Pascoal Leite, Pêro Leme, Rafael
de Oliveira, o moço, Simeão da Costa, aos quais se pode acrescentar
Brás Estêves, grande sertanista, «que esteve também no assalto
a Jesus-Maria», T;) o que confirma a observação do autor do
Bandeirismo que conseguiu encontrar, entre os numerosos índios
de que se compunha a bandeira, oito pertencentes a Brás Estêves
Leme, tio de Pêro Leme, o moço, da lista supra».
4. Bandeira de André Fernandes.
Aberta a porta do Tape e Uruguai às incursões bandeirantes
que se sucedem quase ininterruptamente, logo se aprestam, em
São Paulo, novas expedições que demandam o Sul. A segunda
bandeira que penetra o território rio-grandense, surdindo pelo
Caamõ (campos da Vacaria) e atravessando o Caágua (Cima da
Serra) em Maio de 1637 já estava sediada no Taquari, como se
depreende do inventário de Gaspar Fernandes (2& de Maio), de
João Preto (8 de Junho) e de Manuel Preto, o moço, de 2 de Ju-
lho deste ano.
Teve dela noticia o P. Pedro de Elgueta, Vice-Reitor do Colé-
gio de Buenos Aires, pois lhe avisaram do Rio de Janeiro que «são
trezentos os portugueses que entraram de São Paulo sem muitos
outros que de toda aquela costa saíam de novo em barcos a sa-
73) B. N. Mss. I, 29. 2, 53.
História das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte (i
160
AURÉLIO PORTO
quear e destruir as ditas reduções.» 74) Em outro informe de D.
Mendo de la Cueba, governador de Buenos Aires, datado de 20 de
Agosto de 1638, se diz que os portugueses de São Paulo e demais
costas do Brasil que haviam entrado eram em número de 370,
pouco mais ou menos, com grande quantidade de tupis, os quais,
divididos em várias tropas e bandeiras, investiam e destruíam a
ferro e fogo as reduções. 75) Diz Teschauer que eram 260 os
paulistas, «cifras certamente muito exageradas» comenta Ellis que
dá para a bandeira mais de uma centena de piratininganos. Como
veremos, os documentos de origem jesuítica dão para o contingen-
te que estava em Caaçapá-mini trinta paulistas, enquanto Teschauer
confirma que foram 260 os atacantes de Santa Teresa.
Diz o Dr. Ellis que foram organizadores desta bandeira «os
membros das famílias mais importantes de São Paulo, quais as dos
Buenos, dos Cunha Gagos e dos Pretos, irmãos, sobrinhos e filhos
do velho sertanista Manuel Preto, falecido em 1630, na luta contra
os jesuítas espanhóis do Guairá.» 7(;) Tinha ela como chefe o
capitão Francisco Bueno, irmão de Amador Bueno e como imedia-
to o capitão Jerónimo Bueno, seu irmão.
A relação de parte dos que a compunham, segundo os inven-
tários procedidos no sertão, é a seguinte:
João Preto, Manuel Preto, o moço, Gaspar Fernandes, Estêvão
Gonçalves, Capitão Francisco Bueno, cabo da tropa, seu irmão ca-
pitão Jerónimo Bueno (imediato) e seus sobrinhos Amador Bueno,
o moço, e António Bueno (filhos de Amador Bueno, o aclamado)
e Lázaro Bueno (não mencioando pelos linhagistas) , Henrique da
Cunha Gago, o moço, e seus irmãos Manuel da Cunha Gago, e
Francisco da Cunha, Manuel Preto, o moço, e seu tio João Preto
e seu primo Gaspar Fernandes Preto, Domingos Garcia, Miguel
Garcia Rodrigues, Baltasar Gonçalves Málio e seu filho Estêvão
Gonçalves, João Pais Málio, António Ferreira Málio, Gregório Fer-
reira, Francisco de Siqueira, António de Siqueira, Sebastião Men-
des, Diogo Aros, António Ribeiro, Bernardo da Mota, António Cor-
74) B. N. Mss. I, 29, 1, 86.
75) Mandado de D. Mendo de la Cueba. B. Aires, 20-VIH-1638. B. N.
Mss. 1, 29, 1, 90.
76) A. Ellis Júnior. O Bandeirismo Paulista cit. 87.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 161
deiro Porto, Pero Vidal, António Botelho, João Fernandes e Antó-
nio Dias Carneiro. 7T)
Pelos documentos jesuíticos referentes a essa bandeira, adian-
te insertos, podem-se acrescentar à lista mais seis nomes além dos
de Jerónimo Bueno e um dos Pretos (fulano?) que deles constam.
São os de André Fernandes, cabo da tropa que destruiu Santa Te-
resa; capitão António Pedroso, capitão Domingos Álvares, capitão
Francisco de Paiva, capitão João Raposo, capitão" Jerónimo Bue-
no um dos Pretos (fulano?) e Baltasar Gonçalves.
Perfeitamente identificada pelo ilustre historiador paulista,
essa bandeira deveria ter saído de São Paulo em princípios de
1637, e, no sertão do Rio Taquari, teria morrido o bandeirante Gas-
par Fernandes, em 26 de Maio. Em Junho e Julho se procedem
aos inventários de João e Manuel Preto, o moço, mortos também
no sertão do Taquari.
Estabelece aí os seus quartéis de inverno, aproveitando, pro-
vàvelmente, as paliçadas construídas pela tropa de Raposo Tava-
res que, nessa época, estaria de regresso a São Paulo. Percorre
a bandeira o mesmo itinerário do desbravador de Ibiaça e Tape, isto
é, Caamo e Caágua, que assola, levando cativos para o Taquari
grande número de índios apresados nessas regiões.
Mas, só em fins dêsse ano de 37, depois de transposto o Ta-
quari, aparecem nas antigas reduções do Tape. E' certo, porém,
que uma grande parte, conduzindo a preia, aliás volumosa, da pro-
víncia de Ibiaça, haja tornado a São Paulo, onde aparecem em 1638
alguns componentes dela, como Amador e António Bueno, que ali
se casam nesse ano.
A outra parte, que depois se divide em duas colunas, tendo
como chefes os capitães Jerónimo Bueno e André Fernandes, se
dirige para a redução de Santa Teresa, onde se separa, seguindo a
tropa comandada pelo cap. Jerónimo Bueno para as reduções do
Ijuí.
Não resta dúvida de que, transposto o Rio Taquari, essa ban-
deira já tinha como cabo principal o capitão André Fernandes, que
substituiria o capitão Francisco Bueno, morto no sertão, em 1637,
77) Inv. e Tést. de S. Paulo, ap. Ellis. 87.
G*
162
AURÉLIO PORTO
a cujo inventário só foi procedido em 1639, «por razão de se es-
perar pelo testamento do defunto pelo trazer seu irmão Jerónimo
Bueno e até agora não é chegado nem novas dele.» 7S) Todos os
documentos de origem jesuítico-espanhola o atestam, embora a
esse bandeirante não se refiram as peças arquivais paulistas. E
a prova de que a bandeira era a mesma que saiu de São Paulo, sob
o comando do capitão Francisco Bueno, está no facto de juntarem
os Jesuítas aos nomes de André Fernandes, e outros notáveis pró-
ceres piratininganos, o de Jerónimo Bueno, assinalado nas paliça-
das de Caaçapá-mini.
Em carta de 4 de Janeiro de 1638, o P. Simão Maceta, que
está em Corrientes, pede socorros ao governador de Buenos Aires
dizendo «que o padre comissário (Diogo de Alfáro), por duas ou
três cartas suas, datadas das reduções do Tape e Caró, me man-
dou viesse a esta cidade e pedisse, suplicasse e requeresse a V. M.,
dando-lhe relação como os portugueses haviam entrado pelas di-
tas reduções do Tape, e por seu caudilho André Fernandes, com
ânimo de assolar todas aquelas reduções da província do Uruguai,
jurisdição deste governo e de facto destruíram a redução de Santa
Teresa» etc. 7!l) Em 19 de Fevereiro, em Caaçapá-mini, a pri-
meira pessoa referida na excomunhão notificada pelo P. Alfáro
aos paulistas é o capitão André Fernandes. s") E o mesmo se
diz na declaração de Ventura Diaz, feita perante as autoridades de
São Tomé, em 21 de Outubro de 1669. B1) Mas, a notificação
pessoal da excomunhão, levada à paliçada bandeirante, foi recebi-
da pelos capitães Francisco de Paiva, António Pedroso e João Ra-
poso, pois parece que o caudilho principal da bandeira, André Fer-
nandes, estaria ainda em Santa Teresa.
Foi no dia 23 de Dezembro de 1637, segundo Azara, ou véspe-
ra do Natal, como quer Teschauer, s'2) que o capitão André Fer-
nandes, à frente de sua tropa chegou à vista de Santa Teresa,
78) Inv. Test. IX, 35. Ellis — Banáeirismo, 93.
79) B) N. Mss. I, 29, 1, 69.
80) B. N. Mss. I, 29, 1, 83.
81) B. N. Mss. I, 29, 2, 53.
82) Diz o P. Jaeger que "parece ter sido no dia 18 de Dezembro".
As invasões — 46, 1'.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 163
magnífica povoação que tinha mais de 4.000 índios aldeados. Eram
curas da redução o P. Francisco Jiménez e P. João de Salas, cujos
trabalhos apostólicos tinham granjeado resultados dignos de nota.
Além dos catecúmenos antigos haviam afluído para Santa Tere-
sa, localizada nas pontas do Jacuí, proximidades da actual cidade
de Passo Fundo, inúmeras tribos que demoravam pela província
de Ibiaça, regiões de Caamo e litoral atlântico. Parece, também,
que à aproximação dos invasores muitas famílias, que ainda es-
tanciavam pelas proximidades de São Joaquim, houvessem ido pro-
curar refúgio naquela redução.
Sem opor resistência, entregaram-se os habitantes, que foram
logo mandados recolher às paliçadas construídas ali pela força de
André Fernandes. E aos Padres Jiménez e João de Salas deu o
chefe autorização de se retirarem, o que fizeram em seguida. Ao
chegarem os paulistas ao povoado, o P. Jiménez tinha escrito um
bilhete ao P. Palermo, que estava na redução dos Mártires de Caró,
dizendo «que os portugueses haviam dado sobre a redução de San-
ta Teresa, haviam-na destruído e que se acercavam da de Caaça-
pá-guaçu (Apóstolos), com o mesmo intento». Foi o P. Palermo
a Apóstolos, e «encontrou já muito reduzida a gente que ali esta-
va, e todos mui alvorotados, porque os portugueses já vinham per-
to, o que ocasionou a fuga de quase todos os índios dessa redução
e de outras. Perderam-se assim muitas alfaias, bens, além de ga-
dos maiores e menores. Depois disto, o P. Paulo Palermo, por or-
dem superior, juntamente com o P. Gaspar de Siqueira e Irmão
António Bernal, foi à redução de Santa Teresa para auxiliar os
Padres que ali estavam a trazer as suas coisas e, no caminho, lhes
saíram à frente seis ou sete portugueses com alguns tupis, todos
armados com alfanjes, rodelas, escupis e escopetas, com as quais
apontaram aos Padres e seus companheiros, no intuito de arcabu-
zá-los. Em seguida, tomaram-lhes os índios que os acompanha-
vam, maltrando-os com palavras, ferindo-os com os alfanjes e que-
rendo apossar-se das coisas que levavam para a viagem. A muito
custo, conseguiram livrar-se dos portugueses e, tendo caminhado
mais algum tempo, encontraram adiante os Padres Jiménez e João
de Salas, que vinham se retirando de Santa Teresa. E por eles
souberam que os mamalucos haviam destruído aquela redução e
164
AURÉLIO PORTO
cativado grande número de índios, obrigando-os a abandonar ali
mais de 500 cabeças de gado vacum, que havia na redução e
outras coisas de muito preço.» s;) O Irmão Bernal confirma
a declaração do P. Palermo, feita em 4 de Fevereiro de 1638. E
ambos informam que andavam com os portugueses que ataca-
ram as reduções, «desde Santa Teresa até Piratini», entre ou-
tros, André Fernandes, s4) Baltasar Fernandes, 85) fulano Pai-
va, 86) fulano Pedroso, S7) Domingos Álvares, 8S) e fulano Prie-
to. 8t)).
83) "Auto dei p.e Diego de Alfaro Com.9 dei/Santo Oficio sobre q'
informen los trabajos que pa/decen los indios en las imbaciones delos por-
tugueses/y informe q' da el p.e Pablo Palermo y el / hermano Antonio
Bernal fecha en/ 4 de febrero de 1638. B. N. Mss. I, 29, 1. 81. Original e
autógrafo.
84) O capitão André Fernandes não é referido nos documentos ofi-
ciais paulistas, desconhecendo-se até agora sua actuação como cabo dessa
bandeira, cujo comando assume, provavelmente, depois da morte de Fran-
cisco Bueno. Azevedo Marques (Apontamentos históricos etc. da Prov.
de S. Paulo, I, 14) nos dá notkia do insigne bandeirante. Paulista de
nascimento, filho de Manuel Fernandes Ramos e Suzana Dias, o capitão
André Fernandes foi o fundador de Parnaíba em fins do século XVI, ou
princípios do XVII. Fez várias entradas no sertão com seus indios para
descobrimento de metais, por ordem régia. Nada nos diz o cronista sobre
a bandeira que identificámos, mas refere que no testamento com que fa-
leceu sua mulhr D. Antónia de Oliveira, declarou que "as muitas pessoas
indígenas que estavam sob a administração do casal, tinham vindo espon-
taneamente do sertão, atraídas pelo bom tratamento que lhe dava seu
marido o capitão André Fernandes." Deixou de seu casamento um único
filho legítimo, o P. Francisco Fernandes de Oliveira, ordenado no Para-
guai, e que foi durante muitos anos vigário de Parnaíba. Além deste
teve mais seis filhos naturais que reconheceu.
85) Baltasar Fernandes, irmão de André Fernandes, foi o fundador
da cidade de Sorocaba, cuja primeira capela edificou à sua custa. Foi
homem de avultadas posses, em que se contavam 12 sesmarias, planta-
ções de algodão e trigo e mais de 400 índios a seu serviço. Foi casado
com D. Isabel de Proença, filha de António Castanho da Silva e de D. Fi-
lipa Gago, das principais famílias da terra e teve desse consórcio 12 fi-
lhos, dos quais três varões que foram os capitães Manuel e Luís Fernan-
des de Abreu e António Fernandes de Abreu. Morreu o capitão Baltasar
Fernandes em 1660, em Sorocaba. (Azev. Marques. Apont. cit. I, 43/44) .
86) Fulano Paiva — Em outro documento, o Auto de excomunhão,
do P. Alfaro, adiante referido (B. N. Mss. I, 29, 1, 83) encontra-se todo o
nome: Capitão Francisco de Paiva, que não consta também dos documen-
tos oficiais referentes à bandeira dos Buenos, não sendo por nós encon-
trado na Genealogia Paulistana, de Silva Leme. Diz o dr. J. P. Leite Cor-
deiro, em trabalho publicado no Diário Carioca, do Rio, O bandeirante
Domingos Cordeiro, que Francisco de Paiva "era provàvelmente filho de
Custódio de Paiva, que ficou em 1613 sob a tutela de Domingos Cordeiro."
87) Fulano Pedroso. Capitão António Pedroso, como se verifica de
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
165
Segundo Charlevoix, Techo e outros autores jesuítas, no dia
do Natal entraram na igreja os bandeirantes que, com velas na
mão, assistiram às três missas ditas pelo P. Francisco Jiménez, o
qual, subindo ao púlpito, exprobrou á injustiça e crueldade com
que eles tratavam os índios. Ouviram-no eles com calma e, finda
a prática, restituíram dois ajudantes de missa que haviam cati-
vado. Mas, apesar dos rogos dos Jesuítas, não consentiram em
libertar outros índios da redução.
Santa Teresa de los Pinales, ou Curiti, como a denomina o
P. Alfáro, estava em situação vantajosa para se tornar um inter-
posto de aprovisionamento de futuras bandeiras que demandas-
sem as doutrinas jesuíticas. Já então, aberto pelos índios, um
caminho a ligava a São Carlos do Caapi e outras aldeias cristãs
da bacia do Ijuí. Assinalada no mapa de Carafa, essa via de pe-
outra citação. E' António Pedroso de Barros, notável sertanista, que fa-
leceu em 1652 com testamento, e foi potentado pelo número de 600 índios
que tinha em suas fazendas (Geneal. 3", 444). Era filho do capitão-mor
governador Pedro Vaz de Barros e de sua mulher Luzia Leme, e neto ma-
terno de Fernão Dias Pais e de Lucrécia Leme.
88) Domingos Álvares — Capitão, da gente de prol de São Paulo, de
quem não encontramos mais referência.
89) Fulano Prieto — A família Preto singulariza-se pelas suas acti-
vidades como bandeirantes. Por várias vezes são os seus componentes
citados nestas páginas, e referidos em documentos jesuíticos. Têm ori-
gem em António Preto, natural de Portugal, que veio para São Vicente
em 1562. acompanhado de seus filhos João, José, Sebastião, Manuel, Ino-
cêncio e Domingos Preto, sendo alguns grandes preadores de índios. En-
tre estes: João Preto, solteiro, que morreu a 8 de Junho de 1637, fazendo
parte da bandeira de Raposo Tavares, no sertão do Rio Grande; Manuel
Preto, que foi um dos chefes da bandeira que assaltou as reduções do
Guairá, em companhia de seu irmão Sebastião Preto. Manuel Preto, o
moço, filho de Manuel Preto, fazia parte da bandeira de Raposo Tavares
e faleceu, em 2 de Julho de 1637, no sertão do Taquari (Cf. Inv. e Test.
cit.) Na bandeira em referência, além de João e Manuel Preto, havia um
outro, que é o referido na excomunhão do P. Alfáro. E ainda em 1656,
em companhia de Pasqual da Ribeira e Francisco Cordeiro um outro
Manuel Preto é preso pelos índios de Japeju quando, no território rio-gran-
dense, apresava índios, nas proximidades do Jacuí. Dos filhos de Domin-
gas Antunes, filha do tronco, que foi casada com Gaspar Fernandes, exer-
ceram actividades nas bandeiras do sul, onde encontraremos seus nomes,
Sebastião Fernandes, Inocêncio Fernandes e Gaspar Fernandes Preto. Re-
fere a Geneal. (8', 283) que um dos filhos de Inocêncio Preto, de nome
António Preto, "com- 38 anos em 1647, estava no sertão sem dar notícias
de si e não sabia se era vivo ou morto". Sebastião Preto e seu filho An-
tónio Preto tiveram também participação em bandeiras que se dirigiam
para o Sul.
166
AURÉLIO PORTO
netração entrava no Rio Grande do Sul, acima da foz do Ijuí, per-
to da redução de Assunção, continuava pelos actuais campos de
Santo Cristo (Caapi) e Santo. Ângelo, pela divisa de águas entre
Ijuí e Carandaí, atravessava o Campo do Meio e penetrava pelas
pontas do Uruguai em Santa Catarina, a sair no litoral acima do
rio Ti jucás. '•'")
Compreendeu o capitão André Fernandes a importância es-
tratégica da povoação. Não a destruiu, como dizem os Jesuítas,
mas organizou aí os seus quartéis de inverno, plantou roças, er-
gueu paliçadas e a ocupou definitivamente. Dois índios ali cati-
vados em pequenos, 30 anos depois, ao fugirem de São Paulo,
em 1669, informam perante o corregedor da São Francisco Xa-
vier, que «nos Pinhais, junto ao povo que foi de Santa Tesesa,
destruído por André Fernandes, e que não está muito distante
daqui, se havia fundado um povo de índios cujo cura era o filho
do dito André Fernandes, onde se juntavam os portugueses que
saíam de São Paulo para as malocas: ali se aviam de comida
e de todo o necessário para ida e volta.» 91)
O P. Francisco Fernandes de Oliveira, filho do cabo bandei-
rante, que ficou administrando Santa Teresa, havia sido pelo pai
confiado ao governador do Paraguai, D. Francisco de Céspedes,
cuja esposa, D. Vitória de Sá, fora para ali levada por André
Fernandes. Francisco havia-se ordenado naquela província. '•'-)
Terminada a ocupação de Santa Teresa, mandou o caudilho
André Fernandes que um destacamento de 30 a 40 paulistas, apoia-
do por mais de 1.000 tupis e índios amigos, fosse assolar as redu-
ções do Ijuí, cativando os cristãos ou infiéis que ali encontrasse.
Esse grupo parece teria por comandantes os sertanistas capitães
Francisco de Paiva e António Pedroso, se bem que outros pau-
listas de prol dele fizessem parte.
Em 4 de Janeiro, o P. Simão Maceta, já em Corrientes, diz
ter recebido três cartas do P. Alfáro, datadas do Tape e de Caró,
90) Rego Monteiro — As primeiras reduções jesuíticas, cit. — "Rev.
Inst. Hist. R. G. do Sul", V Trim. Ano XIX — 27.
91) B. N. Mss. — Declaración de los índios etc. 21-X1669 — I, 29, 2, 53.
92) Basilio de Magalhães — Expansão geográfica — 119. Cf. Taunay
— Hist. Geral das Bandeiras, 163.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
167
solicitando o socorro dos espanhóis. E um mês exacto de-
pois, 4 de Fevereiro, em sua declaração, ao voltar de Santa Te-
resa, o Irmão Bernal declarava que «sabia que os bandeirantes
que enumerava estavam na redução de Apóstolos.» 9 4 ) Tinham
já passado por São Carlos do Caapi, que ficava, aproximadamen-
te a 20 kms de Santa Teresa. Magnífica fora aí a preia de ín-
dios que, para não avolumar a bandeira, haviam sido remetidos
às paliçadas de Santa Teresa. Em Apóstolos, Caaçapá-guaçu, 15
léguas de 17 1 j ao grau, além de São Carlos, houveram também
considerável presa. Daí rumou o contingente para a redução des-
truída de Candelária, nos campos de Caaçapá-mini, onde ficou até
o fim do mês de Fevereiro, depois de ter feito incursões por Caró,
não constando, porém, que chegasse até São Nicolau. Localiza-
dos em Candelária, fortificaram-se os paulistas em grandes pali-
çadas, a que recolhiam os índios cativados na região. E nestas
paliçadas estiveram até fins de Fevereiro.
Neste meio tempo, dizem os historiadores, embora silenciem
os documentos que temos em mão, o P. Diogo de Alfaro, que pes-
soalmente fora ao encontro dos bandeirantes, teria organizado um
exército de catecúmenos, forte de 1.500 combatentes, «que resis-
tiram desesperadamente, «até que, dada a superioridade numéri-
ca dos mamalucos foram postos em fuga.» Logo depois foi or-
ganizado um outro exército de 1.300 índios cristãos que «resisti-
ram no começo com vantagem aos bandeirantes, mas assustados
novamente debandaram até o povoado de Caró ao qual pegaram
fogo.» 95) Certo, é, porém, o auxílio espanhol de 11 soldados
que, sob o comando do mestre de campo D. Gabriel Insaurralde,
por ordem de D. Mendo de la Cueva e Benavidez, governador do
Rio da Prata, Uruguai, Tape e Ibiaça, acudiu ao apelo reiterado
do P. Simão Maceta, em Corrientes.
Chegaram os soldados espanhóis alguns dias antes da reti-
rada que fizeram os mamalucos, levando consigo, sem serem mo-
lestados, a chusma de cativos que tinham em suas paliçadas. Em
93) B. N. Mss. I, 29, 1, 79.
94) B. N. Mss. I. 29, 1, 81.
95 ) L. G. Jaeger, Invasões, cit. 46, 2* Ap. Techo. etc. e outros histo-
riadores.
168
AURÉLIO PORTO
13 de Março, já na redução de «La Limpia Concepción», margem
direita do rio Uruguai, muito distante de Caaçapá-mini, o coman-
dante e mais soldados do destacamento prestam uma informação
sôbre o que chamam de «derrota de los portugueses». Chegá-
mos onze espanhóis, que éramos os que viemos a este socorro aos
campos da redução destruída do Caaçapá-mini, e ali achámos que
os índios das ditas reduções, que os ditos Reverendos Padres ti-
nham a seu cargo, tinham acurralados num mato e paliçada a
muitos dos ditos portugueses, com os quais soubemos (por certa
relação e informação dos ditos R. Padres e dos caciques e índios
principais que ali havia, que eram muitos) haviam tido várias re-
fregas os ditos índios, e depois de havê-las tido, outros três dias
no dito cerco, em que trataram de vários meios e concertos em
que nunca quisemos vir nem os Padres nem os Espanhóis, nem os
caciques e capitães das ditas reduções, os ditos Portugueses fu-
giram, e ainda que fomos em seu seguimento e encalço não lho
pudemos dar por ser muita a vantagem que ganharam atrás do
mato, enquanto nossos espias vinham avisar-nos e assim voltá-
mos. 96) Assinam a Certificación, original e autografa, o mestre
de campo e os 11 espanhóis que comandava.
A verdade, entretanto, destoa da informação. Vejamo-la à
luz de outros preciosos documentos.
Justificando a necessidade de dar armas aos índios das redu-
ções, numa informação em que depõem 10 Padres, entre os quais
o austero provincial Diogo de Boroa, Simón de Ojeda, Laureano
Sobrino, Vásquez Trujillo e outros, se diz que «os espanhóis uma
só vez que se animaram a enfrentar os portugueses, pela insistên-
cia dos Padres da Companhia, saindo mais de 70 homens ;'7)
com mais de 500 índios amigos, chegando à vista do inimigo, que
estava metido em sua paliçada, e não eram mais que trinta por-
tugueses, com alguns tupis, não se atreveram a acometê-los, se-
não que afrontosamente lhes deram as costas e se retiraram.» 98)
96) B. N. Mss. I, 29, % 85.
97) Nesse número de espanhóis estavam os 11 soldados regulares
do mestre de campo Insaurralde.
98) B. N. Mss. í, 29, 2, 47.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 169
Continua o documento com outros informes de que nos servire-
mos adiante.
E, realmente, assim foi. Em meados de Fevereiro, em São
Nicolau de Piratini, onde se encontra, recebe o P. Alfaro ordem
de excomunhão maior, que lhe manda o Bispo de Buenos Aires,
para ser notificada aos paulistas que se encontram em Candelária,
se continuarem eles a cometer depredações e a cativar índios das
doutrinas cristãs. E, em data de 19 de Fevereiro, adverte «ao
capitão André Fernandes, Baltasar Fernandes, ao capitão fulano
(António) Pedroso, ao capitão Domingos Álvares e fulano Prie-
to», e «otros muchos portugueses e Castellanos» (?) contra cé-
dulas de S. M.» que não mais entrem nas reduções destruindo-as
e cativando índios cristãos, sob pena de excomunhão maior.
Teve lugar a intimação pessoal nos campos da redução que
foi de Candelária de Caaçapá-mini, a 25 de Fevereiro, estando pre-
sentes o mestre de campo Insaurralde, o P. Pedro Romero, o no-
tário apostólico P. João Baptista Hornos e outros muitos. Che-
gando à paliçada, em que estavam os paulistas, o notário notifi-
cou «a Francisco de Paiva e António Pedroso e a outros muitos
portugueses, e havendo eles compreendido o que continha a no-
tificação, não quiseram eles ouvi-la. O P. Comissário (Alfáro)
em voz alta e inteligível disse a Paiva e a Pedroso, e aos mais
portugueses ali presentes, lhes ordenava que dentro de 24 horas
saíssem do território deste Bispado e restituíssem todos os índios,
menores e maiores, homens e mulheres, que' têm cativos, de Santa
Teresa do Curiti, de São Carlos do Caapi, dos Apóstolos de Caaça-
pá-guaçu e de outra qualquer redução que fosse, sob pena de ex-
comunhão».
Não quiseram os bandeirantes ouvir o que o P. Alfáro lhes
apregoava e, pelo contrário, sem fazer caso da intimação, destruí-
ram as citações que lhes haviam sido entregues, sendo, então
pelo P. Comissário, cominada a excomunhão. E um dos portu-
gueses, ali presentes, respondeu que apelariam da pena, ao que
objectou o P. Alfáro que «não obstante qualquer apelação que
interpusessem, lhes ordenava todo o sobredito, repetindo verbo
ad ver bum o que ali estava escrito». O documento é datado de
170
AURÉLIO PORTO
25 de Fevereiro, às 4 horas da tarde, nos campos da redução des-
truída de Candelária.
Dois dias depois, a 27, o P. Alfáro determinou que novamen-
te se notificasse da excomunhão «aos portugueses de São Paulo»,
e que, se ainda não quisessem ouvir, fosse notificado dito auto,
«a los paios de su paliçada y a los árboles dei monte en que la
tienen», considerando-se os assim publicamente, por excomunga-
dos.
No cumprimento desta ordem, das 9 às 10 da manhã, o no-
tário do Padre Comissário, P. Hornos e mais as testemunhas Pa-
dres José Doménech, Luís Ernot, e Francisco Jiménez, todos da
Companhia de Jesus, se aproximaram da paliçada dos bandeiran-
tes «que está en los campos y montes de la redución destruyda
de Caaçapá-mini, y hizo notório el auto y censura dei uso al cap.
Francisco de Paiva, cap. Ju." Raposo y otros muchos portugueses
en sus personas que las oyeron, entendieron» e responderam o mes-
mo que no dia anterior, isto é, que apelariam da excomunhão.
A primeiro de Março determinou ainda o P. Alfáro que, pela
última vez, o P. Hornos fosse à paliçada dos bandeirantes em
companhia de testemunhas, levar-lhes a intimação definitiva de
excomunhão maior. Mas o Padre já encontrou a paliçada deser-
ta e «nela nenhum português nem outra pessoa qualquer senão o
corpo de um homem morto, e soube por assim o haverem dito to-
dos os índios das reduções dos Padres da Companhia, que por ali
havia, que os ditos portugueses haviam ido de volta a Caaçapá-
-guaçu, no dia anterior [derradeiro de Fevereiro], e não restituí-
ram os índios cativos, nem pagaram os danos que haviam feito
às reduções.» Em vista do sucedido, pelo Padre Superior e
Comissário foi lavrado um auto para que constasse em todo o
99) Esta documentação, original e inédita, que tanto esclarece a acção
da bandeira de Caaçapá-mini, confundida com a seguinte, que foi derro-
tada em Caaçapá-guaçu, como veremos, é uma fonte preciosíssima para
identificar a actuação do capitão André Fernandes e de outros grandes
próceres do bandeirismo paulista, não referidos nos documentos oficiais
de São Paulo. Tem. na Biblioteca Nacional. Coleção de Angelis, a indi-
cação de 1.29, í, 83.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 171
tempo, «por informação jurídica, que o capitão Francisco de Pai-
va, capitão João Raposo, 10°) capitão Jerónimo...» 101 )
Como se . verifica do próprio processo de excomunhão e das
amargas declarações dos Padres da Companhia, o mestre de cam-
po Insaurralde e seus 11 soldados nada fizeram em defesa dos ín-
dios, embora não passassem de 30 os bandeirantes de Caaçapá-mi-
ni, como ficou conhecida a razia dos paulistas. E tanto é assim
que a 13 de Março, já em Concepción, faziam os espanhóis as de-
clarações atrás referidas de que os paulistas «depois de vários
médios e conciertos en que nunca quisimos venir», «se huyeron y
aunque fuimos en su seguimento y alcanse no se le pudimos dar
por ser mucha la venta ja que ganaron por detrás dei monte».
Levando mais de 2.000 cativos esses 30 paulistas, sob o co-
mando de Paiva e Pedroso, abalaram das paliçadas de Caaçapá-mi-
ni, sem serem molestados pelos índios e pelos espanhóis e atingi-
ram a redução de Apóstolos (Caaçapá-guaçu) e daí, passando no-
vamente por São Carlos de Caapi, reuniram-se ao grosso da ban-
deira de André Fernandes, que estava em Santa Teresa.
Mas, mesmo aí, não cessou a actividade dos bandeirantes.
Conta Montoya, em carta de 30 de Setembro de 1638, que um
«índio de São Cristóvão, que conseguiu fugir aos paulistas, de
quem fora prisioneiro, enganou a um tal Pedroso e o trouxe até
Capivari e avisou os de Caratuí, para que lhe fizessem uma cila-
da. Assim o fizeram e deram sobre os tupis, que resistiram, ma-
tando quatro tupis, e o português (Pedroso), sem disparar seu
arcabuz, se meteu no mato e deixou sua linda rede, manta, capo-
te, etc. E é fama de que o mataram além de Jesus-Maria.» t02)
1001 Deve ser João Raposo Bocarro. o moço, insigne sertanista, fi-
lho do coronel João Raposo Bocarro e Ana Maria de Siqueira. Neste mes-
mo ano de 1638, o coronel João Raposo requeria para si, para seus filhos,
João Raposo, o moço e outros uma sesmaria em São Paulo. (S. Leme, —
Genealogia — 3", 4).
101) Jerónimo... (Bueno). Infelizmente falta ao documento a últi-
ma página em que provàvelmente seguiria a nominata dos "portugueses
de "São Pablo" que integravam a bandeira. E Jerónimo Bueno é o úni-
co ponto de ligação entre a leva de Francisco Bueno, identificada pelos
documentos de São Paulo e a de André Fernandes, das referências je-
suíticas.
102) Padre Pablo Pastells — Hist. de la Comp. II-8.
172
AURÉLIO PORTO
Se bem que inexacta a última parte, mostra entretanto a infor-
mação o percurso de volta da bandeira que de Santa Teresa des-
ceria até Jesus-Maria, voltando pelo Rio Taquari, como fizera a
de Raposo Tavares.
Demorada foi a volta a São Paulo, pois, em fins de Janeiro
de 1639, não havia notícias da bandeira em que vinha o capitão
Jerónimo Bueno, motivo por que não se fizeram as partilhas do
inventário de seu irmão capitão Francisco Bueno, morto no ser-
tão, «pelo trazer seu irmão Jerónimo Bueno e até agora não é
chegado nem novas dele.» 10:!) Mas, grande parte dela teria
voltado anteriormente, como já se referiu páginas atrás.
Consoante afirma em seu magnífico trabalho o Dr. Alfredo
Ellis Jr., devem ter chegado «pouco antes de 19 de Março de 1639,
data em que encontramos João Pais Málio, da lista supramencio-
nada, figurando no inventário judicialmente procedido, por morte
de Francisco Bueno, o chefe da expedição, morto no sertão».
5. Bandeira de Caaçapá-guaçu.
A terceira leva que penetra território rio-grandense e cujo
trágico destino deu-lhe a designação de Bandeira de Caaçapá-gua-
çu, teve por cabo principal Fernão Dias Pais, mais tarde imorta-
lizado na epopeia das esmeraldas. Foi ainda o Dr. Alfredo Ellis
quem a determinou, em suas linhas gerais, através dos subsídios
arquivais de São Paulo, cuja publicação é patriótico e benemérito
serviço do Dr. Washington Luís.
Em torno desta bandeira se tem feito enorme confusão, e
ainda hoje, pela carência de dados, que mais detida pesquisa nos
revela na colecção quase inédita de Angelis, da Biblioteca Nacio-
nal, não se pôde traçar com precisão os acontecimentos de que
foi parte. Vejamos se é possível, dentro da prova documental,
determinar-lhe a acção vislumbrada pela visão exacta do Dr. Ellis
Júnior, secundando o Dr. Afonso de Taunay, contra a opinião do
Padre L. G. Jaeger, que «apõe novamente um ponto de interro-
gação» às conclusões a que ambos chegaram sobre ser a bandci-
103) Alfredo Ellis Júnior — Bandeirismo cit. 93.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 173
ra de Caaçapá-guaçu a mesma de que era cabo Fernão Dias e
imediato seu irmão Pascoal Leite Pais.
Não se pode afirmar, pelos documentos conhecidos, a data
exacta em que, à frente de uma bandeira, fortemente aparelhada,
o capitão Fernão Dias Pais saiu do povoado piratiningano, rumo
ao Sul, à cata de índios. Observa o autor do Bandeirismo que
isto se deu antes de 1° de Janeiro de 1638, pois, nesta data, Gas-
par Costa, um dos componentes da leva, «tendo saído eleito nos
pelouros», não tomou posse do cargo de oficial da Câmara, por
estar ausente. 104) Entretanto, sabe-se por informação do P.
Boroa 105) que os mamalucos que a compuham, «no fim do ano
(1638) vieram sitiar-se na redução de Apóstolos (Caaçapá-guaçu)»
depois de haverem «em oito meses destruído duas províncias além
das reduções ditas, que foram Caamo e Caágua, da jurisdição do
Rio da Prata». Verifica-se, assim, que em Maio de 1638, andaria
já Fernão Dias inquietando as densas populações de Caamo, en-
trada natural das bandeiras que demandavam por terra o terri-
tório rio-grandense, seguindo depois para o Caágua, isto é, pelo
mesmo trajecto das anteriores entradas de preadores de índios.
De sua passagem por essa região tem-se notícia pelo depoi-
mento do mestre de campo Valbueno que, em Janeiro de 1639, de-
pois do combate de Caaçapá-guaçu, reunindo índios dispersos, pren-
de, por se lhe tornarem suspeitos, os índios Guaimiguru, Abaiani,
Marandasa, naturais do Tape e António, de Guairá, cosoante de-
poimento já referido, em que se vê que a bandeira percorreu as
regiões de Caamo, Caágua e Ibia.
Em princípios de Abril já estava a bandeira «no sertão do
Rio Grande», como se verifica do inventário de António da Silvei-
ra, com testamento, feito no sertão, em 19 desse mês e do qual
consta a nominata de 16 bandeirantes, inclusive o cabo Fernão
Dias Pais e o morto citado. São estes os paulistas ali referidos:
Paulo da Costa e João Farracho, avaliadores, Domingos Leme da
Silva, André Bernardes, Frutuoso da Costa, António Gonçalves
104) A. Ellis — Bandeirismo cit. 1* ed. 95.
105) B. N. Mss. Exposición a El Rei, por el Padre Provincial Diego
de Boroa, I, 29, 1, 88. Col. d'Angelis.
174
AURÉLIO PORTO
Perdomo, Valentim de Barros, Mateus Leme, João de Santa Ma-
ria, o moço, Francisco Alves Marinho, João de Oliveira, Domin-
gos Barbosa, João Nunes da Silva, e Pascoal Leite Pais. Além
destes cita mais o Dr. A. Ellis, Pedro Dias Leite, Luís Dias Leme,
Pascoal Leite Fernandes, Salvador Simões, Romão Freire, Sebas-
tião Gil, o moço, Pedro Agulha de Figueiró, Cristóvão de Aguiar
Girão. Maurício de Castilho, o moço, e Manuel de Castilho.
A documentação dos Jesuítas espanhóis exclui absolutamen-
te a existência de uma quarta bandeira que mediasse entre a de
Caaçapá-guaçu e a de Mbororé e, assim sendo, pode-se perfeita-
mente integrar o grupo identificado pelo Dr. Ellis, de que faziam
parte Domingos Cordeiro, Fernão Dias Borges, Matias de Olivei-
ra e Pedro de Oliveira 10e) à leva de Fernão Dias a de Caaçapá-
-guaçu, a inexistência de outra, induzem a esta conclusão. Tam-
bém um Custódio Gomes, morto no «sertão dos Patos», e cujo
inventário é feito em São Paulo em 3 de Fevereiro de 1639 parece
pertencer à mesma gente. Anteriormente fora aos Patos e de
lá trouxera 50 peças. Em 6 de Julho de 1638 assina, no povoado,
uma promessa de entregar na Laguna, para pagamento de dívida,
um certo número de peças e, embarcando-se para o sertão, ali
morre, sendo a notícia de sua morte trazida em fins de Janeiro,
juntamente com dois escravos, que são entregues aos herdeiros,
como se verifica do inventário de 3 de Fevereiro. t0~) Confir-
ma-se, desta sorte, que parte de uma bandeira, em Janeiro de
1639, regressara a Piratininga. Dessa leva faria parte, possivel-
mente, Sebastião Gonçalves, cujo testamento, segundo o Dr. Ellis,
é datado de 1639, no sertão, mas que volta em 1641, na bandeira
de Mbororé, em cuja acção, mais tarde, encontra a morte. lns)
Como veremos, pela documentação espanhola, não será difícil de-
terminar a gente que volta a São Paulo, em fins de Janeiro de
1639, que não é mais do que uma parte da própria bandeira de
Fernão Dias.
Não deveria ser muito forte em elementos brancos a leva do
106) Bandeirismo citado, 105.
107) Inv. e Test. 1639.
108) Bandeirismo citado, 107.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 175
futuro caçador de esmeraldas. Nãò passariam de uma centena
os paulistas que a integravam. Sabe-se, como se dirá, que 40
bandeirantes, antes da morte do P. Alfáro, provàvelmente em
Dezembro de 1638, se haviam desligado da bandeira e tomado
caminho de volta; quatro, cinco ou nove, segundo as várias ver-
sões, foram mortos na refrega com os índios em Caaçapá-guaçu
e mais 17 prisioneiros, o que nos dá um total conhecido de 66
bandeirantes. Talvez alguns mais, aliás muito poucos, não re-
feridos.
Os antigos historiadores jesuítas lançam enorme confusão,
aliás confessada por Teschauer, entre os acontecimentos pertinen-
tes ao ano de 1638, confusão que perdura até os nossos dias. E,
desta forma, não raro se dá a uma bandeira o relato de factos
que se entendem com outra. Mas, a documentação da Colecção
d'Ângelis permite senão determinar precisamente, acontecimento
por acontecimento, pelo menos, destrinçar parte desse intrinca-
do cipoal de confusões. Tentemos a tarefa, embora árdua.
Soube o P. Diogo de Alfáro, Superior de todas as reduções,
em princípios de 1638, logo depois da retirada de Caaçapá-mini
(Candelária), que uns 40 paulistas com um número desconhecido
de tupis, 1o!') depois de assolar as províncias de Caamo e Caágua,
pretendiam dar sobre as reduções que demoravam a Oeste do Ja-
cuí Congregou o Superior, às pressas, um contingente de índios,
sob o comando de D. Nicolau Nenguiru, valoroso capitão-general
das doutrinas jesuíticas do Uruguai.
Nesse meio tempo, a bandeira, sob o comando de Fernão
Dias Pais e de seu irmão Pascoal Leite Pais, depois de assolar vá-
rias aldeias, «correndo a terra, cativando e talando as comi-
das», 110) e tendo alguns encontros com os índios, foi «sitiar-se
na redução de Apóstolos, onde já haviam derramado sangue».
Dias antes, porém, do encontro de que resultou a morte do Pa-
dre Alfáro, 40 paulistas, componentes da bandeira, haviam-se re-
tirado de Caaçapá-guaçu (Apóstolos), 1]1) onde ficou uma parte
1091 A. Taunay — Hist. Geral — II, 291.
110) B. N. Mss. I, 29. 1, 88.
111) Pastells. Hist. 11-23.
176
AURÉLIO PORTO
não excedente de 30 mamalucos, entre os quais, sabe-se com cer-
teza, estava o capitão Pascoal Leite Pais, irmão de Fernão Dias
Pais, o cabo da bandeira.
Em fortes paliçadas, que haviam aí levantado esses 30 ban-
deirantes, custodiavam mais de 2.000 índios cativos, apresados
nas circunvizinhanças, enquanto, provavelmente, número muito
maior de peças era levado pelo grosso da bandeira que voltava
ao povoado, onde chegou em fins de Janeiro de 1639, como faz
certo o inventário de Custódio Gomes e outras circunstâncias que
se referirão.
Não obstante reiteradas solicitações ao governador de Bue-
nos Aires para que enviasse socorro às reduções, que estavam
sob a sua jurisdição, nada conseguira o P. Alfáro. Mas, exacta-
mente nessa ocasião, D. Pedro de Lugo y Navarra, governador
do Paraguai, visitava parte do território do Paraná, lindeiro à re-
gião ocupada pelas missões jesuíticas do Uruguai. A estè se di-
rigiu o Padre Superior, pedindo-lhe assumisse o comando da acção
contra o inimigo comum que assolava terras da coroa de Espa-
nha.
Aquiesceu D. Pedro de Lugo, depois de fazer ciente ao Supe-
rior de que assim invadiria atribuições do governo do Prata. E
«com 60 homens, os melhores soldados de Assunção, bem armados,
estando à vista dos inimigos coisa de um quarto de légua, nunca
puderam alcançá-los.» ]12)
Chegou o exército dos catecúmenos cristãos, sob o comando
de D. Nicolau Nenguiru, à frente do reduto inimigo pela manhã,
depois de ter caminhado três léguas. Isto foi no dia de Santo
António abade (17 de Janeiro de 1639). Vendo o P. Alfáro que
o governador e seus soldados estacavam muito distantes do lu-
gar em que estavam os paulistas e que o desânimo já começava
a entibiar as energias de seus combatentes, procurava animá-los,
incitando-os a que atacassem com valor os mamalucos que, à apro-
ximação dos índios, deixando as paliçadas, haviam-se entrinchei-
rado num pequeno mato. Secundava o Padre o Irmão Domingos
112) Justificação citada do Padre Boroa e outros. B. N. Mss. I, 29.
2, 46.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
177
de Torres, perito na arte militar, que no século professara, e mes-
tre dos índios no manejo das armas de fogo.
Foi quando «um malvado, escondido em uma choça, a pou-
cos passos, conhecendo-o bem (ao Padre Alfáro) apontou e feriu-o
na fronte, sobre o olho direito, com que o derribou logo, perdendo
a fala, ainda que não o sentido, porque, tomando-lhe um Padre
a mão e dizendo-lhe que a apertasse para que lhe desse a absol-
vição e concedesse a indulgência plenária, disse que abriu o olho
esquerdo, olhou-o e apertou-lhe a mão, que foi dia de Santo An-
tónio abade, pela manhã, depois de haver caminhado todo o exér-
cito três léguas de noite.» 113) Foi este o primeiro tiro que soou
e, logo em seguida o Irmão Domingos, com outro tiro certeiro atin-
giu o próprio capitão da bandeira, ferindo-o gravemente em uma
coxa.
Deram estes sucessos ânimo e valor aos soldados de Nen-
guiru, que, avançando resolutamente, arremeteram contra o ma-
to, «matando quatro portugueses, outros dizem que nove e pren-
dendo 17, 114) logo entregues ao governador D. Pedro de Lugo,
«que estava meia légua distante do lugar do combate» acompa-
nhado de seus soldados.
Aniquilada a bandeira, entregues os prisioneiros ao governa-
dos do Paraguai, trataram os índios de libertar a chusma cativa
nas paliçadas dos paulistas. Havia ali número superior a 2.000
selvagens, sendo grande a percentagem de catecúmenos apresados
nas reduções. Como material de guerra tomaram 27 escopetas.
113) E' a versão do P. Cláudio Ruyer, sucessor no superiorato do
P. Alfáro, conforme carta de 23 de Julho de 1639, publicada em Pastells,
n, 22.
114) Todos os documentos são contraditórios quanto ao número de
mortos, se bem que se aproximem quanto ao de prisioneiros paulistas.
Diz o P. Ruyer que foram quatro, mas • que outros dizem que foram nove
os mortos, o que coincide com a informação ao Rei, do P. Diogo de Boroa,
mas D. Pedro de Lugo, em carta de 20 de Abril de 1639 (Pastells — II,
21), diz que "ali (Caaçapá-guaçu) mataram cinco ou seis e foram presos
16 e dois rapazes, que remeteu ao governo do Rio da Prata. "Cativaram
17 portugueses e um negro, informa ainda o P. Boroa (L 29, 1, 88). Cons-
ta de Pastells (11-19) existir, entre os documentos que resenha, o interro-
gatório feito a esses 17 presos, em Assunção. Para a identificação desses
bandeirantes lançaria grande luz o conhecimento da peça, referida e não
transcrita por Pastells.
178
AURÉLIO PORTO
D. Pedro de Lugo, custodiando os bandeirantes presos, voltou
a Assunção. «Cinco dos mais alentados e culpados», informa o
P. António Ruiz de Montoya, «escaparam dali», só restando 12
que o governador, declarando-se incompetente para julgá-los, re-
meteu, mais tarde, ao de Buenos Aires, com informações falsas
e calúnias contra os Jesuítas, que muito atenuavam a sua culpa-
bilidade.
Quer na volta para Assunção, quer ali, foram os prisioneiros
muito bem tratados, e «sem cadeias», «e nem o matador do bom
Padre, que se soube quem era», não teve por parte do governador
mais rigoroso tratamento. Tir')
Discutível era até agora a identidade da bandeira de Caaça-
pá-guaçu. Na primeira edição de seu valioso e jamais assaz ci-
tado O bandeirismo paulista, o Dr. A. Ellis Júnior achava «muito
possível que a bandeira de Domingos Cordeiro e de seus compa-
nheiros tivesse sido a esmagada por Nenguiru, tendo perecido
no combate os bandeirantes, que não mais tornaram ao povoado
paulistano.» Mas, conhecido o documento em que o P. Cláu-
dio Ruyer historia a batalha de Mbororé, nele havia uma indica-
ção preciosa. Manuel Peres, que foi um dos chefes dessa bandei-
ra, em carta de 13 de Março de 1641, dizia: «Rev. Pes. — Chegá-
mos aqui onde viemos falar a V. P.es para saber dos homens que
V. P.es prenderam há anos passados, isto é, Pascoal Leite Pais e
os demais, dos quais nunca tivemos notícia nem por mar nem por
terra se são vivos ou mortos». «... não temos intenção de fazer
mal aos cristãos, pois ao que viemos não é mais do que saber dos
nossos irmãos e parentes que, em sua mor parte, são casados e
estão carregados de filhos e filhas, hoje em grande desamparo,
clamando e pedindo justiça a Deus contra V. P.es pelo desamparo
e miséria em que se vêem, e assim, como de parte do Padre Vicen-
te Rodrigues, da Companhia de Jesus, me pediram os interessa-
dos chegasse aqui para saber deles.» 117)
115) Carta citada. Padre Ruyer. Pastells. II, 23.
116) Ellis — Band. cit. V ed. 107.
117) Original na B. N. Mss. I, 29, 1, 93. Publicado in "R. I. H." São
Paulo. Vol. X. Uma boa tradução portuguesa desse notável documento há
na Rev. do Inst. H. e Geogr. do R. G. Sul, Ano XXII, 1942. n» 85. pág. 27-52.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI, 179
Mercê essa preciosa indicação, o mestre do bandeirismo pau-
lista, Dr. A. Taunay, chegou à conclusão de que a bandeira der-
rotada em Apóstolos fora parte da de Fernão Dias, cujo irmão
Pascoal Leite Pais se contava entre os prisioneiros. 1ls) E, na
29 edição de O bandeirismo, o Dr. Ellis aceita a suposição. l19)
Não concorda com isto o Padre Jaeger, pelas razões que expõe
em seu trabalho, 120) fàcilmente destruídas pelo que atrás fica
exposto e, ainda, porque parte da bandeira, os 40 paulistas que
dela se desprenderam em Dezembro, poderia estar, como de facto
sucedeu, no povoado paulista em Fevereiro de 1639, enquanto ou-
tra parte, em Caacapá-guaçu, era aniquilada pelos índios de Nen-
guiru, depois da morte do P. Alfáro.
Indagação interessante em torno da grande figura de Fernão
Dias Pais tenta nossa curiosidade. Quem era o «chefe da ban-
deira» que foi ferido pelo irmão Domingos de Torres? Pascoal
Leite, Fernão Dias? Teria Fernão Dias voltado a Piratininga com
os 40 bandeirantes que se desprenderam da leva? Mas, neste
caso, como sucedeu com outros que dela faziam parte, «deveria
estar de volta ao povoado piratiningano nos primórdios de 1639»,
conforme constatação do autor do Bandeirismo. Parece, porém,
que tal não se deu. E' ainda o mesmo autor que afirma ter en-
contrado «o sèrtanista das pedras verdes em São Paulo de volta
de sua peregrinação pelo Sul, já em torno de 1640 (Actas — Vol.
II, 25. Inv. e Test. Vol. XIV, 39)». Onde esteve o «chefe da ban-
deira» durante todo o ano de 1639? Não teria sido ele um dos
«cinco mais alentados e culpados» a quem parece ter o próprio
governador D. Pedro de Lugo facilitado a evasão, depois de os
ter algum tempo em Assunção? São contestes os documentos je-
suíticos em afirmar a consideração que foi dispensada aos prisio-
neiros. Numa informação do Cabildo de Buenos Aires se diz
«que, além de se não dar castigo algum a esses portugueses, es-
tão eles livres em Assunção e lhes consentem jogos e diver-
sões.» 121 )
118) Taunay — Hist. Cit. 11-255.
119) Ellis — Band. 2* ed. nota à pág. 201.
120) Padre L. G. Jaeger — As Invasões cit. 53. 2*.
121) B. N. Mss. I. 29, 1, 89.
180
AURÉLIO PORTO
Na ausência de Fernão Dias Pais, como é de ver, assumiria o
comando da bandeira o imediato, seu irmão capitão Pascoal Leite
Pais, e este deveria ser o chefe, em Caaçapá-guaçu, se ali não
estivesse o comandante efectivo dessa leva de paulistas. Seria
um dos «mais alentados e culpados» e, como tal, faria parte dos
cinco prisioneiros que fugiram. Mas, isto não se deu, porque, em
fins de 1640, ao sair de São Paulo a expedição de Mbororé, não
havia voltado, como vimos, Pascoal Leite.
Teria Fernão Dias sido um dos prisioneiros de Apóstolos?
As circunstâncias que envolvem a sua vida, nesse biénio trágico
para as reduções jesuíticas e para os paulistas da bandeira de
Caaçapá-guaçu, permitem a interrogação.
6. O desbarato de Mbororé.
No interregno que vai da ação de Caaçapá-guaçu ao trágico
desbarato de Mbororé, 122) isto é, de princípios de 1639 a 1641,
não consta da documentação jesuítico—espanhola a entrada de
qualquer bandeira regular em território rio-grandense.
Outros acontecimentos de vulto, ao Norte, desviavam, por de-
terminações de alto patriotismo, a belicosidade piratiningana. An-
tónio Raposo Tavares, à frente de algumas centenas de paulis-
tas, como anteriormente D. Francisco de Rendon, saía de São Pau-
lo com fortes contingentes e, em Janeiro de 1640, tomava parte
destacada nos combates contra o batavo que dominava o Nor-
deste.
No mesmo ano aportava ao Rio de Janeiro, procedente de
Roma, o Padre Procurador Diaz Tano que ali fazia promulgar o
breve do Papa, excomungando os preadores de índios. Determi-
nou isto uma série de distúrbios que teria tido consequências gra-
víssimas, pondo em perigo a vida dos religiosos, se o governador
e autoridades não acudissem com força armada, dissolvendo a
multidão, em socorro aos mesmos. Em São Paulo, onde se sou-
122) Mbororé, pequeno arroio da margem direita do Uruguai é hoje
conhecido na cartografia argentina pelo designativo de Arroio Nonje. V.
mapa — Misiones guaraníticas.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 181
be dos acontecimentos do Rio, a Câmara, confraternizando com
o povo, assumiu a direcção da revolta e, indo ao Colégio dos Je-
suítas, aí os intimou «despejassem a vila e capitania», sob pena
de apelarem para a violência. Isto ocorria no mês (de Julho de
1640. 12n)
Logo após tão graves distúrbios que afectavam a vida da
Companhia naquelas Gapitanias, soube o P. Tano, no Rio, onde
ficou até Novembro, que os paulistas novamente se aprestavam
, para dar sobre as reduções, motivo por que apressou o regresso
a Buenos Aires a fim de providenciar com tempo quanto à resis-
tência que era mister lhes opor. 123»)
Chegando ainda a tempo à Capital do Prata, fez remeter com
urgência ao exército que se organizava nas reduções, sob o co-
mando de D. Inácio Abiaru, capitão-general dos índios, e assistên-
cia técnico-militar do Irmão Domingos de Torres, grande quanti-
dade de mosquetes e arcabuzes, e larga cópia de munições de guer-
ra. Constituía-se assim formidável exército forte de 4.000 índios,
dos quais mais de 300 estavam armados de arcabuzes, contando
até com peças de artilharia feitas de bambu recoberto de couro.
Dizem os documentos jesuíticos que a bandeira se compunha
de «400 portugueses com armas de fogo e muitos mestiços, mula-
tos e negros, além de 2.500 tupis flecheiros», 124) convindo, po-
rém, ressaltar que Teschauer, citando outras fontes, diz que «os
mamalucos (eram) em número de 500 a 600 com mais de 4.000
índios tupis em 700 canoas que tinham preparado nas margens
dos rios com as quais ocuparam o rio Acarágua, afluente do Uru-
guai, enquanto suas tropas entravam no povo ermo.» 125)
Confrontando os vários relatos de origem jesuítica, referen-
tes a essa página do bandeirismo paulista e os documentos do
123) Carta do Padre Francisco Diaz Tano. datada de 9 de Novem-
bro de 1641. Confirma-o o Irmão Simón Méndez que estava também no
Rio de Janeiro, em carta de 23. ao Irmão Diogo de Molina, dizendo que
ali "souberam que se aprestava uma bandeira de 400 paulistas para dar
sobre as reduções". Pastells. 11-60, 62.
123*) Serafim Leite. Hist. da Comp. de Jesus no Brasil, VI, 253 ss.
124) Padre Tano. Carta citada. Pastells — II. 62.
125) Teschauer. Hist. I, 204. Observa que estes números, diferentes
dos indicados por Lozano, apoiam-se nos autos".
182
AURÉLIO PORTO
acervo arquivai que nos fornecem Inventários e Testamentos, não
se torna difícil determinar o trajecto da bandeira de Mbororé até
atingir o rio em que teve lugar o choque sangrento. Já de volta
do rio Uruguai, em Setembro de 1641, procede-se ao inventário
de Sebastião Gonçalves num «sertão do Rio Grande, dos Ganaiás».
Eram os guaranás ou guaianás 126) mais conhecidos pela desig-
nação de ibirajaras, segundo nossa classificação. 12T) Diz o Padre
Tano, na carta citada, «que com os paulistas vinham também
muitos guananazes, que haviam vencido pelo caminho», e que, de
volta, o «inimigo retirou-se para as aldeias dos infiéis que havia
cativado.» 12s) Ranchearam-se «nas cabeceiras do Apiterebi»,
«depois de passar pelo Tebiquari», diz na Ânua de 1641 o Padre
Lupércio. 129)
A determinação do rio Apiterebi dos Jesuítas suscitou larga
controvérsia entre os demarcadores de 1750, chegando-se final-
mente, à conclusão, por todas aceita, de que se tratava do antigo
Peperi-guaçu, dos Jesuítas, designação que foi mais tarde des-
locada para um afluente mais oriental da margem direita do Uru-
guai.
Refere a Ânua do P. Ruyer que um tupi preso pelos índios
informara, depois da derrota dos paulistas, em Acarágua, que o
chefe da bandeira determinara, «logo após a Páscoa, partir do
rio Acarágua, tomando seu curso pelas matas para sair num ar-
roio que está Uruguai acima chamado Guarumbaca iao) e aí di-
vidirem-se, indo uns até o Iguaçu, enquanto outros passariam pelo
salto do rio Uruguai, indo até Santa Teresa para explorar as ta-
peras de Jesus-Maria, e dali ao Caamo e Caágua e, finalmente,
os outros, pelo Uruguai acima iriam assolar as aldeias dos in-
fiéis.» 1:u) Depreende-se dessas informações que a bandeira ha-
126) António Serrano. Etnografia de la antigua provinda dei Uru-
guai. Paraná 1936-39 e seg.
127) V. Mapa etnográfico.
128) Carta do Padre Tano citada.
129) Pastells. II, 65.
130) V. Mapa dás Cortes. Anais da B. N. Doe. sobre o Trat. de 1750.
Vol. LII.
131) Ânua do Padre Cláudio Ruyer col. B. N. I., 29, 1, 93. Original e
autografa.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
183
via tomado o caminho do Iguaçu (sertão do Rio Grande) e daí
reflexionado para a margem direita do Uruguai, passando pelas
pontas do Apiterebi, até o Mbororé, o que confirma o trajecto
apontado pelo Dr. Alfredo Ellis. Na volta, porém, alguns elemen-
tos se teriam internado pelo Alto-Uruguai, no sertão rio-grandense.
Integravam a bandeira elementos de escol da gente pirati-
ningana. O inventário de Sebastião Gonçalves e as referências
jesuíticas dão-lhe para cabo principal o capitão Jerónimo Pedro-
so de Barros, ocupando também posto de destaque o capitão Ma-
nuel Peres, que assina a carta referida na Ânua do P. Ruyer.
Conhecem-se mais: capitão António Pedroso de Barros, irmão do
cabo, capitão António da Cunha Gago (o gambeta), Baltasar Gon-
çalves, Bartolomeu Álvares, Sebastião Gonçalves (o falecido), An-
tónio Rodrigues, Clemente Álvares, Simão Borges, João Leite, Ma-
tias Cardoso, Pero Nunes Dias, Domingos Furtado, Miguel Lopes,
Mateus Álvares, Pero Lourenço, Amador Lourenço, João Pires
Monteiro, Pedro Cabral, Domingos Pires Valadares, Sebastião Pe-
droso Baião, António de Aguiar, António Fernandes Sarzedas,
António Carvalhais e João de Pina. 1 ■'•-) A estes nomes se po-
dem acrescentar os constantes do inventário de Luís Dias, feito
no sertão a 28 de Dezembro de 1641, e que, além do morto, são
os seguintes: Vicente Bicudo, Francisco Correia, António Gil, Se-
bastião Gil, Pedro Furtado, Baptista, António Lopes Perestrelo,
Francisco Barreto e António Agostim. 1:;;)
A bandeira deveria ter saído do povoado em fins do segundo
quartel do ano de 1640, dela tendo notícia o P. Diaz Taho que,
em Novembro, apressou sua partida do Rio para Buenos Aires,
temendo não chegar a tempo de dar junto aos Padres as provi-
dências que o acontecimento requeria.
Três a quatro meses deveria a força de Jerónimo Pedroso
ter gasto até chegar à margem direita do Uruguai, onde acampou
um pouco acima da foz do rio Acarágua. Além da preia de ín-
dios, que era seu principal escopo, dois outros motivos determi-
navam sua ida às doutrinas jesuíticas: saber de Pascoal Leite
132) Inv. e Test. S. Paulo. Vol. XI. 500 a 507.
133) Idem, Vol. XIII, 434.
184
AURÉLIO PORTO
Pais e mais companheiros presos em Caaçapá-guaçu, de que não
se tinha notícia, «nem por mar nem por terra se são vivos ou
mortos», os quais «em sua mor parte são casados e estão carre-
gados de filhos e filhas, hoje em grande desamparo, clamando e
pedindo justiça a Deus contra vossas paternidades, pelo desam-
paro e miséria em que se vêem; e assim como da parte do P. Vi-
cente Rodrigues, da Companhia de Jesus, me pediram os interes-
sados chegasse aqui para saber deles.» l34) Outro motivo, o na-
tural revide contra os promotores das penalidades cominadas no
breve papal que o P. Diaz Tano fizera conhecer e que motivara
sérios distúrbios contra os Jesuítas no Rio e São Paulo.
Farta foi a presa que os sertões percorridos, principalmente
em índios infiéis, ofereceram à leva paulista. Manuel Peres a
acusa em sua carta: «Não imaginem vossas paternidades que
viemos aqui com o engodo de vossos índios, que muito bem sa-
bem vossas paternidades; o muito gentio que havia por este rio
já o enviei para diante» ... E além da grande chusma de cati-
vos que estariam contidos nas paliçadas, ou a caminho de São
Paulo, um número considerável de ibirajaras íguaianás) acompa-
nhavam livremente os vencedores de suas aldeias localizadas nas
pontas do Apiterebi engrossando a coluna bandeirante.
Em dezembro de 1640 haviam já erguido seu real à margem
direita do Uruguai. Uma grande cheia que, neste mês, engros-
sou consideràvelmente o rio, fez baixar algumas balsas acabadas
de construir, grande quantidade de flecharia e outros petrechos
«pelo que viram os Padres que não era obra somente de infiéis,
mas sim de gente mais ladina e perita do que estes.» 135) Era
chegado o momento de agir, pois isto confirmava a notícia que o
Padre Procurador trouxera do Rio de Janeiro e levava os Jesui-
tas à convicção de que o inimigo estava próximo e não tardaria
a acometer as reduções. Em 8 de Janeiro, o Provincial Padre
134) Carta do capitão Manuel Peres, citada. Ânua do Padre Cláudio
Ruyer, em Rev. do Inst. Hist. e Geogr. do R. G. Sul, XXII, n* 85, p. 39.
135) No histórico destes acontecimentos seguimos o relato do P. Ru-
yer, cartas do P. Tano e Irmão Simón Méndez e Ânua do P. Lupércio Zur-
bano, a primeira no original da B. N. e as outras publicadas in Pastells,
II, 60, 65, 81.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 185
Ruyer convocou 2.000 índios das reduções, dando ordem a todos
os Povos do Uruguai fizessem descer os seus contingentes com
brevidade. Assumiu o comando geral dos índios o capitão-ge-
neral D. Inácio Abiaru, e o velho D. Nicolau Nenguiru, antigo
cabo de guerra cristão, serviu com seu conselho e experiência.
À frente dessa força o P. Ruyer subiu até o rio Acarágua,
enquanto o P. Cristóvão Altamirano, em companhia de outros Je-
suítas e índios, reconhecia a terra, indagando notícias da bandei-
ra. Em caminho os exploradores foram encontrando corpos de
selvagens recentemente mortos, muita flecharia, canoas e 10 ou
12 balsas, muito bem acabadas, feitas de cana da terra que os
naturais chamam taquara. Uma escolta, que foi ao salto do Uru-
guai, às três horas da manhã, encontrou 16 índios fugitivos, já
acossados pelos bandeirantes, que desciam o rio.
A fim de concentrar as suas forças, resolveram os Padres
aguardar no rio Acarágua a vinda dos inimigos que se aproxima-
vam. Organizaram-se patrulhas e sentinelas, ergueram-se paliça-
das e despacharam-se espias em todas as direcções. Finalmente,
a 25 de Fevereiro houve exacta notícia dos paulistas. Canoas de
índios que foram rio acima, em reconhecimento, encontraram ou-
tras que desciam tripuladas por inimigos. Fugiram, céleres, dan-
do aviso aos Jesuítas do encontro que tiveram.
Certos da investida, os Padres levantaram seu exército bai-
xando a Mbororé, ponto estratégico adredemente preparado para a
resistência que se deveria fazer. E quando a bandeira chegou
à aldeia do Acarágua, cercando-a por três flancos e enchendo o
rio de canoas de guerra, não encontrou ali mais ninguém. So-
mente, no rio, em 15 canoas, D. Inácio Abiaru procurou fazer
uma diversão que durou duas horas, inutilizando duas embarca-
ções dos bandeirantes. Neste entreacto apareceram mais três
companhias de mamalucos que se apresentaram para entrar em
comoate, e o P. Altamirano, que dirigia a acção, resolveu retirar
para Mbororé, evitando perda inútil de combatentes.
Sábado, 7 de Março, violenta tempestade caiu sobre o arraial
dos paulistas, obstando descessem estes a enfrentar o exército
missioneiro, em Mbororé. o que foi providencial, pois só no do-
mingo chegaram ali, vindos de todas as reduções do Uruguai,
186
AURÉLIO PORTO
mais 2.000 soldados, com o que se duplicou a força das reduções.
Assumira a direcção dos assuntos da guerra o P. Pedro Mo-
la, que substituíra o P. Ruyer, enfermo em São Nicolau, até que
chegasse o P. Pedro Romero, designado para essa direcção. En-
trementes, o general Abiaru havia tripulado 70 canoas de guerra
em que se contavam, além de inúmeros flecheiros, 57 soldados ar-
mados de arcabuzes.
Quarta feira, 11 de Março, o inimigo apareceu, às duas horas
da tarde e, descobrindo o casario de Mbororé, arribou à margem
e se entrincheirou fortemente em uma chácara que havia nas
imediações. Resolveu o comandante do exército missioneiro não
dar trégua nem alce ao inimigo e assentou oferecer-lhe batalha
incontinenti. Em uma balsa, blindada por fortes paus, colocou
uma peça de artilharia, que deu certeiro disparo contra as ca-
noas inimigas, enquanto os índios impacientes para combater dis-
paravam seus arcabuzes, prostrando logo dois «portugueses» que
estavam em uma balsa. Assim se «travou a batalha com brava
coragem de uma e outra parte».
Neste momento saltou em terra o capitão Jerónimo Pedroso,
com 30 homens e, passando por um arroio grande, começou a ar-
cabuzar os índios que estavam em terra, matando três e pondo
uns 30 em fuga. Outros, porém, revidando o golpe, acomete-,
ram os paulistas, matando um dêles e quatro tupis e ferindo a
muitos, com o que os inimigos voltaram à sua paliçada. Conti-
nuava, entretanto, o choque entre as canoas, de que os bandeiran-
tes contavam 130, tripuladas por mais de três centenas de ho-
mens.
Neste primeiro dia de combate, que terminou ao cair da noi-
te, tiveram os paulistas perda de nove homens brancos e alguns
tupis, mortos e muitos feridos.
No dia seguinte, 12 de Março, o inimigo empregou a manhã
em construir uma forte paliçada e nela se entrincheirou. Ã tar-
de, três mil índios missioneiros, dirigidos pelos seus comandantes,
sob a vigilância dos Padres, em silêncio, procuraram fazer um
movimento envolvente com que contavam èxterminar de vez os
bandeirantes. E, quando estes se aperceberam da manobra, já
sobre as suas defesas caía uma chuva incessante de balas e fie-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 187
chas. Vendo-se quase cercado, procurou o chefe da bandeira abrir
uma brecha entre os atacantes e, à frente de um forte destaca-
mento de soldados, saiu da trincheira, empenhando-se com os
índios num combate, corpo a corpo. Mas tal era o ímpeto des-
tes e a superioridade numérica que, por três vezes, teve o paulis-
ta de se cobrir, retornando à sua paliçada, de que voltava a sair
para novos recontros. Três horas durou a refrega desse dia, que
terminou à noite, pela retirada do exército catecúmeno. Na acção
o capitão Jerónimo Pedroso perdera mais quatro homens bran-
cos, além de maior números de tupis.
Com data de 13, remetida por um parlamentário que arvora-
va bandeira branca, receberam os Padres uma carta de um dos
cabos da bandeira, o capitão Manuel Peres, constante, em tradu-
ção da Ânua do P. Ruyer e por nós retraduzida do espanhol :
«Meus Revos. P.es — Chegámos aqui onde viemos falar a V. P.es
para saber dos homens que V. P.es prenderam há anos passados,
isto é, Pascoal Leite Pais e os demais dos quais nunca tivemos no-
tícias nem por mar nem por terra, se são vivos ou mortos; pelo
que vi anteontem vejo que V. P.es estão em pé de guerra e an-
tes que tivéssemos chegado já este rio estava coalhado de canoas
de guerra por ordem de V. P.es, às quais quatro moços mal in-
tencionados, sem ordem minha, procuraram sair de encontro, pelo
que V. P.es sem nenhuma razão nem cristandade o fizeram, que
se eu viesse a fazer mal abalroara com todo o meu exército, mas
antes mandei recolher a gente toda e assim o fizeram como V.
P.es bem viram ppi" compreender que eram religiosos e servos de
Deus e nos cristãos: e, logo, rio acima, querendo falar às canoas
de V. P.es levantámos uma bandeira branca, ao que nos respon-
deram muitas arcabuzadas, coisa que cada vez foi de mal a pior.
E assim requeiro a V. P.es da parte de Deus e de S. M. uma e
muitas vezes descarregando minha consciência, e a de todo este
real sobre V. P.es do que possa suceder de hoje em diante, de
parte a parte, pois o tem causado V. P.es, sendo claro que não
tive tal intenção e por isto deixo traslado desta mesma carta para
que em todo o tempo conste a verdade, pois não temos intenção
de fazer mal aos cristãos, pois ao que viemos não é mais do que
saber de nossos irmãos e parentes que, em sua mor parte, são ca-
188
AURÉLIO PORTO
sados e estão carregados de filhos e filhas, hoje em grande desam-
paro, clamando e pedindo justiça a Deus contra V. P.es pelo desam-
paro e miséria em que se vêem; e assim como da parte do P.e Vi-
cente Rodrigues, da Companhia de Jesus, me pediram os interes-
sados chegasse aqui para saber deles.' E estimarei que V. P.es
me façam a caridade e mercê de nos vermos, e, principalmente,
que nos digam missa, e ouçam algumas confissões, pois estamos
na santa quaresma. Não imaginem V. P.es que viemos aqui com
o engodo de seus índios, que muito bem sabem V. P.es; o muito
gentio que havia por este rio já o enviei para diante e com que
V. P.es venham cá falar comigo verão e acharão ser tudo isto
certo e verdadeiro. Eu fico esperando a V. P.es, ou resposta, e
não seja a que deu a António Raposo Tavares, em Jesus-Maria, e
V. P.es muito bem sabem o que disso resultou, o que entendo não
farão V. P.es e assim querendo V. P.es vir aqui o podem fazer
confiadamente, sem receio nenhum; eu fico esperando a V. P.es
a quem Deus guarde etc. — 13 de Março de 1641 — De V. P.es
servidor que suas mãos beija — O cap. Manuel Peres. 136)
Por outras ocasiões ainda procuraram os bandeirantes co-
municar com os Padres, mas, absolutamente, não conseguiram
que suas cartas fossem respondidas. Só, mais tarde, animoso, o
P. José Doménech aproxima-se da paliçada inimiga, exprobrando
o procedimento dos paulistas e oferecendo os serviços espirituais
dos Padres se houvesse ali feridos em perigo de morte, aos quais
estariam prontos a confessar. Respondeu-lhes o comandante que
havia 11 brancos gravemente feridos, como também alguns índios.
Até 16 de Março, entre refregas contínuas e assaltos dos ín-
dios, estiveram os mamalucos na paliçada, de que saíam pai a in- '
136) Quem é este capitão Manuel Peres que escreve aos Padres como
se fosse cabo principal da bandeira? Pensa o Dr. Taunay (A grande vida
de Fernão Dias Pais — Anais IV-34) que é Manuel Pires, "cujo nome deve
ter o jesuíta estropiado graças à tendência então geral no tempo, ou uni-
versal mesmo, de se verterem os nomes". Seria, assim, o marido de Ma-
ria Bicudo (Geneal. 6M48), pai do P. Estêvão Rodrigues da Companhia
de Jesus, e sogro, pela primeira mulher do insigne António Raposo Ta-
vares. Entretanto, a assinatura da carta e todas as referências que se
encontram nos documentos jesuíticos refere-se a um Manuel Peres... Ve-
ja ainda a nota 10. na Rev. do Inst. Hist. e Geogr. do R. G. Sul, Ano XXII.
n" 85, p. 40. (L. G. 3.) .
N
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
189
vestir contra os inimigos. Retiraram daí, sempre acossados pe-
los catecúmenos, construindo, mais adiante, novas fortificações
para a sua defesa. Mas os soldados de D. Inácio Abriaru não
lhes davam tréguas para cuidar de seus feridos, que eram mui-
tos e, assim, ainda por dois dias, mantiveram contacto com os
inimigos vermelhos. Nesses recontros os próprios chefes Nen-
guiru e Abiaru foram tomados pelos bandeirantes e libertados
pelos índios. No último dia, oitavo de combates contínuos, 18
de Março, os missioneiros os perseguiram das seis da manhã às
três horas da tarde. Haviam perdido mais de 60 mortos, sendo
poucos os que não estivessem feridos.
A fim de melhor se refazerem, os paulistas embrenharam-se
nas matas entre o Mbororé e o Acarágua, sem que seus persegui-
dores pudessem encontrá-los, nem saber o rumo que haviam toma-
do. E assim passaram-se seis dias, conseguindo os fugitivos atin-
gir novamente as aldeias do Acarágua, onde se situaram, erguen-
do o seu real.
Não esmoreceram, porém, os Padres no intuito de se verem
livres de tão terrível inimigo. Convicto estava este de gozar al-
guns dias de tranquilidade, entregue a seus deveres devocionais,
pois corria a semana santificada pela morte do Redentor. E, no
Acarágua, onde os restos da bandeira destroçada se acolhera, na
quinta feira santa, que deve ter passado a 25 de Março, os paulis-
tas estavam ocupados «em levantar cruzes, erguer calvários, en-
ramar arcos e preparar estações para as solenidades da Paixão».
Jamais supuseram que em «tais dias santos», consagrados às ce-
rimónias religiosas, ao culto do Senhor, pudessem cristãos empu-
nhar armas para verter sangue humano, principalmente religio-
sos de tão austeras virtudes.
E foi exactamente nesse dia que, tendo localizado os fugiti-
vos, sobre eles caiu o forte exército dos catecúmenos, sob o co-
mando de D. Inácio Abiaru e imediata direcção dos Padres da
Companhia de Jesus. Após refregas incessantes e desesperada
defesa aos mamalucos, em que perderam muitos homens, conse-
guiram estes pôr-se a salvo, fugindo novamente para os matos.
Domingo da páscoa, não obstante incessantes buscas, perderam
os índios o contacto com os restos da bandeira destroçada, que
190
AURÉLIO PORTO
já havia tomado grande distância, por ásperas serranias e ma-
tos fechados que marginam o Uruguai. E o exército cristão vol-
tou às suas reduções para celebrar com Te Deum festivo e largas
manifestações de alegria a auspiciosa vitória. Isto foi a 28 de
Março em que deve ter caído a páscoa de 1641.
Trágico o retorno dos remanescentes dessa bandeira que. em-
brenhada pelos sertões catarinenses só deve ter atingido o povoa-
do piratiningano um ano e meio mais tarde.
Em seu retorno, até atingir as cabeceiras do Apiterebi, onde
havia várias aldeias de infiéis ibirajaras, segundo a documenta-
ção jesuítica, haviam sido várias vezes assaltados pelos índios gua-
lachos, hordas selvagens e antropófagas que dominavam aquele
sertão, vindos do Norte sob a pressão dos brancos que baixavam
do Iguaçu. E nesses recontros haviam perdido ainda alguns ho-
mens, mortos sob cruéis atrocidades, descritas pelo P. Cristóvão
Altamirano que até ali persegue os mamalucos.
Sabedores da derrota de Mbororé, ^aprestaram os paulistas,
em sua cidade, uma nova bandeira, que dali saiu, em 1641, em so-
corro dos bandeirantes que acossados pelos índios se retiravam
para o Apiterebi, ali encontrando os remanescentes da bandeira
destroçada. Esse socorro não é referido pela documentação por-
tuguesa, constando a notícia, como veremos, da delação de ser-
viços dos tapes, etc, do P. Bernardo Nusdorffer, (V. Vol. se-
guinte, cap. I, 2, nota ano de 1641) : «No mesmo ano (1641)
alguns derrotados que iam fugindo encontraram com socorro no-
vo que vinha do Brasil e juntos voltaram por outra parte e com
outro modo a tentar fortuna: fizeram dois fortes, no rio Uruguai,
um chamado Tobati e outro Apiterebi, para sair daí, fazer guerra
às reduções e cativar índios. Descobriram os espias dos índios
o seu intento, saíram logo em seguida e acometendo o primeiro
forte, os destroçaram, matando muitos e libertando os cativos que
já tinham.
Deram também sobre o segundo forte e os obrigaram a eva-
cuá-lo, com tudo quanto tinham de provisões, munições, víveres
e cativos.» Quem comandava esse novo reforço que veio em so-
corro dos destroçados de Mbororé? A documentação portuguesa
nada nos diz a respeito. Meses depois do assédio de Mbororé, diz
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 191
o Irmão Simão Méndez, confirmado pelo P. Diaz Tano, 137) man-
daram os Padres, sabendo que os paulistas tinham recebido re-
forço, uma força armada de 150 catecúmenos sob o comando do
capitão-general Inácio Abiaru, para novamente hostilizá-los. De-
pois de muitos dias de marcha encontraram 10 «portugueses» que
procuravam fazer um forte nas imediações das reduções. Bati-
dos pela força, dispersaram-se, com morte de cinco, tendo sido
libertados 45 infiéis que haviam capturado. Algum tempo de-
pois, outros contingentes de soldados das reduções acharam ran-
cheados em uma paliçada alguns paulistas que foram obrigados
a fugir.
Um destacamento de bandeirantes que saiu à preia de infiéis
encontrou pelas alturas do Tebiquari um troço de índios cristãos
que, quando da destruição de Santa Teresa, se teria retirado para
as imediações desse rio. Depois do assalto que colheu alguns,
outros se entregaram espontâneamente, com o intuito de mais
tarde promoverem uma revolta entre os prisioneiros. Ã noite le-
varam a efeito o intento, destroçando-os. Outros «10 portugue-
ses de outra tropa, que eram os melhores soldados de Jerónimo
Pedroso», ís8) tiveram igual destino, muitos deles morrendo, ata-
cados pelos índios.
Além de todas essas lutas ainda se referem os documentos
conhecidos à investida de grande quantidade de tigres que asso-
lavam os acampamentos, às intempéries terríveis da estação hi-
bernal e à falta de mantimentos que originou grandes privações,
fome e doenças.
Diz o Provincial P. Francisco Lupércio Zurbano, na Ânua
referida que, segundo pessoas vindas do Brasil, as baixas dos
paulistas orçavam por 120 brancos, «parte feridos e mortos na
batalha, parte mortos pelos índios infiéis, e outra pelos tigres e
intempéries», que os assolaram no retorno ao povoado.
Os restos desta bandeira devem ter chegado em Agosto de
1642 a São Paulo, data em que foi iniciado o inventário de Sebas-
tião Gonçalves.
137) Pastells. II, 60.
138) Pastells. II, 65.
História das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte
7
192
AURÉLIO PORTO
7. Outras actividades do bandeirismo paulista.
Não estaca, porém, ante o insucesso do Mbororé a activida-
de formidável dos paulistas, no Sul. Refere Taunay 139) uma
investida na quaresma de 1651 que seria dirigida contra Buenos
Aires, capital do Rio da Prata.
Certo é que no decénio de 1650-1660 e, mesmo, no seguinte,
se não aparecem as grandes bandeiras pelos sertões do Rio Gran-
de, fazem-se entradas inúmeras, subindo para São Paulo chusmas
e chusmas de índios apresados em todos os recantos da terra
rio-grandense. Assim, muitos inventários de Piratininga, de pau-
listas mortos no sertão, podem-se atribuir a essas investidas inin-
terruptas contra as selvas do extremo sul.
De uma dessas entradas, não referida pelos historiadores,
ficou farta documentação na Colecção Jesuítica de Angelis, da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Em Abril de 1656 chegou ao conhecimento de D. Matias Je-
ramini, índio corregedor da doutrina de Japeju que, de Tbicuí, 20
dias para as terras do Brasil a dentro, um grande grupo de pau-
listas andava cativando índios. Aprestou-se logo a diligente au-
toridade e com uma força bem armada de cateeiíimenos se pôs
resoluta a caminho.
Depois de alguns dias de percurso surpreendeu os paulistas
Manuel Preto, Pascoal da Ribeira e Francisco Cordeiro 140) que,
139) Hist. Geral, III, 202.
140) Sobre Manuel Preto vide nota anterior. Nada encontramos so-
bre Pascoal da Ribeira, talvez pela dificuldade de pesquisas individuais
na Genealogia Paulistana. Quanto a Francisco Cordeiro, deve ser o mes-
mo bandeirante referido pelo Dr. Ellis, (O Bandeirismo, 1» ed. 144.^ que.
com Domingos Cordeiro, António Cordeiro e outros, fez parte da bandeira
de António Domingues que, em 1648 estava no sertão, voltando a São
Paulo no ano seguinte. Seria filho de Domingos Cordeiro que foi casado
em primeiras núpcias com Antónia de Paiva e em segundas com Ana Ri-
beiro, sendo Francisco filho do primeiro matrimónio (Geneal. T, 288) . O
dr. Leite Cordeiro, no artigo referido, confirma nossa suposição. E' bem
possível que essa bandeira referida pelo Dr. Ellis, da qual "não encon-
trou dados para concluir por onde andou", estivesse agindo, nesse ano,
pelo sertão rio-grandense, como sucede com a por nós identificada, de que
fazem parte um Cordeiro e um dos Pretos. Quanta coisa ainda a des-
vendar e investigar sobre a actuação das bandeiras no Sul, não obstante
os trabalhos magníficos de Taunay, Ellis e Basílio de Magalhães!
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 193
com dois mulatos crioulos do Brasil e mais 50 índios tupis, anda-
vam na maloca. Vinham estes fortemente armados de bocas de
fogo, flechas e alfanjes, de que não puderam fazer uso, porque
sobre ele os índios caíram de inopino.
Considerável a presa que haviam feito entre índios infiéis das
regiões que tinham atravessado. «Trazia o inimigo três grandes
cadeias de ferro. Com suas coleiras, ao pescoço, seguiam de 20
a 30 índios em cada uma». Além disto, ainda levavam mais qua-
tro cadeias como as primeiras, sem cativo algum. D. Matias e
seus índios prenderam os bandeirantes e, soltando os índios por
eles cativados, puseram nas coleiras de uma das cadeias os pau-
listas e em outra mulatos e tupis que faziam parte do bando.
Apreenderam armas e bagagens e com esta presa preciosa vol-
taram rumo a Japeju. Três dias já haviam caminhado quando,
uma noite, em um pouso, desencadeou-se forte temporal, que os
obrigou a afrouxar a vigilância em que mantinham os prisionei-
ros. Aproveitaram-se estes da oportunidade e os três paulistas
com uma dezena de índios conseguiram fugir, não mais sendo en-
contrados pelos soldados japejuanos. Não o conseguiram, porém,
os dois mulatos que foram conduzidos à doutrina, onde depuseram
em longo interrogatório que ali foi feito.
Revelou a inquirição dos mulatos e prisioneiros restantes que,
nesta e em outras ocasiões, muitas tropas saíram de São Paulo e
em um posto que chamam de Igaí íJacuí), haviam construído
um forte e paliçada onde tinham mantimentos e algumas botijas
de pólvora e para ali conduziam os índios que lhes caíam nas
mãos, o que sucedia de muito tempo a esta parte.
Em outro posto, que se denomina Tarabirém, havia tam-
bém outro bando de «portugueses», e o mesmo acontecia em Iba-
taiti, onde outros dois paulistas, que não sabiam os depoentes
como se chamavam, tinham outras cadeias com índios cativos,
que eram recolhidos a outro forte. Mais 10 bandeirantes, desse
mesmo grupo, andavam pela campanha, terra a dentro.» 141)
Terminam aí as informações colhidas na diligência do corre-
gedor de Japeju.
141) Maloca de portugueses. B. N. Mss. I, 29, 2, 9. Col. d'Ângelis.
194
AURÉLIO PORTO
E' possível que esse grupo de bandeirantes pertença à leva
de Luís Pedroso de Barros, que «em 1656, por ocasião do inven-
tário de sua mãe, Luzia Leme, se encontrava no sertão (Invent.
e Test. Vol. XV, 410) em lugar incerto e não sabido, como foi
justificado prèviamente por meio de muitas testemunhas inqui-
ridas, como era do rito processual (ibidem)», consoante observa
o Dr. Ellis. 142 ) Inclina-se, porém, o historiador, a julgar que
essa expedição do sertanista, por erro de data, fosse a que Pe-
dro Taques, indicando o ano de 1660 para a partida, diz ter ido
até o Peru, onde o cabo, capitão Luís Pedroso de Barros, foi mor-
rer às mãos dos índios serranos.
Quantas bandeiras e entradas não identificadas pelas fontes
arquivais terão, nesse largo período de mais de 20 anos, perlus-
trado, por todos os seus recantos, a terra rio-grandense ? Entre
elas, note-se de passagem, parece ter-se dirigido ao Sul a do ca-
pitão António Domingues, assinalada em 25 de Junho de 1648, em
sertão desconhecido pelos Inventários de São Paulo, e referida
pelo autor do Bandeirismo. Da larga nominata de seus compo-
nentes, 14 •"') ressalta o nome de Francisco Cordeiro, o mesmo ban-
deirante que, com Manuel Preto e Pascoal da Ribeira, em uma
noite de tempestade de Abril de 1656, consegue fugir da corrente
de ferro, em cuja coleira os japejuanos o haviam prendido.
Ainda em 1669, uma grande ameaça de invasão paira sobre
as doutrinas jesuíticas, principalmente Japeju (Reis), «mais dis-
tante das outras e pelas notícias que lhes deram (aos paulistas)
alguns índios fugitivos da dita doutrina que cativaram algumas
vezes que a ela se têm acercado». Em 21 de Outubro deste ano,
na redução de São Tomé, perante as autoridades e Padres que
nela se achavam, compareceram Ventura Dias, mestiço e filho de
português, que depois de se criar entre eles e os acompanhar em
várias jornadas que fizeram para cativar índios, os abandonara
e fora até aquela doutrina. Acompanhavam-no Salvador Nunes
e António Costa, também dos portugueses, sendo o último mesti-
ço como o primeiro.
142) A. Ellis Júnior. O bandeirismo citado 1* ed. 152.
143) Ibidem. 144.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 195
Declararam que era certa a vinda de uma bandeira, parti-
cularmente destinada à doutrina de Reis do Japeju, e que os «ca-
pitães que tratam dessa jornada são Fernão Dias Pais, Pedro
Pais de Barros, João R. Pais, João Andrade, Francisco Camar-
go, José Camargo, Brás Estêves, grande sertanista que se achou
na destruição de Jesus-Maria, Domingos Garcia, Garcia Rodri-
gues e Domingos Luís, vizinhos de São Paulo; o da Conceição
enumera também outros capitães, como são Atanásio da Mota,
Vasco da Mota, André da Costa e Vicente Peres, que têm o mes-
mo intento por ouvi-los tratar com gente poderosa, e de muitos
índios que têm para o dito efeito, acrescentando o entusiasmo
que têm para isto os fulanos franceses João, Diogo e Dionísio, de
cujos apelidos não se lembra, oriundos de uns que antigamente
foram com eles de Vila Rica ou outra povoação. Em São Paulo,
os que cita, tratam dessa jornada, por terem morrido muitos ín-
dios e muito confiar em sua valentia e gente que têm em suas
terras; e os ouviu também dizer que, embora não conseguissem
a licença que haviam pedido, realizariam essa empresa, como em
outras ocasiões, saindo ao campo e aí organizando o seu exército.
E acrescentou o terceiro (António Costa) «que ouviu dizer que
fariam sua viagem até a Lagoa dos Patos em barcos ou navios
para trazer sua matalotagem e demais petrechos de guerra, se-
mente que teriam de semear onde descessem, para ter recursos e
comida com que voltar, e dali iriam por terra até o rio Igaí (Ja-
cuí) caminho mais curto e menos difícil e do dito rio às doutrinas
sem necessidade de mais matalotagem pelas inúmeras vacas que
dizem aí haver.» 144)
Em Agosto do mesmo ano de 1669, fugidos de São Paulo com
suas mulheres e filhos, chegam à redução de São Francisco Xa-
vier dois índios, naturais da redução de Santa Teresa, que os
paulistas haviam apresado 30 anos antes, sendo «mui pequenos».
Baptizados pelos Padres Francisco Jiménez e Simão Maceta, curas
de Santa Teresa, jamais esqueceram esses índios os rincões de
sua terra natal e a ela voltavam, fugindo a seus senhores.
144) Traslado de la declaración de los indios etc. B. N. Col. Angelis
I, 29, 2, 53.
196
AURÉLIO PORTO
Informaram esses índios, perante o corregedor da redução,
Tomás Potira e outros, que era certo tratarem «os portugueses
de São Paulo de conquistar as doutrinas de ambos os rios Paraná
e Uruguai, e que para isto haviam mandado buscar todas as mu-
nições necessárias de pólvora e balas e mais dois tiros de arti-
lharia, porque, dizem, querem vingar a morte de seus pais e pa-
rentes que nas refregas destes anos passados os índios destas
doutrinas haviam morto, e que para isto queriam vir com mais
demora, roçando e fazendo chácaras no caminho e ficar o tempo
necessário para destruir e acabar completamente todos estes po-
vos, «Disseram mais esses índios, «que nos Pinhais, junto ao
povo que foi de Santa Teresa, o qual destruiu André Fernandes,
que não está muito distante daqui, se fundou um povo de índios
cujo cura é o filho do dito André Fernandes, 145) aonde se jun-
tam os portugueses que saíam de São Paulo para as malocas. Ali
se aviam de comida e de tudo que é necessário para ida e vol-
ta. 14,i)
Nada mais esclarecem sobre essa arrancada bandeirante em
perspectiva os documentos jesuíticos. Nessa época, grandes ban-
deiras paulistas devassavam os sertões brasileiros em todos os
quadrantes, e muitos dos acima citados integravam as levas que
partiam para' rumos ignorados. E é quando Fernão Dias se
apresta para a grande epopéia das esmeraldas.
8. O êxodo das populações aborígines.
Logo após o assalto da bandeira de António Raposo Tavares,
em princípios de 1637, começa o êxodo das populações missionei-
145) Padre Francisco Fernandes de Oliveira, ordenado no Paraguai
e que durante muitos anos foi vigário de Parnaíba. Cf. nota anterior.
146) Ficava Santa Teresa nas proximidades da actual cidade de Pas-
so Fundo, como já tivemos ocasião de dizer. Ao princípio, era atingida
por um caminho que partia da redução destruída de Jesus-Maria e, mais
tarde, aberta pelos próprios bandeirantes ligava-a ao caminho que descia
de Santa Vitória, no rio das Pelotas, uma estrada de penetração para as
reduções do Ijuí, passando por Santo Cristo. Em suas proximidades, An-
dré Fernandes, que a destruiu, localizou o posto de aprovisionamento das
bandeiras, de que nos falam os índios fugidos de São Paulo. Aí deveriam
ter-se reabastecido inúmeras levas de paulistas, não identificadas ainda
à falta de documentos idóneos. B. N. Mss. I, 29, 2, 29.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 197
ras que fogem ante a investida cruenta dos paulistas, preadores
de índios. Tendo conhecimento de que os mamalucos haviam ata-
cado Jesus-Maria e vencido os catecúmenos ali aldeados, não obs-
tante a resistência que ofereceram, o P. Agostinho de Contreras,
cura de São Cristóvão, foi o primeiro que, para salvar o seu re-
banho, o conduziu para SanfAna. E aí se reúne também parte
dos moradores de Jesus-Maria, que conseguem escapar ao assal-
to dos bandeirantes.
Nessa ocasião, informado dos acontecimentos que se preci-
pitavam nas reduções da Serra, o P. António Ruiz de Montoya, Su-
perior das Missões, vai a SanfAna e resolve, atendendo a razões
que impunham a segurança das populações de outros Povos que
ali já estavam reunidos, transferi-los para Natividade, lugar me-
nos exposto à incursão dos mamalucos. Ã margem direita do
Jacuí, natural barreira defensiva, «que poderia estorvar o passo
ao inimigo», essa redução oferecia de pronto condições mais fa-
voráveis de defesa.
Trataram logo os Padres de fortificar melhor essa posição,
servindo-se de canoas, para patrulhamento do rio, e que, ao mes-
mo tempo, se prestavam para surtidas, que levavam continua-
mente a pequenos grupos de inimigos, que se distanciavam do real
paulistano.
Conta-nos o P. Prpvincial Diogo de Boroa, que com toda pres-
teza acudiu a Natividade, fazendo à margem do rio levantar «um
parapeito sobre um terrapleno bem fortificado que dava para o
rio, e debaixo deste estavam as balsas e canoas e gente que os
defendia. Também colocaram-se sentinelas e espias por toda par-
te, nos passos do rio, em que pudesse haver algum vau, e para
impedir que os inimigos assolassem chácaras e lavouras se lhes
prepararam ciladas e emboscadas»; e isto foi de grande proveito,
na ocasião, «porque o inimigo havia mandado gente a percor-
rer a Serra na parte que caía da outra banda do Jacuí até SantAna
e São Cristóvão, e os nossos índios iam dando sobre eles» e lhes
causando algum dano, com morte mesmo de alguns «portugue-
ses», o que acoroçoou ainda mais essas surtidas.
Determinara o Provincial contivessem os Padres os seus ca-
tecúmenos, nas reduções em que estivessem, até que ele pessoal-
198
AURÉLIO PORTO
mente verificasse as condições das doutrinas e a necessidade de
se transferir os neófitos para mais seguras regiões. Mas, «pin-
ta sempre o medo e temor, de longe, as coisas maiores do que
realmente são e a fama, quanto mais longe, acrescenta sempre
circunstâncias mais negras à realidade», «principalmente se a le-
va o que vai fugindo temeroso» e «os ouvintes são pusilânimes»
«como a maior parte desta pobre gente». Boatos terroristas voa-
vam a todas as reduções e os índios, em fuga, assoalhavam por
toda parte as atrocidades dos bandeirantes e a retirada, em mas-
sa, das populações aborígines das reduções já destruídas. E ín-
dios houve, aliás muitos, «que afirmavam haver visto com seus
próprios olhos matarem (os bandeirantes) os Padres e fazê-los
em pedaços», e isto determinou a fuga de muitos que se oculta-
ram pelos matos e outros que abandonaram seus Povos. «Os
primeiros que o fizeram foram os da redução dos Mártires de
Caró, e logo os seguiram os da Candelária (embora não corres-
sem risco e perigo como os da Serra), deixando as sementeiras e
chácaras e toda a comida que tinham, pegando fogo a suas casas
e Povo», atemorizados pelas novas que corriam por toda região.
Em parte, porém, isto foi providencial. Nestas reduções se-
midestruídas, cujas populações se retiraram logo para o Paraná,
«acharam acolhida e socorro a gente e chusma que da Serra e
das reduções de São Carlos e Apóstolos iam-se retirando, o que
evitou possíveis atritos e a fome que naturalmente sofreriam». E
tanto assim foi que, chegando maior número de retirantes, houve
acaloradas disputas entre uns e outros, que não eram os donos
primitivos das chácaras.
à Candelária e Apóstolos se recolheram quase todos os ca-
tecúmenos das reduções da Serra e outros que emigraram de seus
Povos, por temor da investida paulista.
Outro mal que veio assolar as reduções proveio do inimigo
caseiro, sempre pronto a combater a supremacia que os Padres
exerciam sobre os índios. Era este o infiel, principalmente o ibi-
rajara, raça de insignes feiticeiros, os apicairés, antropófagos,
que aproveitaram o momento para também cair sobre as reduções
desprotegidas, onde somente se encontravam mulheres e crianças.
E muitos foram vítimas desses bárbaros, de que fugiram, aumen-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
199
tando assim a enorme confusão que ia pelas reduções da Serra
e do Uruguai. Até aqui o panorama que nos desenrola o P. Bo-
roa em sua Ânua, referente ao ano de 1637, descrevendo o esta-
do das reduções do Uruguai e do Tape nessa fase inicial da des-
truição das florescentes povoações jesuíticas. 14 ~)
Nos anos seguintes, novas bandeiras que invadem o terri-
tório riograndense, destruindo as reduções de Santa Teresa, S.
Carlos, Apóstolos, Candelária e outras, determinam ainda o êxo-
do de novas populações, que resistiam à idéia de abandoná-las,
pelo amor que devotavam à velha terra de seus pais. Em fins
de 1639, já quase toda a população das reduções havia emigrado
para a mesopotâmia párano-uruguaia, onde havia sido acolhida
nas antigas povoações guaraníticas, ou fundado outras, em que
se estabeleciam definitivamente.
Segundo documento publicado em Pastells 14S) ficaram as-
147) B. N. Mss. I, 29, 7, 29.
148) Pastells, II. 307. Transcrito de Azara. Há na Colecção de An-
gelis também um documento sobre a mesma localização, sem as coordena-
das dadas por Azara.
ANALISE HISTÓRICA DA ACÇÃO BANDEIRANTE PELO AUTOR DA
2? EDIÇÃO: Ficaria manca a relação tão pormenorizada dos acontecimentos,
que, qual filme dramático, acaba de passar diante dos olhos do leitor, se o his-
toriador não analisasse essas páginas de sangue. É que a história, para me-
recer o título de «mestra da vida» tem de ver investigada sob os seus diversos
aspectos.
Aurélio Porto, como brasileiro de gema, e admirador simultaneamente do
expansionismo paulista, não se pronunciou abertamente sobre o assunto, pos-
sivelmente para não revelar em demasia a sua profunda admiração pela
obra evangelizadora dos Jesuítas espanhóis no Rio Grande do Sul, como trans-
luz das páginas desta obra, e ele repetidas vezes afirmou àquele que hoje
edita a nova edição deste monumento histórico. Nós, como brasileiro nato
por um lado, e filho da Companhia de Jesus pelo outro, nos sentimos mais
no fiel na balança e autorizados a emitir um parecer imparcial.
Sob o ponto de vista militar, as bandeiras de São Paulo ao Rio Grande
do Sul constituem empresas de audácia sem par. No percurso de alguns
decénios, os paulistas foram o maior pesadelo da dominação e colonização
castelhana no Continente Sul-Americano, mantendo os seus rivais em contí-
nuo sobressalto. Uma vez ameaçavam o Paraguai, outra arrasavam o Guai-
rá e o Tape; ora galgavam afoitos os Andes, ora provocavam a águia de Caste-
la no Rio-mar Amazonas, e isso ordinàriamente sem serem esperados, le-
vando quase sempre de vencida aos seus contrários.
Consideradas geogràficamente, essas expedições, sublinhamos integral-
mente a opinião de A. Taunay, que assevera, não fossem as barreiras opos-
tas em Mbororé aos mamalucos em 1641, estes, auxiliados por uma esquadra,
200
AURÉLIO PORTO
sim localizadas, além-Uruguai, as diversas populações das doutri-
nas do Tape e do Uruguai que para ali emigraram:
1 São Nicolau, trasladado em 1637 para a margem direita
do Uruguai, incorporou-se ao Povo de Apóstolos, e em 1687 vol-
tou ao ponto de origem, aos 28? 12' 0" de lat. S. e 2* 21, 7" de
long. O.
2" Candelária, de Caaçapá-mini, transmigrou em 1637 para
as proximidades da redução de Itapua, passando daí para a cos-
teriam ameaçado as próprias províncias do Paraguai e do Rio da Prata. Ou-
trossim aceitamos o parecer do infatigável pesquizador Dr. Alfredo Ellis Jú-
nior, que diz que se não tivessem sido expulsos os Jesuítas espanhóis djo
Guairá com as suas florescentes Reduções, era bem possível que hoje essa
parte não seria do Brasil. Até acrescentamos mais: perlustrando as pági-
nas magistrais de Tapnay, sobretudo o 39 volume da sua «História Geral das
Bandeiras Paulistas», ficámos com a impressão que bem pouco faltou para
os bandeirantes se apossarem de toda a região banhada pelas margens es-
querdas do Paraguai e do baixo Paraná. Entretanto, a nós brasileiros não
nos é lícito condenar a defesa e tenaz resistência dos espanhóis e menos ain-
da dos infelizes tapes e guaranis, aos quais assistia todo o direito natural de
sc defenderem contra esses ataquei, não só desumanos mas ainda comple-
tamente injustas.
Ainda sob o aspecto geográfico, Serafim Leite, jesuíta português e ami-
císsimo do Brasil, que já mimoseou a nossa Pátria com dez alentados volu-
mes úa cKistória da Companhia de Jesus no Brasil», no Volume VI, página
245, referindo-se à caça de índios carijós no litoral catarinense e rio-granden-
se, diz que esse «movimento escravagista despovoador e anti-colonial, mais
impediu que ajudou o estabelecimento pacifico dos Portugueses nessas para-
gens extremas do sul do Brasil».
Pela mesma razão discordamos inteiramente do parecer de Ellis que atri-
bui a incorporação do nosso Rio Grande à acção bandeirante. Não, o fac-
to de a terra gaúcha fazer hoje parte integrante do Brasil, não se deve a
esses caçadores de índios indefesos, porquanto aqueles, na sua actuação fi-
nal, de 1639 •« 1641, foram desbaratados, abandonando o Rio Grande despo-
voado à sua sorte, e tanto que, meio século depois, os sobreviventes e seus
filhos puderam retornar pacificamente a seus «pagos», e ocupar, sempre sob
a bandeira espanhola, a maior parte do hodierno Rio Grande, que só foi con-
quistado para o Brasil pela diplomacia lusitana e um golpe audaz de um
punhado de intrépidos gaúchos, como se dirá no fim do volume seguinte.
Quanto ao lado moral dessas caçadas ao pobre indígena das nossas sel-
vas esposamos as palavras do mesmo Serafim Leite, que interpretam a re-
sistência dos Jesuítas em São Paulo e no resto do Brasil: «Os Padres da
Companhia não condenavam o facto da escravatura, chaga então social exis-
tente no mundo, e todas as nações civilizadas a exploravam. Também nun-
ca disseram que as bandeiras de caça ao índio fossem «apenas» por instinto
de fereza. O que eles combatiam eram os cativeiros feitos contra o diroito
positivo civil (leis do Reino), contra o direito canónico (leis da Igreja), e
contra o direito natural, da liberdade humana. Condenavam sobretudo os
maus tratos infligidos aos cativos». (VI p. 267/8).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 201
ta sul do Paraná sobre- o rio Igaarupá. Em 1667 trasladou-se
para 20" 26' 46" de Lat. S. e 1" 53' 29" de Long. O.
3" Assunção, cuja população fundiu-se com a de outros Po-
vos já existentes à margem direita do Uruguai.
4" Caró — Seus remanescentes fundaram Santos Mártires
do Japão, que recebeu também os restos dos Povos destruídos de
Jesus-Maria do Ibiticaraí, São Cristóvão e São Joaquim, quando
da invasão bandeirante. Em 1704 passou a 27" 47' 37" de Lat.
S. e 2" 10' 58" de Long. O.
5 Apóstolos — Passando o Uruguai tomou a denominação
de São Pedro e São Paulo, localizando-se a 27" 54' 43" de Lat. S.
e 1" 51' 41" de Long. O.
6" São Carlos — Com seus remanescentes e de outros Po-
vos foi fundado outro com o mesmo nome, entre o Uruguai e o
Paraná, a 27" 44' 36" Lat. S. e 1" 43' 48" de Long. O.
7. São José — Passou para Oeste do Paraná, entre Corpus
e Santo Inácio Mini, e em 1660 se estabeleceu aos 27" 45' 52" de
Lat. S. e 1" 52' 3" de Long. O.
8 São Miguel — Foi para as imediações de Conceição, mar-
gem direita do Uruguai, e em 1687 voltou a 28" -32' 36" de Lat. S.
e 3" r 33" de Long. O.
9" São Cosme e São Damião — Trasladou-se para o Para-
ná, entre o rio Aguapeí e Candelária, a cujo Povo se incorporou,
e em 1718, separando-se dele, situou-se a uma légua de distância,
Por fim, quanto ao lado social, arrancar tantos maridos dos braços das
esposas e tantos filhos do colo dos seus pais, desorganizando inúmeros lares
cristãos o deixando praticamente na viuvez ou na orfandade dezenas de
milhares de criaturas, foi uma inconcebível desumanidade, praticada a título
de «braços para a lavoura».
Que diríamos hoje em dia nós brasileiros se a medalha estivesse inver-
tida, achando-se o «ninho das aves de rapina» em Assunção do Paraguai
em vez de Piratininga. fazendo os espanhóis com os seus guaranis as .mes-
mas depredações contra os pacíficos indígenas cristianizados na zona lusi-
tana e empurrando a linha de demarcação em sentido contrário ao que "exe-
cutaram os mamalueos ?
Sirva isto para moderar o irrestrito entusiasmo pela obra do bandeirismo
seiscentista de alguns patrícios nossos. Nada obstante, considerando bem
as circunstâncias todo peculiares de São Paulo do Campo de Piratininga de
1600 a 1650 ousaremos, «mutatis mutandis», proferir a sentença final mitiga-
dora: «Crimen fué dei tiempo, no de San Pablo!»
(L. G. J.)
t
202
AURÉLIO PORTO
onde o P. Diogo Soares fez observações astronómicas. Em 1740
passou ao Paraná e em 1760 trasladou-se para 27" 18' 55" de Lat.
S. e l9 21' 52" de Long. O., meia légua distante do Paraná.
10' SanfAna — Trasladou-se para o Paraná perto de Peiu-
ré, donde passou para 23" 27' 45" de Lat. S. e 2" 2' 19" de Long.
O. a duas léguas do Paraná.
II9 São Tomé — Transmigrou para o Uruguai na Lat. S.
de 29" 33' 47" e na Long. O. de 1" 43' 17".
CAPITULO V
OPERÁRIOS INSIGNES
1. Os Jesuítas. — 2. Biografias de Missionários.
3. Os Mártires.
1. Os Jesuítas.
Aos dois decénios de 1620 a 1640, que se estudam, estão liga-
dos os nomes dos maiores apóstolos da catequese jesuítica em ter-
ras do extremo meridional da América. Plantadores de civiliza-
ções, evangelizadores da fé cristã, perdulários de energias e de
coragem, esses homens avultam no cenário brutal da natureza
virgem, coroados pelo martírio, como se fossem tocados pelo eflú-
vio divino da santidade. Vindos dos mais longínquos recantos
da terra, das mais altas civilizações, trazendo mesmo os melho-
res conhecimentos literários e artísticos da época, caíam de ino-
pino entre gentes incultas da mais baixa selvageria, realizando
verdadeiros milagres para converter à M cristã as chusmas bár-
baras que surdiam, muitas vezes ao som de guerra, das matas
impenetráveis.
Mas, perdidos nesses desertos, baixando até à boçalidade das
multidões que replasmavam oara dar novo feitio humano, fazen-
do-as subir até Deus, os Jesuítas não perdiam jamais a sua fácies
moral e não descuravam das letras, ciências e artes, de que eram
detentores. Muitos vinham das cátedras famosas dos Colégios
em que transmitiam novas gerações americanas os princípios
mais elevados dos conhecimentos filosóficos, teológicos e morais
do tempo. Outros, de suntuosos palácios da mais alta fidalguia
204
AURÉLIO PORTO
da Europa, pelos quais haviam cruzado, deixando de sua passa-
gem traços luminosos nas artes e nas letras.
Condição essencial para a catequese do gentio era o conhe-
cimento da língua indígena. E todos faziam inicialmente um
aprendizado, chegando alguns, europeus, mesmo, a tal perfeição
no conhecimento do guarani, que no idioma nativo dos índios pre-
gavam largos sermões, impecáveis no fundo e na forma. Desti-
nados a outro campo de acção evangelizadora, entre guaicurus,
calchaquis, ibirajaras e outras muitas nações, estudavam também
essas línguas, que se lhes tornavam familiares. E não as guar-
davam para si somente porquanto nos deixaram escritos traba-
lhos notáveis, vocabulários preciosos, práticas religiosas e cações
que traduziam.
Em 1613 os Padres Pedro Romero e António Moranta foram
destacados para a missão aos guaicurus. Com o auxílio do um
interprete aprenderam a língua desses índios e fizeram catecis-
mos e orações. Mas temiam não serem bem compreendidos quan-
do um pequeno selvagem que os assistia lhes disse que os enten-
dia à maravilha, pelo que se deram por satisfeitos. O P. Ortega
fez um catecismo em língua ibirajara. E assim em todas as lín-
guas faladas na América do Sul, pelos seus primitivos povoadores,
puderam os Jesuítas discorrer em seus trabalhos de catequese,
deixando mesmo verdadeiros monumentos de filologia americana.
O Padre Guilherme Furlong, S. J. — «Los Jesuítas y la Cul-
tura Rioplatense, 2» ed., Buenos Aires, cap. VI, p. 77 ss.». nos
dá um punhado de nomes de Padres que se aprofundaram nos es-
tudos da linguística e da filologia indígenas. O P. Alonso Bar-
zana chegou a «aprender 13 idiomas entre eles alguns tão raros
como a língua Tonocote, Cacana, Sanavitona, Calchaqui e Natica».
Além destes conhecem-se a «Arte da língua Toba», a Doutrina
cristã da língua Puquina, e várias artes e vocabulários das já re-
feridas e ainda de Guarani, Quiroquini, Abipones e Querandis. E
larga seria a lista de nomes aqui transcrita se quiséssemos apre-
ciar em detalhe a actividade admirável dos Jesuítas nesse sector
dos conhecimentos humanos.
Entre os que passaram pelas reduções do Uruguai e do Tape
nos decénios em apreço há uma plêiade de verdadeiros filólogos.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
205
Os Padres Roque González de Santa Cruz, Marcial de Lorenzana,
José Cataldino, Simão Maceta, António Ruiz de Montoya, Pedro
Romero, Francisco Diaz Tano e muitos outros, que são expres-
sões de alto saber linguístico. Quase todos aliavam ao conheci-
mento das línguas indígenas profundas raízes humanísticas e no-
ções de várias ciências das mais adiantadas da época. E, coroan-
do o saber humano, todos esses homens, excedendo-se a si pró-
prios em abnegação e virtudes, bem merecem da posteridade, pelo
bem que praticaram, pelos exemplos cristãos que andaram se-
meando, pelo sangue que derramaram nos martírios elevando-os
a Deus, circundados de um halo imperecível de glória.
O trabalho desses homens em todas as actividades temporais
e espirituais, que tiveram de exercer entre os nossos aborígines,
causa verdadeiro assombro. Humildes e simples, abnegados e he-
róicos, retratam-se em todos os seus gestos, percebidos nos re-
latórios — essas famosas Cartas Ânuas — com que levavam a
seus Superiores o conhecimento das coisas atinentes às aldeias
que fundavam e dirigiam. Há, em todos eles, uma indisfarçável
ânsia de perfeição moral. Uma aspiração à santidade. Um de-
sejo incontido de sacrifício. Multiplicam-se para atingi-los, se-
meando o bem. E morrem nos descampados, olhos fitos em Deus,
e corações cheios de bênçãos, sem um grito de revolta, porque
sabem que sobre suas cinzas Deus construirá, para os pobres ín-
dios, um mundo melhor, iluminado pela sua caridade infinita.
Os monumentos grandiosos que nos legaram, nessas Ânuas, x)
que são um tesouro histórico do Brasil, em sua maior parte des-
conhecidas e inéditas, permitem que se os veja, dia por dia, nessa
larga trajectória em que fincam os esteios de uma civilização cris-
tã, que a política estreita dos tempos e as ambições dos homens
não permitiram atingisse o seu apogeu.
Há algumas que são verdadeiros compêndios de etnologia,
geografia, história, ciências e artes. Outras nos revelam o ca-
rácter íntegro desses homens formidáveis, singularizados, aqui e
1) Colecção de Ángelis, adquirida pelo governo do imperador D.
Pedro II a D. Pedro d'Ângelis, historiador e coleccionador de documentos,
é proveniente dos arquivos jesuíticos de Tucumã, Córdova e Paraguai,
hoje incorporada à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
206
AURÉLIO PORTO
acolá, por um traço psicológico, por uma feição morai, ou pelo
sentimento universal de amor ao próximo em que fundam os ali-
cerces mais fortes de sua catequese. Através dessas Ânuas, co-
mo procurámos fazer, se podem escrever trabalhos ainda origi-
nais, sobre quaisquer aspectos por que se encarem os Jesuítas
desses tempos afastados e gloriosos.
Integrando-os à História do Brasil, de que são excluídos, por-
que em território, depois brasileiro, fundaram uma civilização que
se reflecte nas populações nacionais do extremo Sul, não só pela
incorporação desses índios, que educaram, à família brasileira,
como pelos monumentos de arte que nos legaram e que consti-
tuem elevado património histórico . — senão pela universalidade
da própria Companhia de Jesus - — cumprimos um acto de justiça.
E vai nisto também uma centelha de saudade infinita. Na velha
aldeia de São Nicolau, junto à terra natal, ao cair das tardes, de
um rancho solitário, que se esboroava, subiam sons harmoniosos
e doces, de uma rabeca, como se fossem de um órgão longínquo,
vibrando músicas religiosas. Era o velho João Rabequista, índio
centenário das Missões que tocava ainda e nos contava as lendas
missioneiras de Santos milagrosos, e de Virgens santas que ve-
lavam os nossos sonhos e acariciavam, à noite, os nossos cabe-
los. . .
2. Biografias de Missionários.
Entre os maiores Jesuítas que fundaram as reduções do Rio
Grande do Sul e catequizaram os seus selvagens, deixando traços
inapagáveis de suas virtudes e acções, sobrelevam:
Padre Roque Gonzalez de Santa Cruz. — Desbravador e fun-
dador das províncias do Uruguai e do Tape, nasceu em Assunção
do Paraguai, em 1570, 1?) mais ou menos. Oriundo de nobre fa-
mília espanhola, era filho legítimo de Bartolomeu González de
1») E' engano do Autor. Roque González viu a luz do dia em 1576,
como se colhe evidentemente de vários documentos, conquanto não co-
nheçamos ainda nem o dia nem o mês de 1576. (L. G. J.) .
\
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 207
Villaverde e de sua mulher D. Maria de Santa Cruz. Revelando
desde os primeiros anos grandes pendores religiosos abraçou a
carreira sacerdotal e esteve como missionário entre os índios ma-
racajus, aldeados à margem esquerda do alto Paraguai, 30 léguas
distante de Assunção. Mais tarde, nessa cidade, ocupa o alto
posto de cura da catedral e lhe oferecem o de vigário geral.
Atraído, porém, pelo prestígio da Companhia de Jesus, que ini-
ciava seus trabalhos de catequese entre os índios, nela ingressou
em 1609, com a idade de 33 anos. Conhecendo optimamente o
guarani e outras línguas faladas no Paraguai, noviço ainda, foi
destinado à missão entre os guaicurus, índios ferozes e indomá-
veis do Chaco. Com seu elevado espírito de caridade cristã, em
pouco tempo conseguiu o P. Roque valiosos frutos de seu traba-
lho, pacificando os guaicurus e devolvendo aos colonos a tran-
quilidade perdida pelas incursões desses bárbaros. Distihguin-
do-se por isto, foi mandado em 1611 para a missão de Santo Iná-
cio Guaçu, que dois anos antes havia sido fundada pelo P. Mar-
ciel de Lorenzana. Incalculável o esforço que aí despendeu, tudo
prevendo e a tudo provendo, cuidando da saúde, da manutenção
dos índios, melhorando as suas condições de vida, remodelando o
Povo e construindo um templo apresentável, além dos trabalhos es-
pirituais com que incorporou milhares de infiéis à igreja de Cristo.
Em 1615, alargando seu raio de acção, dirige-se o Padre à lagoa
de Apupe flberá), fundando ali a redução de SanfAna, que depois
entrega ao P. Diogo de Boroa. Funda Itapúa e a redução de
Jaguapoa, seguindo, em 1617, para o Alto-Paraná. com o intuito
de melhor conhecer essa região. Lança então suas vistas para o
Uruguai, e ergue a umas três léguas distantes deste rio os fun-
damentos da redução de Conceição, e para angariar maior núme-
ro de neófitos cruza a torrente raiana e tenta penetrar em ter-
ritório rio-grandense, de que vai ser o primeiro evangelizador.
Assinatura do
B. Padre Roque Gon-
zález de Santa Cruz
208
AURÉLIO PORTO
Na Congregação Provincial de 1626 é proclamado Superior das
reduções sobre o Paraná e Uruguai e é quando funda São Nico-
lau, sobre o rio Pira tini, a primeira das reduções da margem
oriental do Uruguai, em 3 de Maio de 1626, Resolve então co-
nhecer a província do Tape, extensa região que ia até o mar; e
de sua entrada ficou a primeira descrição que se conhece dessa
região, datada de 15 de Novembro de 1627. -) Desnecessário de-
talhar os seus trabalhos referidos neste estudo. A 15 de Novem-
bro de 1628, na redução de Caró, que fundara, recebe o Padre Ro-
que, com seu companheiro P. Afonso Rodriguez e dois dias após
o P. João dei Castillo, a palma do martírio que coroou a sua no-
bre vida de evangelizador e de santo. Beatificado pela igreja, em
28 de Janeiro de 1934, foi elevado à glória dos altares.
Padre Diogo de Boroa. — E' um dos mais insignes varões da
Companhia e, como Superior, a alma da catequese das reduções
do Uruguai e do Tape, que visitou muitas vezes e acudiu nos mo-
mentos mais aflitivos. Há, na Coleção d'Ângelis, mais de 30
Ânuas do P. Boroa, que historiam, sobre todos os aspectos, a
vida inicial das reduções missioneiras. E' com esse elemento, em
sua maior parte inédito, que fundamentámos este estudo. Foi o
P. Boroa um escritor sóbrio, elegante e, além da copiosa quanti-
dade de Ânuas, conhecem-se dois estudos seus de alto valor sobre
as vidas do P. Marciel de Lorenzana e
Cristóvão de Mendoza, este último inédi-
roa nasceu em Trujillo, em 1585, e en-
trou para o noviciado da Companhia de Jesus em 1605. Desvela-
do em seus trabalhos de catequese, percorreu todas as reduções do
Paraguai, nelas deixando exemplos de alta virtude e valor apos-
tólico. Foi Reitor no Colégio de Assunção e Provincial de 1634
2) Ânua original da B. N. referida. Calvo — Recueil coyuplets, II,
V. Teschauer — Vida e obras. J. M. Blanco — Hist. documentada. Jae-
ger — Os Heróis de Caaró e Pirapó, onde se encontra a biografia completa
desses três primeiros envangelizadores do velho Rio Grande do Sul e ou-
tros trabalhos. (Volume I da Série: Jesuítas no Sul do BrasiD
to da B. N. (I, 29
', 1, 55). Diogo de Bo-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 209
a 1641. De seus trabalhos e assistência às reduções do Tape e
Uruguai passam por todas estas páginas referências copiosas.
Quando da invasão bandeirante seu desvelo pelos índios e as pro-
vidências que tomou, pessoalmente, o notabilizam. Faleceu em 13
de Abril de 1658.
Padre António Ruiz de Montoya. — Nasceu em Lima do Peru,
em 1582, sendo seu pai natural de Sevilha e próximo parente do
teólogo jesuíta, Diogo Ruiz de Montoya. Entrou para o novicia-
do da Companhia em 1606, fazendo seus estudos em Córdova de
Tuçumã. Desde moço revelou, a par de notável inteligência e es-
pírito de sacrifício, grande inclinação para as letras, o que lhe deu
destaque apreciável entre os maiores vultos representativos da
Sociedade de Jesus. Em 1620 era elevado a Superior das redu-
ções, trabalhando infatigàvelmente, quer nas reduções do Guairá,
onde teve de enfrentar o assalto dos bandeirantes, quer na reti-
rada dos índios que baixaram para o Paraná, quer ainda nas re-
duções do Tape, onde novamente teve de sofrer verdadeiros mar-
tírios pela sorte de seus catecúmenos. A Conquista Espiritual,
obra clássica da catequese, que foi traduzida para a língua gua-
rani, teve os seus principais capítulos escritos nas reduções do
Rio Grande do Sul. Além desta, em 1637, já havia concluído o
magnífico Vocabulário da Língua Guarani, como se deduz do Me-
morial que ao P. Múcio Viteleschi, Prepósito da Companhia, em
Roma, escreveu o P. Boroa, de Buenos Aires, a 13 de Outubro
desse ano, quando determinou ao P. Montoya que fosse à Euro-
pa relatar os acontecimentos que culminaram na destruição das
Missões. Depois de outros assuntos interessantíssimos, no § 14
desse Memorial, diz o P. Boroa: «O P. António Ruiz leva alguns
livros da língua guarani, muito bem trabalhados para imprimir:
porém juntamente leva em sua instrução de não ocupar-se em
perder ponto em seu negócio até havê-lo concluído. E esta causa
será o mais acertado o não podê-lo fazer. E ainda que Vossa Pa-
ternidade havia concedido um Irmão impressor, o P. João Baptis-
ta Ferrufino não o trouxe. Volto a pedir a Vossa Paternidade o
impressor conforme ao que o Padre Reitor dirá acerca da impren-
sa, dos livros do P. António e juntamente um Irmão pintor, que,
210
AURÉLIO PORTO
por serem muitas as Reduções, é muito necessário. a) Como se
vê há aí também uma referência preciosa ao estabelecimento de
uma imprensa, o que só muito mais tarde conseguem as reduções
do Paraná. Cumprida a sua missão, publicada a Conquista, em
1639, voltou o P. Ruiz, que teve por domicílio o Colégio de Lima,
onde residiu e faleceu em 1652, sendo seus restos trasladados para
Assunção do Paraguai. E' um dos mais notáveis homens de sa-
ber e letras de que se orgulha a literatura sul-americana e a Com-
panhia de Jesus.
Padre Pedro Romero. — Foi o P. Pedro Romero um dos mais
notáveis apóstolos da catequese em toda parte onde a Companhia
a exerceu, e precisou de um homem de elevada abnegação e es-
pírito de sacrifício. E' um desses grandes heróis a que não faltou
para coroar a autêntica santidade da vida e o desprendimento de
si próprio, a palma do martírio. Com Ro-
9°ÍL;T,'í/t'0, ^ue González e Cristóvão de Mendoza
~ ' /~XZsz> forma Pedro Romero esse tríptico de
santos que fica dominando, por suas ex-
celsas virtudes, o panorama da cateque-
se em terras do extremo Sul. Nasceu o P. Romero em 1581, em
Sevilha, e entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em
Nova Granada, no ano de 1607. Vindo para a América a fim
de se consagrar à catequese dos índios, em 1613 já estava no Pa-
raná dirigindo a redução de Santo Inácio e, em 1615, mandado
para o Guairá, ali trabalhou, em companhia dos Padres António
Ruiz de Montoya, Cristóvão de Mendoza e outros. Perito na lín-
gua dos guaranis, mandado em seguida para a missão dos guai-
curus, aprendeu também este difícil idioma, para o qual, com o
único auxílio de um intérprete, em pouco tempo, traduzia o ca-
tecismo e várias orações. E' um dos primeiros que, em compa-
nhia do P. Roque, entra em terras do Uruguai e funda várias re-
duções, a que presta a sua assistência. Inexcedível na dedicação
3) "Memorial p.a n.o muy R.do P.e Mucio Viteleschi, Preposito G.l
de la Comp. de JHS". Diogo de Boroa. Buenos Aires, out., 13 de 1637.
B. N. — Col. de Angelis — I, 29, 1, 76.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
211
e no trabalho, fazendo da vida um holocausto de sacrifícios, o P.
Romero distingue-se entre seus pares e é escolhido para dirigir,
como Superior, as reduções do Paraná e do Uruguai. Nesse alto
posto, compreendendo o perigo extremo que ameaçava estas úl-
timas, multiplica-se em actividade e, mais tarde mesmo, vai para
Jesus-Maria, já como simples cura, a fim de prover a defesa con-
tra o inimigo paulista, que não tardaria. E aí se encontrava,
quando, em Dezembro de 1636, a bandeira de Raposo Tavares,
como fica historiado, aparece à frente da redução e a destrói.
Heróico e resignado o P. Romero recebe o supremo sacrifício que
é imposto a seu Povo e o acompanha em seu êxodo, derramando
lágrimas de dor. Em 1645 é mandado à missão de Itatines para
a conversão dos infiéis do Norte do Paraguai, e aí, a 22 de Mar-
ço, é martirizado pelos índios, que lhe dão morte gloriosa a pau-
ladas e flechadas. A Ânua de 1645 assim refere o seu martírio:
«Sucedeu por este tempo a gloriosa morte do apostólico e vene-
rável P. Pedro Romero, de nossa Companhia, o qual, depois de
mais de 30 anos de emprego na conversão das gentilidades das
províncias do Paraná, Uruguai e Serra do Tape, e dos trabalhos
padecidos entre a bárbara nação dos giiaicurus, com incompará-
vel zelo e cotidianos riscos de vida, observantíssimo em todos os
géneros de virtudes, depois de haver fundado por sua mão a maior
parte das reduções que tem esta província, com tão copiosa co-
lheita de inumeráveis almas, reduzidas ao conhecimento de seu
Criador, querendo coroar com muita glória tantos méritos, foi
enviado, por obediência, a dirigir a missão de Itatines, que fica
ao Norte, acima do Paraguai, para o que, com a experiência de
tantos anos, em semelhantes encargos, adiantasse ali a conquista
começada* de tantas almas e, pondo em execução esta ordem, par-
tiu para o outro lado do Paraguai, sendo martirizado pelos feiti-
ceiros, que o mataram a pauladas e flechadas. 4) Perdia a cate-
quese, com o P. Romero, um dos vultos mais extraordinários que
honraram a Companhia de Jesus.
Entre os Superiores e Provinciais que prestaram assinalados
servidos às reduções do Uruguai e do Tape, destacam-se os Pa-
i) B. N. Ânua I, 29, 1, 46.
212 AURÉLIO PORTO
dres Francisco Diaz Tano, Nicolau Durán, Cláudio Ruyer e Diogo
de Alfáro.
Padre Diogo de Alfáro. — Nasceu no Paraná, em 1595, sen-
do filho legítimo do célebre ouvidor D. Francisco de Alfáro, no-
tável pelas suas «Ordenações» sobre os índios. Fez seus estudos
iniciais em Lima e seguiu para Salamanca, cuja Universidade cur-
sou com grande proveito. Estudava filosofia quando ingressou
na Companhia de Jesus, voltando para a América em 1616. Des-
tacado para servir à catequese foi para as reduções do Alto Uru-
guai, onde permaneceu até ser no- y ~&
meado Comissário do Santo Ofício, ) jylAAV ^^^/oyfo -
e Reitor do Colégio de Assunção.
Terminado o seu Reitorado solicitou
sua volta às reduções, sendo nomeado, em 1637, Superior Regional
das Missões do Paraná e Uruguai, em substituição ao P. António
Ruiz de Montoya, que havia sido enviado para a Europa. Por
ocasião da retirada desses índios, dirigiu o P. Alfáro os últimos
retirantes dos seis Povos do Tape, que transpuseram o Uruguai,
fugindo aos bandeirantes'. Detalhadamente historiámos as suas
actividades no recontro com os paulistas, onde foi morto pelo che-
fe da bandeira em 17 de Janeiro de 1639, em Caaçapá-guaçu. O
cadáver de Alfáro foi levado com grandes honras até Conceição,
margem direita do Uruguai, onde seus despojos ficaram guardados
com veneração juntamente com as relíquias dos mártires Roque
González, Afonso Rodriguez e João dei Castillo, até que desapa-
receram no fim do século XVIII, após a supressão da Companhia.
O P. Alfáro, na véspera de sua morte, havia escrito a uma pessoa
amiga: «Vou aos inimigos que me atravessaTão com um* balaço».
Foi pela sua vida e obras um dos insignes obreiros da Companhia.
Padre Cláudio Ruyer, ou Royer, Ruiet, Ruier, Roger, Rug<r,
Rouchere, etc.) — Nasceu lá por 1580 (ou 1582) em Champlois,
Langres, na França, seguindo depois para a Itália, onde fez magní-
ficos estudos humanísticos. Sentindo grande vocação para o sa-
cerdócio, e dominado por uma profunda admiração pela Companhia
de Jesus, resolveu nela ingressar já ordenado, o que fez em Ná-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 213
polés, onde se achava, em 31 de Dezembro de 1612, com cerca de
30 anos de idade. Com o P. João de Viana, que foi um dos gran-
des da Companhia, veio para a América, sendo logo destinado à
catequese nas reduções do Paraná e Uruguai, nas quais exerceu
mais tarde o Superiorato. Fez, em 1627, a profissão dos quatro
votos. Dotado de grande inteligência e letras, aprendeu, ao che-
gar para o Paraguai, a língua guarani, de que se tornou um dos
mais notáveis mestres. Prestou à catequese largos serviços, que
o tornaram um verdadeiro amigo dos índios. Era Superior quan-
do, em 1641, como
o Mbororé, onde se
trava o combate decisivo, que destrói a força paulista e encerra
a fase bandeirante das Missões do Sul. A Ânua que escreveu
sobre o combate, uma das mais interessantes páginas da história
sul-americana e de que fizemos largo extrato, está em original na
Coleção de Angelis, da Biblioteca Nacional. Esta Ânua mandada
copiar por Capistrano de Abreu, foi inserida, na íntegra, no vol. X
do Instituto Histórico de São Paulo. 5) O P. Ruyer faleceu no
Colégio de Assunção do Paraguai em 24 de Março de 1648. °)
Padre Nicolau Mastrilli Duran. — Era natural de Nale, Fran-
5) I, 29, 1. 93. Rev. cit. vol. X, 258-552. Resumo em Taunay. Hist.
Geral das Bandeiras, II, 314 e seguintes; e em português na Rev. do Inst.
Hist. e Geogr. do R. G. do Sul, ano XXII, n* 85, p. 27-53.
6) Ânua I, 29, 7, 46. Necrológio biográfico do P. Ruyer e outros.
já historiámos, os
mamalucos vão até
214
AURÉLIO PORTO
ça, onde nasceu em 1570. Entrou para o noviciado da Companhia
de Jesus em 10 de Nov. de 1585 Destinando-se à América seguiu pa-
ra o Peru, tendo aí adotado o nome de Durán. Dedicou-se largo tem-
po ao magistério, tendo sido professor de retórica e Reitor em
Quito, São Paulo, Lima, e La Plata. Foi Provincial no Paraguai
e duas vezes no Peru. Traduzidas pelo P. Rançonier foram publi-
cadas em latim suas Ânuas relativas aos anos de 1626-1627, e re-
ferentes ao Uruguai, quando de seu primeiro Provincialato. São
estas Ânuas notável subsídio para a história das reduções do Pa-
raguai, Uruguai e Tape, sendo dadas à luz em Antuérpia, em 1636.
Faleceu em Lima em 14 de Fevereiro de 1653, tendo deixado vá-
rios trabalhos de subido valor literário e histórico. Suas Ânuas,
em original, encontram-se na Coleção d'Ângelis. T)
Padre Francisco Diaz Tano. — Nasceu em Palmas, ilhas Afor-
tunadas, em 17 de Maio de 1592. Satisfazendo sua vocação para o
sacerdócio, depois dos estudos preliminares, em que revelou inte-
ligência e aproveita-
mento, ingressou no
noviciado da Compa-
nhia a 13 de Julho
de 1614, vindo de-
pois para a Améri-
ca, onde se tornou
um dos mais insig-
nes catequistas dos
índios das reduções do Paraguai, Paraná e Uruguai. Dedicou-se
à filosofia e teologia, tendo sido Reitor do Colégio de Assunção.
Superior das Missões, revelou-se de admirável capacidade na di-
recção da catequese. Vimos, em páginas anteriores, o seu traba-
lho nas reduções do Tape quando aí chegou em 1635, logo depois
Todas as Ânuas consignam os dados biográficos dos Padres falecidos
no ano a que elas se referem, de onde extratamos esta e outras notas,
sobretudo do Archivum Historicum Societatis Jesu, vol. XVI 1947, p. 111-
114.
7) B. N. I, 29, 7, 19. — O título da publicação do P. Jacob Ran-
çonier, é: Nicolas Mastrilli Durán — S. J. — Litterae annuae provinriae
Paraquariae Societatis Jesu. Ann. 1626-1627. Antuérpia, 1636.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 215
do martírio do P. Cristóvão de Mendoza e a sua dedicação pelos
índios que atraía com suas habilidades, montando uma forja para
fazer cunhas, machados e outros instrumentos para a lavoura. E'
nessa ocasião que, com uma independência de carácter que o no-
tabiliza, o P. Tano escreve a seu Superior a célebre carta que este
cancela para que não passem seus conceitos à posteridade. 8) E
em 1637 o Padre Francisco Diaz Taho, pelas suas virtudes e alto
espírito, foi nomeado procurador geral em Roma, para onde se-
guiu no mesmo ano. Havia feito a profissão dos quatro votos
em 23 de Março de 1629. ;')
Muitos outros insignes missionários têm os seus nomes liga-
dos à fundação, florescimento e destruição das reduções do Uru-
guai e do Tape. Entre os fundadores destacam-se:
Padre José Cataldino. — Nasceu em Fabriano, de la Marca
de Ancona, na Itália, em 1571 e ingressou na Companhia em 1601,
vindo para a América, em cuja
catequese trabalhou durante 44 ,
anos. Esteve no Guairá, Pa- íj^ . f /* jk,
raguai, Uruguai e Tapes. So- J J A Co^aXOt/?^.
freu os maiores martírios
quando da incursão dos bandeirantes. Não sendo arquitecto cons-
truiu templos magníficos nas reduções em que serviu. Conhecia
8) A carta referida é datada de 6 de Setembro de 1635 e dirigida
ao P. Superior (Diogo de Boroa), de Jesus-Maria. Salienta nesse do-
cumento (nas páginas canceladas) a necessidade que ali há de tudo, prin-
cipalmente de roupa para os Padres, que ele próprio a coseria, se lhe
mandassem o pano necessário. As armas, que haviam sido mandadas
para as Missões, tinham-se estragado com a morte do P. Cristóvão, pelo
uso que delas se tinha feito. Os arcabuzes estavam quebrados e sem
chaves, etc. E esta afirmação do P. Tano vem desfazer a asserção de
que não havia armas nas reduções, como querem Teschauer e todos os
historiadores jesuítas da época. Na última página também cancelada,
o P. Tano critica acerbamente a mudança de Padres que se fazia de
umas partes para outras e da imprevidência destes que deixaram os ín-
dios padecer horrível fome, procurando reduzi-los antes que fizessem as
suas chácaras. E' um documento enérgico e uma das páginas mais ad-
miráveis para o estudo dos usos, costumes e superstições dos índios do
Rio Grande do Sul. As duas páginas, depois de meses de trabalho, fo-
ram decifradas pelo saudoso Rêgo Monteiro. B. N. I, 29, 1, 53
9) Catalogus publicas. B. N. I. 29, 2, 58. Ano 1670.
216
AURÉLIO PORTO
as línguas guarani, guaicuru e ibirajara, entre cujos índios tra-
balhou com apostólico devotamente Faleceu a 10 de Junho de
1653 com 82 anos e três meses de idade e 52 de companhia. Pro-
fesso dos quatros votos. E' um santo varão da Companhia de
Jesus. ln)
Padre Miguel de Ampuero. — Companheiro do Padre Roque
e de outros fundadores das reduções do Uruguai e do Tape, nas-
ceu em 1593, na cidade
cação para o púlpito, era de notável eloquência na língua guara-
ni. Largo tempo empregou-se na catequese do gentio e faleceu
em Santiago em princípios de Dezembro de 1653. 1 1 )
Padre Adriano Formoso. — Era natural de Nápoles, cidade
de Lecce. Faleceu em Itapúa, a 24 de Março de 1649, com 46
anos de idade e 30 de Companhia, na qual entrou em Espanha,
de onde se destinou à catequese dos índios da América. Homem
de elevada cultura em letras, filosofia e teologia foi um dos maio-
res latinistas da Companhia, exercendo por muito tempo o ma-
gistério. Começou a catequese nas missões do Iguaçu e depois
foi destacado para o Tape, onde fundou S. Cosme e S. Damião.
Acompanhou seu povo, em 1638, quando da invasão paulista, fi-
xando-se no Paraná. Faltando-lhe alguns catecúmenos que ha-
viam ficado dispersos, voltou novamente ao Tape, com perigo de
vida e levou-os para a nova redução. 1-)
10) B. N. Ânua do Padre Diogo F. Altamirano. 1653-1654. Cod.
Mss. I, 15, 3, 11.
11) Idem, ib, pág. 107.
12) B. N. I, 29, 7, 46.
de Lima, sendo filho de
pais nobilíssimos e con-
quistadores. Com 17 anos
entrou para a Compar
nhia, contando já um
bom preparo, que solidi-
ficou em estudos poste-
riores. Com grande vo-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 217
Padre Adriano Crespo ou antes Cnudde. — Natural de Bru-
ges, Bélgica, em 17 de Fevereiro de 1602, admitido na Companhia
em 29 de Maio de 1625, veio para a América em 1628, destinan-
do-se à catequese do gentio. Foram seus serviços logo aprovei-
tados, sendo um dos fundadores da redução de Apóstolos, onde
ficou como cura. Esteve também em Caró e à frente de seus
catecúmenos, em 1638, quando da invasão dos mamalucos, diri-
gindo o êxodo desses Povos. Faleceu em Itapúa, onde se reco-
lhera, em 25 de Fevereiro de 1651. '- ")
Padre Vicente Badia. — Era natural de Valência, Espanha,
onde nasceu em 1601, tendo com 16 anos, em 1 de Dezembro de
1617, ingressado na Companhia, como noviço, fazendo no Colé-
gio de ali todos os seus estudos com grande aproveitamento, com
o que conseguiu ser reputado bom teólogo e filósofo. Vindo para
a Província do Paraguai, além dos trabalhos de catequese a que.
se dedicou, especialmente, em várias reduções do Paraná, Uru-
guai e Tape, foi Reitor de um dos Colégios da Companhia e pro-
curador. Fez os quatro votos a 13 de Março de 1638 e faleceu
cm 1670 no Colégio de Buenos Aires com 69 anos de idade. 1 ;)
Foi "o P. Vicente, como se dirá com maior detalhe, o introdutor
do gado ovelhum em Japeju, de cujo casco procedem as ovelhas
que se disseminam pelas reduções do Rio Grande do Sul. Muito
curioso em todas as coisas, fez para a redução de Corpus um for-
moso retábulo de entalhe em relevo e foi mestre de quatro índios,
que mais tarde se tornaram peritos em escultura.
Padre Silvério Pastor. — Natural de Aliaga, no Aragão, nas-
ceu a 15 de Janeiro de 1596, entrando como noviço para a Com-
panhia em 10 de Agosto de 1616. Dedicou-se ,~
sor de gramática latina. Obteve o grau de
coadjutor espiritual formado em 25 de Outubro de 1647. Foi mi-
à teologia e moral, tendo sido também
12') Arch. Hist. S. J., 1947, pág. 129.
13) Catalogus publicus Provinciae Paraguariae. Ano de 1670. B.
N. Col. d'Âng. I, 29, 2, 58.
218
AURÉLIO PORTO
nistro e Superior das missões. Seus trabalhos de catequese entre
os índios do Uruguai e do Tape tornaram-se notáveis, especialmen-
te na redução de São Nicolau, a cuja frente se achava em 1636.
Ainda existia em 1670, pois consta seu nome no Catalogus publi-
cus desse ano. 14 )
Padre Manuel Bertoth. — Natural de Marboz, França, nas-
ceu a 25 de Dezembro de 1601, ingressando na Companhia em 2
de Março de 1620. Foi professor de gramática latina e de semi-
naristas, sendo formado em filosofia e teologia. Fez os quatro
votos em 5 de Fevereiro de 1650 e faleceu depois de 1670. 15 )
Largamente referido neste trabalho o P. Bertoth, que nos deixou
um relatório interessantíssimo sobre a fundação das reduções do
Tape, foi em companhia do P. Romero e de outros o desbravador
das Serras dessa província extensa em que se exerceu a cateque-
se jesuítica. Em seu Testemonio, diz o P. Bertoth que, terminan-
do seus estudos «no noviciado de Córdova, em 1630, foi enviado
às reduções dos campos da outra banda do Uruguai, a Caaça-
pá-mini, que se intitulou Candelária, redução de 600 índios, fun-
dada pelo P. Roque González de Santa Cruz e seus companheiros,
o venerável P. Pedro Romero e outros, a quem ajudou, baptizan-
do naquele ano em uma peste que houve 400 adultos in periculo
mortis, e enterrou a 1.000 entre crianças e adultos. Andou em
missão pelas terras de sua infidelidade, a pé, seis dias distante
da redução até as cabeceiras do Uruguai, passando pela terra dos
guananás, índios inimigos, e em cuja excursão encontrou três Po-
vos, sendo um de mais de 150 índios, outro de 40 a 50 e o terceiro
de menos, que reduziu. Depois passou às reduções novas, fazen-
do companhia aos Padres Francisco Jiménez, em São Carlos do
Caapi, ao P. Adriano Crespo, em Caaçapá-guaçu e ao P. Pedro
Mola, em Mártires do Caró, aonde iam esses Padres reduzir índios,
entrando por suas terras com a cruz na mão e muitas vezes com
perigo de vida». Depois entrou pela extensa província do Tape,
com o Superior P. Romero, em 13 de Junho de 1632, e aí funda-
14) Idem, ibid.
15) Catalogus publicus, cit. Ano 1670.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 219
ram São Tomé, que ficou a cargo do P. Bertoth. Acompanhou
o P. Luís Ernot na fundação de São José. «Depois», acrescenta
o P. Manuel, «passei a São Miguel, povo de 1.000 índios, em se-
guida ao de São Cosme, de 600, a três léguas de São Miguel; mais
tarde ao da Natividade de N. Senhora, de 1.300 índios, a quatro
léguas de São Cosme, e, enfim, cinco léguas mais adiante, ao Povo
de SanfAna, da outra banda do Igaí Rio Grande, que desemboca
no mar e dirigi só aquele Povo cerca de um ano, e estava em seu
princípio, reduzindo-se nele até 1.000 índios. Em todos estes Po-
vos prediquei o Evangelho, baptizando os índios e adultos enfer-
mos, e catequizando todos os dias pela manhã e pela tarde. Pas-
sei depois ao Povo de São Cristóvão recém-fundado que não ti-
nha cura, a ele acudindo o P. Pedro Mola, que vinha de Jesus-Ma-
ria para baptizar as crianças e os enfermos. E aqui termina
essa admirável página de uma vida que é igual à de todas as ou-
tras de seus companheiros, votados à catequese dos índios na fase
inicial das reduções do Tape. Faleceu em 17 de Janeiro de 1687,
com 67 anos de vida religiosa, 60 de Paraguai e 35 de missionário.
Padre Filipe de Viveros. — Nasceu em Bruxelas em 12 de Fe-
vereiro de 1603 e entrou para a Companhia, na América, em 23
de Novembro de 1624. Era filósofo e teólogo, fazendo os votos
de coadjutor espiritual em 29 de Julho de 1641. Trabalhou gran-
demente na catequese do gentio em terras do Uruguai, sendo cura
de algumas das reduções e grande conhecedor da língua dos ín-
dios. Foi o fundador de São Carlos do Caapi. Faleceu depois
de 1670. 17)
Padre Tomás de Urena. — Natural de Medina do Rio Seco,
Castela. Nasceu a 15 de Janeiro de 1599 e entrou como noviço
para a Companhia em 16 de "\ j
Fevereiro de 1613. Dedicava-
se à teologia e moral e ocupou
cargos de alto destaque na
16) Padre Manuel Bertoth — Visita y Testemonvo, cit. Datado de
Asunción, 20 de Março de 1652. — Arch. Hist. S. J., 1947, págs. 124-129.
17) Cat. pubttcits, cit.
220
AURÉLIO PORTO
Companhia, entre os quais o de ministro, vice-reitor e procurador
das Missões. Coadjutor espiritual formado em 2 de Outubro de
1626. Faleceu em 25 de Outubro de 1671 nas missões do Paraná.
Ocupou-se largamente da catequese dos índios e esteve nas redu-
ções do Rio Grande do Sul, onde trabalhou com grande proveito e
dedicação. 1N)
Padre Francisco de Molina. — Nasceu em Santiago do Chile,
em 3 de Outubro de 1593. Em 6 de Janeiro de 1610 entrou para
o noviciado da Companhia, tendo feito os quatro votos solenes em
15 de Novembro de 1628. Era filósofo e teólogo e ocupou altos
postos, entre os quais o de reitor, ministro e professor de gramá-
tica. Dedicando-se à catequese esteve por algum tempo nas re-
duções do Uruguai, onde deixou valiosos trabalhos apostólicos. l9)
Padre André Gallego. — Natural de Villanueva de los Infan-
tes, Espanha, onde nasceu em 15 de Agosto de 1604. Entrou para
o noviciado da Companhia em 11 de Agosto de 1622 e foi professo
dos quatro votos em 25 de Julho de 1641. Foi filósofo e teólogo,
além de professor de gramática. Dedicou-se à catequese e pres-
tou relevantes serviços aos índios das induções. -")
Padre Pedro Bosquier. — Nasceu em Hulste, Flandres ociden-
tal, a 7 de Janeiro de 1588 e entrou para o noviciado da Companhia
em 2 de Outubro de 1607. Seguiu para o Paraguai em 1616. Som-
mervogel 2l) o destaca como autor de várias Ânuas e trabalhos
que o notabilizaram. Conhecia o guarani, em cuja língua, em suas
práticas e sermões, tinha grande eloquência. Substituiu ao P. Mi-
guel de Ampuero na redução de São Francisco Xavier, que este
fundara em 1626.
Padre Afonso de Aragona. — Nasceu em Nápoles em 1585 e
entrou para o noviciado da Companhia em 1604. Ensinou em Ná-
18) Idem, ibidem.
19) Catalogus publicus. cit. Ano 1670.
20) Idem, ibidem.
21) Carlos Sommervogel. Bibliothèque de la Compagnie de Jesus —
• \
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
221
polés o hebreu e foi superior do Juniorado. Seguiu para o Para-
guai em 1616 professando durante dois anos humanidades em Bue-
nos Aires. Faleceu em Assunção em 10 de Junho de 1629, deixan-
do várias obras notáveis. -- ) Companheiro do P. Roque, esteve
com este em Conceição, aguardando muitos anos a auspiciosa en-
trada em terras do Uruguai. E quando surgiu a fundação de São
Nicolau, em 1626, confiou o P. Roque a esse companheiro a difícil
tarefa de organizar e dirigir a nova cristandade que se abrira aos
trabalhos da Companhia. Em sua Ânua citada, o P. Nicolau Mas-
trilli nos dá notícia do encargo que coube ao P. Aragona que, «pela
confiança que conquistou entre os índios, fez algumas entradas por
terra, descobrindo gente bastante e bom sítio para fundai- outra
redução, que não principiou, embora lho pedissem os índios, por
motivo de não haver nenhum Padre para. nela pôr». «Os traba-
lhos que o P. Aragona passa aqui são muito grandes; basta dizer
que sua comida ordinária é feijão e algum charque velho, se é que
lho enviam de outras reduções e senão passa com oração contínua
em que está quase toda noite, tendo gasto o dia inteiro em catequi-
zar a gente e servir os doentes.» 2S) Sob a direcção do P. Roque
são os Padres Aragona e Romero os verdadeiros fundadores das
reduções do Rio Grande do Sul.
Padre Cristóvão de Arenas. — Era natural de Espinosa de
los Monteros, em Castela a Velha, nascido em 1590. Ingressou
na Companhia em 1626, tendo, em 1647, feito a profissão dos»
quatro votos. Ordenou-se sacerdote em Espanha, e depois de
haver feito magníficos estudos de teologia e artes e exercido por
algum tempo o sacerdócio secular, em Valladolid, pelo seu prepa-
ro e grandes dotes de virtude, foi por muito tempo aio dos filhos
do marquês de Sete Igrejas, D. Rodrigo Calderon. Mas, dese-
jando consagrar-se a obras meritórias na salvação das almas in-
1», 1827 Som. dá o nome de Pierre de Boschere, mas as Ânuas que a
este Padre se referem dão o de Bosquier.
22) Sommervogel. Bibliot. cit. 1», 495.
23) Ânua B. N. I. 29, 7, 19. Trad. para o latim e retraduzida com
incorreções em Documentos para a História Argentina, XX. 362. V. Pa-
dre Jacobo Rançonnier. cit.
222
AURÉLIO PORTO
fiéis, ingressou na Companhia, sendo dois anos depois mandado
para a catequese do gentio, na América. Assistiu ao êxodo dos
guairenhos que baixaram até o Paraguai e para mitigar-lhes a
fome, ia pelos campos arrebanhar grande quantidade de gado que
conduzia aos acampamentos dos retirantes. É, assim, o primei-
ro tropeiro da Companhia, pois, mais tarde, nas novas reduções
do Uruguai e do Tape, continuou nos amanhos de campo em que
se tornou exímio, passando incalculáveis trabalhos e privações.
Esteve a serviço da catequese dos índios em todas as missões do
Paraná, Uruguai, Tape e Itatines, onde encontrou gloriosamente
a morte. Serviu no Tape em várias reduções e foi o descobridor
do caminho, por serranias ásperas, que ligou Santa Teresa às mis-
sões do vale do Jacuí. Por ocasião da peste que dizimou as po-
pulações do Tape, atendeu incansàvelmente a todos os doentes,
curando-os e procurando-os nos mais distantes recantos da terra,
por serranias, matos e rios que transpunha, a pé, com as maiurea
fadigas e sofrimentos. Assistiu à transmigração dos índios por
ocasião da investida dos paulistas. Em 1649, mandado para Ita-
tines, é ali injuriado, martirizado e ferido pelos bandeirantes que
investiram sobre a aldeia em que estava. Morreu, na retirada
que fez com os índios, em consequência desses ferimentos, sem
que se pudesse identificar o lugar de sua morte. 24 )
Padre João Suarez de Toledo. — Nasceu em Madrid a 24 de
Outubro de 1594. Entrou para a Companhia em 24 de Junho de
1616. Era filósofo e
yf teólogo. Fora minis-
Agosto de 1634. -•"') Trabalhou muito tempo na catequese dos
índios, tendo sido o fundador de São Joaquim, redução do Tape,
em Í633. O nome do P. Suárez ficou nas reduções como símbolo
tro, reitor e supe-
rior das reduções, e
professo dos quatro
votos em 25 de
24) B. N. Col. d'Ângelis. Mss. I, 29, 7, 46. Ano de 1649.
25) Catalogns publicus cit. Ano de 1670.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 223
da pobreza e da humildade. Nada levou para fundar a sua mis-
são. E quando lhe perguntaram como poderia atrair os índios e
mesmo se manter naquele deserto, respondeu que levava somente
«a semente do evangelho». Faleceu o P. Suárez depois de 1671,
com mais de 77 anos de idade.
Padre Pedro de Espinosa. — Entre os grandes operários da
Companhia, aureolados pelo martírio, figura o P. Pedro de Espi-
nosa, que foi um dos fundadores das Missões do Uruguai e do
Tape, onde prestou relevantes serviços à catequese dos índios,
principalmente, em Caró, onde foi cura. Mais tarde, mandado
para Guairá é, ali, um dos que sofrem os ataques dos paulistas,
que assolam as reduções. A fim de atender os catecúmenos
transferidos para o Paraná, onde imperava a fome, resolveu ir a
Santa Fé, em busca de provisões. Nessa ocasião, na província
de Itatines, foi martirizado .pelos guapalaches, índios ferozes da
região, e morreu santamente em 3 de Julho de 1637. 26)
Padre Marciel de Lorenzana. — Era natural de León, Espa-
nha, onde nasceu em 1566; e, sendo estudante em Alcalá, entrou
para a Companhia com 23 anos de idade a 29 de Agosto de 1589,
destinando-se logo ao Paraguai, onde foi companheiro do P. Sa-
loni, um dos fundadores das missões de Guairá e de Santo Inácio,
a primeira redução da Paraguai, fundada em 1610. Esteve nas
reduções do Uruguai e do Tape, sendo companheiro do P. Roque
26) P. Matias Tanner — Societas Jesus usque ad sanguinis et vitae
profusionem militans in Europa, Africa, Asia et America contra gen-
tiles mahometanos , judaeos, haereticos, impios, etc. Praga — Ano de
MDCLXXV. Col. Barbosa Machado, B. N. Pertencem a este livro as es-
tampas que reproduzimos dos martírios dos Padres que trabalharam nas
reduções do Rio Grande do Sul.
Qlstória das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte <í
224
AURÉLIO PORTO
nas primeiras penetrações nessas províncias. Foi mais tarde rei-
tor do Colégio de Assunção, onde faleceu em 12 de Setembro de
1632, com 72 anos de idade, 49 de Companhia e 39 de trabalhos
nas missões. Era o P. Lorenzana um escritor elegante, conciso,
que deixou vários trabalhos de valor, citados por Sommervogel.
Há de autoria do P. Boroa uma biografia do P. Lorenzana: Vida
do Padre Marciel de Lorenzana, citada por Lozano (Hist. Rep.
dei Parag.) 27 )
3. Os Mártires.
Entre os Jesuítas que fundaram, catequizaram e trabalharam
nas reduções do Uruguai e do Tape, alguns fazem parte da longa
lista do martirológio da Companhia. Sacrificados pelos índios, ou
mortos nas refregas com os bandeirantes, regaram com seu san-
gue as terras que palmilharam, levando o símbolo da Cruz em
busca de ovelhas para o redil de . Cristo.
Aqui fica a nominata gloriosa:
1*, Padre Roque González de Santa Cruz, martirizado pelos
índios, em Caró (Rio Grande do Sul), a 15 de Novembro de 1628;
2°, Padre Afonso Rodriguez, em companhia do primeiro, no
mesmo local e data;
3", Padre João dei Castillo, companheiro do P. Roque, mar-
tirizado pelos selvagens de Assunção do Ijuí (Rio Grande do Sul)
a 17 de Novembro de 1628;
4", Padre Cristóvão de Mendoza, trucidado pelos índios de
Ibia (Piai — Rio Grande do Sul) a 25 de Abril de 1635;
5o, Padre Pedro de Espinosa, morto às mãos dos índios de
Itatines (Paraguai) a 3 de Julho de 1637;
6", Padre Diogo de Alfaro, morto em Caaçapá-guaçu, Após-
27) Sommervogel, cit. IV. Pastells, I, 224.
FAC-SÍMILES DE ASSINATURAS DE PADRES JESUÍTAS
FUNDADORES DAS REDUÇÕES.
P. Josef Orégio P. Juan Augustin dc
Contreras
P. Pedro Mola
P. Simon Maceta
P. Juan Pastor p. Francisco Ximene:
P. Pedro Alvarez P. Antonio Paulo Palermo
Irmão Antonio Bernal p. Ar.tOQÍO Ruiz dt Montoya
226
AURÉLIO PORTO
tolos (Rio Grande do Sul) pelos bandeirantes, a 17 de Janeiro de
1639;
7", Padre Pedro Romero, martirizado pelos índios em Itatines
(Paraguai) a 22 de Março de 1645, juntamente com o irmão Ma-
teus Fernández.
A relação só se refere aos que trabalharam nas reduções
primitivas do Rio Grande do Sul. 28 )
4. Conclusão.
Os Padres que conduziram os índios, na retirada do Guairá
foram todos designados para as reduções do Uruguai e do Tape.
São os fundadores de novas missões que prosperaram, principal-
mente na província do Tape. Entre os principais aparecem os
Padres António Ruiz de Montoya e Cristóvão de Mendoza, e ou-
tros já referidos, e mais Simão Maceta, Pedro Mola, Luís Ernot,
José Doménech, Pedro Álvarez e Paulo Benavides, este último por-
tuguês. E' toda uma plêiade de homens ilustres pela cultura,
pelas virtudes, pela coragem. Escritores, geógrafos, etnógrafos,
deixaram seus nomes ligados à vida das Missões. Infelizmente,
quanto a seus dados biográficos silenciam os documentos manus-
critos, pois há uma solução de continuidade nas Ânuas em que
baseamos este estudo. E o Catalogus publicus Provinciae Para-
guariae que, além das Ânuas necrológicas, nos dá elementos bio-
gráficos desses operários, só tem os cadernos correspondentes aos
28) O mapa de Quiroga, de que publicamos parte, se bem que ine-
xacto quanto à localização, registra os nomes desses e de outros Padres
sacrificados pela fé, em várias, regiões do Paraguai e do Prata. Repro-
duzimos também peças iconográficas representando o sacrifício dos ope-
rários da vinha do Uruguai. Pertencem essas estampas ao livro do
Padre Mattias Tanner, que foi publicado em Praga, no ano de 1675 (Col.
Barbosa Machado. B. N.). Traz as biografias de todos os mártires da
Companhia, precedidas de estampas, e intitula-se: Societas Jesu usque
ad sanguinis et vitae profusionem militans, in Europa, Africa, Asia et
América contra gentiles, mahometanos, judaeos, haereticos, Ímpios etc.
Duas dessas estampas foram reproduzidas pelo Padre C. Teschauer, que
diz provirem de outro trabalho "Effigies et nomina" etc, que as tomou
do livro do Padre Mattias Tanner.
I
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 227
anos de 1670, 1678 e 1682, sendo provável que os anteriores exis-
tam em Roma, no arquivo da Companhia. O Catalogus do século
XVIII é mais completo, pois iniciado em 1701 vai até ao ano da
expulsão da Companhia em 1768. Dele nos serviremos, na se-
gunda parte deste estudo, principalmente para identificar os gran-
des artistas jesuítas que passaram pelos Sete Povos de Missões,
nos deixando esses monumentos imperecíveis de arte, que singu-
larizam a civilização das Missões brasileiras no extremo Sul do
País.
Há mais um grande número de Padres, de não menos valor
pela actuação e pelas virtudes, que passaram pelas reduções do
Uruguai e do Tape, fundando-as ou dirigindo-as, catequizando os
seus índios, de que também não se encontram notícias biográficas.
São os Padres André de la Rua, João de Salas, Jerónimo Porcel,
José Oregio, irmão do Cardeal do mesmo nome, e que traduziu
para o italiano uma biografia do Padre Cristóvão de Mendoza,
feita pelo Padre Pedro Mola; Francisco Jiménez, fundador de San-
ta Teresa; Pedro Mola, cura de Jesus-Maria; João Baptista Me-
xia, cura de São Nicolau; Francisco Clavijo, Pascoal Garcia, José
Ordónez, Diogo Ferrer, Nicolao Ignácio, Ignácio Martinez, João
Agostinho de Contreras, Manuel Xavier, e outros, cujos nomes
passam por estas páginas com suas características especiais de
altas virtudes, saber e abnegado heroísmo. Todos eram línguas
admiráveis e muitos deixaram seus nomes em trabalhos e actos
de relevância na catequese do silvícola.
Operários humildes da vinha do Senhor, obscuros obreiros de
um monumento imperecível de Fé, na renúncia de todos os bens
terrestres, sem ambições, praticando o bem entre selvagens e pro-
curando, com o sacrifício das próprias vidas, trazê-los ao redil de
Cristo, eles avultam nesse cenário grandioso, circundados por um
halo glorioso de santidade.
Não importa a nacionalidade a que pertenceram. America-
nos do Sul, espanhóis, franceses, italianos, belgas, alemães e por-
tugueses, eles representavam a universalidade da Companhia e
não tinham predilecções nacionalistas. O império da Cruz, uni-
versal e eterno, pelo conhecimento de Deus e pela fraternidade
humana, a que incorporaram as chusmas de índios, que mais tar-
228
AURÉLIO PORTO
de foram expressões de civilização cristã, era o único escopo des-
ses heróis e desses santos que exerceram a sua actividade em ter-
ras do Rio Grande do Sul.
Entram, assim, na História do Brasil. Integram-se à nossa
vida inicial, pelo benefício que nos legaram, pelas sementes que
lançaram, pela beleza de seus gestos, pela glória imortal de suas
acções. Seus catecúmenos entraram na formação primitiva das
populações brasileiras do Sul e seus monumentos de arte, ruínas
de um passado grandioso, constituem o mais alto património ar-
tístico e histórico brasileiro, e a razão de ser da admiração que
lhes votamos.
Por uma coincidência notável, que é quase uma predetermi-
nação histórica, é o Brasil o detentor de copiosos arquivos jesuí-
ticos, quase inexplorados e inéditos, nessa preciosa Coleção de
Ângelis, existente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sem
cujos subsídios documentais não se poderá escrever a história
da Companhia de Jesus, na antiga província do Paraguai.
Dentro das proporções modestas que nos são dadas na fei-
tura deste trabalho, foi nosso intuito, respigando-os ligeiramente,
traçar os alicerces do património artístico que nos vem da civili-
zação jesuítica das Missões, hoje incorporado ao Brasil.
CAPÍTULO VI
ORIGENS DA ECONOMIA DAS MISSÕES.
1. Factores económicos do povoamento do ex-
tremo sul. — 2. O ciclo do gado vicentino —
3. Fundação da pecuária paraguaia. — 4. Intro-
dução do gado nas Reduções. — 5. Gado bovino. —
6. Gado equino. — 7. Origens do gado menor. —
8. Vacarias. — 9. Estâncias dos Povos. — 10. Os
ervais das Missões.
1. Factores económicos do povoamento do extremo sul.
A história das Missões, em sua segunda fase, é uma decorrên-
cia natural de sua geografia económica. Dois factores principais
contribuem para valorizar a terra, nela fixando novamente núcleos
de povoamento jesuítico, que o temor das arremetidas bandeirantes
expulsara dali, meio século antes. Desde o Alto Uruguai, ao Nor-
te, até a Serra do Erval, no Sul, onde vem morrer a sua diagonal,
os ricos ervais nativos, sem cujo produto «os índios não poderiam
subsistir», tentavam arriscadas incursões no território abandona-
do às feras e aos infiéis. E ao Sul, descobertas as vacarias do
mar, que corriam do Camaquão do Sul até o litoral, entestando com
o Prata, abriam-se possibilidades inimagináveis à geografia eco-
nómica das Missões. E é sobre estes factores precípuos de sua
riqueza em elementos de subsistência humana que se reatam os
fios da história da civilização jesuítica das Missões, dentro da
vasta região que os rios da Prata e o Uruguai abraçam.
Duas fases distintas presidem à civilização Jesuítica. A pri-
meira, já estudada, pode sintetizar-se no anseio espiritual que do-
minava a alma puríssima desses heróicos evangelizadores que, le-
230
AURÉLIO PORTO
vando tão somente a Cruz como símbolo da vontade divina, perlus-
travam os mais recônditos rincões para agremiar cristandades
novas.
Votados ao martírio, fazendo das próprias vidas o holocausto
de sua fé imensa, torturados por todas as aflições, os Jesuítas,
tendo unicamente em mira a propagação de seu alto ideal cristão,
congregam as hordas selvagens, incutindo em seus ânimos, com
o exemplo de sua bondade e com a tenacidade de seu esforço so-
bre-humano, os princípios religiosos que fundamentam a cateque-
se. E' a fase dos santos e dos heróis obscuros, capazes de reali-
zar milagres, e abalar as montanhas da insensibilidade espiritual
dos índios, procurando tocá-la com a faísca germinadora de uma
fé sem limites. Roque González, Cristóvão de Mendoza, Diogo de
Boroa e todos os santos e todos os mártires dessa fase inicial fi-
cam no hagiológio jesuítico como símbolos do desprendimento ad-
mirável desses homens que só viam na própria acção redentora o
alargamento das searas de Deus, sem outros objectivos de qual-
quer ordem que não fossem cristianizar essas almas selvagens para
que servissem ao Senhor no acrescentamento de sua glória eterna.
Decorrem dessa vontade as realizações de ordem temporal
com que alicerçam a vida dos silvícolas. São os marcos incipien-
tes de uma civilização rudimentária. Necessidades alimentares
que surgem «com a fixação de núcleos de povoamento induzem-nos
a fundar lavouras e sistematizar o plantio de raízes e grãos, evi-
tando assim que a dispersão dos índios, para procurar alimentos
na caça e na pesca, os leve novamente ao nomadismo e à selva-
geria antigos. E quando as pragas, as intempéries e as pestes
assolam suas reduções, e a fome quase as destrói, introduzem ga-
dos de toda a espécie que constituem os cascos iniciais da pecuá-
ria do extremo Sul. Melhoram assim as condições de vida de
seus catecúmenos, impondo-lhes costumes novos que modificarão
essencialmente as suas tendências nativas. E dão à terra, ina-
proveitada e deserta, uma nova função económica que será a base
estrutural de sua futura grandeza e da própria feição humana de
seus advinícolas, atraídos pela opulência da riqueza com que a
fecundaram .
A segunda fase da civilização jesuítica, ao oriente do Uru-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
231
guai, que se pode datar da descoberta das vacarias do mar, des-
pe-se de sua simbólica beleza espiritual, porque reside no puro
utilitarismo económico. Além disto, há razões de ordem política
orientando a acção dos jesuítas que perdem o carácter universa-
lista dos primeiros tempos, servindo aos interesses espanhóis nas
lutas pela posse da terra, ante a ameaça da expansão portuguesa
no Prata.
OBSERVAÇÃO. Há nestes dois períodos uma assertiva senão injusta,
ao menos exagerada e generalizada. Quanto ao «despir-se a civilizarão jesuí-
tica, desta segunda fase, da sua simbólica beleza espiritual», deixando-se do-
minar pelo «utilitarismo económico», será o próprio Autor que se vai refutar
í>. si nróprio no volume seguinte, cap. IV, parágrafo 2, onde trata da «Orga-
nização Social e Religiosa» dos Sete Povos. Escreve o P. José Cardiel em
«Declaración de la Verdad, Buenos Aires, 1900, n- 97, o que segue: «Se o
(negócio) temporal está bom. o espiritual vai avante; se mau, o espiritual vai
m«iito mal; eles vão para os montes, matos e campos afim de caçar e procurar
frutas silvestres, e às estâncias de gado. Fazem muitos estragos sem ordem
nem concerto: desbaratam a fazenda da comunidade; não voltam ao povoado
em muito tempo, e alguns nem durante anos, vivendo uma vida pouco inferior
â de infiéis».
Por isso, nada admira que no sistema jesuítico a primeira dificuldade a
resolver fosse sempre a questão da alimentação. Assegurada esta, dedicavam-
se com todo o ardor ao principal, que eram as almas imortais dos seus tutela-
res. Raia ouase ao sobre-humano o resultado alcançado neste particular, so-
bretudo tendo-se em conta que eram bárbaros saídos havia bem pouco tempo
do lamaçal de vícios hediondos e da mais aviltante degradação moral. Preci-
samente nessa segunda fase, aue ao sábio Autor parece dominada de «mercan-
tilismo», atingiram os Sete Povos uma perfeição moral tão elevada que nada
ficavam a dever aos cristãos da Igreja primitiva. Basta folhear as página' da
«Organización Social» de Pablo Hernández, I, 280 ss'., 490 ss. e 503 ss., como
ainda a «História do Rio Grande do Sul» de Carlos Teschauer, II, 156 ss. A
virtude desses indígenas cristianizados pelos Padres da Companhia de Jesus
era tão maravilhosa que deixava estupefactos aos próprios confessores, que
não descobriam nesses penitentes matéria de absolvição. — Verdade é que
esses Missionários se viram perante problemas de carácter eminentemente
económico, dos quais dependia o ser ou o não ser das suas Reduções, mormente
a criação de gado e seus derivados, o beneficiamento da erva-mate. Porém
não se deixa\am materializar sem perder aquele «halo de espiritualidade» que
tanto brilhava nos primeiros jesuítas. O que houve, sim, foi um surto mate-
rial estupendo, capaz de ofuscar os olhos de um observador inexperiente a
respeito da diferença do espiritual e do material.
Quanto à objecção de os Padres da segunda era «servirem aos interesses
espanhóis nas lutas pela posse da terra ante a ameaça da expansão portuguesa
no Prata», a resposta é bem simples: os missionários não eram súbditos lusi-
tanos, e sim hispanos; ademais, da parte contrária só haviam sofrido perse-
guições, escravidão e expoliações de toda classe. Ao passo que a Coroa de Ma-
drid lhes outorgava muitos favores de ordem material e espiritual. (L. G. J.)
O gado, que se multiplicara assombrosamente no Prata, vai
232
AURÉLIO PORTO
exercer a sua função civilizadora. Em torno dele, pela posse da ter-
ra que valorizara, girará o largo processo histórico de que decorrem
as origens do povoamento e diferenciação étnica dos povos que
serão os detentores desse largo território e da secular contenda
em que se debaterão portugueses e espanhóis.
A geografia do gado imporá ao homem, imperativamente, em
função do meio, novas condições modificadoras de sua vida ma-
terial e moral, em suas modalidades topográficas, económicas e
sociais. Os índios que se tornaram cavaleiros, e os brancos que
se integram, por um abaixamento de nível de civilização, às tol-
darias volantes daqueles, a que se associam nas fainas das vaca-
rias e no nomadismo da vida livre da Pampa, constituirão então
esse tipo primitivo, semibárbaro, que foi o gaudério, o gaúcho do
campo, com seu linguajar bizarro, costumes rurais, altivez e bra-
vura, e cuja influência predominará na formação das populações
campesinas da bacia do Uruguai.
Na amplidão da terra, vencendo distâncias, tangendo rebanhos,
ou terçando a lança e arremessando as boleadoras; avançando in-
domável em suas cargas de cavalaria, nos entrechoques guerrei-
ros, o homem se identifica com o cavalo de que faz o companhei-
ro inseparável de todas as horas boas ou más de sua vida agitada
e heróica. E' uma espécie de centauro lendário. Homem e ca-
valo se completam, se integram. Nas arrancadas gloriosas das
pugnas guerreiras, resfolegando ao sopro dos combates; ou nas
horas de emoções sentimentais, à viola, nas canções nostálgicas
do Pampa, imenso e deserto, evocador de saudades e sonhos, de
idílios heróicos, vividos em disparadas loucas; ou sob o morno
aconchego dos capões, ilhas de verdura perdidas no descampado
das planícies extensas; ou nos trabalhos campeiros, em desperdí-
cios de energias e bravuras ignoradas, — o gaúcho, singularizan-
do-se pelos seus costumes, indumentária, linguajar e carácter al-
tivo, é um produto desse meio em que o gado exerceu decisiva in-
fluência sócio-geográfia. Trabalhado pelos imperativos indecli-
náveis de uma vida livre, não perde, porém, as tendências de um
nobre regionalismo construtor, pois que, embora oriundo de um
mesmo habitat primitivo, onde recebeu os influxos de usos e cos-
tumes comuns a homens de origens diversas, traz como sentimen-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
233
to arraigado o amor da terra, cujas fronteiras giza com o próprio
sangue, alargando-as e integrando-as à Pátria indivisível e única,
de que procedem os seus maiores.
A história do gado vai ser, d'ora em diante, nesse meio
em que se debatem dois povos por antagonismos político-econó-
micos, a própria história do homem e da terra. No ápice surgirá
a figura apostolar do Jesuíta. E' o criador da riqueza, o desbra-
vador da terra, o catequista primitivo e o fundador de uma civi-
lização que deixará traços precisos e fortes a vinculá-lo, por to-
dos os tempos, à justa consagração da Posteridade.
Diz-se, sem aprofundar as raízes históricas em que se alicer-
ça a civilização jesuítica na terra rio-grandense, que ela nada in-
fluiu ou construiu no carácter ou na vida social do extremo Sul
do Brasil. Segrega-se, mesmo, a acção da Companhia de Jesus
dentro do território rio-grandense, que forma assim como que
uma ilha histórica separada pelas correntes nacionais que, no en-
tanto, se desdobram até a Colónia do Sacramento. E se remete
para a história da civilização espanhola, no Prata, essa fase ad-
mirável de atuação Jesuítica aquém-Uruguai.
Profundamente injusto esse conceito quando perquirimos a
encruzilhada em que se tocam e confundem as linhas da história
social e económica desse período da nossa formação.
Não se pode negar que exista uma interdependência entre a
civilização jesuítica das Missões e a formação do Estado brasilei-
ro que será, no extremo Sul, o marco meridional das possessões
portuguesas que se estendem até o Prata e que se fixa, definiti-
vamente, realizada a conquista das Missões, nas linhas actuais
de suas fronteiras geográficas.
Muito embora coubesse aos portugueses a prioridade na des-
coberta e exploração do Prata, é indiscutível que a linha de Tor-
desilhas, no Sul, vinha morrer à altura da Laguna, não obstante
a larga controvérsia histórico-geográfica que a fazia oscilar à fei-
ção dos interesses postos em causa pelas duas Monarquias penin-
sulares. Como veremos, mais detidamente, a disputa em torno
do Prata surge aos albores da descoberta do maravilhoso estuá-
rio envolto em lendárias promessas de fabulosas riquezas.
Mas, realizada a viagem de reconhecimento de Martim Afonso
234
AURÉLIO PORTO
de Souza que, possivelmente, teria verificado a improcedência das
pretensões portuguesas de estender até ali os seus limites, há uma
como tácita anuência de Portugual à fixação de um núcleo colo-
nial espanhol no Prata, que coincide com a delimitação da mais
meridional das donatárias portuguesas, nos confins de 28" 1/3.
Observa Capistrano de Abreu que «no plano primitivo a demar-
cação devia ir de Pernambuco ao Rio da Prata, meta de que afinal
ficou cerca de 12 graus afastada» e acrescenta que «só por con-
siderações internacionais se poderia explicar a fixação tácita dos
limites do Brasil em 289 1/3». *)
Durante 150 anos esse território não suscitou novas contro-
vérsias oficiais. Até, pelo contrário, foi essa linha rompida pelos
castelhanos que tentaram se estender, pelo Norte, até São Fran-
cisco, interposto necessário às expedições que, por terra, se diri-
giam à governação do Paraguai.
Quebrando esse secular interregno avançaram até as redu-
ções do Tape as bandeiras de Piratininga. Perlustraram durante
largos anos todos os recantos da terra, mas sem nela se fixarem,
porque unicamente os movia o objectivo da caça ao índio, e não a
terra longínqua, quase inacessível pelo mar e sem interesse nenhum
de ordem económica.
Inconscientemente, porém, exercem as bandeiras uma função
histórica de decisiva importância na fundação da economia da
terra a que levam as suas devastadoras razias de 1636 a 1641.
Quatro anos antes haviam os Jesuítas introduzido os primeiros
rebanhos em suas reduções. Premidos pela investida das ban-
deiras, salvando a custo o seu material humano, semente precio-
sa da catequese inicial, abandonam, no entanto, o gado com que
acudiam às necessidades alimentares dos índios reduzidos em suas
aldeias. E é ainda o receio de novas incursões bandeirantes a
causa principal do transmalhamento e difusão geográfica desses
rebanhos que se multiplicam assombrosamente pelas campanhas
e pastiçais do Sul, dando margem à fabulosa riqueza pecuária das
vacarias.
O gado vai ser a origem precípua da expansão civilizadora
1) Capistrano de Abreu. Capítulos de Hist. Colonial, 44.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 235
no extremo Sul. Modifica a fácies ecónomico-geográfica da ter-
ra, criando utilidades que possibilitam meios compensadores de vi-
da. Atrai ambições que se entrechocam. Dá ao homem uma
feição nova, revestindo-o de um fundo de heroicidade, meio sel-
vagem, que se vai refletir, através dos tempos, nas gerações vin-
douras. Cria uma etnia, à parte, trabalhada pelos usos e costu-
mes que impõe, por um vocabulário opulento, amálgama de lín-
guas diversas, fundidas no cadinho do meio, e dá ao homem, pela
função imperativa do desdobramento de actividade de sua pró-
pria iniciativa, um carácter forte, livre, generoso, hospitaleiro e
heróico.
Bastaria esse aspecto de ordem puramente económica, a in-
trodução, do gado, para justificar a influência que sobre a forma-
ção dos povos do extremo meridional exerceu a civilização jesuí-
tica, se outros mais directos não pudessem ser levados a seu cré-
dito.
A história da civilização rio-grandense precede, assim, à do
povoamento de seu território, fixando-se as suas origens mais
remotas na revelação da incalculável riqueza económica das va-
carias, que orienta para o Prata as correntes expansionistas de
colonização portuguesa.
Aos espanhóis jamais interessou esse trato de terra que, cir-
culado pelo Prata e Uruguai, ia morrer nas linhas indecisas do
meridiano de Tordesilhas. E o mesmo sucedera aos portugueses
que, embora percorrendo-o ainda com as entradas paulistas, que
vão até o ano de 1660, só procuravam maloquear, levando para
Piratininga chusmas incontáveis de índios infiéis que arrancavam
de suas aldeias. Durante 30 anos em que cruzaram esse territó-
rio, porque não oferecia condições económicas de vida, não deixa-
ram nele um posto sequer de ocupação definitiva, um núcleo ini-
cial de fixação e povoamento. E os próprios Jesuítas, cujos ca-
tecúmenos tapes alegam direitos à posse da terra, que fora de
seus antepassados, e de que se retiraram pela invasão das ban-
deiras paulistas, não mais* voltam a seus rincões, porque, destruí-
das as aldeias, sem interesse de ordem material que aí os prenda,
nada mais os vincula a ela.
Descobertas as vacarias, célere corre a notícia dessa fantás-
236
AURÉLIO PORTO
tica riqueza que valoriza a terra. Em toda a parte, a geografia
do gado que fixa, com a localização dos currais, os esteios da ci-
vilização, é traçada pelo homem que, à frente das boiadas, fecun'
da os desertos.
«A avançada» para os sertões brasileiros, observa o erudito
Eugénio de Castro, «se de vários pontos se deu pela necessidade
de guerra aos índios, para cativá-los ou afugentá-los de vez —
o que teve o socorro dos paulistas, vindos pelo vale do São Fran-
cisco, numa e noutra das margens, foi substituída pela marcha
regular da expansão e fixação do gado em pequenos sítios e fa-
zendas, obedeceu a uma jornada pastoril, lenta e segura, de que
foi figura primacial, nos sertões baianos, o vaqueiro.
Estabelecida uma fazenda, ou curral, o vaqueiro só passou
a ter a quarta parte dos gados que criava, depois de decorridos
cinco anos de seu emprego. Por sua vez era o vanguardeiro de
outros sítios, futuras fazendas, povoados e vilas. Esse processo
foi alargando o panorama pastoril, sem deixar em decadência o que
era lavoura ou criação, nos afazendados de origem.» -)
Nessa penetração, o vaqueiro não conhece distâncias. Â fren-
te do gado, aboiando as tropas, cruza os piques ínvios das mata-
rias fechadas; tendo, à cabeça, enfiada, a caveira de um boi de
aspas longas e recurvas, abre o nado das tropas, vadeando rios
correntosos e profundos; e, de um ponto para outro, na sua su-
cessão quase interminável, vai plantar nos lindes extremos da
terra os marcos de fronteiras, de cuja inviolabilidade se torna
sentinela atenta e defensor heróico.
Mas, não será unicamente o guia e o fixador em novos cur-
rais e estâncias dos rebanhos que conduz e postoreia. E' o cria-
dor de um mundo novo que traça geograficamente e o diferencia-
dor de novas etnias.
As injunções do meio, trabalhos e provações; o apuramento
de predicados excepcionais de resistência e bravura; usos e cos-
tumes, e a cópia de verbalismos novos com que enriquece o seu
vocabulário, modificam-lhe, essencialmente, o tipo primitivo. A
2) Eugénio de Castro. Geografia linguística e cultura brasileira.
Rio de Janeiro, 1937, pág. 37.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 237
miscigenação imposta pelo sangue das raças, que aí se chocam
e se misturam, completa essa modificação. Forma, assim, a geo-
grafia do gado, um tipo de excepção, completamente diferente do
outro, que conserva os seus traços de origem, perlongando o li-
toral de que se não afasta, entregue aos amanhos incipientes da
terra. E' ela que realiza a unidade nacional. Os currais e as
estâncias são os elos dessa corrente indestrutível que vai pren-
dendo, rincão a rincão, toda a vasta extensão territorial do Bra-
sil. :;)
Em suas linhas de dispersão geográfica que ligam o núcleo
inicial da pecuária brasileira no Centro-Sul aos sertões longínquos
de Oeste, dando origem à riqueza pastoril do Prata, que decorre
da introdução do gado em Assunção do Paraguai, com as «sete
vacas» lendárias de Gaete, verifica-se, ainda, o mesmo processo
de difusão bovina. À frente dos povoadores das novas cidades,
na sua missão histórico-social de fecundador de desertos e condu-
tor da civilização, era sempre o gado o fixador do homem à ter-
ra e o curral o ponto de convergência de populações adventícias.
Diverso, porém, em suas próprias origens, o panorama geo-
gráfico da dispersão e multiplicação dos rebanhos, que opulentam
os campos cisplatinos. Abandonado à sua mesma sorte, entre as
bacias do Ibicuí e do Jacuí sem costeio nem cuidados de vaqueiro,
o gado segue para o Sul, onde magníficas pastagens e perenes
aguadas facilitam, em largas décadas, sua assombrosa multipli-
cação e aprimoram uma raça de selecção, que foi o gado crioulo.
Por muito tempo desconhecido, circunscrito à campanha que
se estende até o mar, criou reservas inexauríveis que deveriam
açular as mais fundas ambições pela posse da terra que valori-
zara economicamente e pela exploração intensiva das fontes de
riqueza que constituía. Não obstante a prioridade dos Jesuítas
em seu lançamento, pelo abandono em que jazia e pelo próprio
processo de sua multiplicação, esse gado era considerado chimar-
rão, isto é, selvagem, o que excluía direitos de propriedade parti-
cular.
3) Aurélio Porto. Função sócio-geográfica do gado brasileiro. Jor-
nal, Rio, 30-IV-1939.
238
AURÉLIO PORTO
Reivindicavam os tapes, oriundos dos índios que haviam sido
primitivos donos da terra, e a quem pertenceram os primeiros
rebanhos nela introduzidos, o direito de extracção dos gados das
vacarias, contestando os espanhóis, em longos pleitos judiciais, que
somente a eles pertencia essa riqueza, fazendo-a proceder de cas-
cos vacuns aí lançados por Hernadárias e outros.
Antes, porém, que essas disputas tivessem lugar, conhecida
a riqueza pastoril da terra completamente abandonada, dirigem
os portugueses para elas as suas atenções, avocando a si o direito
de posse pela prioridade lusa na descoberta do Rio da Prata.
Intentam-se expedições para efetivar essa posse. Ao princí-
pio, timidamente esboçadas pelo receio de um choque com os cas-
telhanos. Concedem-se, reatando o fio da política de colonização
primitiva, largas donatárias que vão até Maldonado, mas que es-
barram, na fixação geográfica de seus lindes, com os mesmos re-
ceios de prováveis antagonismos internacionais. A expedição de
reconhecimento de Jorge Soares Macedo ruma, finalmente, para
o Sul. Tem, porém, o epílogo desastroso de um naufrágio e o
encontro com a tropa missioneira dos Jesuítas que, sabida a in-
cursão, fica de alcateia na praia deserta em que surge o explora-
dor. E' quando, remontando às alturas de São Gabriel, com o
aparelhamento necessário à fixação de uma Colónia Militar, que
será o núcleo do expansionismo português no Prata, funda D.
Manuel Lobo, ali, a cidadela da Nova Lusitânia, depois Colónia
do Santíssimo Sacramento. Ao Norte, no litoral, coincidindo com
essa penetração para o extremo Sul, o capitão-mor Domingos de
Brito Peixoto e seus filhos fundam Laguna, cuja influência no
povoamento do território rio-grandense será de decisiva impor-
tância. Caberá aos lagunistas, atraídos pelo gado chimarrão dos
Pampas, de que desde a primeira hora fazem grandes arreadas,
a verdadeira fundação do Rio Grande do Sul, que percorrem em
todas as direcções e em que fixam depois, nas alturas de Viamão,
os seus primitivos currais.
Estabelecidos esses dois núcleos de povoamento — Colónia e
Laguna — que são os marcos avançados de penetração portu-
guesa no Prata, compreendem os Jesuítas que um sério perigo
ameaça destruir a riqueza que dera à terra dos tapes um alto
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 239
valor económico. Outro factor que vai exercer decisiva influên-
cia nos destinos da terra surge no índio campeiro, minuano e
afins, inimigo tradicional dos catecúmenos jesuítas, com os quais
muitas vezes travaram sangrentas contendas. Conseguem os por-
tugueses cativá-los com suas dádivas e por seu intermédio extrair
das vacarias inumeráveis tropas de gado, que suprem às necessi-
dades da Colónia ou sobem para a Laguna, onde se estabelecem
as primeiras charqueadas do Sul e se inicia larga exportação de
efeitos vacuns.
Aos portugueses e índios vem-se ajuntar um elemento novo
— o gaudério. Egressos da civilização, «sem lei, sem rei, sem
Deus» surgem de todas as partes. São, inicialmente, moços san-
tafecinos, «crioulos, jovens e inquietos, que encontraram nelas
(vacarias) uma distração, primeiro, e uma ocupação, em segui-
da, muito de acordo com o espírito de aventura que corria em
suas veias». As expedições às vacarias, em que tomavam parte
principal, foram alheando-os das cidades «até romper por com-
pleto os frágeis laços que os ligavam ao lar paterno, onde a vida
lhes decorria difícil». Foram os primeiros «paisanos» que, ao se
isolarem dessa forma, rompiam não só com seus pais como tam-
bém com a sociedade de seus semelhantes para fundar uma socia-
bilidade regressiva que nosso grande Sarmiento chamou com jus-
tiça «a civilização do couro». Aparecem «nos primeiros anos do
século XVIII. Primeiramente na Banda Oriental, onde as expe-
dições santafecinas vão deixando peões que fazem vida selvagem,
dedicando-se à extracção de couros para o Assento, ou para os
portugueses da Colónia do Sacramento. Citada fica a opinião do
comissionado da referida Banda que em 1721 diz que aquelas cam-
panhas estão cheias de peões vagabundos que vivem a seu arbí-
trio, sem Deus, sem Rei e sem Lei. Essas referências pintam
perfeitamente o gaúcho nómade». 4) A estes vão-se juntar por-
tugueses, brancos, mestiços e pretos, oriundos de toda- parte, que
são atraídos pela vida livre e aventurosa das vacarias, ou pelas
facções guerreiras de que vão ser cenários as campanhas infin-
4) Emilio A. Coní. História de las vaquerias dei Rio de la Plata.
Madrid. Tipografia de Archivos. Olozaga, 1, 1930.
240
AURÉLIO PORTO
dáveis do Pampa, para o entrechoque das duas raças em forma-
ção que disputam a posse desse património económico que as opu-
lenta.
Com as incursões que haviam feito, à frente das hostes arma-
das de seus catecúmenos, recrutados nas doutrinas da margem
ocidental do Uruguai, a fim de obstar o avanço português para
o Prata, conhecem os Jesuítas o volume surpreendente da riqueza
pecuária das vacarias. Perdem também com essa penetração o
temor que os inibia, até então, de uma assistência efectiva a esse
território, cuja valorização económica, com a difusão do gado, tor-
nara a meta ambicionada a portugueses e espanhóis. Fautores
dessa riqueza, sentiram-se espoliados no direito natural que lhes
assistia em sua lucrativa exploração. Urgia estabelecer fortes
núcleos de população, vadeando o Uruguai, para preservá-la da
destruição iminente já prevista com o avanço dos elementos alie-
nígenas que tentavam fixar-se ao Sul e ao Norte. Portugueses,
espanhóis, gaudérios e índios campeiros, iniciavam esse largo pro-
cesso histórico do povoamento do Sul, sobre as bases fundamen-
tais da geografia do gado que lhes impunha os imperativos de
uma civilização incipiente.
Colónias de índios cristãos, a quem cabe resguardar esse pa-
trimónio jesuítico de inapreciável valor, deslocam-se das terras a
que a acção bandeirante obrigara a transmigrar seus antepassados
e fundam, no vale do Uruguai, em sua banda oriental, os povos de
Missões. Ao princípio, temerosos ainda, se bem que fortes pela
férrea disciplina da educação jesuítica, localizam-se uns próximos
aos outros, para eventual socorro e assistência de defesa. Mais
tarde, na preservação de sua própria economia rural, estendem as
suas estâncias por todo o território rio-grandense, enchendo-o de
magníficos rebanhos de gado de toda espécie, que são a origem
da penetração e fixação dos elementos brasileiros que fundam aí
os esteios avançados da nacionalidade. A geografia jesuítica do
gado, atraindo o lagunista, cria o tropeiro que marca com seus
currais primitivos, na terra rio-grandense, o fogão das estâncias,
em torno do qual o gaudério, o gaúcho primitivo dos campos, irá
emergindo da semibarbaria em que se afundou, para a civilização
a que retorna.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 241
Para se contrapor, pelas armas, à expansão portuguesa, e À
exploração das ricas campanhas do Prata, aliam-se os Jesuítas
e os espanhóis de Santa Fé e de Buenos Aires que levam vários
assédios à nova fundação lusitana. Trava-se, então, essa luta for-
midável que deverá durar um século e delinear fronteiras que os-
cilam ao sabor dos tratados ou do entrechoque sangrento dos con-
tendores. Conseguem, entretanto, os portugueses a aliança dos
índios cavaleiros que dominam as campanhas da Banda Oriental
e que, numa poderosa confederação, hostilizam, principalmente as
Missões uruguaias. E' quando compreendem os platinos a ne-
cessidade de estabelecer à margem setentrional do grande estuá-
rio um posto estável de população branca, para se contrapor ao
avanço português. Surge daí a cidade de Montevidéu e com ela
as origens de uma nacionalidade, cujos usos e costumes, oriun-
dos na mesma fonte original, são idêntioos aos das campanhas do
Estado mais meridional do Brasil, e cujas fronteiras geográficas,
imprecisas e incertas, somente se identificam pelos idiomas que,
no entanto, quase se confundem, na comunidade dos verbalismos
novos com que a civilização do gado os opulentou.
Quando, em 1737, o brigadeiro José da Silva Pais, entrando
à barra do Rio Grande, funda o primeiro estabelecimento oficial
de posse portuguesa, que se ergue no litoral, já, penetrando até
as alturas de Viamão, os pioneiros do povoamento rio-grandense,
dominando campos de sesmarias extensas, recolhem das campa-
nhas longínquas tropas inumeráveis de gados missioneiros. Em
torno da estância que se ergue, na sua predestinação social, con-
gregam-se elementos de toda a espécie, que serão os fautores da
cidade futura. Lagunistas, colonistas, gaúchos e índios, portugue-
ses e espanhóis, missioneiros e minuanos, aí se fundem numa mis-
cigenação primitiva. São as origens étnicas das primeiras gera-
ções rio-grandenses. E nessa fase de formação não é de despre-
zar a contribuição de índios das Missões Jesuíticas, como se de-
preende da percentagem com que concorre nos assentos baptis-
mais de Viamão e do Presídio do Rio Grande. E, mais tarde,
coincidindo com a entrada inicial dos casais açoritas que formam
o fundo da população branca do Continente, na Guerra da De-
marcação, o general Gomes Freire de Andrada promove a entra-
242
AURÉLIO PORTO
da no território rio-grandense de algumas centenas de famílias
missioneiras, que fundam as aldeias de São Nicolau do Jacuí, São
Nicolau do Rio Pardo e a Aldeia dos Anjos, junto a Viamão.
Confundidos com a população de origem lusa, porque se lhes im-
põe a adopção de nomes portugueses, entram largamente na for-
mação das nossas populações rurais, numa alta mestiçagem de im-
possível identificação genealógica.
Nossas lendas campeiras, nossa música e cânticos folclóricos,
o fatalismo característico do nosso povo, a displicência das nossas
acções, e o religiosismo das velhas gerações campeiras, reflectem
um pouco a civilização decadente das Missões. Com a idade do
couro, que é um dos mais interessantes períodos da história do
extremo Sul, fundam as Missões indústrias incipientes que criam
raízes fundas em nossas populações rurais. Sob todos os aspectos,
apreciados em detalhe, encontraríamos, fundamentando a asserção,
uma influência mediata da civilização missioneira na formação pri-
mitiva do Rio Grande do Sul.
Com a conquista dos Sete Povos e integração de suas popula-
ções, já decadentes, à comunhão brasileira, recebemos um acervo
histórico que se torna um património nacional.
Não há negar que a civilização missioneira, universalista em
suas origens, que mesmo mais tarde se segregava da influência cas-
telhana, porque a presidia o isolacionismo jesuítico, actuou na for-
mação das nossas populações rurais, pela geografia do gado, pela
contribuição étnica do tape e pelas características que lhe são pe-
culiares.
A história do gado, que é a história económica do Rio Grande
do Sul, por si só integraria as Missões Orientais do Uruguai ao
panorama histórico da civilização brasileira.
2. O ciclo do gado vicentino.
O gado que os Jesuítas introduzem, em 1634, no território que
se estende a Oriente do Rio Uruguai, e que vai constituir o casco
da pecuária sul-rio-grandense e uruguaia, procede, em suas origens
primitivas, dos rebanhos brasileiros de São Vicente, aí introduzidos
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 243
um século pricisamente antes, por ordem do donatário dessa capi-
tania Martim Afonso de Sousa.
Embora recebesse uma pequena percentagem de sangue do
gado espanhol, que baixa do Peru, em quantidade mínima que pou-
co influi sobre as suas características raciais, o gado crioulo que
readquire, no estado selvagem a que retorna pelo largo abandono
de quase meio século nas campanhas platinas, as suas preciosas
qualidades primitivas, constitui pela sua rusticidade e valor eco-
nómico uma raça à parte, distinta da brasileira, paraguaia e cor-
rentina, das quais procede, por descendência secular directa.
Dava-se-lhe também originàriamente a designação de gado
colonão, julgando proceder da Colónia do Sacramento, donde os
portugueses recebem as primeiras notícias de sua existência.
A história do gado crioulo é, em síntese, a história da civili-
zação jesuítica, origem precípua das correntes de povoamento por-
tuguesas e espanholas que se entrechocam no território uruguaio,
cenário admirável em que se formam dois povos quase semelhan-
tes por usos e costumes, mas separados por antagonismos iniciais
de sua própria economia, pela língua de matizes diferentes, que
mais tarde quase se confunde nos fogões rurais, por modalismos
verbais comuns, oriundos da mesma actividade e do mesmo habi-
tat de que eles surgem.
E' ainda a expansão geográfica do gado brasileiro, em sua
penetração para Oeste, depois de um século, retomando sua mar-
cha de retorno, que vai incorporar ao património territorial do
País regiões que serão reservas formidáveis da economia nacional.
Foi Martim Afonso de Sousa o fundador da pecuária brasi-
leira.
Estava ainda em São Vicente quando ali chegou, em 1532,
uma carta del-rei, que trazia João de Sousa, comunicando-lhe o
vasto plano de divisão do Brasil em capitanias hereditárias, ca-
bendo-lhe nessa partilha a de São Vicente. E, antes de voltar
ao Reino, o que realizou na monção do ano seguinte, lançou os
fundamentos da vila. «Para matriz erigiu uma igreja com o tí-
tulo de N. S. de Assunção; fez cadeia, Casa de Conselho, e todas
244
AURÉLIO PORTO
as mais obras públicas necessárias; foi, porém, muito breve a du-
ração de seus edifícios, porque tudo levou o mar.» 5)
Em João Ramalho, o patriarca da terra que ali estava desde
1511 ou 1513, encontrou o donatário um precioso elemento para
o êxito de sua empresa. E com ele sobe ao planalto de Piratinin-
ga, que se estende, até morrer, às «bordas do campo». O capi-
tão-mor se deixa impressionar «pela bondade» dessas terras, pela
aptidão que lhes descobre para «criarem gado vacum, cavalar e
ovelhum».
Resolve, então, quando voltar ao Reino, dar providências ime-
diatas para a remessa de exemplares de gado que são os semen-
tais de que «saíram desta (capitania) de São Vicente as éguas,
vacas e ovelhas, que propagarão em todas as mais. 6)
Muitos fidalgos que trouxera na armada ficam povoando a
terra. Os casais vêm depois, como se depreende da declaração
de João Gonçalves que, segundo frei Gaspar de Madre de Deus,
em petição de 4 de Abril de 1538, diz, ser «casado com mulher e
filhos em a dita terra, passa de hum anno, a ser o primeiro ho-
mem que aa dita Capitania veio com mulher casado, etc». No
planalto, João Ramalho fundara Santo André da Borda do Campo
que, mais tarde, se fundiria com Piratininga, aldeia que o grande
Manuel da Nóbrega visita, pela primeira vez, em 30 de Agosto de
1553. 7)
Martim Afonso, escreve Pero Lopes, no Diário, «repartiu a
gente nestas duas vilas e fez nelas oficiais, e pôs tudo em boa
ordem de justiça, de que a gente tomou muita consolação, com
verem povoar vilas e ter leis e sacrifícios, e celebrar matrimónios,
e viverem em comunicação das artes; e ser cada um senhor do
seu; e vestir as injúrias particulares; e ter todos os outros bens
da vida segura e conversável.» s)
Na ausência do capitão-mor que, em princípios de 1553 segue
5) Frei Gaspar da Madre de Deus. Memórias para a Hist. da Capit.
de São Vicente. 3' ed. São Paulo, 1920, 141.
6) Idem. 169.
7) Serafim Leite. Páginas de História do Brasil, pág. 92 nota 5.
8) Eugénio de Castro. Diário de Navegação, de Pero Lopes. Rio,
1927, pág. 341.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 245
para o Reino, fica no governo de São Vicente, no cível, o Padre
Gonçalves Monteiro, vigário da nova igreja, a quem cabia prover
ofícios e conceder sesmarias. O governo das Armas tocou a Pero
de Góis e Rui Pinto.
»
Martim Afonso chegou a Lisboa em Maio de 1533, sendo no-
meado capitão-mor da Índia, para onde partiu com cinco velas a
12 de Março de 1534. «Enquanto não partiu para o novo desti-
no ocupou-se da sua Capitania, enviando-lhe casais, plantas e se-
mentes — incluindo cana de açúcar; e celebrando contratos para
a f atura deste.» 11 )
O Dr. Urbino Viana, que assina interessante trabalho sobre
o assunto, coloca a introdução do gado, em São Vicente, entre
aquelas duas datas, acrescentando que foi mandado por D. Ana
Pimentel, mulher de Martim Afonso e sua procuradora nos negó-
cios atinentes à capitania. in) Essa procuração está datada de
3 e 6 de Março de 1534. ")
Não se pode, ainda, de sã consciência, determinar uma data
precisa para a introdução do gado no Brasil. E' possível que nos
arquivos portugueses se encontrem indicações não reveladas até
hoje. Nas feitorias que se estabeleceram no Norte, antes da fun-
dação de São Vicente, é provável mesmo que portugueses ou fran-
ceses houvessem introduzido algumas cabeças de gado, mas em
número tão resumido que não se destinariam senão exclusivamen-
te para o consumo.
Martim Afonso em sua armada da índia, segundo Jaboatão,
«levava religiosos menores e tornou de arribada ao porto da Ba-
hia. 12) Em seguida, destinando-se à índia e, no mesmo ano,
sabe-se que Pero Lopes, em uma caravela e Firmino Sodré, em
outra, saíram de Lisboa. No ano seguinte, em Setembro, saiu
uma armada de que fazia parte a nau Galega, capitaneada por
Tomé de Sousa.
9)' F. A. de Varnhagen. Biog. Martim Afonso. "Rev. Inst. Hist.
Bras." V-235.
10) Urbino Viana. Sobre o gado curraleiro. Rio, 1927.
11) Carlos Malheiro Dias. Hist. da Colon, portuguesa no Brasil. V,
109.
12) Jaboatão. Novo Orbe seráfico.
246
AURÉLIO PORTO
Não é fora de propósito supor que o próprio Martim Afonso
tivesse trazido em sua armada o primeiro gado introduzido em
São Vicente, transbordado na Bahia para o Sul. C. Malheiro Dias
informa que «os .navios, que de Portugal vinham anualmente ao
Brasil, faziam a cabotagem desde Pernambuco a São Vicente, tra-
zendo-lhe novos colonos, gados, panos e ferramentas, e transpor-
tando para a Metrópole as caixas de açúcar produzido nos cana-
viais florescentes da Colónia.» 1S)
Segundo Gandavo o primeiro gado introduzido no Brasil teria
vindo do Cabo Verde, onde as armadas que demandavam o Novo
Mundo se abasteciam, e informou que, «depois que a terra foi co-
nhecida e vieram a entender o proveito da criação que nesta par-
te podia alcançar, começaram-lhe a levar da ilha de Cabo Verde
cavalos e éguas, de que agora há já grande criação em todas as
capitanias desta província. E assim há também grande cópia de
gado, que da mesma ilha foi levado a estas partes; principalmen-
te de vacum há muita abundância, o qual, pelos pastos serem mui-
tos, vai sempre em grande crescimento.» 1J)
Os mais antigos cronistas são contestes em afirmar a pre-
cedência de São Vicente em criação de gados, assinalando o Pa-
dre Simão de Vasconcelos que «esta vila de São Vicente foi a pri-
meira em que se fez açúcar na costa do Brasil e donde as outras
capitanias se provisionaram de cana para a planta e de vacas
para a criação.» 1") E frei Gaspar, citando o Padre Simão de
Vasconcelos, acrescenta que «saíram desta de São Vicente as éguas,
vacas e ovelhas que propagaram em todas as demais.»
Pero Lopes, em seu Diário, nos dá as primeiras notícias sobre
distribuição de terras em São Vicente. «A todos nós pareceu tão
bem esta terra, que o capitão I \ = Capitão-Morl determinou de
a povoar e deu a todos os homens terras para fazerem fazendas.»
(Comentado por Eugénio de Castro, I, 340, Rio, 1927.)
Entre os primeiros que recebem sesmarias de terras, em São
13) Hist. Colon. Port. cit. III, 230.
14) Pero de Magalhães Gandavo. Tratado da Terra e Gente do Brasil,
Ed. 1924, Rio, 102.
15) Padre Simão de Vasconcelos. Crónica da Comp. de Jesus, no Es-
tado do Brasil. V ed., Liv. I, 40.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
247
Vicente, figura o fidalgo Brás Cubas, que veio na armada de Mar-
tini Afonso, e que mais tarde é o fundador de Santos. Data a
concessão de 10 de Outubro de 1532 a que, em 1536, agrega as
terras de Jerebatiba. 16)
Sua fazenda, demarcada em 1567, ficava junto à aldeia do
Paqueri e nela tinha uma capela dedicada a Santo António, co-
berta de telha, e casas fortes, além de muito gado, assim vacum,
como suíno. E' um dos primeiros que iniciam a criação de ga-
dos, cujo casco foi grandemente aumentado com a vinda de seu
pai, que chegou a São Vicente em 1537, trazendo «muita fazen-
da». 17)
Além dos engenhos de açúcar que se fundam e que recebem
algumas cabeças de gado vacum para suas próprias necessidades
e força motriz, os proprietários de terra, quer em São Vicente,
quer no planalto «onde melhor se poderia desenvolver a cultura
de cereais e a criação de gados», vão povoando os seus campos,
onde os animais se multiplicam, constituindo os núcleos iniciais
da pecuária vicentina e, principalmente, piratiningana.
A Pedro de Góis, na mesma data, concede o capitão-mor uma
sesmaria, junto ao Engaguaçu, onde estabelece o engenho da Ma-
dre de Deus. Depois de povoados, tendo de se retirar para to-
mar conta da capitania que lhe foi doada, entrega esses campos
a seu irmão Luís de Góis, cujos filhos, mais tarde, como veremos,
levando gado dessas fazendas, são os fundadores da pecuária do
Paraguai. v
A Rui Pinto concede o capitão-mor, em 10 de Fevereiro de
1533, uma sesmaria nas terras de Porto das Almadias, onde se
estabelece também seu irmão Francisco Pinto.
Além dessas concessões aos povoadores que ficam em São
Vicente e, mais tarde, sobem para o planalto, e aos que ali encon-
trara, faz o capitão-mor doação de extensas sesmarias. Entre es-
tas, interessa-nos a do mestre Cosme, mais tarde requerida por
Pero Correia, grande senhor em posses, terrível preador de índios,
que a povoou de farta quantidade de cabeças de gado. Movido
16) Hist. Col. Port. III, 232.
17) Rev. Inst. Hist. São Paulo, IV 294.
248
AURÉLIO PORTO
pela catequese dos Jesuítas, Pero Correia entra para a Companhia,
em que depois, por amor dos índios, se torna mártir, regando com
seu sangue a fronteira entre Carijós e Ibirajaras. As sesmarias
e os gados de Pero Correia são doados à Companhia, em 1533, a
fim de constituírem um fundo para manter os meninos do Colégio
de Piratininga.
Mas, é no planalto, onde João Ramalho funda Santo André
da Borda do Campo, e os Jesuítas, mais tarde, Piratininga, que se
desenvolve a criação de gados pela excelência dos campos que ali
se encontram.
Fundado o Colégio, que jdá origem a São Paulo, quando o
P. Nóbrega aí vem compreende que ele não poderá manter-se e
sustentar-se sem terras e gados que suprem às necessidades de ali-
mentação e indústria dos Irmãos; e, «se não foram as terras e
vacas que o P. Nóbrega com tanta caridade foi granjeando e que
é a melhor sustentação que agora tem com que se criou tantos
Irmãos», informa Anchieta, não poderia subsistir o Colégio. ls)
Foram em número de 12 as primeiras vacas que entraram
para o campo do Colégio. Segundo informa Nóbrega, «também
tomei 12 vaquinhas para criação e para os meninos terem leite,
que é grande mantimento, e foram compradas por pouco mais de
30$0. 1í)) As vacas, aduz em outra carta, foram adquiridas para
os meninos, «como as terras e são suas», e o mesmo sucedeu com
as do Irmão Pero Correia: «que são dos meninos». Com seu es-
pírito de previdência, Nóbrega, segundo Anchieta, embora ao prin-
cípio em Piratininga se padecesse muita fome, «mui raramente
mandava matar alguma rês, enquanto eram poucas as vacas, para
que se multiplicassem para os vindouros. »-°)
E assim sucedeu, pois, que em pouco tempo, a casa dos Jesuítas
podia contar com um rebanho já bastante desenvolvido, até para
suprimento de outros Colégios, como o do Rio de Janeiro, que dali
recebeu os seus primeiros, sementais.
Em 1554, quando da fundação de São Paulo pelos Padres, já
18) Padre José de Anchieta. Cartas Jesuíticas. Rio, 1933, III, 476.
19) Padre Manuel da Nóbrega. Cartas Jesuíticas. Rio, 1931, I, 130.
20) Anchieta. Cartas, cit. 475.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
249
se contavam quatro aldeias vicentinas: São Vicente, Santos, San-
to André, Itanhaém. Com excepção de Piratininga e de Santo
André, «todas estas três vilas são pobres, de poucos mantimentos
e gado, porém abundantes em açúcar». Mas Piratininga «é terra
de grandes campos, fertilíssima em muitos pastos e gados de bois,
porcos, cavalos, etc. e abastece de muitos mantimentos» ; «os nos-
sos comem de ordinário vaca, que é tenra e sadia, ainda que não
muito gorda» informa Anchieta. -
Só 30 anos depois da introdução do gado, mercê de magnífi-
cas publicações de documentos paulistas, pode-se acompanhar com
mais minúcia a evolução da pecuária vicentina.
Em 1564 determina a Câmara que se levante uma estatística
dos gados de São Paulo, que deveriam pagar o devido tributo, no-
tificando os proprietários deles ao ouvidor geral a respectiva quan-
tidade. Em vereança de 29 de Abril pelo «procurador do ano
passado foi dito e requerido haos ditos hoficiais [da Câmara] q
eles soubessem hos bois q avia nesta dita vila dos moradores dela
q os mandassem todos per hirem a pagamto, hao Sor houvidor
geral.» 21)
Apesar de sacrifícios impostos aos criadores pela guerra con-
tra os índios e fornecimento às armadas reais, os gados se multi-
plicavam assombrosamente nos campos piratininganos para onde
também acorriam vicentistas e paulistas que, no planalto, tinham
também as suas criações. E para evitar pleitos constantes, de-
terminou a Câmara o registro dos primeiros sinais, marcas ou
ferros de gado. A ata de 27-V-1576 traz os nomes desses funda-
dores de pecuária nacional: Afonso Sardinha, cujo sinal era «ore-
lha espontada, e depois de espontada é fendida e aa resguarda da
orelha somente»; Brás Cubas, que já registra marca de fogo:
«um C fero da marje hatraz q he hua B e a rez tem a orelha fen-
dida»; Joane Anes, I; Carina Gonçalves, S; Francisco Pires, F;
Gaspar Rodrigues, M; António Preto, R; Baltasar Gonçalves, B
e Lourenço Vaz, L.
Em actas subsequentes encontram-se largas nominatas de
criadores que têm fazendas povoadas de gado. Estas se esten-
21) Atas da Câmara da Vila de São Paulo. São Paulo, 1914, vol. I, 39.
250
AURÉLIO. PORTO
dem da banda do caminho do «hipirangua», que é o «caminho do
mar»; da banda da Ponte Grande: em Virapoheira; caminho dos
Pinheiros e outros. Cabe a esses criadores o ónus da conserva
dos caminhos e são para isto citados nominalmente pela Câmara.
A pelagem do gado, de que nos dão notícias «Inventários e Tes-
tamentos» de fins do século XVI, acusa as origens ibéricas dos
sementais primitivos. Predominavam os pelos pintado, barroso,
vermelho, alvação e fusco. Estão avaliados: vacas paridas em
3 cruzados cada uma, vacas soltas em 1$0 ; novilhos a $640 ; boi
capado, em 2$0; éguas a 1$0; éguas com cria a 2$0; cavalos a
4$0 cada um. Os preços de compra e venda eram, naturalmente,
superiores. As 12 vaquinhas, vendidas por caridade ao P. Nó-
brega, para os meninos, custaram, em média, 2$5 cada uma, pois
o preço real era de 5$0, atingindo na Bahia, em 1549, os bois a 6S5
e os novilhos a 5$0. Mais estimado do que os outros pela pela-
gem, o boi vermelho alcança melhores preços. Era, como o fus-
co, a pelagem predominante nos rebanhos piratininganos, como
depois vai sê-lo também nos rebanhos crioulos do Rio Grande do
Sul, que daí trazem suas origens mais remotas. -'-')
3. Fundação da pecuária de Assunção do Paraguai.
Procede de São Vicente o casco inicial do gado vacum que
dá origem à pecuária do Paraguai, em meados do século XVI.
Em substituição a Álvar Núnez Cabeza de Vaca, governador
do Prata, que fora preso e deportado de Assunção, escolhe el-rei,
em competição com outro candidato a esse cargo, a João de Sa-
nábria, homem nobre e rico, que apresta logo uma expedição para
se transportar à sua governança. Aparelhada já estava a frota
que a devia transportar quando faleceu "o capitão João de Saná-
bria, que nesses preparativos empregara todos os bens que pos-
suía. Substituiu-o seu filho Diogo de Sanábria. Compunha-se a
expedição de uma nau e duas caravelas, e nela vinham a viúva de
22) Aurélio Porto, in Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo
Histórico do R. G.do Sul. Ano l9, N. 1, pág. 435-480: História do gado no
Brasil.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 251
João de Sanábria, D. Mencia Calderon e duas filhas, D. Maria e
D. Mencia. Partiu a frota de Sanlúcar, no ano de 1552. Como
cabo da gente dela regressava ao Paraguai o capitão João de Sa-
lazar de Espinosa, que fora deportado de Assunção e seguira para
a Espanha na mesma caravela que conduzira o governador Ca-
beza de Vaca. Vinham, na mesma expedição, vários fidalgos e
povoadores, entre os quais se destacavam Cristóvão de Saavedra,
filho do correio-mor Hernando de Trejo e o capitão Becerra que
trazia mulher e filhos, em nau de sua propriedade.
Depois de longa viagem, aportou a esquadra ao Brasil e na
Laguna, à entrada da barra, perdeu-se o navio de Becerra com
tudo quanto trazia, salvando-se unicamente a gente que pôde che-
gar à terra.
Desavieram-se aí o piloto-mor e o capitão Salazar, e sendo
eleito Hernando de Trejo chefe da expedição, retiraram-se para
São Vicente vários componentes da armada. Trejo, compreenden-
do a necessidade que se fazia sentir de uma povoação que fosse
escala, na costa do Brasil, para atingir Assunção, indo ao porto
de São Francisco ali lançou, em 1553, os fundamentos de uma ci-
dade. Estabelecendo-se aí, casou com D. Maria de Sanábria, viú-
va de João de Sanábria, nascendo em, território brasileiro, desse
matrimónio, Dom Frei Hernando de Trejo, que foi bispo de Tu-
cumã e fundador da sua Universidade.
Não faltaram trabalhos e misérias naquela incipiente funda-
ção e Trejo, atendendo a rogos insistentes de sua mulher, resol-
veu abandonar a povoação, seguindo por terra para o Paraguai.
Depois de trabalhos sem conto e duros meses de largas prova-
ções, em que morreram de fome 32 soldados que se perderam, che-
gou Hernando de Trejo a Assunção, onde o general Domingos de
Irala, nomeado governador do Rio da Prata, o conservou preso
por largo tempo, por ter abandonado o porto de São Francisco,
que fundara, e que tão necessário se tornava para as entradas,
por terra, no Paraguai.
O capitão João de Salazar, que fora para São Vicente, havia
casado com D. Elvira de Contreras, filha do capitão Becerra, e
aí se encontrou com o capitão João Diaz de Melgarejo, com quem
concertou voltar a Assunção.
252
AURÉLIO PORTO
Fizera Salazar, na vila de Martim Afonso, boas relações de
amizade com os moradores, insinuando a muitos deles as vanta-
gens que teriam passando com famílias e bens à cidade de Assun-
ção. E tal foi a propaganda e a retirada de povoadores para o
Paraguai que o P. Manuel de Nóbrega, temendo o despovoamento
da capitania de São Vicente, «pela pouca conta e cuidado que
el-rei e Martim Afonso de Sousa têm, e se vão lá passando ao
Paraguai pouco a pouco», diz que «seria bom ter a Companhia lá
um ninho onde se recolhesse quando de todo São Vicente se des-
povoasse». Além disto, «estando lá os da Companhia se apaga-
riam alguns escândalos que os castelhanos têm dos portugueses,
e a meu parecer com muita razão, porque usaram mui mal com
uns que vieram a São Vicente, que se perderam de uma armada
do Rio da Prata. 2::)
Entre as pessoas que se ligam a Salazar contam-se os irmãos
Cipião 24) e Vicente de Góis, oriundos de troncos ilustres de po-
voadores vicentinos, filhos de Luís de Góis* fidalgo da Casa Real,
irmão de Pedro de Góis, que foi donatário da capitania de São
Tomé e capitão-mor de uma armada que, em Fevereiro de 1553,
estava surta no porto de Santos. •
Segundo refere Frei Gaspar da Madre de Deus residiu Luís
de Góis alguns anos em São Vicente, dali saindo com sua mulher
D. Catarina de Andrade e Aguilar, quando seu irmão, Pedro de
Góis, os transportou para a capitania que ia fundar, no ano acima
referido. Anteriormente Pedro de Góis doara-lhe o engenho da
Madre de Deus, que ficava em terras fronteiras ao de Engaga-
çu. - ')
Era Cipião de Góis filho primogénito desse casal e veio de
Portugal com seus pais, tomando conta do engenho da Madre de
Deus, onde havia já grande cópia de animais vacuns.
Havia muito que Salazar, pretendendo retornar a Assunção,
solicitara para isto a permissão devida, pois ordens terminantes
23) Padre Manuel da Nóbrega. Cartas do Brasil. Rio, 1931, pág. 175.
24) Ciprián de Goes, diz o capitão Salazar em carta de 20 de Março
de 1556.
25) Frei Gaspar da Madre de Deus. Memórias para a história da Ca-
pitania de São Vicente, 3* ed., São Paulo, 1920, 149.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
253
do governador geral da Bahia proibiam a saída, das povoações
portuguesas, de quaisquer estrangeiros que a ela aportassem, o
que só se daria mediante expressa determinação real, que deveria
vir da Corte. E' o próprio João de Salazar quem informa: «Vis-
to que de Portugal não vinha o despacho para nos deixar ir ao
Paraguai, e tão más esperanças de nosso remédio, e a necessidade
de cada dia maior e muitos incómodos que se não podiam sofrer,
tratei com Cipião de Góis, filho de Luís de Góis, que havia pou-
co viera de Portugal, para estar num engenho do pai, que viésse-
mos ao Paraguai, porque djele entendi ter vontade de fazê-lo.» -' )
Muito teriam influído sobre a resolução dos irmãos Góis, se-
gundo parece, as insinuações e promessas que lhes teria feito
João Diaz Melgarejo, capitão paraguaio, partidário de Cabeza de
Vaca, e foragido nessa capitania, aonde chegara, procedente do
Guairá. Há, sobre sua actuação em São Vicente, entre as acusa-
ções que lhe são feitas por Gregório de Acosta, referência ao caso
dos irmãos Góis, que «enganara com palavras e prometimentos»
e maltratara, tirando-lhés «fazendas» quando chegou ao povo de
Piquiri, em Guairá. Acosta acusa Melgarejo de ter «tirado a mu-
lher a um deles» (Cipião), não obstante ser ela sua comadre.
Diz Gregório de Acosta que Melgarejo «quando esteve em
São Vicente, onde se casou com sua mulher, despojou um engenho
de açúcar e deitou a perder um cavaleiro português, que se cha-
mava Luís de Góis, e enganou a seus dois filhos que eram mance-
bos, com palavras e prometimentos, de maneira que Luís de Góis,
pai dos moços e sua mulher morreram de pesar, e os moços que
levou consigo, depois que chegaram ao Povo de Piquiri, os tratou
muito mal e lhes tirou as fazendas e a um deles sua mulher e in-
famou-o com ela sendo sua comadre.» 27 )
Urgindo, porém, o regresso ao Paraguai, conseguiu Salazar,
com a participação de Góis e outros portugueses, aprestar os pre-
26) Carta de Juán de Salazar. Cartas de índias, 579.
27) Blas Garay. Colección de documentos relativos á la historia de
América y particularmente à la historia dei Paraguay. "Rev. Inst. Hist.
dei Paraguai". Asunción, 1899. Talleres nacionales de H. Kraus. V. Rela-
ción breve dei Rio de la Plata, de Gregório de Acosta. 1545, data evidente-
mente errada porque os factos referidos são posteriores ao ano de 1555.
254
AURÉLIO PORTO
parativos para a fuga, que teve lugar, provavelmente, em Maio
de 1555. Grande era a comitiva, que se compunha de dez solda-
dos espanhóis, seis portugueses, além de Cipião de Góis e sua
mulher, João Diaz Melgarejo, Vicente de Góis, capitão João de
Salazar e D. Isabel de Contreras, «com quem me casei, e duas fi-
lhas suas, e outras três mulheres casadas», diz Salazar em sua
carta citada.
Tendo conhecimento da fuga dos espanhóis procuraram as
autoridades de São Vicente impedir levassem-na a efeito, empre-
gando para isto, se necessário, meios violentos. Passariam os fu-
gitivos por uma aldeia de tupis, que ficava 12 léguas adiante do
povoado português, aos quais foi ordenado obstassem a passagem
da expedição, prendendo os fugitivos que, se resistissem, deveriam
ser sacrificados. Teve o P. Manuel da Nóbrega, que estava em
São Vicente, notícia certa dessa determinação e se deu pressa de
ir até a aldeia convencer os tupis de que praticariam um acto re-
provável, mal visto por Deus e pelo próprio rei.
E assim pôde a comitiva passar incólume, embrenhando-se
logo no sertão, rumando para Oeste. Cinco meses levou a expe-
dição para atingir Guairá, e daí Assunção, aonde, depois de peno-
sos trabalhos, chegou em Outubro de 1555. 28)
E' nessa ocasião que os irmãos Góis introduzem no Paraguai
o primeiro gado vacum que vai fundar a pecuária assuncenha e
que procede do engenho de Madre de Deus, de que estavam en-
carregados. São as célebres «sete vacas de Gaete», de que Rui
Diaz de Guzmán nos transmite a tradição. «Estes foram os pri-
meiros que trouxeram vacas a esta província, fazendo-as cami-
nhar muitas léguas por terra, e depois pelo rio em balsas; eram
sete vacas e um touro a cargo de um fulano Gaete, que chegou
com elas a Assunção com grande trabalho e dificuldade somente
pelo interesse de uma vaca que se lhe indicou como salário, donde
ficou naquela terra um provérbio que diz: «são mais caras do
que as vacas de Gaete.» ->!l)
E' interessante notar que só existe deste facto, que é trans-
28) Carta de Juan de Salazar. Cartas de índias. 579.
29) Ruy Diaz de Guzmán. Argentina, 107.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
255
cendental para a história da pecuária no Rio da Prata, essa sim-
ples citação do autor da Argentina que a recebeu, naturalmente,
por tradição oral. As cartas de João de Salazar, que descrevem
a viagem e os acidentes dela; as dos Jesuítas, que a isto fazem
referência, absolutamente não dizem uma palavra sobre o trans-
porte desse gado que deveria constituir um acontecimento notá-
vel na época. A própria quantidade, «sete vacas e um touro»,
pelo seu simbolismo, incorpora-se à legenda das coisas miraculo-
sas.
Entretanto, sabe-se, conforme carta de João de Salazar, es-
crita da costa do Brasil, de Todos os Santos, a 20 de Julho de
1553, ao Conselho de índias, que haviam chegado a Santos, por
aquela época, vindos de Assunção, alguns castelhanos com o pro-
pósito de comprar gado vacum e ferro, trazendo peças de prata
e ouro lavrado, do Peru. Fazia Salazar junto ao governador ge-
ral as negociações necessárias para isto, nada conseguindo, pois
«que não se podem tirar sem licença do Rei» 30)
E daí a insinuação aos irmãos Góis para que transportassem
um pequeno lote de gado de seu próprio engenho, o que se reali-
zou dois anos depois.
Seria mais interessante não desfazer a lenda das «sete va-
cas de Gaete», aceita por todos os historiadores que se têm re-
ferido à fundação da pecuária no Paraguai e no Prata . . . Mas,
a crítica histórica, que repousa sobre factos concretos, a ela se
contrapõe, se quisermos determinar com relativa aproximação o
coeficiente de sangue vicentino que constitui a base dos rebanhos
do Prata. Só 15 anos depois da introdução dessas «sete vacas»
recebe Assunção novos lotes de gado, procedentes do Peru, tra-
zidos pelo general Filipe de Cáceres. E nesses três lustros a pro-
dução de casco vicentino excede a todas as possibilidades da exí-
gua produção das «vacas de Gaete».
Operoso fazendeiro rio-grandense e cultor da nossa história,
o general Ptolomeu de Assis Brasil, dias antes de seu prematuro
falecimento, houve por bem nos dar um cálculo dessa produção.
Baseando-se nas probabilidades da quebra natural, chegou à con-
30) Correspondência de Juan de Salazar. Archivo de índias.
História das Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte 9
256
AURÉLIO PORTO
clusão de que a quantidade máxima de gado produzido por aquele
casco, em 15 anos, teria sido de 450 cabeças entre touros e vacas,
o que não condiz com a existência de grandes rebanhos assinala-
dos no Paraguai, antes do reforço do gado peruano.
E' o seguinte o cálculo referido:
PRODUÇÃO
ANOS
Casco
Vacas
Total
Fêmeas
Machos
1555
■ 7
7
3
3
13
1556
7
7
3
2
18
1557
18
7
3
3
24
1558
24
10
4
4
32
1559
32
13
5
5
42
1560
42
16
6
6
54
1561
54
20
8
8
70
1562
70
24
10
10
90
1563
90
30
12
12
114
1564
114
38
15
15
144
1565
144
48
20
20
184
1566
184
58
24
24
232
1567
232
73
28
28
288
1568
288
90
36
36
360
1569
360
114
45
45 1
450
Dois anos depois da introdução desse gado no Paraguai, em
1557, quando não ultrapassaria de 24 cabeças a população bovi-
na de Assunção, tomando como provável a quantidade inicial de
Rui Diaz, já o general Núfrio de Chávez, que dali partira em
Agosto, deixava, aos cuidados dos Jaraes, em cujas terras se in-
ternara, navios, canoas, «com quantidade de gados maiores, 81)
que faz supor também alguns vacuns.
A 3 de Outubro do mesmo ano de 1557, faleceu em Assunção.
31) Guzman. Argentina, 118. Documento assinado por vários conquis-
tadores, residentes em Assunção. — Groussac. Mendoza y Garay, 279, his-
toriando essa entrada diz "que uma parte destes conduzindo cento e tantos
cavalos havia de se dirigir até Itatines; os mais, com os índios de serviço,
o armamento, as provisões, gados e plantas, e sementes, iriam embarcados".
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
257
com testamento, o governador do Paraguai Domingos Martinez
de Irala que, no arrolamento dos bens que deixa, «nesta cidade
e Deus me der nesta Província assim de ouro e prata, pérolas e
pedras e outros bens quaisquer, cavalos, éguas, escravos e escra-
vas, herdades, casas e gados e outras granjearias (dibdas?) e
acções que me pertençam ou pertencer possam em qualquer for-
ma e maneira os tenham e herdem os ditos. . . » 'A2) O provecto
D. Félix de Azara, em cópia manuscrita de um trabalho existente
na Biblioteca Nacional, :::;) detalha esse ganado referido por Irala
em seu testamento. «Quando morreu», diz, «deixou em sua chá-
cara, que estava onde se encontra o presídio de São Miguel, 24
cavessas de ganado Bacuno, y otras tantas de cabalar». E no-
te-se que a produção das «sete vacas de Gaete» deveria corres-
ponder às 24 cabeças de gado bovino que Irala deixava a seus
herdeiros. Mas, conhece-se a existência de outros pequenos lo-
tes de gado, de propriedade particular, existentes em Assunção
antes da introdução do rebanho peruano que Filipe de Cáceres
e o bispo trazem em 1569. Em uma carta a El-Rei, Pedro Do-
rantes, em 1573, diz que antes da chegada daquele gado um Cris-
tóvão Pinto e um Pedro de Espinar, que haviam falecido, deixa-
ram a seus herdeiros «roças e vacas». 34 ) Na carta citada de
20 de Março de 1556, João de Salazar, sugerindo a necessidade de
impor dízimos à produção de Assunção, relaciona o gado entre
as coisas que devem ser taxadas.
Interessante o informe do general D. João de Garay que diz:
«Hoje em dia na cidade de Assunção há tanto gado, que não vale
uma vaca um peso e meio acima da moeda da terra, e quando
muito dois, e ao tempo em que esta testemunha veio a Assunção
(1568, um ano antes da introdução do gado peruano) desta pró-
pria moeda valiam tresentos e mais pesos, e esta testemunha
comprou uma junta de bois com cento e dez pesos, e agora acha-
32) R. Lafuente Machain. El gobernador Domingo Martinez de Irala.
B. Aires, 1939, págs. 561-562. Testamento da Irala.
33) Félix de Azara. Descripción histórica e geográfica dei Paraguai.
Cod. Mss. Coll. de Angelis — B. N. I, 16. 2, 6.
34) Blas Garay. Doe. cit., 138.
9*
258
AURÉLIO PORTO
ram a melhor que há na terra por vinte ou yinte e cinco pe-
sos.» 35)
O gado vicentino, que constituía o casco da pecuária assun-
cenha, havia proliferado de fornia assombrosa. Documento ofi-
cial nos informa que «as Vacas que no ano de 1554 Xsic!) havia
metido naquela cidade Cipião e Vicente de Góis se haviam pro-
criado em quantidade suficiente para manter com abundância a
cidade de Assunção e as províncias do Paraguai com os anexos
do seu distrito e fundados em seu território.» 36)
Pode-se pois afirmar, sem temor de erro, que as «sete vacas
de Gaete» representariam algumas dezenas de cabeças de gado
vacum, procedentes de São Vicente e trazidas não só pelos irmãos
Góis, como possivelmente por outros castelhanos que os acompa-
nhassem, como fazem supor as referências que nesse sentido atrás
se registram.
Só em 1569 entra em Assunção o primeiro rebanho de gado
procedente do Peru, trazido pelos espanhóis que acompanham de
volta daquele reino o general Filipe de Cáceres, preposto do ade-
lantado João Ortiz de Zarate. 37) Saindo de la Plata em compa-
nhia do bispo Dom Frei Pedro de la Torre e vários moradores do
Peru, «llevando cantidad de gado vacún e ovejas», Filipe de Cá-
ceres chegou a Santa Cruz de la Sierra, recém-fundada por Nú-
frio de Chávez, e dali rumou para Assunção. Enquanto a comi-
tiva embarcada em uma flotilha fundeava em Assunção em 11
de Dezembro de 1568, o gado era transportado por terra.
Poucas não teriam sido as dificuldades opostas a essa longa
travessia.
Separando-se da comitiva que custodiava, Núfrio de Chávez
embrenhou-se pelo sertão, sendo morto pelos índios sublevados,
que procuraram acometer a gente de Cáceres. Ao chegarem a um
rio, acossados pelos paiaguás, resolveu o general Cáceres passar
35) Anates de la Biblioteca. B. Aires, vol. X, 176.
36) Acuerdos dei Cabildo de B. Aires. B. N. Cod. Mss. I, 16, 1, 16.
37) Nomeado por João Ortiz de Zárate, ia Filipe de Cáceres para
"llevar la gente a las províncias dei Paraguay y ir por capitán delias y
mandallas y governalas, como yo mismo." Anales, X, 13. Governou o Pa-
raguai três anos (1569-1572).
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 259
a outra banda, onde 20 arcabuzeiros protegeram o trem, cavalos,
vacas e éguas, que assim puderam ser salvos. Em outras oca-
siões também estiveram a ponto de perder tudo quanto traziam. :?s)
Em outros documentos encontram-se mais referências a% es-
sa expedição. Pedro Dorantes, em sua carta citada, nos diz que
o gado trazido por Filipe de Cáceres, antes de chegar a Santa
Cruz de la Sierra, já havia sido desfalcado de mais de 600 vacas.
Ao chegar ao rio Paraguai foram extraviadas mais 130 vacas,
havendo proprietários de mais de 50 cabeças que só receberam
cinco. 39)
Como se deduz destas notas rápidas não seria muito grande
o coefieiente de sangue peruano recebido pelos rebanhos já im-
portantes de Paraguai, de origem vicentina.
Documentos oficiais e historiadores platinos referem como
sendo de importância vital para a pecuária do Rio da Prata a in-
trodução de gado bovino aí feita pelo general João de Garay, de
acordo com a capitulação de João Ortiz de Zárate, governador do
Paraguai. 4") Em Acuerdos dei Cabildo, citado, se diz que João
de Garay, lugar-tenente de Ortiz de Zárate, por ordem deste, «ven-
cendo muitos impossíveis que há desde a cidade do Prata (Peru)
até Assunção introduziu por ela e pôs nessa governação todos os
gados da capitulação do dito João Ortiz de Zárate». E mais, que
«repartiu as 4.000 vacas que vieram de Charcas entre os conquis-
tadores e povoadores desta cidade (Buenos Aires), da de Santa
Fé, que estava fundada já e da de San Juan de Vera de las Siete
Corrientes, que fundou no ano de 1588 dando aos conquistadores
de Buenos Aires a maior porção, porque, estando fundada já San-
ta Fé que recebeu grande quantidade de vacas trazidas pelos ir-
mãos Góis e não estando ainda fundada Corrientes, coube assim
a maior parte a Buenos Aires.» 41 )
Realmente, um dos itens da capitulação de João Ortiz de Zá-
38) Ruy Diaz de Guzmán. Argentina, 142.
39) Carta de Pedro Dorantes. Garay, Doe. 136-138.
40) Acuerdos dei Gabildo. V. também Dr. Prudência de la C. Mendo-
za, Historia de la ganaderia argentina. Buenos Aires, 1928, 27.
41) Acuerdos dei Cabildo. Cod. mss cit. Publicado in Acuerdos dei
Extinguido Cabildo de Buenos Aires, 1704.
260
AURÉLIO PORTO
rate, que toma posse da governação em 15 de Fevereiro de 1575,
reza que deverá «meter na dita governação do Rio da Prata, den-
tro de dois ou três anos, depois que Deus for servido que che-
guei à dita governação, quatro mil cabeças de vacas de Castela
e até quinhentas cabras e mais trezentas éguas e cavalos para a
conquista, povoação e defesa da terra, conquistadores e povoado-
res dela e que se puderdes meter os ditos gados antes desse tem-
po trabalhareis de os meter, porque os tereis juntos de boa cria-
ção na província dos Charcas e Vale de Tarija, etc.» 42 )
Zárate encarregara de cumprir esse item de sua capitulação
ao general João de Garay, .seu preposto na governação do Prata.
Mas, segundo se evidencia pela própria documentação, não houve
oportunidade de introduzir ess?.s 4.000 cabeças de vacas no Para-
guai.
Em um pleito de João de Torres de Vera y Aragon com o
fiscal de S. M. servindo de testemunha, em Santa Fé, a 1 de Fe-
vereiro de 1583, três anos, portanto, depois da fundação de Bue-
nos Aires, fez o general João de Garay interessantes declarações
que esclarecem perfeitamente esse assunto e invalidam a informa-
ção oficial, fonte de todas as afirmações constantes de copiosa li-
teratura histórica do Prata.
A uma das perguntas feitas responde João de Garay que é
verdade que o adelantado João Ortiz de Zárate remeteu de As-
sunção para Santa Fé, onde ele testemunha residia, ordem para
que fosse comprar os gados referidos na pergunta. Quando se
preparava para executar essa determinação soube da morte de
Zárate 43 ) e do mandato que lhe outorgou Diogo de Mendieta,
determinando-lhe fosse ao reino do Peru a tratar certas coisas
com dona Joana de Zárate, herdeira da governação de seu pai.
Outras preocupações encheram largos meses obstando realizar
esse intento. E a respeito dos gados «disse que se remete ao
poder que para isso outorga o adelantado João Ortiz de Zárate,
o qual deixou em poder do licenciado João de Torres de Vera,
depois de haver contraído matrimónio com a dita Dona Joana
42) Archivo de índias. Anates de la Biblioteca, X, pág. 69.
43) Zárate faleceu em Assunção a 26 de Janeiro de 1576.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 261
de Zárate; e assim mesmo se remete, no que toca à compra do
dito gado, o poder e ordem que me deu o licenciado João de Tor-
res de Vera para que o pudesse comprar nas províncias de Tu-
cumã e metê-lo nesta governação e por ver esta testemunha que
não lhe davam lugar e pertubavam a entrada na governação ao
dito adelantado João de Torres de Vera y Aragon e por haver an-
dado ocupado esta testemunha em apaziguar muitos dos natu-
rais que estavam revoltados contra o serviço de Sua Majestade
e na povoação e sustento da cidade da Trindade Porto de Buenos
Aires não pôs em execução o conteúdo no poder do dito licencia-
do João de Torres de Vera y Aragon, e isto é o que sabe desta
pergunta.» 44)
Pouco mais de um mês depois de prestar essa declaração o
general D. João de Garay é morto pelos índios ribeirinhos do Uru-
guai. Fica assim restabelecida a verdade histórica com os ele-
mentos de que é possível dispor e provado que os gados condu-
zidos para Buenos Aires, Corrientes, etc. não provêm das «4.000
cabeças» da capitulação de João Ortiz de Zárate.
Coube a João de Garay acção preponderante na expansão
povoadora do Prata. A 15 de Novembro de 1573, depois de al-
guns meses de organização, funda Santa Fé, entreposto necessá-
rio a facilitar as comunicações com o Peru.
Compreendendo perfeitamente que a fixação definitiva ao ter-
ritório só era possível com a introdução do gado, na sua função
económico-social, esse previdente fundador de cidades fazia pre-
ceder ao estabelecimento das povoações a remessa dos semoven-
tes preciosos que seriam os fecundadores da terra, mesmo como
base para as incipientes lavouras que, dentro em pouco, as opu-
lentariam de grãos.
Trazia a experiência de prática salutar. Fundador, com Nú-
frio de Chávez, de Santa Cruz de la Sierra, «foi o primeiro que
meteu gado vacum na dita província.» 45 )
Saindo de Assunção com um bergantim e barcos, havia Ga-
44) Anales de la Biblioteca, X, pág. 176.
45) Azarola Gil. Los Orígenes de Montevideo. Ed. Facultad. B. Aires,
1933.
262
AURÉLIO PORTO
ray mandado por terra os que «levavam os cavalos, éguas e va-
cas, com que se ia iniciar a vida pastoril na nova povoação de
Santa Fé». Depois o fundador repartiu entre os povoadores
«chácaras e estâncias» adjudicando a si próprio vários lotes delas
que, mais tarde, cabem por herança a seu genro Hernandárias de
Saavedra. Insignificante era o valor venal dessas propriedades
como as dos gados que em seus campos se multiplicavam. Nos
primeiros meses recebia a nova povoação seu reabastecimento de
Assunção mas, «a multiplicação dos gados e logo as colheitas de
cereais junto a outros produtos da terra facilitaram a vida ma-
terial.» 4(í)
Em 1578, nomeado pelo governador Torres de Vera, o gene-
ral João de Garay assume o cargo de capitão-general do Rio da
Prata. Sempre com a preocupação de alargar o âmbito de cria-
ção no Prata, Garay muda para local mais apropriado a cidade
de Ontiveros onde há terras melhores «para criações e lavouras,
pois para ali se haviam levado «vacas, cavalos e éguas e bois para
lavrar.» 47 )
Em 11 de Junho de 1580, levando gente para repovoar, fun-
da o general João de Garay a segunda Buenos Aires. Aos repo-
voadores era concedida a mercê de se apropriarem das éguas e
cavalos chimarrões que enchiam o Pampa, oriundos dos que trou-
xera o primeiro fundador da cidade, D. Pedro de Mendoza. Os
novos habitantes deveriam levar «armas, cavalos e gados», que
fóram transportados por terra.
Diz Hernandárias em sua folha de serviços que Garay, vol-
tando à cidade de Assunção «publicou logo à população do porto
de Buenos Aires por ser coisa que V. M. desejava por ser tão
importante a todos aqueles Reinos, para o qual fez navios gran-
des e pequenos, juntou setenta soldados e mil cavalos e trezentas
vacas, e muito gado.» 4S)
Secundando a acção expansionista do general João de Ga-
ray, seu genro Hernandárias de Saavedra funda outras povoa -
46) Paul Groussac. Mendoza y Garay. Buenos Aires, pág. 359.
47) Anales de la Biblioteca. X, pág. 172.
48) Azarola Gil. Los orígenes cit., 201-207.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 263
ções e é o disseminador da pecuária no Prata. Sobre a fundação
de Corrientes, que interessa particularmente à introdução do ga-
do no Rio Grande do Sul, diz Hernandárias : «... foi à Povoação
das Corrientes para a qual moveu e levou muitos soldados à sua
custa provendo-os de todo o necessário e levou por terra para a
dita povoação muitos apetrechos de guerra, cavalos, éguas e va-
cas que foi de muita importância, no qual e no abrir o caminho
se ocupou três meses, passando grandíssimos trabalhos, e assis-
tiu um ano na dita povoação a entradas e descobrimentos que se
ofereceram com grandíssimos e excessivos gastos e perigos por
ser dos naturais da gente mais belicosa que há nas ditas provín-
cias.» 49)
Kelaeión Histórica, de autor desconhecido, precioso Cod. da
Colecção de Angelis, 50) diz que foi trabalho insano a conserva-
ção dos animais de serviço como bois, cavalos e éguas, em Cor-
rientes, e cuja guarda era confiada a pessoas de imediata con-
fiança dos fundadores para sua segurança contra os ataques dos
índios e dispersão provável de tão preciosos elementos para a de-
fesa e conquista das regiões circunvizinhas.
E a mesma coisa se dava com a pequena ponta de gado des-
tinado ao sustento da população e à propagação da pecuária. Fi-
cara ela também confiada a pessoas de responsabilidade, sob a
direcção das quais se fez um repartimento de índios para custo-
diá-la. E tal era a importância que se dava a esse primeiro gado
que povoou os campos de Corrientes que, quando foi necessário
extrair couros para prover às necessidades de guerra, lançou-se
mão de gados alçados já existentes então no outro lado do rio
Paraná.
«Usavam os espanhóis», diz a Relación Histórica, «de armas
à usança antiga, como viseiras, cotas de malha, quilotes para
precaver suas pessoas e cavalos, de flechas, dardos e outras ar-
mas próprias a seus inimigos, e para os cavalos usavam selas co-
bertas e guarnecidas de ferro, armas e esporas do mesmo. Para
reparar a deterioração de umas e prover em parte aos que não ti-
49) Idem. ibid.
50) Cod. mss. B. N.
264
AURÉLIO PORTO
nham se valeram de couros de gado vacum para o que acordaram
despachar a outra banda deste rio, terra dos Matarás, aonde ti-
nham notícia haver já gado chimarrão, a matar 300 reses para
esse efeito, ficando encarregados um regedor e o escrivão e al-
guns soldados de tomar as marcas para. que, sabido o dono, se
satisfizesse o seu valor oportunamente». Constava essa resolu-
ção do Acto Capitular de 17 de Março de 1593. 5i)
Outros interessantes informes da Relación sobre o gado de
Corrientes: «O gado vacum da fundação foi sem dúvida de pro-
priedade do adelantado ou de seu imediato sucessor, segundo se
deduz do repartimento de índios para custodiá-lo. Ignora-se a
quantidade, mas o gado multiplicou-se nesses campos de tal mo-
do tornando-se chimarrão, por se ter proibido rigorosamente por
muitos anos toda sorte de povoamento de estâncias para que essa
fazenda se propagasse. Com o tempo tiraram-se para a Provín-
cia do Paraguai e Missões tropas numerosas.» 52)
O primeiro e universal accionero de todo o gado chimarrão
(alçado), existente entre os rios Paraná e Uruguai, foi Hernando
Arias de Saavedra, ou Hernandárias, direito que confirma terem
sido de sua propriedade os gados aí introduzidos, muito embora
a acção se estendesse sobre outros, de propriedade particular, que
entre estes houvesse.
Chamavam-se accioneros os indivíduos que obtinham licença
para «vaquear» nos campos realengos em que o gado se multipli-
cara e convertera-se também em propriedades públicas. Não obs-
tante se assinalarem as divisas em que esse direito ou licença
(acción) se poderia exercer o terreno não se tornava propriedade
privada, continuando sempre no domínio público. Entretanto, es-
sa concessão deu origem a vários pleitos, como base primacial da
propriedade territorial privada. As autoridades comunais arre-
cadavam o quinto dos gados extraídos pelos accioneros, podendo
estes transaccionar o todo ou parte desse direito que se estendia
hereditàriamente aos seus sucessores. 58) Nos princípios do sé-
51) Idem, ibidem.
52) Trelles. Rev. de la Biblioteca. B. Aires, I. 22 e seguintes.
53) Trelles. Rev. de la Biblioteca. B. Aires, I, 22 e seguintes
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 265
culo XVII, quando os Jesuítas introduzem nas reduções do Uru-
guai os primeiros rebanhos que constituem o casco do gado rio-
grandense, era accionero do gado correntino o português Manuel
Cabral de Alpoim, cujo nome está ligado à história das Missões
Jesuíticas neste território.
E o gado vicentino, que recebera pequena mescla de sangue
peruano, um século precisamente (1534-1634) depois de entrar
em São Vicente, atravessa o Uruguai e, mais tarde, fechando o
périplo secular de sua marcha civilizadora, encontra-se com seus
irmãos de origem e sobe novamente o planalto levado pelos pau-
listas até as feiras tradicionais de Sorocaba.
4. Introdução do gado nas Reduções.
Por falta de conhecimento do copioso material inédito que
nos revela a preciosa Colecção de Angelis, quase virgem de siste-
mática pesquisa, há larga controvérsia histórica era torno da in-
trodução do gado no Uruguai, principalmente entre os autores
platinos que têm perquerido esse sector da História Económica
sul-americana. r'4) Só agora a divulgação documental que se vai
fazendo dessas achegas imprime novas directrizes ao debatido as-
assunto.
Toda a documentação jesuítica, oportunamente referida, ex-
clui completamente a hipótese, esposada pelos historiadores pla-
tinos, do lançamento de quaisquer quantidades de gado bovino no
território hoje ocupado pelo Estado Oriental do Uruguai e pelo
54) Entre as melhores contribuições para a história da introdução
do gado no Uruguai (Rio Grande inclusive) destacam-se os trabalhos dos
Drs. Buenaventura Caviglia (hijo), do Uruguai, e Emilio A. Coní, da Ar-
gentina. O Dr. Caviglia assina: Sobre el origen y la difusión dei bovino
en nuestro Uruguai. Morales Hnos, Impressores. Cerrito 564 (Montevi-
deu), 1935, e dá a honra ao autor destas notas de dedicar-lhe esse interes-
sante livro "en confraternidad sud-amerieana". O Dr. Emilio A. Coní tem
já uma vasta bibliografia sobre o assunto, não só em trabalhos esparsos,
como La introducción dei ganado vacuno en el Uruguai. Roletín de la Jun-
ta de Historia y Numismática, 1929. Buenos Aires, um magnífico opúsculo:
Historia de las Vaquerías dei Rio de la Platá (1555-1750), Madrid, Tipo-
grafia de Archivos. Olózaga, 1, 1930. Publicou também interessante achega
a Las siete vacas de Gaete. La Nación, 8-XI-925. B. A.
266
AURÉLIO PORTO
Rio Grande do Sul, antes da introdução feita pelos Padres da Com-
panhia.
Diz o Dr. E. A. Coní que o «gado existente nesta Banda
(Oriental) provém das introduções feitas pelos Jesuítas, em suas
Missões do Alto -Uruguai, nos anos de 1620 e seguintes, e de ou-
tras duas introduções feitas em 1611 e 1617 pelo governador Her-
nandárias, uma na ilha do Viscaino, no Uruguai, e a outra em
Terra Firme, em frente a São Gabriel, no Rio da Prata». E em
nota aduz provir a documentação quanto à segunda parte de «In-
formación levantada em Buenos Aires a 12 de Julio de 1628.
Traslado en el pleito entre Fernando Arias Cabrera con- el Cabildo
de Buenos Aires y la Compahía de Jesús. Buenos Aires 1729-
1735. Archivo General de la Nación — Sección Tribunales. Leg.
A 3».
Consta desse traslado uma declaração do próprio governador
Hernandárias, em petição de 12 de Julho de 1628, em que diz ter
há 17 anos recebido mercê das ilhas no Rio Uruguai em frente
ao Rio Negro e acima de São Salvador, e que «ao mesmo tempo
lancei numa ilha delas quantidade de gado vacum, e haverá dez
anos lancei outras cinquenta cabeças, mais fêmeas e quantidade
de cabras que trouxe de Córdoba de Tucumã ...» «e neste mesmo
tempo lancei em terra firme da ilha de São Gabriel neste Rio
outras cinquenta vacas com quatro touros, etc.» Confirmam a
declaração várias testemunhas entre as quais o capitão Pedro
Gutiérrez que precisa ter Hernandárias mandado umas terneiras
em barca às ditas ilhas em 1611 e mais em 1617, sendo governa-
dor, outras 50 mais, e também o mesmo número à terra firme de
São Gabriel. )
Alguns historiadores fazem proceder dessas 100 vacas lança-
das por Hernandárias, todo o gado que mais tarde se encontra
na Banda Oriental do Uruguai. Entre estes, Ordonanaj cit. por
Caviglia, 5e) sustenta que «nossos gados derivam dos cem ani-
55) Emilio A. Coní. La introducción dei ganado bovino en el Uruguai,
etc. Boletín de la Junta de Historia y Numismática Americana. Vol. VI.
1929. Buenos Aires, págs. 39 a 41.
56) B. Caviglia. Sobre el origen etc, 118.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 267
mais vacuns que, trazidos por Hernandárias e desembarcados nele,
desde então por esse motivo, [se chama] Arroio das Vacas.» r'7)
Os Jesuítas não aceitam a tese. Negam mesmo houvesse
Hernandárias introduzido gados na Banda Oriental, ou dos Char-
ruas. Em um Pleito sobre Vacarias, em contenda com os vizi-
nhos de Buenos Aires, que procuravam vaquear naquela Banda,
encontram-se interessantíssimos informes sobre o assunto, focan-
do-se mesmo o lançamento de gados feito por Hernandárias. «O
Padre Jacinto Marques passou destas Missões a visitar as Vaca-
rias, por ordem dos Superiores no ano de 1670, mais ou menos,
e chegando a elas disse aos índios de sua comitiva — «Estas va-
cas que vedes não foram postas aqui por Hernandárias, que, em-
bora as pusesse nesta banda do Paraná, foi em Entre-Rios que
pôs vacas, cavalos e éguas, e aqui não vedes mais do que vacas,
que foram deixadas pelos Padres da Companhia». E, erguendo
uma cruz ali, voltou às Missões, a fim de dar conta do que vira.
Essa cruz se conservava ainda ali no ano de 1680, sendo vista pe-
los primeiros índios que foram vaquear e pelos que foram ao as-
sédio de São Gabriel. Estenderam-se estas vacarias dos Padres
por toda a parte e encheram a terra não obstante alguns dizerem
que para os lados de São Gabriel foram as vacas levadas por D.
António de Vera. O Sr. Governador D. António de Vera veio
com soldados espanhóis da cidade de Santa Fé ao assédio de São
Gabriel e trouxe três carretões, boiada e vacas até o Uruguai: no
Uruguai ou se acabaram as vacas dos espanhóis ou diminuíram,
pois foram supridos com as vacas dos Padres. Pela outra banda
do Uruguai vinha o P. Solinas com seus terços de índios e muito
gado vacum; também do Japeju entrou outra quantidade de gado
pedida pelo Governador D. António de Vera, e a tanto chegou a
necessidade dos espanhóis que um deles quebrou a cabeça de um
57) Inaceitável a origem do topónimo. Há. no Rio Grande, como no
Uruguai, inúmeros acidentes hidrográficos cuja deturpação toponímica le-
va ao étimo vaca, sendo no entanto anteriores à introdução do gado. Va-
cacuan, Vacacuá, Vacacaí, Vacas, e muitos. Mas convém ter em vista que
vaca, waca, yuaca, são formas dialetais de linguas do tronco guaicuru, sig-
nificando ágxva, arroio, corrente. E eram de origem guaicuru, os índios
que primitivamente povoaram as campanhas cisplatinas, como charruas,
minuanos, iaros, mboanes e guenoas.
268
AURÉLIO PORTO
índio que não quis lhe dar uma vaca. Com as vacas dos Padres
foi se mantendo o terço espanhol até chegar a São Gabriel, onde
elas se acabaram. Por isto o P. Jacinto Marques, com 62 vaquei-
ros japejuanos, seguiu para vaquear nas vacarias dos Padres, por-
que naquelas partes não havia mais outras vacas, pois então ain-
da as vacas das vacarias dos Padres estavam nas cabeceiras do
rio Santa Luzia e levou de 8.000 a 9.000 vacas para os terços es-
panhóis e tapes, muitas das quais ficaram por aquelas partes.» 58)
Voltaremos, ao tratar das vacarias, ao interessante pleito que
nos dá um punhado de notícias inéditas e desfaz muita lenda so-
bre a introdução do gado no Uruguai.
Em uma carta do governador Francisco Naper de Lancastre,
datada da Colónia, 6 de Dezembro de 1691, encontra-se outra ori-
gem para os gados do Uruguai. Diz este «que ao gado (da Co-
lónia) tínhamos mais domínio que eles (castelhanos) por proce-
der este de umas vacas que o general Salvador Correia de Sá man-
dara lançar nas terras que V. M. lhe fez mercê entre o cabo de
Santa Maria e Maldonado.» r,r')
Plenamente de acordo com as razões expostas por B. Ca-
viglia, 6P) pois toda a pesquisa não autoriza ratificar a asserção
do governador da Colónia do Sacramento, 01). somos de parecer
que Salvador Correia de Sá não lançou gado nenhum nessas ter-
ras de que nem sequer tomou posse material, por si ou por seu
neto e filho visconde de Asseca e João Correia de Sá.
Pode-se excluir também do casco inicial do gado uruguaio,
como melhor se dirá no desdobramento destas notas, a pequena
quantidade de cabeças deixadas por Hernandárias nas ilhas e Ter-
ra Firme. No pleito sobre Vacarias citado, diz em seu depoimen-
to o P. João de Yegros que «o direito que alegam os espanhóis
contra os índios é que Hernando Árias pôs vacas por aquela par-
te, somente as Missões novas dos Padres, vendo-se tão faltas de
vacas foi pondo sobre as primeiras muita quantidade de vacas
58) B. N. Col. Ângelis. Mss. inédito, I, 29, 4, 10.
59) Castro e Almeida. Invent. B. N. Tomo XXXIX, 1921, verb.. 1826.
60) B. Caviglia. Sobre el origen cit., págs. 37 a 48.
61) Aurélio Porto. Terra Farroupilha. A donatária dos Asseca*, I, 103.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 269
compradas, enchendo-se de vacas, com as agências dos Padres,
aquelas terras.» 62)
Isto posto, lícito é afirmar que a origem de toda riqueza pe-
cuária do Estado Oriental do Uruguai e do Rio Grande do Sul
encontra-se no gado que os Jesuítas introduziram nas reduções.
São eles os fundadores da nossa economia rural.
5. Gado bovino.
O Provincial P. Francisco Vásquez Trujillo fez em 1628-1629
uma visita às reduções recém-fundadas no Oriente do rio Uru-
guai. Depois de ter percorrido a região de São Nicolau e ido até
Caró, onde ainda soavam os ecos do martírio do P. Roque Gon-
zález e cujos moradores pediam novamente Padres para restaurar
a sua redução, foi pelos índios levado à aldeia de Tacã, à margem
direita desse rio. Encontrou aí o povo magnificamente disposto
para receber o evangelho e erigiu uma cruz, demarcando a redu-
ção a que deu por invocação o nome de São Francisco Xavier,
confiando-a aos cuidados do P. José Ordónez.
Para solenizar essa fundação mandou o Provincial Vásquez
Trujillo buscar, em 1629, de uma das missões do Paraná, uma
dúzia de «vaquinhas para matar e dar-lhes carne, coisa que es-
timam sobremaneira». E' este o primeiro gado que se aproxima
do grande rio, e de que se tem notícia. Em sua Ânua, datada de
Itapúa, 30 de Outubro de 1629, consta o facto que registramos,
com a tradução do tópico referente:
«Havia mandado trazer uma dúzia de vaquinhas para ma-
tar e dar-lhes alguma carne, coisa que estimam sobremaneira e
era de ver o espanto e admiração que tinham ao vê-las, e embora
estando encerradas, não se atreviam a chegar ao curral, e quando
as tiravam ou levavam para encerrar subiam (os índios) sobre as
casas não só por temor, como para vê-las melhor. E não era
menor o espanto que mostravam em ver os cavalos, como sucedeu
em Caró, pois só em ouvir relinchar o cavalo em que eu ia, se escon-
62) Pleito sobre vacarias com as cidades de Santa Fé e Buenos Ai-
res. Mss. B. N. I, 29, 4, 40.
270
AURÉLIO PORTO
diam as meninas espantadas de ver coisa que jamais haviam vis-
to.» c:?)
Como estas vaquinhas, destinadas ao corte, é possível que
outras, transposto o Uruguai, hajam entrado no território rio-
grandense com o mesmo fim. Quando o P. Cataldino, a 5 de
Agosto de 1633, chega ao local em que fundou a redução de São
José, aí já encontrou, feito pelos índios, um pequeno curral para
as vacas que esperavam. 64)
Mas, as primeiras referências das Ânuas a uma ou outra ca-
beça de gado bovino existente nas Reduções datam de 1633. Não
passam de uma vaca leiteira, para suprimento dos Padres, de uma
junta de bois e pouco mais. O gado que vai constituir o núcleo
inicial dos rebanhos infindáveis da pecuária missioneira só entra
em princípios do ano de 1634.
Conhecem-se de referências anteriores, na redução de S. To-
mé, em fins de 33, uma vaca que acometeu um índio velho, «que
tinha escondidas cinco mancebas». «Uma noite, ao sair de casa,
por disposição divina, o estava aguardando uma vaca, a qual o
maltratou muito bem e o deixou por morto no chão.» Morreu
poucos dias depois, arrependido da vida má que levara, aprovei-
tando os Padres a ocasião de mostrar os «secretos juízos de Deus,
que castiga, nesta vida ainda, os maus e rebeldes.» 65) Embora
nada mais se possa acrescentar, por falta de indicação, é bem pro-
vável que nas reduções velhas, como São Nicolau, Candelária e ou-
tras, houvesse já número diminuto de vacas, sabendo-se que, con-
soante informação do Padre Nicolas Durán, Encarnación de Ita-
púa supria «as outras reduções com algumas vacas.» r,°)
Em princípios de 1631, depois de ter socorrido os índios que
baixavam de Iguaçu, levando-lhes por duas vezes o gado neces-
sário para atenuar a fome que assolava os retirantes, o P. Cris-
tóvão de Arenas foi mandado pelo Superior para as novas redu-
ções que se erguiam no Tape. Chegou o Padre a Jesus-Maria,
63) Pastells cit., I, 450.
64) B. N. I, 29, 7, 25.
65) B. N. Mss. Ânua do Padre Romero de 16 de Maio de 1634. I. 29,
7, 25.
66) B. N. Ânua cit., I, 29, 7, 19.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
271
que foi fundada em Novembro de 1633, «trazendo algumas reses»
«para ajuda de custo dos Padres destas reduções novas», que con-
duziu «com grandíssimos trabalhos, que só o Padre era capaz
disto, porque nem come, nem dorme, nem cuida de sua comodi-
dade, ou distração, como se não fosse desta vida» 1,7 )
Coincide, mais ou menos, com a entrada dessas «vaquinhas»
do Padre Arenas, a primeira introdução, em maior escala, de ga-
dos transportados de Corrientes que, por ordem do Superior das
reduções, P. Pedro Romero, faz no ano de 1634, o P. Cristóvão de
Mendoza. Esse gado deveria se achar em São Miguel, d'onde
seria distribuído para as outras reduções, em lotes iguais, como
se depreende da declaração do P. Romero: «Como nesta Redução
(de Apóstolos) provou tão mal o gado vacum, passei agora dois
anos em São Miguel para esta Redução noventa e nove cabeças
que são as que couberam de cada Redução de uma tropa de gado
que eu e o P. Cristóvão de Mendoza passámos no ano de 1634;
agora parece que em São Carlos se acha bem o gado, e nos Após-
tolos também parece que se achou lugar a propósito para eles, a
pedido dos Padres disse que o P. Crespo ou o P. Filipe (iS) fos-
sem a São Miguel em 20 de Janeiro, que havia de estar ali; e as-
sim dei ao P. Filipe, que foi por 140 cabeças, gado escolhido, que
se olhe por ele e se abstenham por dois ou três anos de matar fê-
meas, e terão depois para matar o necessário.» i;í)) A data de
20 de Janeiro refere-se ao ano de 1635.
A quantidade desse primeiro lote de gado correntino, como
se verifica da própria declaração do P. Romero, deveria orçar por
1.500 cabeças, tocando 99 a cada uma das reduções do Uruguai e
do Tape. Mas, como depois se verá, houve reduções que recebe-
ram maiores quantidades, não só por terem melhores campos de
pastagem como para constituírem reservas d'onde as outras
oportunamente se iriam prover. Documento de outra origem ele-
va o número inicial da compra feita pelo Padre Romero em Cor-
rientes a 3.000 cabeças mais ou menos. Para a aquisição desse
67) B. N. Ânua cit. Jesus-Maria, I, 29, 7, 25.
68) P. Filipe de Viveros, cura de São Carlos, Padre Adriano Crespo.
69) Ânua do P. Romero. Mss. B. N. I, 29, 7, 31.
272
AURÉLIO PORTO
corte de gado «empenharam os Padres os próprios livros e outras
coisas, alfaias que tinham os Povos, e conseguido isto meteram
esse número de cabeças de gado vacum naquelas campanhas to-
cando aos ditos povos centenas de cabeças, em igualdade, para
fundar as suas estâncias.» 70)
Além do gado que o P. Cristóvão de Mendoza conduzira para
São Miguel, a fim de ser distribuído pelas reduções em que hou-
vesse campos com as condições exigidas para seu aumento, ha-
viam sido, pelo Superior das Reduções, marcados novos lotes, em
N. S. de los Reyes, especialmente para S. Xavier e Assunção, onde
não se encontravam ainda postos de criação. Em Apóstolos, o
P. Bosquier pretendia fazer uma estância e foi mesmo, para es-
tabelecê-la, buscar algum gado, em Itapúa, mas, sobrevindo a pes-
te de 1635, adoeceram os vaqueiros e não pôde, no momento, in-
troduzir o gado que pagara adiantadamente. O mesmo sucedeu
ao P. Doménech, de Candelária, que foi a Conceição buscar 200
cabeças e, chamado com urgência, só pôde trazer uma tropa de
90 reses, porque «a peste estorvou tudo».
Em sua preciosa Ânua de 3 de Abril de 1636, datada de San-
ta Maria, o P. Pedro Romero nos dá elementos magníficos e com-
pletamente inéditos sobre a introdução do gado no Rio Grande
do Sul. 71)- Depois da compra feita em Corrientes, que foi o
casco inicial da pecuária da região missioneira, começaram os
Padres a «vaquear» o gado chimarrão da mesopotâmia parano-uru-
guaia, até que os accioneros daquela parte lhes intentaram alguns
pleitos. Recomenda a todo o momento o Superior se tenha maior
cuidado com as vacas, a fim de evitar desperdício que pode im-
portar na extinção dos rebanhos. «E' tempo que se olhe pelo
gado, para que se aumente, porque andar em continuas vacarias
é um trabalho e gasto muito grandes». E logo depois, referin-
do-se ao gado de São Carlos, nos informa «que está muito bem e
70) Pleito sobre vacarias, cit. Depoimento do P. Diogo Haze.
71) Ânua do P. Romero, citada, I, 29, 7, 31. Escrita de próprio punho
do Superior e inédita, de caligrafia quase indecifrável, é um dos documen-
tos mais informativos sobre a introdução do gado que se encontram na
Colecção de Ângelis. Ressalta dele a importância que o grande jesuíta
dava aos estabelecimentos da pecuária missioneira, como base de toda a
economia rural e prosperidade material e espiritual das reduções.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
273
que agora deu ao Padre outras 140 vacas que, se as conservam,
começará a aumentar porque do contrário será um nunca acabar
isto de vaquear e meter gado nas reduções, e que será convenien-
te tomar o Provincial providências enérgicas nesse sentido». Fa-
lando sobre o gado que mandou ficasse de reserva em Natividade,
diz que «é necessário que V. R.« (Provincial P. Boroa) encarre'
gue ao P. Paulo (Benavides) que olhe por ele e que não se che-
gue a ele senão por ordem do Superior ou de V. R.:< principal-
mente agora em que já não há esperança de vaquear mais na va-
caria de Japeju, devido à desgraça presente, como também pelos
barulhos e pleitos, como se vê na vacaria de Corrientes. Podia
V. R.? escrever recomendando que olhassem pelo gado e que as
Reduções que não tivessem de 200 cabeças de «vacas fêmeas aci-
ma», que não matassem fêmea nenhuma «que é certo que, se os
Padres, com o gado que agora têm, não sabem conservá-los, que
dentro de três anos podem matar quanto quiserem, porém se ma-
tam como até aqui é um nunca acabar.»
O exemplo de Guairá autorizava a prever dias bem dolorosos
para as Reduções. Já em fins de 34 o Prov. Boroa recomenda-
va ao P. Romero mantivesse algumas reservas de vacuns para
suprimento dos que acudissem em defesa das reduções, «em cas<j
que los portugueses viniessem a dar sobre ellas». Resolveu o Su-
perior que esse gado fosse posto em Natividade, «por ser lugar
a propósito e cómodo». Para isto mandou pôr ali «um golpe de
ganado», 300 cabeças que «ficavam unicamente à disposição do
superior para o dito fim», e «fique V. R.' certo de que se dentro
de três a quatro anos não puserem mãos nelas, haverá muito
gado para acudir a qualquer necessidade».
Entrementes com severas ordens aos Padres sobre a conser-
vação e fiscalização do gado que lhes ia entregando para as suas
reduções, o P. Romero distribuía por todas não só as 99 cabeças
do corte inicial, como outras quantidades que eram introduzidas.
Ainda em fins do mesmo ano de 1634 deu ordem ao Irmão Antó-
nio Bernal «que me viesse alcançar em São Miguel para que dali
levasse 120 cabeças do gado que está ali de Jesus-Maria, São Cris-
tóvão e São Joaquim, o que foi difícil, e vindo caiu doente de um
resfriado, em Natividade, mas já estava melhor. O irmão já es-
274
AURÉLIO PORTO
tava velho ~2) e como o principal fim de sua vinda é para a de-
fesa das Reduções, é mister saber levá-lo e conservá-lo.» T::)
Destinadas às três reduções de Santa Teresa, Visitação e
Caaycó 74) pôs o P. Romero em Santa Ana e São Cristóvão mais
200 cabeças que foram mais tarde levadas para a primeira dessas
reduções, constituindo, em parte, a origem da atual Vacaria.
Informa-ncfs o Superior em sua preciosa Carta Ânua: «A
estância desta Redução é tão boa como qualquer das da Serra e
o gado está muitas vezes bom, e o haver-se encontrado este pos-
to se deve aos vaqueiros, que sentiam tanto que lhes levassem as
vacas de sua terra, porque morriam de magreza, que andaram
com elas provando ventura, até que Nosso Senhor lha deu topan-
do com um posto que eles têm que estava não mais do que uma
légua da Redução, e ali têm também os porcos e terão também
30 cabeças de cabras que estavam em São Miguel, e aos Padres
lhes era pesado cuidar delas, e o P. Jiménez mas pediu e assim
lhas enviei aos Apóstolos para que dali se as busque. Ao P. Ji-
ménez levei comigo à Serra para que, já que tinha tão boa es-
tância, trouxesse 200 cabeças de vacas que havia posto em depó-
sito em SanfAna e São Cristóvão, e assim as levou, e são pro
rata, pela quantidade, para as 3 Reduções de Santa Teresa, Visi-
tação e o Caaycó, para quando houver Padres, que isso têm de
princípio que não é pouco.» 7r')
Além da quantidade de reses que tocara a São Carlos do
Caapi, na primeira distribuição, diz o P. Romero que foi até ali
em inspecção, tê-lo encontrado tão bem que resolveu dar ao Pa-
dre mais 140 cabeças, o que constituía já um excelente princípio
para a estância daquele Povo.
Em São Joaquim, porém, em plena Serra, não se encontrou
lugar apropriado para fazer campo de criação. Era a única re-
dução das da Serra onde não havia lugar que prestasse nem se-
72) O irmão Bernal tinha mais de 60 anos e fora em companhia do
irmão João de Cárdenas levado pelo P. Romero para a defesa de Je-
sus-Maria .
73) Ânua cit.
74) Visitación e Caaycó não chegaram a ser fundadas.
75) Ânua cit. I. 29, 7, 31.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
275
quer para chácaras, sendo o seu gado levado para Jesus-Maria,
onde havia excelentes campos de pastagem, que rivalizavam com
os de Santa Teresa.
Japeju, N. S. dos Reis Magos, fundado a 4 de Fevereiro de
1627 pelo Padre Romero, foi pela sua situação geográfica «de
máxima importância para os trabalhos da Companhia de Jesus»,
«porque garantia a conversão de toda essa província e dos do Rio
Ibicuiti, que também faz parte dela, e nos fazíamos senhores do
passo para subir e descer a Buenos Aires, coisa de suma impor-
tância para o governo e proveito destas reduções, pela brevidade
do caminho comparado com o que se andava antes de abrir este».
Assim justifica a sua fundação o P. Mastrilli Durán em sua Ânua
citada. Ti;)
Na economia rural do Uruguai e do Rio Grande do Sul, na
parte referente à fundação de sua pecuária, exerceu influência de-
cisiva esse entreposto que se abria, transposto o grande rio, para
as vastas campanhas do Sul. Não só os Jesuítas canalizaram por
ali as primeiras entradas de gados de toda espécie que dão ori-
gem à nossa riqueza pastoril, como os jarós, charruas e outros,
vadeando os seus passos com tropas inumeráveis de animais ca-
valares, enchem os pampas do sul de magníficos sementais de
que procedem os nossos rebanhos equinos.
Mas, tudo isto importou em grandes sacrifícios até da pró-
pria vida dos índios designados para levar às Doutrinas o gado
procedente das extensas vacarias daquela região.
E é do primeiro encontro sangrento entre os japejuanos que
vão às vacarias e os jarós que estão passando os seus cavalos, no
Uruguai, para bater os charruas, de quem são acérrimos inimigos,
e dos quais mataram dois filhos de um cacique e outros índios,
de que nos dá minuciosa notícia a célebre Ânua do P. Romero, lar-
gamente respigada.
São as primeiras vítimas da introdução do gado que. em par-
76) B. N. I, 29, 7, 19, em original autógrafo. Trad. Padre Rançonnier
em latim. Doe. para la Historia Argentina, XX. 367 e seguintes. — Blan-
co. 625. — Jaeger, Os Bem-aventurados Roque Gonzalez... pág. 186.
276
AURÉLIO PORTO
te, se destinava a suprir as estâncias recém-fundadas na margem
oriental do Uruguai.
«No segundo dia de páscoa do Natal (26 de Dezembro de
1635) saíram de Japeju 190 pessoas com cavalos para trazer al-
gum gado, destinado a essa redução. Estiveram um mês (nesse
trabalho) e voltaram a 26 de Janeiro com o que haviam arreba-
nhado que «era uma boa tropa.» Surpreenderam-nos os jarós e
perguntando-lhes os nossos se vinham resgatar, que estariam
prontos para resgate. Mas eles responderam que não vinham
resgatar senão vingar a morte de seus avós e de seus pais, que
os índios lhes haviam morto em tempos passados. Em vista dis-
to, consultaram entre si os de Japeju sobre que fariam; e o que
ia por cabo lhes disse que o Padre lhes aconselhara que, em caso
de perigo, deixassem as vacas e tornassem sem nada. Nhanda-
ricá, Herando, Ygua e a gente de responsabilidade que ia com eles
disseram que se tentassem fugir pareceriam culpados e os inimi-
gos, que eram muitos, os cercariam e matariam a todos, e visto
que iam com eles todos os cantores e muitos rapazes, seria melhor
fazer-lhes frente e brigando (morressem os que morressem) da-
riam oportunidade a que escapassem os cantores, rapazes e os
que não levavam armas. Resolvido isto. determinaram investir
corajosamente e os primeiros que tombaram na luta foram Nhan-
daricá e um cacique de Mboig chamado Arapae. Generalizou-se
a peleja e os jarós com suas pedras e flechas derrubaram 40 dos
nossos que venderam bem caro suas vidas, porque suas flechas
e facas mataram outros tantos jarós, entre os quais o seu cacique
principal, por cuja morte se retiraram para chorar. A gente miú-
da (cantores, rapazes) durante a refrega se haviam metido em
um pântano coberto de pastiçal e os jarós, enraivecidos e encar-
niçados, a fim de que não escapasse nenhum, puseram fogo ao
pastiçal cercando o pântano e, dizem os que conseguiram fugir,
que eram tres jarós para cada um deles.
«Mostrou N. Senhor sua paternal providência a estes pobres,
mandando uma terrível tempestade de água que apagou o incên-
dio que durou até a noite, com que puderam escapar-se e chegar
com estas tristes notícias a seu povo. V. R.9 poderá imaginar a
dor, sentimento, tristeza e prantos que causariam tanto aos seus
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 277
como aos Padres a falta dos melhores e mais esforçados índios de
uma redução que tem tão pouca gente como Los Reyes». 77 )
O sucesso causou forte impressão em todas as reduções de
uma e outra margem do Uruguai. Dizia-se mesmo, que os jarós
se haviam confederado com os charruas, mbguas e guairamas a
fim de assolar as aldeias cristãs. Acudiu logo o P. Romero a Je-
peju, organizando a defesa para a qual acorreram índios de toda
parte, sendo o capitão Nenguiru mandado a Buenos Aires, em
busca de auxílio dos" espanhóis. Não se confirmaram, porém, es-
sas notícias, pois os jarós passaram os seus cavalos para a ban-
da de Japeju para cair sobre os charruas, com os quais estavam
em guerra.
Mas, como veremos, se em parte esses acontecimentos res-
tringiram a introdução do gado bovino nas reduções do Uruguai,
nesse ano, serviram, entretanto, para grande aumento dos reba-
nhos equinos nos pampas do sul, com a passagem das cavalhadas
dos jarós, empenhados em guerra contra os charruas, que demo-
ravam na parte meridional do Ibicuí. São esses encontros de ín-
dibs, já tornados cavaleiros, no território cisplatino, que dão ori-
gem aos grandes rebanhos de cavalos que enchem os campos
uruguaios e rio-grandenses.
O temor de novas refregas com os índios cavaleiros que cru-
zavam as vacarias parano-uruguaias, os pleitos que accioneros do
gado da mesopotâmia intentavam contra os Padres, e os insisten-
tes apelos do Superior, levaram os curas das reduções a cuidar
com o maior carinho dos rebanhos de suas incipientes estâncias.
Todas as Ânuas registam boas notícias dos gados que lhes
foram confiados. Só mesmo em casos de imperiosa necessidade,
alimentação dos pestosos, etc, concedem os Padres permissão de
abater uma ou outra rês, cuja carne é parcimoniosamente distri-
buída pelos índios.
Entre as reduções em que o gado mais prosperou conta-se a
de Jesus-Maria, a cargo do P. Pedro Mola. Em sua Carta-Ânua
de 22 de Outubro de 1635 informa este jesuíta que «os gados de
vacas e porcos estão muito gordos e se vão muito bem aumen-
77) Ânua cit. B. N. Mss. I. 29. 7. 31.
278
AURÉLIO PORTO
tando, que guardam e fecham todos os dias sem que tenha fal-
tado cabeça que saibamos.» Ts) Nesse mesmo ano, designado
para superintender as reduções, ante a ameaça iminente dos fei-
ticeiros que mataram o P. Cristóvão e os indícios da aproximação
dos bandeirantes, chega a Jesus-Maria o P. Francisco Diaz Taho.
Trazia consigo algum gado que passara com grande dificuldade
para fundar novas estâncias. Mas, tal era a fome que assolava
as aldeias que o Padre, para alívio dos famintos, foi sacrificando
as «suas vaquinhas». Na célebre carta referida, parte cancela-
da pelo provincial, refere-se o P. Tano a essa provisão com que
intentara aumentar os rebanhos das Missões, cujo sacrifício cau-
sou reparos ao Provincial.
Desejaria, diz, que o P. Provincial viesse até ali e visse «por
seus próprios olhos a urgente necessidade dos enfermos para os
quais se mataram essas vacas e que se não fosse um pouco de car-
ne teriam morrido muitos, e direi que morrem de fome porque a
fome é cruel, e os índios, índias e crianças não parecem senão
esqueletos mortos, porque como os Padres de toda esta Serra re-
solveram destruir suas pequenas aldeias até arrancar o milho
que nelas tinham semeado, e na chácara nova tudo secou, nada
têm eles para comer, devido à imprevidência de querer reduzi-los
antes que tivessem as suas chácaras.» T'M
Não obstante a imperiosa necessidade de socorrer os famintos
e pestosos, nesses anos de calamidade, o gado que constituiu o
casco inicial dos rebanhos de Jesus-Maria havia multiplicado gran-
demente. Além da quantidade extraída para suprimento dos re-
tirantes, por ocasião da invasão das bandeiras, ainda ficam pelas
matas algumas dezenas de cabeças de gado bovino, muito mais
tarde ainda assinaladas nas margens do Jacuí e do Rio Pardo.
Em fins de 1636, quando o capitão António Raposo Tavares,
à frente da primeira bandeira, investe contra as aldeias dos Pa-
dres da Companhia e destrói Jesus-Maria e outras, já havia nas
campanhas missioneiras, a oriente do Uruguai, número superior
78) B. N.Mss. I, 29, 7, 28.
79) B. N. Mss. I, 29, 1, 53.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 279
a 5.000 cabeças de gado bovino. Em depoimento prestado no
pleito já referido, o P. Diogo Lezana, S. J., diz ter visto documen-
tos jesuíticos que estavam em Japeju, referindo «que os Padres,
antes dos mamalucos entrarem nos Povos, compraram 5.000 va-
cas com dinheiro da comunidade dos Padres sem outro motivo
senão o de conservar os índios em cristandade naquelas Redu-
ções.» 80)
O imprevisto da agressão dos bandeirantes e a fuga desorde-
nada dos catecúmenos não .permitiram aos retirantes leyarem o
gado que nucleava as primitivas estâncias das Reduções. Res-
pigam-se das Ânuas notícias de uma ou outra pequena quanti-
dade de cabeças abatidas para suprir às necessidades alimentares
dos índios, nessa ocasião, como também de uma diminuta por-
ção sacrificada pelos bandeirantes.
Não consta que houvessem estes encontrado gado em Jesus-
Maria, o que se explica pelo cuidado que os Padres teriam de en-
cerrar em lugar seguro o pequeno rebanho que ali tinham, e que
mais tarde se dispersou pelas matas e campanhas circunjacentes.
Mas, quando chegaram a São Joaquim, donde saíra o P. João
Agostinho de Contreras para acudir aos de Jesus-Maria, os ban-
deirantes se espalharam pelas roças e chácaras fazendo grande
provisão de comidas e «matando umas vaquinhas que tinha.» 81)
Não deveriam de ser muitas porque o gado dessa redução
fora em parte levado pelos índios que, juntamente com outros de
Jesus-Maria, manifestaram vontade de se retirar para Candelá-
ria. Atendendo à solicitação determinou o P. Boroa que o P. Con-
treras e o Irmão Bartolomeu Cardenosa fossem acompanhar essa
gente, «e fizessem levar algum gado vacum para que não lhes
faltasse comida pelo caminho, como sucedeu, caminhando o gado
ao passo da gente e parando quando ela parava, e se iam matan-
do todos os dias as cabeças que eram necessárias para a gente e
chusma que ia caminhando.» 82) Mas, antes que chegassem a
80) Pleito cit., I, 29, 4. 10.
81) Carta Ânua original e autografa do P. Diogo de Boroa, B. N.
Mss. I, 29, 1, 69.
82) Retirada do inimigo, crueldades etc, Mss. B. N. I, 29, 7, 29 (12) .
280
AURÉLIO PORTO
Caró, acabaram-se as vacas, 83), que não passariam de uma cen-
tena de cabeças.
Declararam os Padres Francisco Jiménez e João de Salas
que ao abandonarem Santa Teresa, aldeia destruída por André
Fernandes, ali deixaram quantidade superior a 500 cabeças de
gado vacum. E' com este núcleo mais tarde reforçado, como se
dirá, que se estabelece a Vacaria da Serra.
Feita a transmigração para a banda ocidental do Uruguai,
em 1638, procuraram os Jesuítas suprir às necessidades imperio-
sas, determinadas pela mudança para outros postos, onde os ín-
dios não encontravam lavouras para sua alimentação. Resolve-
ram os Padres comprar a Domingos Barbosa, grande accionero de
Corrientes, 6.000 ou 7.000 cabeças de gado, o que não foi sufi-
ciente por ser de 15 a 20.000 o número dos que se mudavam. Para
essa compra deram os Padres «o pano de algodão, alfaias que ti-
nham as reduções». Terminado o suprimento determinou o Su-
perior fosse «vaquear» um Padre e um Irmão, acompanhados de
grande número de vaqueiros; mas, sabendo disto, o capitão Ma-
nuel Cabral de Alpoim, que arrogava a si o direito de acción nas
vacarias de Corrientes, saiu com gente e tirou as cabeças de gado
que já estavam em poder do Padre. Apelaram os Jesuítas para
o governador D. Mendo de la Cueba, expondo as razões que tinham
para «vaquear» naqueles campos, por opção do antigo adelantado
D. João Alonso de Vera, fundador de Corrientes. A 3 de Agosto
de 1638, o governador despachava a petição do procurador geral
P. Tomás de Urena, permitindo «que os índios pudessem vaquear
o gado chimarrão que está entre as reduções do Paraná e Corrien-
tes, para seu sustento por não ter outro, visto terem deixado suas
terras, trabalhos e lavouras, vindo às terras destas províncias,
fugindo dos portugueses ...» Quanto ao gado pertencente aos
accioneros deveriam os Padres indenizar as quantidades de que
lançassem mão, «pelo direito que cada parte tem e assim o pro-
83) Pastells, II, 14. No documento citado se diz que até seu estabe-
lecimento nas reduções novas mataram os retirantes 500 cabeças de gado
vacum, a razão de seis por dia para alimentação dos índios.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 281
vejo, atento ser obra tão pia, para que não pereça tal quantidade
de almas.» s4)
Com essa resolução ficava a Companhia com o direito de se
suprir de grandes quantidades de gados chimarrões com que iria
estabelecer as suas vastas estâncias e lançar milhares de cabeças
de gado vacum nos campos das taperas que ficavam na banda
oriental do Uruguai, constituindo assim apreciáveis reservas para
futura exploração pecuária.
Todos os documentos são contestes em afirmar a importân-
cia com que os Provinciais, Superiores e Curas das Reduções
transmigradas para a margem direita do Uruguai, viam as re-
servas económicas que se multiplicavam indefinidamente nesses
campos desertos e que seriam, 40 anos mais tarde, a razão prin-
cipal da nova ocupação da terra com os Sete Povos de Missões.
Por várias vezes foram lançadas outras quantidades de gado
nas taperas missioneiras. Em 1644 o Provincial P. João Baptis-
ta Ferrufino mandou se introduzissem aí mais alguns milhares
de cabeças de gado escolhido, proibindo terminantemente entras-
sem os índios a vaquear na margem esquerda do Uruguai. De
um depoimento do P. João de Yegros consta que por ordem dos
Padres Provinciais foram levadas muitas vacas para as taperas
dos antigos povos, e que «segundo alguns chegaram a 15.000 va-
cas as que foram introduzidas». Em todo esse tempo, foram
proibidos os índios de entrar nas vacarias», «para que o gado se
multiplicasse para bem destas Missões. 85)
Em auto de perguntas sobre vacarias, lavrado em Candelá-
ria, a 1 de Julho de 1716, referente ao pleito intentado contra os
moradores de Buenos Aires, informa o Irmão Joaquim de Zubel-
dia, da Companhia, «que ouviu muitas vezes dizer os Padres an-
tigos que em uma das reduções do Tape, chamada SantAna, ti-
nham os índios tapes de 5.000 a 6.000 vacas, e no povo situado
na mesma Serra do Tape, chamado Apóstolos, tinham 4.000 va-
cas, e no dito chamado Santa Teresa tinham 400 cabeças de ga-
I
84) B. N. Mandado de D. Mendo de la Cueba. Original. B. N. Mss.
I, 29, 1, 90.
85) Pleito sobre vacarias cit.
282
AURÉLIO PORTO
do vacum, quantidades que deixaram nas ditas reduções por não
poderem transportá-las quando perseguidos pelos mamalucos e
fugindo de suas contínuas invasões, roubos e hostilidades, se vi-
ram obrigados a desamparar seus sítios, para salvar suas pró-
prias vidas, as de suas mulheres e filhos.» 86)
Em seu depoimento no Pleito sobre vacarias, o P. Policarpo
Dufo, religioso da Companhia, informa que «há muitos anos (an-
tes de 1686) referiu-lhe um tenente de cavalos que havia saído
da cidade de Buenos Aires a uma corredoria pelas campanhas
(do Rio Grande) por ordem do Sr. General D. José de Herrera,
que no tempo do Sr. D. José Martinez de Salazar, s") presidente
que foi da Real Audiência de Buenos Aires, saiu também a outra
corredoria e que chegando ao Rio Grande chamado Ayui ou Yeyui
(Igaí, Jacuí) que desemboca no mar, descobriu por aquelas cam-
panhas grande multidão de vacas chimarronas, todas de cor, e
que vinham outras muitas baixando pela costa do dito rio c que
tendo o dito tenente de cavalos dado essa notícia ao dito Sr. D.
José Martinez de Salazar, foi este falar ao P. Cristóvão de Alta-
mirano, que ia embarcar como Procurador Geral dos primitivos
Padres fundadores das Doutrinas, consultando a matéria, disse
que essas vacas haviam sido procriadas de quatrocentas vacas
leiteiras que deixaram os Padres quando se retiraram por oca-
sião da invasão dos portugueses mamalucos de São Paulo, desde
cujo tempo se multiplicou em grande número de procriações, até
esse tempo»... ss) Eram provàvelmente oriundas dos currais
de Jesus-Maria e principalmente dos campos de São Miguel, dis-
persadas mais tarde com as incursões dos bandeirantes. E às
mesmas ainda estes se referem quando, em 1659, informam ín-
dios das Missões que fugiram de São Paulo, que os ouviram dizer
que viriam pela Laguna até o Igaí, «como camino más breve y
menos embaraçoso, y dei dicho rio venirse en breve a las dichas
86) Informação sobre as vacarias do mar. B. N. Mss. I, 29. 3. 103.
87) D. José Martinez de Salazar governou de 28-VTI-1663 até 1674.
D. José de Herrera Sottomayor governou o Rio da Prata desde ll-VI-1682
até 1691.
88) Pleito sobre Vacarias cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 283
doctrinas sin necessidad de matalotage, por las muchas vacas que
dicen ay.» s:i)
Uma indicação interessante ressalta de quase todos os de-
poimentos e informações sobre o gado missioneiro, para melhor
identificação de sua origem, é a cor de sua pelagem. Todas as
referências são uniformes. O P. Dufo, como vimos, diz que to-
das as vacas «eram de cor». De «color oscura», acrescentam os
mais. O P. João de Yegros nota que «naquelas partes do mar
somente se viam essas vacas de cor.» Refere o P. Domingos Cal-
vo que D. José de Garro mandou uns espanhóis vigiar a outra
banda e voltaram dizendo «que haviam vistos vacas em ditas cam-
panhas e muitas de cor», informando o P. Cristóvão Altamirano
que procediam das que os Padres Curas das Reduções haviam
deixado quando fugiram às invasões bandeirantes. Quando da
expedição que funda a Colónia do Sacramento, no Prata, D. Ma-
nuel Lobo, em carta que dirige ao Rei, datada da Cidadela de Sa-
cramento, a 12 de Março de 1680, diz que se deteve «na ilha de
Maldonado, situada na embocadura deste rio, 23 dias», em cujo
tempo pôs «alguma gente em terra para especular o que nos fosse
possível naquele território no qual vimos uma quantidade de gado
vacum todo de cor escura, e de corpo grande, pelo que se viu em
dois ou três touros que se mataram, não podendo ser por então
mais, porque a terra é toda descoberta e difíceis as incursões».
Era um gado bravio que fugia de muito longe e que continuava,
como se viu de uma embarcação que se adiantou, chegando pela
parte de Norte até junto a Montevidéu.» 9n)
Denuncia essa pelagem predominante, de cor escura, o gado
fusco, 01 ) piratiningano que, com o vermelho teriam sido origem,
89) Traslado de la declaración de los índios que vinieron de S. Pablo
etc. B. N. Mss. I, 29, 2, 53.
90) B. N. Col. de Angelis, I, 31, 12. Traduzida para o espanhol e re-
traduzida pelo autor. Publicada pela primeira vez pelo Coronel Jonatas
Rego Monteiro em sua Colónia do Sacramento. Doe. n. 2, II vol.
91) Fusco, adj.: escuro, tirante a negro. António de Morais e Silva.
Dic. da Língua Portuguesa. 1- edição. Lisboa, 1813. Como vimos, junta-
mente com o vermelho era o fusco um dos pelos mais apreciados nos re-
banhos piratininganos. Havia mais o pintado, o barroso e alvação. "Al-
vacão: Alvadio, tirante a branco. Boi alvação dizemos cada dia." Morais,
Dic. cit.
284
AURÉLIO PORTO
com a introdução das «sete vacas de Gaete», dos rebanhos assun-
cenhos.
Em magnífico trabalho o Dr. Prudencio de la C. Mendoza '•'-)
diz que os bovinos da expedição de Salazar de Espinoza, isto é,
o gado dos irmãos Góis, procedente de São Vicente, e que cons-
tituíram o casco fundamental da pecuária do Paraguai e do Pra-
ta, pertenciam à raça andaluza e ibérica de Sansón. Tem por ca-
racteres zootécnicos grande corpulência, boa alçada, sistema ós-
seo grandemente desenvolvido, cabeça volumosa, aspas bastante
grandes e se singulariza pela grande sobriedade na alimentação.
Sua pelagem é muito variada: vermelho claro, tostado e escuro,
pouco leiteiro, mas bom para a produção de carne. E agrega:
«Desta raça se deriva o vacum crioulo ou raça primitiva indígena
que adquiriu condições superiores em seus caracteres zootécnicos,
conformação e aptidões à andaluza. As condições mesológicas fa-
voreceram a formação de variedades da raça bovina crioula nos
territórios rio-platenses, podendo-se dizer que constituem raças
aperfeiçoadas com relação à sua primitiva origem».
Zootécnicos nacionais confirmam esses caracteres do gado
crioulo do Rio Grande, idêntico ao do Uruguai. Silva Neves, dan-
do-lhe o nome de Colónia, ou Colonão, cujo «nome evoca uma Co-
lónia, porventura a do Sacramento», diz que é «a raça de ouro
dos nacionais, considerada a primeira do mundo». «Filia-se por
cruzamento às raças introduzidas pelos colonizadores, do tronco
aquitânico, do ibérico, do batávio, do atlântico e indubitavelmente
do jurássico (Bos braquicephalus e Bos frontosus), predominan-
do o primeiro e quiçá o último». Caracteriza-se esse gado pela
corpulência acima da mediana, cabeça comprida e estreita, cornos
de grande desenvolvimento, de comprimento excessivo, na varie-
dade alentejana, pelame flavo. Raça dolicocéfala segundo o mé-
todo de Sansón, eumétrica, de perfil convexo, longilínea, pelo mé-
todo de M. Barón. Gado laranjo, segundo a classificação popu-
92) Dr. Prudencio de la C. Mendoza. Historia de la Ganadería Ar-
gentina. Buenos Aires. Talleres gráficos argentinos. L. J. Rosso. Sar-
miento 779, 1928, pág. 28.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
285
lar. Conhecido pelo nome genérico de Franqueira, tem em Goiás
e Mato Grosso o de Pedreira e crioulo no Rio Grande do Sul. !,:í)
6. Gado equino.
Os primeiros cavalos introduzidos no Prata foram os que,
em sua expedição, para fundar Buenos Aires, trouxe D. Pedro
de Mendoza, em 1535.
Conseguira o adelantado licença especial para embarcar em
suas naus «100 cavalos e éguas», destinados a serviço e cria. 94)
Não estavam, naturalmente, computados neste número os cava-
los de guerra, de propriedade privada, trazidos pelos oficiais, dos
quais alguns transportavam mais de. um animal de sela e comba-
te. E isto se evidencia da nota de Paul Groussac que, referindo
o justiçamento de João Osório, no Rio de Janeiro, assinala que
«dos cavalos que trazia» este oficial um foi vendido por 200 cru-
zados. 9n)
Quase todos os homens de condição que acompanhavam o
governador tinham permissão especial de levar os seus cavalos.
Cédulas reais, datadas de Valhadolid, 20 e 21 de Julho de 1534 1,11 )
recomendavam a Allard Bouton, Alayn, os Douvrin, Elodio Boisey,
etc. e permitiam levar seus cavalos para o Rio da Prata.
Ao deixar Espanha D. Pedro de Mendoza consignou ao seu
representante ali, Martim de Orduna, alguns milhares de ducados
para custeio das naus de reabastecimento, além de outra «que Or-
duna concertou com Sancho Martin, de Cádiz, para levar 80 ho-
mens e alguns cavalos».
São essas as principais notícias sobre a introdução dos pri-
meiros equídeos que aparecem no Prata, cuja colonização, segundo
Groussac, «acabara de caracterizar-se pela relativa abundância de
cavalos de guerra e a ausência absoluta, nesta primeira viagem
93) António da Silva Neves. Origem provável das diversas raças que
povoaram o território pátrio. São Paulo. 1918.
94) Cédula Real, de 22 de Agosto de 1534. Anales de la Biblioteca .
Tomo VIII, pág. 62.
95) P. Groussac. Mendoza y Garay, pág. 118, n. 1.
96) Archivo General de índias. Apud. Groussac. Anales, III.
286
AURÉLIO PORTO
ao país da fome, de gado vacum ou menor, e até de grãos para se-
menteiras». 97)
De chegada à terra, que iam povoar, encontraram os espa-
nhóis índios hostis que não deixaram levar por muito tempo, adian-
te, os seus trabalhos de fixação e colonização. E em encontros
consecutivos se destacam, como arma de guerra, os cavalos dos
oficiais que combatem contra os selvagens. Aos outros animais,
trazidos para serviço e cria, não se referem, senão vagamente, as
crónicas da época. Mas parece ter havido grande quebra do nú-
mero inicial consignado, pois «é sabido que Mendoza trouxe de Es-
panha 72 cavalos e éguas», além dos de guerra a que se referem
Rui Diaz de Gusmán e outros antigos cronistas do Prata.
Aos primeiros dias de chegada ao estabelecimento começaram
os conquistadores a fazer resgate com os índios, especialmente os
guaranis das ilhas, que lhes forneciam peixe e outras vitualhas.
Mas logo depois aproximam-se os índios pampas que, por poucos
dias, comunicaram com os espanhóis, rompendo após as hostili-
dades, que por longo tempo perduraram.
Produziu-se, então, o choque em que pela primeira vez usaram
os espanhóis de seus cavalos de guerra. Para castigar os índios,
que dias antes haviam atacado a alguns povoadores saiu da cidade
D. Diogo de Mendoza com 300 infantes e 30 ou 40 homens de ca-
valo. Encarniçado o combate, que resultou desastroso para os ex-
pedicionários, assinalando-se também a ocasião por um aconteci-
mento que surpreendeu grandemente os espanhóis. Sabiam eles
do terror pânico que o aparecimento dos equídeos determinara en-
tre os índios peruanos, como constava das notícias das expedições
dos conquistadores do Norte. Mas os pampas, como se estivessem
familiarizados com essa terrível arma de guerra, que era a cavala-
ria, não demonstraram medo algum, tratando, ao contrário, de
inutilizá-la com outra arma terrível de que iam ter conhecimento
prático os conquistadores. Diz o autor da biografia de D. Pedro
de Mendoza «que ficou imediatamente inutilizado o pelotão de ca-
valaria, que formava a vanguarda, pelas boleadoras dos pampas
que, travando o animal, faziam rodar por terra os ginetes, que
97) P. Groussac. Op. cit., 74.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 287
eram ultimados com certeiros golpes de clava ou de bala perdi-
da.» !IS) D. Diogo de Mendoza e a maior parte dos cavaleiros que
o acompanhavam morreram assim vitimados pelas boleadcras cer-
teiras dos pampas.
Segundo Ruy Diaz de Gusmán «Sancho dei Campo e Francis-
co Ruiz Galán recolheram a gente «que por todos fueron ciento
cuarenta de a pié y cinco de a caballo», !)í)) mas, como alguns des-
tes vinham feridos gravemente não puderam resistir à distância,
à falta de água, morrendo de sede e fome, de sorte que não esca-
param mais do que oitenta homens que se recolheram a Buenos
Aires.
Em seguida confederaram-se os índios para dar assédio à in-
cipiente povoação. Morreram mais 30 homens, sendo incendiados
com flechas inflamadas alguns ranchos de palha. O que, porém,
mais torturou a população foi a fome que chegou a determinar
extremos de canibalismo, pois, como refere Ruy Diaz, talvez com
exagero, «comiam uns os excrementos dos outros», «y los vivos
se sustentaban de la carne de los que morian y aun de los ahor-
cados por Justicia.» 10°)
Os enforcados a que alude o autor de La Argentina foram
três indivíduos que roubaram e comeram «un rocín» (cavalo pe-
queno e fraco), o que prova o cuidado em que eram tidos os ca-
valos que haviam escapado à sanha destruidora dos pampas.
Despovoada Buenos Aires, com a fundação subsequente de
Assunção do Paraguai, para onde vão os seus remanescentes, fi-
cam ali, alguns sementais equídeos, que dão origem a uma pro-
dução incalculável, mais tarde encontrada nas planuras vastas das
margens meridionais do Prata.
Ruy Diaz, o criador da lenda das «sete vacas de Gaete», diz
proceder essa produção de «cinco éguas e sete cavalos», que ali fi-
caram da expedição de Mendoza, o que parece, como observa o
historiador da expedição 101) propositadamente «para fazer jo-
go» com as de Gaete. Mais exacta deve ser a informação do Pa-
98) Groussac. Mendoza y Garay, cit.
99) Ruy Diaz de Guzman. La Argentina, 44.
100) Idem, ibidem, 46.
101) P. Groussac. Op. eit.
História <I;is Missões Orientais do Uruguai — I.a Parte
10
288
AURÉLIO PORTO
dre Frei João de Rivadaneyra na «Relación de las Províncias dei
Rio de la Plata» quando afirma que ficaram em Buenos Aires,
«grandíssima quantidade de cavalos que ficaram ali desde o tem-
po de Dom Pedro de Mendoza, que há quarenta e cinco anos (dei-
xou) quarenta e quatro cavalos e éguas, que se multiplicaram de-
susadamente.» E o tesoureiro Montalvo, em uma de suas car-
tas, informa que em fins do ano de 1585, quando da segunda fun-
dação de Buenos Aires, cobriram seus campos mais de 800.000
cabeças de animais cavalares, quantidade que se justifica, toman-
do como base a informação de Frei Rivadeneyra. «As cinco
éguas de Guzmán hão dariam mais de 4.500 cabeças», segundo o
cálculo do autor de Mendoza y Garay. 10 2 )
Nas primeiras entradas feitas pelos conquistadores do Prata
parece não terem estes levado cavalos. Consta mesmo que João
de Ayolas mandara preparar uma espécie de carruagem para ser
conduzido em sua primeira penetração pelo sertão paraguaio, mas
esta seria tirada por índios que para este fim levaria. l03) O
mesmo sucede nas incursões de Domingos de Irala e de João de
Salazar, que fundou Assunção em 15 de Agosto de 1537. Os pri-
meiros cavalos, segundo se presume, devem ter ido para Assun-
ção em 1541 com os últimos povoadores de Buenos Aires que, le-
vando quanto tinham, foram ali conduzidos por Irala. Entretan-
to, é possível, embora sem referência que autorize a afirmá-lo.
que antes disto alguns espanhóis que ali se localizaram houves-
sem introduzido alguns sementais, justificando a suposição a quan-
tidade de animais cavalares que, mesmo antes da introdução dos
equídeos de Cabeza de Vaca, aparece na nova capital do Prata.
Não está com isto de acordo Aníbal Cardoso, historiador argen-
tino que, defendendo a tese do equus americanus, autóctone do
pampa, em brilhante estudo, 104) assinala que os povoadores de
Buenos Aires passaram para Assunção sem levar suas cavalga -
102) Idem, ibidem, pág. 507, n. 1.
103) Enrique de Gandía. Historia de la conquista dei Rio de la Pla-
ta y dei Paraguai. B. Aires, 1932, 58.
104) A. Cardoso. Antiguedad dei cavallo en el Plata. Anales dei
Museu de Buenos Aires. 1911. pág. 26.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 289
duras, tendo estas somente sido ali introduzidas por Cabeza de
Vaca, em 1542.
Da capitulação deste adelantado, feita em Madrid, 15 de Abril
de 1540, consta que Alvar Núnez Cabeza de Vaca se comprometia
a gastar 8.000 ducados na aquisição de cavalos, mantimentos,
vestidos, armas e munições. l05) Quando aportou à ilha de San-
ta Catarina, donde pretendia atingir por terra Assunção, desem-
barcou Cabeza de Vaca 26 cavalos sobreviventes de 46 animais
cavalares que embarcara em São Lúcar de Barrameda. A 2 de
Novembro de 1541, levando 250 homens e aquele número de equí-
deos, 106) e mandando o resto de sua gente por mar, com a es-
quadra que deveria subir o Rio da Prata, o adelantado se pôs em
marcha. Chegando ao rio Iguaçu fez o governador embarcar par-
te de sua comitiva em canoas, enquanto o resto seguia por terra
com os cavalos. Deixando ao cuidado de Núfrio de Chávez que,
mais tarde, desempenha papel relevante na economia do Prata,
com a introdução de novas espécies de gado, especialmente de
gado menor, atinge Cabeça de Vaca a nova capital, onde fez sua
entrada em 11 de Março de 1542.
De chegada a Assunção, seduzido pelo mistério do desconhe-
cido e pelas notícias das -grandes riquezas que havia, resolveu
fazer uma entrada, que levou a efeito com quatro bergantins, seis
barcos, 20 balsas e mais de 200 canoas, levando alguns cavalos e
muitos índios amigos. Atingiu Candelária e depois de ir à terra
dos Guatos, chegou ao porto dos Reis. 1"7) E' a primeira expe-
dição em que se faz referência a animais cavalares no Paraguai.
Vários sucessos políticos determinaram a queda, prisão e de-
portação de Alvar Núnez Cabeza de Vaca, que é substituído por
Domingos Martinez de Irala. Organiza este nova entrada indo
até a governação do Peru, a cuja capital mandou o capitão Núfrio
de Chávez oferecer ao presidente La Gasca, em luta contra Pi-
105) Anates de la Biblioteca, tomo VIII.
106) Ruy Diaz, na Argentina, diz que foram "500 h. e 20 cavalos",
pág. 66. Southey, Hist. do Brasil, V, 164, diz que foram 30 cavalos, mas
confirma terem saído de Santa Catarina somente 26. E* este o número
que o próprio Cabeça de Vaca nos dá em seus Comentários.
107) Argentina, 71.
10*
290
AURÉLIO PORTO
zarro, o auxílio do Paraguai. Voltando a Assunção, além de con-
duzir as primeiras ovelhas e cabras que entram no Prata, Núfrio
de Chávez, a quem acompanham mais 40 homens do Peru, traz
novo reforço de animais cavalares, aumentando assim considera-
velmente os rebanhos equinos do Paraguai, que recebem por cru-
zamento o sangue dos sementais peruanos.
As entradas que se sucedem levam mais longe os cavalos de
Assunção. Na que realizou Irala, conhecida por «mala entrada»
e para a qual saiu da capital paraguaia em 18 de Janeiro de 1553,
levou «ciento y treynta hombres de a caballo y dos mil indios.» 108)
Guzmán eleva a 600 o número de animais cavalares, o que não
é de admirar por se tratar de montadas para 130 homens. Diz
que, publicando-se a entrada para que se alistassem os que qui-
sessem ir a ela «se ofereceram muitas pessoas qualificadas, capi-
tães e soldados, que por todos foram 400 e mais de 4.000 índios
amigos, com os quais saiu de Assunção pelo rio e por terra em
bergantins, baixéis e canoas em que levavam os víveres e vitua-
lhas e mais de 600 cavalos.» 109)
Entretanto convém assinalar ser esse número excessivamente
elevado para a escassez de cavalos que ainda se notava em 1551.
Refere D. Félix de Azara que, neste ano, o capitão Irala comprou
no «Paraguai um caballo morcillo pie de cabalgar alzado y algo
blanco en la frente a Antonio Pasado por quatro mil pesos de
oro, de 450 maravedies cada uno». 110) Quando morreu em fins
de 1556 deixou conforme ainda Azara, «em sua chácara que es-
tava onde se acha o Presídio de São Miguel, 24 cabeças de gado
vacum e outras tantas de cavalar». ltl)
Observa Fulgêncio Moreno que «as autoridades intervieram
desde o princípio na procriação do gado, assinalando os animais
que deveriam servir de reprodutores, cujos donos cobravam, por
cada potrilho ou potranca que nasciam das éguas, a quarta parte
108) Anales de la Biblioteca, cit, IX, 311.
109) Ruy Diaz. La Argentina, 95 — Vide Doe. para la Hist. etc.
Blas Garay.
110) Descripciõn Histórica. Cod. Mss. B. N. I, 16, 2. 6. Cópia ma-
nuscrita original da obra Geografia Espérica, publicada por Schuler, da
qual difere em vários capítulos.
111) Azara. Descripciõn Histórica, cit.
r
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 291
de seu preço. Os melhores pastores e éguas pertenciam ao ade-
lantado.» 112) Conhece-se, em 1552, uma única mula, em Assun-
ção, procedente do Peru. Pertencia ao governador Irala, «e ad-
quiriu, depois, certa notoriedade como exemplar único e cavalga-
dura predilecta do impetuoso bispo de la Torre». n ;)
Com a expansão assuncenha, de que é um dos maiores pionei-
ros esse incomparável povoador que foi Núfrio de Chavez, come-
ça a disseminação dos sementais equídeos pelas regiões mais dis-
tantes. Em Julho de 1567, em uma grande entrada que promove
até a província dos Xarais, leva Núfrio grande quantidade de ga-
dos maiores, que deixou a cargo dos índios que lhe mereciam con-
fiança. Teve o comandante vários encontros com os naturais que
feriram e mataram «mais de 40 espanhóis e cento e tantos cava-
los e 700 índios amigos». Vítimas de flechas envenenadas mor-
reram, em 12 dias, 19 espanhóis, 300 índios e 40 cavalos.» 114)
Fundando Santa Cruz de la Sierra em 1560, depois de cho-
ques violentos com Andrés Manso, que baixara do Peru para a
mesma conquista, Núfrio de Chávez leva para ali, de Assunção,
apreciável quantidade de animais cavalares, que constituem o cas-
co dos rebanhos equídeos da região que recebe, mais tarde, novas
reservas de cavalos do Peru. Em companhia do general ia Her-
nandárias de Saavedra, nome profundamente ligado à pecuária do
Prata, e «fué el primero que metió ganado bacuno en la dicha pro-
víncia.» 115)
Em 1580 cabe a João de Garay fundar a segunda Buenos Ai-
res. Quando os novos fundadores penetram nas campanhas trans-
platinas um espectáculo assombroso aí se lhes depara. As ma-
nadas de éguas, as tropas de cavalos, em estado selvagem, pro-
cedentes dos animais que deixara D. Pedro de Mendoza, parecem
«ao longe montanhas que se movem», no dizer dos cronistas da
época. O tesoureiro Hernando de Montalvo estimava essa pro-
dução em 800.000 cabeças.
112) Fulgêncio B. Moreno. La ciudad de la Asunción. B. Aires.
Librería J. Suarez. Libertad, 236. 1926. Orígenes de la Ganadería.
113) Idem. ibidem.
114) Ruy Diaz. Argentina, 120.
115) Luís Enrique Azarola Gil. Los orígenes de Montevideo, cit.
pág. 204. Relación de los servidos de Hernandárias de Saavedra.
292
AURÉLIO PORTO
Para a fundação de Santa Fé e outras povoações, que vão se
erigindo na província do Paraguai, segundo Fulgêncio Moreno, saí-
ram de Assunção entre 1582 e 1588 cerca de 4.000 cavalos.
«A expansão de gado para o sul da província se inicia em
1573 com a fundação da cidade de Santa Fé. Os primeiros cava-
los, em número de 55, segundo o feitor Pedro Dorantes, foram le-
vados de Assunção pelos povoadores da nova cidade, correspon-
dendo a seu fundador, João de Garay, a introdução do gado va-
cum, igualmente de procedência assuncenha. Aos poucos anos,
novas partidas de gado tornavam a sair de Assunção para o repo-
voamento de Buenos Aires e fundação de Conceição e São João
de Vera das Sete Correntes. Para o povoamento desta última
cidade, Alonso de Vera levou consigo 190 homens, 1.500 vacas e
igual quantidade de cavalos.» llf;)
Procedem daí os rebanhos de éguas e os cavalos que dão ori-
gem à pecuária rio-grandense, e que produzem esse tipo de se-
lecção que é o cavalo crioulo, notável pelas suas qualidades de
escol. Vêm de troncos raciais da Andaluzia. Em todos os tem-
pos não houve animais tão famosos como os celebrados cavalos
andaluzes. Raízes profundas determinam-lhe a nobilíssima estir-
pe. Sete séculos antes da invasão dos árabes, quando Cartago e
Roma disputavam a posse da península ibérica, vieram de todo
orbe conhecido os mais finos exemplares equinos. Depois, com
a dominação dos árabes, foram introduzidos os mais puros se-
mentais de suas terras, agindo por cruzamento nas raças supe-
riores que encontraram já na Andaluzia. As Cruzadas, que su-
cedem, trazem também reprodutores das melhores coudelarias da
Europa. Carlos V introduz cavalos da Alemanha e da Hungria
e D. João d'Áustria outros finíssimos exemplares da Ãsia, pro-
vàvelmente árabes, com que se montam as reais coudelarias de
Córdoba. 11T) Mas fica predominando o tipo árabe, geralmente
denominado «cavalo espanhol», ou mais propriamente, «andaluz».
Pertencem também a essa origem, que «é a raça mais antiga, mais
116) Fulgêncio Moreno. Op. cit.
17) D. Pedro Pablo de Tomar. Causas de la escasez y deterioro dá-
los caballos de Espana. Madrid. 1792, pág. 194.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 293
nobre e mais pura do mundo», 11S) grande parte dos cavalos in-
troduzidos no Brasil, e no Peru, o que faz com que as primitivas
raças cavalares que povoaram inicialmente a América do Sul, se
assemelhem todas por traços característicos comuns.
« Aproximando-se do estado selvagem, diz Emílio Adet, 1 1 " )
e sendo de novo abandonados a si mesmos, nos campos e nos pam-
pas, subtraindo-se por assim dizer ao domínio do homem e deixan-
do de estar sujeito aos seus cuidados e à sua influência modifica-
dora, todos esses cavalos, qualquer que seja a província em que
viveram, devem ter voltado ao tipo primitivo dado à espécie pela
natureza. Ora, está hoje perfeitamente demonstrado que as ra-
ças não devem os caracteres que as distinguem senão à influên-
cia do clima, do terreno e dos alimentos». Subsistem, no entan-
to, mau grado esses agentes exteriores, as características especí-
ficas das raças no que tem de melhor, e daí a excelência do cavalo
crioulo que povoa as grandes planuras e pampas do extremo Sul.
Dois são os principais agentes da introdução do cavalo na
Banda Oriental do Uruguai. Ao Norte do rio Ibicui, os Jesuítas
que, para seu uso exclusivo e, mais tarde, para cria, introduzem
cavalgaduras e éguas que se encontram em número apreciável no
território, que constitui o depois Estado brasileiro do Rio Grande
do Sul. Pela parte meridional do Ibicuí, onde começam as gran-
des Campanhas do Sul que se dilatam até o vizinho Estado Orien-
tal do Uruguai, a introdução do nobre animal deve-se aos índios
cavaleiros que, mais ou menos, na mesma época, passam as suas
grandes cavalhadas para combater outras tribos inimigas como
mais detidamente se dirá.
E' Hernandárias de Saavedra, cujo nome está profundamen-
te vinculado à economia das províncias do Prata, e que povoou
de gados os campos da mesopotâmia parano-uruguaia, o primeiro
branco que a cavalo cruza os pampas a Oriente do Uruguai, de
que se tem positiva notícia.
Em carta a el-Rei, de 5 de Maio de 1607, comunica este go-
vernador ter determinado «para segurança desta cidade (Buenos
118) Emílio Adet. O cavalo. Rio de Janeiro, 1858, pág. 50.
119) Idem, ibidem .
294
AURÉLIO PORTO
Aires) passar este ano que vem com alguma gente e cavalos e
correr a outra banda que chamam dos charruas, e pôr alguma
gente em um porto que se descobriu em uma paragem que cha-
mam Monte vidéu.»
à frente de 70 soldados partiu Hernandárias, de Santa Fé,
na primavera de 1607, conduzindo umas 20 carretas e algumas
canoas e, depois de atravessar a actual província de Entre-Rios,
vadeou o Uruguai em ponto ainda não identificado, mas que «por
fundadas conjecturas permite-se situar entre Salto e Paissandu»,
segundo Azarola Gil. Determinando que sua gente, costeando o
rio, seguisse para o Sul, Hernandárias volveu a Buenos Aires,
para atender certas imposições administrativas, cumpridas as quais
tornaria a encontrá-la em ponto prèviamente determinado. Vol-
tando, como prometera, e incorporando-se à expedição, que esta-
va nas proximidades da actual cidade de Montevidéu, empreende
nova marcha para o interior do País, rumo Norte, tendo lutado
várias vezes com índios hostis que queriam embargar-lhe o cami-
nho.
Impressionou-o «o espectáculo das terras que havia descober-
to» e descrevendo-as «não vacila em qualificá-las como as melho-
res de toda a governação». Campos fertilíssimos banhados de
arroios, com magníficas quebradas, lenhas e madeiras para cons-
trução, ofereciam todas as facilidades para a multiplicação de ga-
dos. «E procurando facilitar o meio» de povoá-lo, «reclama do
monarca a remessa de homens solteiros de Castela, familiariza-
dos com a criação de gados, que formariam seus lares com moças
paraguaias, cujos dotes constituídos por gados prontos a ser trans-
portados à nova província seriam a base da riqueza geral.» 121)
Nessa expedição, durante mais de seis meses, esteve no ter-
ritório circundado pelo Uruguai, indo até o salto desse rio, nas
proximidades do rio Ibicuí, d'onde voltou ao seu governo.
Mas, desta passagem pela banda dos charruas, não consta
120) L. E. Azarola Gil. Los orígenes de Montevideo, cit. 28. Se-
guimos o relato do historiador oriental, que publica toda a documenta-
ção sobre o assunto. Esta ocorre também no tomo I da Rev. do Museu
Paulista. S. Paulo, 1922.
121) Azarola Gil. Op. cit, 31.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 295
ficasse animal de espécie alguma deixado por Hernandárias, se
bem que seu admirável projecto de povoamento tivesse por base
o lançamento do gado bovino. Ainda em 1611 e 1617, quando
do debatido lançamento de animais bovinos na ilha de São Ga-
briel e Terra Firme pelo mesmo governador, excluem as referên-
cias qualquer notícia sobre a introdução de equídeos. O P. Ja-
cinto Marques, na citação já feita, diz que Hernandárias «pôs
vacas, cavalos e éguas» em Entre-Rios «e aqui (no Uruguai), não
vedes mais que vacas que foram deixadas pelos Padres da Com-
panhia.» 12 2 ) Esta declaração é de 1670, época em que ainda
diminuta seria a quantidade de animais cavalares nos pampas da
Vacaria do Mar, restrita somente às manadas dos índios cavalei-
ros, que demoravam nas proximidades das suas toldarias.
Com os Jesuítas, que transpõem o Uruguai para fundar as redu-
ções primitivas, entram alguns animais cavalares. Conhecido é nas
crónicas antigas «o cavalo do Padre Roque» que, por ocasião do
martírio desse venerável sacerdote, foi levado por um dos caci-
ques. Sentindo a falta do cavaleiro o animal deu sinais eviden-
tes de pesar. E quando pronunciavam o nome do dono «relin-
chava tristemente.» 12'5) Não consentia que o cavalgassem, mas
um índio, vestindo a batina do Padre, conseguiu subjugá-lo. Con-
vencidos de que este animal não lhes serviria, os índios mata-
ram-no a flechadas. Deu-se isto em fins de 1628. Para quem
conhece o apego do nobre animal ao cavaleiro, o facto é perfei-
tamente explicável.
OBSERVAÇÃO. Além deste cavalo houve no Caró mais dois. trazidos
pelo R.. Roque, em que fugiram os dois meninos paranás, levando a notícia do
assassínio dos Padres Roque e Afonso ao P. Romero, cura da Candelária. (Os
bem-aventurados Roque..., 2* ed., p. 244.) (L. G. J.)
Outro cavalo que atravessa todo o território rio-grandense e
vai morrer nos atoladouros de Ibia, na bacia do Caí, depois de re-
montar às alturas da Serra do Nordeste, é o de outro mártir e
introdutor do gado no Rio Grande do Sul, P. Cristóvão de Men-
doza, como fica historiado.
122) Pleito sobre vacarias. V. neste Cap. pág. 267.
123) C. Teschauer. Vida e obras do Ven. P. Roque, cit., 89, V. tam-
bém P. Luís G. Jaeger, Os bem-aventurados Roque, 2° ed., 278-79.
296
AURÉLIO PORTO
Ainda por ocasião do martírio do P. Roque o capitão Manuel
Cabral de Alpoim e outros espanhóis e soldados, que acorrem em
defesa das reduções, trazem todos as suas cavalgaduras de guer-
ra, indo até Caró, teatro desses trágicos sucessos. Entretanto, no
ano seguinte (1629), observava o Provincial Padre Francisco Vas-
quez Trujillo «o espanto que mostravam de ver os cavalos, como
sucedeu em Caró, pois só em ouvir relinchar o cavalo em que eu
ia, se escondiam as meninas, espantadas de ver coisa que jamais
haviam visto.» 124)
Relatam as Ânuas a existência de algumas cavalgaduras,
«poucas e péssimas», para serviço dos Padres já em 1633. Quan-
do o P. Pedro Mola foi fundar Jesus-Maria deram-lhe um cavalo
para fazer a viagem até as margens do Rio Pardo, mas, tão fra-
co que teve de fazer a pé a maior parte do trajecto, pois «como
as cavalgaduras que por aqui temos são poucas e más, a que o
Padre levava era tal que foi forçoso que ele fosse a maior parte
do caminho a pé, com uns calores excessivos, perseguido de ta-
vões (= moscardos) que lhe davam muito boa ocasião de mere-
cer.» 125)
A cria de animais cavalares inicia-se nas reduções do Uru-
guai em 1634. Com o gado bovino, introduzido neste ano pelos
Padres Cristóvão de Mendoza e Pedro Romero, entram também
algumas dezenas de éguas escolhidas e bons reprodutores, trazi-
dos dos campos de Corrientes para nuclear o casco do equídeo
a Oriente do grande rio.
O primeiro lote de que se tem notícia é levado para São Ni-
colau, onde se encontram excelentes campos de criação e boas
aguadas, capazes para tão útil ramo da incipiente pecuária mis-
sioneira.
Segundo informa o P. Pedro Romero, Superior das Reduções,
em sua citada Ânua, em 1635 já as éguas de São Nicolau haviam
produzido 40 crias, e estavam «o que se pode desejar de gordas».
Destinara também outros lotes para todas as reduções da Ser-
ra, sendo que destes, 10 ou 12 estavam em Natividade. «As éguas
124) Pastells, cit.. I, 450.
125) Ânua de Jesus-Maria, cit., I, 29. 7, 25.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
297
estão aqui (São Nicolau) muito boas, e temos do ano passado
umas 40 crias, também as que estão em Natividade, que são dez
ou doze, estão como se pode desejar de gordas. . . as cavalgadu-
ras não faltarão às Reduções, assim para o andar dos Padres co-
mo para levar as provisões, com que se costumam carregar os ín-
dios.» 12r>)
Referindo-se, na mesma Ânua, aos animais cavalares que ha-
viam posto em Natividade, acrescenta o P. Romero: «Já escrevi
a V. R. como ás éguas que estavam repartidas para as Reduções
da Serra as coloquei nesta redução, que serão até 15, e todas es-
tão com as suas crias, e elas estão lindas e se hão de aumentar
muito querendo Nosso Senhor.»
São essas as principais referências que se encontram nos do-
cumentos jesuíticos da época, relativamente à entrada do gado
equídeo nas reduções. Além de outras quantidades não referidas,
mas que é certo teriam passado para as reduções do Uruguai e do
Tape, encontramos aí quase uma centena de éguas, cuja primei-
ra produção se eleva a 55 crias. E quando, três anos depois, pre-
midos pela invasão bandeirante, Padres e índios empreendem a
retirada para além -Uruguai, vultosa deveria de ser já a produ-
ção que ficou pelos campos rio-grandenses. Não consta de toda
a documentação existente levassem os Jesuítas, em sua transmi-
gração, gados de quaisquer espécies, o que seria mesmo difícil,
pela demora que acarretaria o vadear o Uruguai, quando o pânico
que se desencadeara sobre as suas aldeias aconselhava precipitar
a fuga que os poria a salvo da sanha bandeirante.
Em 1637 quase todas as reduções da Serra tinham as suas
manadas de éguas e cavalos de que se serviam os próprios índios.
Refere o P. Pedro Mola, voltando à tapera de Jesus-Maria, já des-
truída pelo capitão Raposo Tavares, em Março desse ano, que «um
moço vindo de seu Povo a cavalo», passou por um rancho onde
havia uma velha que morria de câmaras, e deu aviso ao Padre
que a baptizou, bem como a outros atacados da mesma peste. 127)
126) B. N. Ânua dirigida ao Prov. Padre Diogo de Boroa, datada
de 3 de Abril de 1636. Mss. Col. Angelis, I, 29, 7, 31.
127) Carta do Padre P. Mola de 24 de Março de 1637, escrita na
tapera de Jesus-Maria, I, 29, 1, 66.
298
AURÉLIO PORTO
Em outra ocasião noticiaram ao cura da redução que numa
aldeia distante, assolada pela peste, morriam alguns índios não
baptizados ainda. Mas era tão longe que não seria possível che-
gar a tempo de socorrer os enfermos. E o Padre, em suas ora-
ções invocou a protecção de Deus. Que Nosso Senhor lhe man-
dasse um cavalo ! . . . E não terminara a súplica quando, monta-
do por um índio, num galope desabalado, estaca à frente da igre-
ja o animal que milagrosamente o Senhor conduzira à sua porta.
Quase sem explicações ao cavaleiro, monta e corre pelo campo
afora, chegando a tempo de enviar ao céu as pobres almas in-
fiéis. . .
Foram os guaicurus do Sul, mais tarde conhecidos por ín-
dios cavaleiros, os principais fautores da introdução do cavalo nas
campanhas que se estendem ao sul do rio Ibicuí, dominadas primi-
tivamente pelos guenoas e seus afins (charruas, jarós, minuanos,
boanes e outros) .
A introdução do gado cavalar e vacum no Rio da Prata mo-
dificou completamente os usos e costumes desses índios. Desde
então usaram o cavalo e se fizeram destríssimos em seu manejo.
Adoptaram como principal alimento a carne dos potros e das va-
cas, abandonando a caça e pesca em que anteriormente consistia
a sua alimentação, pois não conheciam a agricultura. < A qual-
quer hora que fosse, o que tinha fome, tomava um pedaço de
carne, o espetava em um assador de pau, que fazia girar sobre
o fogo, como os nossos campeiros fazem hoje com o churrasco,
e o comiam tranquilamente sentados de cócoras.» 128) Conse-
guindo também o ferro adoptaram logo, como arma, lanças de
três metros e meio de comprimento e flechas pequenas, cujas
pontas, em vez de serem de pedra como anteriormente, passaram
a ser de metal, para o que usavam arcos de barris. A única ar-
ma que continuaram a manejar, de efeitos terríveis, foi a bolea-
dora de dois ramos, que levavam atada à cintura. Tornaram-se
logo exímios na equitação. «Sabiam combater montados a cava-
128) José H. Figueira. Los primitivos habitantes dei Uruguai. Mon-
tevideu. 1822, pág. 27. V. Azara. Viaje a la América, I. 154. António
Serrano. Etnografia de la antigiia provinda dei Uruguay. Paraná, 1936.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
299
lo e alinhados, assim como empregar a carga de lanças. Usavam
de um estratagema que constava em se deitarem sobre o dorso
do animal ou sobre um dos lados, não deixando ser percebidos ao
longe e, desta sorte, aproximavam-se do inimigo fazendo-lhes as
suas cargas terríveis.» l29)
As primeiras notícias que se conhecem de contacto de índios
do Sul com animais cavalares, que não lhes causam grande sur-
presa ou pavor, remontam aos dias da introdução do equídeo em
Buenos Aires por D. Pedro Mendoza. Aníbal Cardoso, defenden-
do a tese da existência do équus americanus, cavalo autóctone do
pampa, diz «que os índios querandís conheciam o cavalo selvagem
americano», que caçavam com boleadoras para alimentar-se com
sua carne e não podiam temer a arremetida daqueles dóceis e in-
tumescidos corséis de guerra que haviam visto desembarcar dos
navios de Mendoza. «E acrescenta que um dos povoadores, F.
Vilalta, em carta afirma que «eram os índios ligeiros e destros
«en atar los caballos con las bolas que traían». Foram os espa-
nhóis que vieram-lhes ensinar esse outro aspecto que não conhe-
ciam do aproveitamento do cavalo como arma de guerra e meio
de transporte. 13°)
E que os índios do Sul não temiam os cavalos como sucedeu
no Peru, basta referir que, em 1547, em Assunção tentaram os
aborígenes roubar 80 cavalos e éguas que lhes foram retomados
pelo capitão João de Salazar. Mas, a primeira notícia que se co-
nhece de índios equestres é transmitida por Madero que assinala
já em 1566 a existência de querandís, selvagens do Pampa, mon-
tados a cavalo, servindo-se de sua terrível arma de guerra — as
boleadoras.
O uso do cavalo vai-se generalizando entre as tribos campei-
ras, principalmente nas vastas planuras das campanhas em que
proliferam as eguadas silvestres, ou chimarronas, depois penetra
com os povoadores Paraguai acima até as longínquas paragens do
Chaco, e se espraia a Oeste indo esbarrar nas elevações sub-an-
129) João Cezimbra Jaques. Assuntos do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, 1912, pág. 7.
130^ Aníbal Cardoso. Op. cit .
300
AURÉLIO PORTO
dinas. Há, mesmo, nações que se caracterizam pela sua adapta-
ção rápida aos exercícios equestres. Entre estas os guaicurús,
cujos ramos extremados no Prata tornam-se cavaleiros por exce-
lência.
Segundo Azara, os primeiros cavalos que tiveram os mbaias
foram poucos e ordinários, roubados uma noite nas imediações do-
Povo de Ipané, em 1672. Gostaram deles e, voltando ao mesmo
Povo, fizeram novo roubo levando também algumas éguas.
E' possível que os guaicurús, como refere Rodrigues do Prado,
tenham havido seus primeiros cavalos em roubos feitos aos espa-
nhóis, nos tempos iniciais da conquista, pois, «bem pode supor-se
que não houveram por permutação por terem na sua língua nomes
próprios, tendo aqueles que têm havido de nações civilizadas, con-
servado o nome próprio que têm entre as nações de quem houve-
ram.» 132) No Mato Grosso, onde têm o seu «habitat», «tornam-se
terríveis para com os outros selvagens e mesmo para os paulistas
que não saíam sem grande levada», receando encontrá-los em cam-
po limpo, pelo modo com que eram acometidos. ■ Quando os guai-
rurus os viam, ajuntavam os cavalos e bois e, cobrindo os lados, os
apertavam de sorte que, com a violência com que iam, rompiam
e atropelavam os inimigos e eles com a lança matavam quantos
encontravam por diante. Para fugir a estas arremetidas os pau-
listas se entrincheiravam nos matos, matando-os a tiros. 1 í:!)
Todos eles tinham pelo cavalo grande estima. Usavam desde
logo marcá-los, como faziam os espanhóis e não só debuxavam no
próprio corpo a marca de seus cavalos como, quando morriam, o
seu cavalo de maior estimação, em que era levado a enterrar-se,
era também morto e ali ficava junto ao corpo de seu dono. Os
minuanos do Rio Grande do Sul usavam como marca de seus ca-
valos um X encimado por um I — K ')
131) D. Feliz de Azara. Geografia Física dei Paraguay. 380.
132) Francisco Rodrigues do Prado. História dos índios cavaleiros
ou da nação guauurú. Rev. Inst. Hist. Bras. Tomo I, 22, 29, V. N. B.
133) Idem. ibidem.
134) Hostilidades dos Guenoas contra os Tapes. J1705. B. N. Mss.
I, 29, 3, 69.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 301
Foi com a introdução do cavalo na mesopotâmia argentina
que os guaicurus do Sul começaram a utilizar esse animal. A pri-
meira referência que se conhece da passagem de cavalhadas para
a banda dos charruas, a Oriente do Uruguai, nos dá o P. Pedro
Romero em sua preciosa Ânua de 1636, l35) largamente respin-
gada.
Em Janeiro de 1636, voltavam os japejuanos de uma arrea-
da de gados que haviam feito nas vacarias de Entre-Rios quando,
ao se aproximarem da margem ocidental do Uruguai encontraram
os jarós em atitude guerreira. Tinham estes índios suas tolda-
rias ao sul de Japeju, na margem ocidental do Uruguai e condu-
ziam sua cavalhada para vadear o grande rio e dar combate aos
charruas de quem eram inimigos, e que já lhes haviam morto
alguns índios de sua tribo. Os charruas, por sua vez, também
passavam cavalos para a guerra contra os jarós. Foi nessa oca-
sião que encontraram os índios japejuanos, que voltavam com
grande quantidade de vacas para seu Povo e dando sobre estes
os destroçaram, matando 40 cristãos, como fica historiado.
Preciosa indicação a dessa notícia do P. Romero. Seriam es-
tes os primeiros cavalos introduzidos na banda dos charruas, por
estes próprios índios ou pelos jarós que com esta guerra ficam
ali e têm contínuas refregas, neste território, com seus afins? Se-
gundo a cartografia antiga, nessa época, ocupavam os jarós a
faixa de terra que fica entre a margem direita do Uruguai e a
margem esquerda de seu afluente, antigo rio Malaguai (Guale-
guaichú), e os charruas o território fronteiro, na Banda Oriental
íBanda dos Charruas), O mapa de L'Isle (1703), feito de
acordo com as indicações de Techo e Ovalle, já coloca os «jarós
errantes» entre o Tibiquari e o Rio Negro, à margem esquerda
do Uruguai, território que teriam ocupado nessa entrada de 1636.
Não erraremos por muito, assim, aceitando o decénio de
1630-1640, que coincide com a introdução do gado pelos Jesuítas,
ao Norte, com as das eguadas e potros que os jarós e charruas
135) B. N. I. 29. 7, 31.
135") V. Mapa de Carrafa (1647), Mapa do Padre Luís Ernot e ou-
tros: Rio Branco, Furlong (Cartografia Jesuítica), etc.
302 AURÉLIO PORTO
trazem da velha província de Entre-Rios para o sul da Banda
Oriental. Mas, esta introdução não constituiria ainda casco de
grande propagação do equídeo, sabendo-se que esses selvagens se
alimentavam especialmente de carne de cavalo, não obstante te-
rem esse animal em grande conta como sua melhor arma de guer-
ra nos descampados do Pampa, e que o couro nas toldarias subs-
tituiu, em suas casas portáteis, as paredes e tectos que eram de
palha.
7. Origens do gado menor.
Com excepção do suíno, que tem por origem, no Prata, al-
guns casais transportados em 1535 para Buenos Aires na armada
de D. Pedro de Mendoza, o gado menor que entra na governação
do Paraguai procede do Peru, onde foi introduzido em 1548.
Foi nesse ano, com o socorro ao presidente La Gasca, em luta
com Gonçalo Pizarro, que à frente de um bando revolucionário, se
insubordinara às determinações reais, desembarcou o marechal
Alonso de Alvarado na baía de São Mateus, conduzindo cavalos,
bestas, ovelhas e cabras de procedência espanhola, os primeiros
que ali aparecem, pois, consoante cronista da época, «en aquel
tiempo aun no había en aquella comarca vacas, ovejas, ni cabras,
porque en esta sazón se comenzaban a criar.» 136)
Pouco tempo depois, procurando ligar a província do Para-
guai por comunicação directa à governação do Peru, o general Do-
mingos Martinez de Irala, que sucedera ao governador deposto
Cabeza de Vaca, promove uma entrada até aquela longínqua re-
gião, afim de auxiliar, também, no que fosse possível, o presiden-
te La Gasca. Mas, motivos de ordem administrativa, e motins
que desinquietavam Assunção, determinaram a volta de Irala à
sua capital. Como representante de seu governo seguiu para o
Peru o capitão Núfrio de Chavez, desobrigando-se dessa missão.
Em 1549, em companhia de mais 40 espanhóis que, do Peru
136) Diego Fernández. Primera parte de la Historio dei Perú.
Madrid. 1914. (Publicada pela primeira vez em Sevilha em 1571). To-
mo n, 344.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
303
se trasladavam para Assunção, voltou o capitão Núfrio de Cha-
vez, trazendo apreciável quantidade de cabras e ovelhas, as pri-
meiras que entravam no Paraguai.
Não foi fácil o transporte desse gado pela distância conside-
rável e caminhos ínvios que teve de percorrer. Refere Ruy Diaz
de Guzmán que numa noite em que estes aventureiros estavam
cercados por milhares de índios dispostos a atacá-los, começaram
a balir as cabras e ovelhas, o que lhes infundiu tal pavor que fu-
giram todos, julgando ser os espanhóis que se preparavam para
assaltá-los. E isto livrou a gente de Núfrio de sofrer o ataque dos
selvagens.
Dez anos depois, em 1569, com o bispo de la Torre, que volta
do Peru, em companhia do general Filipe de Cáceres, preposto
do adelantado João Ortiz de Zárate, novos rebanhos de gados me-
nores entram em Assunção. Pela grande proliferação das ove-
lhas e cabras, dentro de pouco tempo, Assunção se torna o empó-
rio fornecedor desse gado a todas as mais cidades que se vão fun-
dando no Prata.
Corrientes, Santa Fé, Buenos Aires, recebem daí os primeiros
sementais que são cascos originários dos grandes rebanhos lana-
res que se disseminam em seus campos, óptimos para a criação
de ovelhas. Quando o general João de Garay funda a última des-
tas cidades, em 1580, para ali transporta, além de grande quan-
tidade de gado vacum, que é distribuído pelos povoadores, outra
não menor de ovelhas e cabras. E é desta origem que procedem os
rebanhos de gado menor que os Jesuítas introduzem, por via de
Santa Maria do Uruguai, em suas reduções do Rio Grande do Sul,
em 1634, como veremos.
Preocupação constante, desde a fase inicial da fundação de
suas Missões no Paraguai, revelaram os Padres em prover os
ameríndios de roupas que, cobrindo-lhes a nudez, contribuíssem
também para resguardá-los do frio intenso que sentiam em cer-
tas regiões, obrigando-os a se manterem inactivos em épocas hi-
bernais. Encontrando entre os guaranis a cultura do algodão,
procuraram intensificá-la, dotando-a de meios racionais de desen-
136") Argentina — 91.
304
AURÉLIO PORTO
volvimento. Os próprios Jesuítas construíram os primeiros tea-
res para melhor fabrico do pano e ensinaram os índios a tecê-lo.
Foram os primeiros alfaiates e costureiros dos Povos, introduzin-
do as longas camisolas para os homens e vestidos para as mu-
lheres.
Quando em 1638 se deu a transmigração das reduções do
Uruguai e Tape, sob a pressão dos bandeirantes, grande era a
quantidade de pano de algodão tecido nas aldeias, pois, como vi-
mos, em troca de 6.000 a 7.000 vacas compradas a Manuel Bar-
bosa, de Corrientes, deram os Padres «o pano de algodão e al-
faias das reduções.»
Mas, o clima exigia agasalhos melhores. E estes só pode-
riam ser conseguidos com a nova indústria de lanifícios que os
Jesuítas procuram logo introduzir e intensificar em suas Missões.
Todas as Ânuas estão cheias de referências à introdução do
gado lanar de que formam mesmo um entreposto de aprovisiona-
mento às aldeias que vão fundando nas margens do Uruguai.
Promissores resultados lhes havia dado a cria de ovelhas nas
primeiras reduções que estabeleceram no Guairá, Paraná e ou-
tros lugares. Em sua Carta Ânua de 1615 o provincial P. Pedro
de Onate fornece um punhado de notícias interessantes sobre a
introdução do gado lanar em N. S. do Loreto, na província do
Guairá. Em 1614, havia levado para ali algum gado vacum e
ovelhum e plantado uma vinha. «E foi N. S. servido de deitar
suas bênçãos sobre tudo isto, porque se tira leite, e se fazem quei-
jos e requeijões, se colhe arroz, trigo e com o mel dos canaviais
acudimos a estes pobres.» 1S7) As ovelhas e cabras foram para
ali transportadas pelo rio, com um mês e meio de trabalhoso tra-
jecto. 188) Eram 30 cabeças, além de outras compradas em Ma-
racajú. Três anos depois, nas reduções de Loreto e Santo Iná-
cio «já havia mais de 100 vacas, 120 cabras parindo duas e mui-
tas a três; 80 ovelhas, e deram 30 crias, — bezerros, 13 ovelhas
e 9 cabras. Havia ali 150 porcos. As vacas deram manteiga e
as ovelhas e cabras leite com que se faziam queijos e com a man-
137) Documentos para la Hist. Argentina. Tomo XX. Iglesia. II. 36.
138) Idem, ibidem. II, 50.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 305
teiga se mantém a lâmpada do Santíssimo que existe na redução
de Loreto». l39)
Com o desenvolvimento desses rebanhos ia-se aproveitando a
lã para fabricação de tecidos. O mesmo se dava nas reduções
do Paraná, onde já havia regular quantidade de gado ovelhum,
levado de Assunção. Junto aos Colégios, em 1617 e anos seguin-
tes, foram estabelecidas estâncias de gado de toda a espécie, que
prosperavam a olhos vistos.
Fundadas as reduções do Uruguai e do Tape e ante a pre-
mente necessidade de socorrê-las, tratou logo o Padre Pedro Ro-
mero de promover ali a introdução do gado, não sendo de menor
importância a de cabras, ovelhas e porcos. Designou então, em
1630 mais ou menos, o P. Vicente Badia, cura da redução de los
Reyes de Japeju, para ir a Buenos Aires adquirir um lote de ove-
lhas e cabras que deveria constituir o casco desses rebanhos para
suprimento às novas reduções de ambas as margens do Uruguai.
Em companhia do P. Vicente foi o índio Jaguareça que, mais tar-
de, relatou ao P. Diogo de Salazar as dificuldades da travessia
desse gadorfe do temor que todos tinham de serem assaltados pe-
los jarós, por cujas terras, era necessário passar para atingir Ja-
pejú. Deu-lhe ânimo a fé sempre viva do P. Vicente que, nas ho-
ras de perigo, levantava-lhes a coragem ante a ameaça constante
de sacrificarem a própria vida. Deus os socorreu, e conseguiram
chegar sãos e salvos a Japejú trazendo «as ovelhas para lã des-
tes índios com que procuramos vesti-los e cobrir sua nudez.» 14°)
Duas léguas acima de Japejú, à margem do Uruguai, foi en-
contrado um posto, cuja localização e pastagem pareciam aten-
der às exigências de um entreposto de criação lanar. «Cuida de-
las (ovelhas) o Irmão Eugénio Valtodono 141) com interesse, apli-
cação e zelo destas almas e com não menor edificação dos que
vemos o que padece entre esta gente, cúja língua não sabe por
ser já velho e de muita idade e por isto lhe custa muito ter de
139) Ânua do Padre Ofiate. Iglesia. I. 148. •
140) Ânua do Padre Romero, cit. B. N. I, 29, 7, 25.
141) O Irmão Engénio Valtodono. natural da Itália, é um dos pri-
meiros Irmãos da Companhia que vai para o Paraguai, pois aí já se en-
contrava em 1609. Teria, em 1630. perto de 70 anos de idade.
306
AURÉLIO PORTO
lhes falar e ordenar o que hão de fazer; mas Deus N. Senhor, por
cujo amor o faz, lhe favorece a ajuda prosperando e multiplican-
do o seu gado. Com unicamente uns poucos de «frisoles» 142)
com água, não se preocupando com as coisas desta vida, para aju-
dar e cooperar na. salvação destes índios.» 14S)
Mas ante as. constantes ameaças do gentio, principalmente
os jarós, que acossavam os vizinhos japejuanos, resolve-se mu-
dar mais para o Norte o campo de criação de ovelhas, entre as
reduções de Conceição e Santa Maria, que se trasladara do Igua-
çu para a margem direita do Uruguai em 1633. Visitando-o mais
tarde chegou o Padre Romero à conclusão de que esse local tam-
bém não atendia às condições exigidas para o desenvolvimento
do rebanho. Só em 1635 havia este acusado já uma perda de 400
cabeças, devido aos inconvenientes da localização. Tratou, então,
de escolher novo posto a meia légua da redução de Santa Maria,
em direcção a São Xavier, sendo para aí transportadas as ove-
lhas em 4 de Abril de 1636.
E' o que informa em Ânua desta data: «Não é possível ad-
vertir-se todos os inconvenientes dos princípios, e assim, embora
tenha escrito a V. R\ (sobre) a bondade do posto das ovelhas
entre Conceição e Santa Maria onde a terra aprovou, morreram
mais de 400. Também como a estância estava entre os dois ar-
roios de Aracapiragua e Anhongui que com qualquer aguaceiro
enchiam terrivelmente, não dando passagem por alguns dias, cho-
vendo, ficava o bom Irmão Valtodono encerrado sem poder pas-
sar para assistir à missa, e nem ter o que comer, e se ela o co-
lhia em alguma redução não era possível passar à estância, e fa-
ziam os ovelheiros o que entendiam. Para evitar esse tão gran-
de inconveniente procurei um posto a meia légua da redução de
Santa Maria para São Xavier, onde actualmente estou ajudando
o Irmão a fazer os currais e amanhã, quatro deste (Abril), es-
tarão as ovelhas neles e espero com o Senhor que se acharão bem
porque o posto é apropriado e o Irmão viverá na Redução com
o P. Clavijo e terá tudo que é mister e pode acudir à estância com
142) Uma espécie de feijões indígenas.
143) Ânua referida B. N. I, 29, 7, 25.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 307
descanso. Os ovelheiros são casados aqui e como estão entre a
redução e suas chácaras, com suas mulheres, não há inconvenien-
te nem dificuldade de se lhes dar de vestir. 144)
Em nova inspecção que fez aos currais de Santa Maria, o
Superior achou que «a parição das ovelhas havia sido boa, mas
como estavam fracas devido à caminhada, elas e suas crias ha-
viam sofrido um pouco». Encontrou, nessa ocasião, 2.000 cabe-
ças de ovelhas, e que, se nesse ano aprovasse o posto escolhido,
elas teriam grande desenvolvimento. 14r>)
No ano seguinte, 1637, resolveram os Jesuítas dar maior in-
cremento aos rebanhos lanares, pois sensível era na estação in-
vernosa a falta de vestuário para os índios, devido à escassez de
lã para movimentar os teares que se haviam estabelecido em to-
das as reduções. O Superior destas, que era então o P António
Ruiz de Montoya, deu ordem ao P. Pedro de Espinosa, cura de
Caro, fosse com uma boa escolta de índios e um vaqueiro espa-
nhol, comprar um lote de ovelhas em Santa Fé. Conseguiu o
Padre reunir 1.600 cabeças e as conduzia com os maiores traba-
lhos, vadeando, em balsas, rios cheios e atravessando caminhos
quase intransponíveis quando foi pressentido por índios infiéis
guaiquirenses, ao atravessar o Paraná. Já havia pasado a me-
tade das ovelhas, 800 cabeças, e estava com os de sua comitiva
dormindo quando os infiéis cairam sobre eles de surpresa, sendo
o P. Pedro Espinosa morto a golpes de tacape. Poucos índios
conseguiram escapar ao morticínio. 14r') Ocorreu a morte em 3
de Julho de 1637, na província de Itatines, e o P. Pedro Espi-
nosa ficou no hagiológio jesuítico como o primeiro mártir do ga-
do lanar. 147 )
Foi em 1634, juntamente com o gado maior trazido pelo P.
Cristóvão de Mendoza, que se fez a introdução, nas reduções do
Uruguai, de ovelhas, cabras e porcos. Ficaram ao princípio em
São Miguel, donde foram mais tarde distribuídos pelas outras re-
144) B. N. Mss. I, 29, 7, 31.
145) Idem, ibidem.
146) Iglesia. I. 759.
147) Matias Tanner. Martírio do Padre Pedro Espinosa. 499. -V.
neste biog.
308
AURÉLIO PORTO
duções, inclusive as da Serra. Em sua Ânua de 1635 o P. Ro-
mero já faz referência a vacas e porcos que estão na redução de
Jesus-Maria, «que estão muito gordos e se vão muito bem aumen-
tando». 14S) Em Santa Teresa há grande quantidade de porcos
e 30 cabeças de cabras, que foram transportadas de São Miguel.
Em São Nicolau há um pequeno rebanho de ovelhas e ali se teve
já excelente pano.
Com a invasão dos bandeirantes e a dispersão e transmigra-
ção dos Povos para a banda ocidental do Uruguai devem ter fica-
do em toda essa vasta região alguns sementais de gado menor,
muito embora não se encontrem referências a respeito desses nú-
cleos iniciais de procriação.
Só mais tarde, com o estabelecimento das estâncias dos Po-
vos, intensifica-se a criação do gado menor, como se dirá oportu-
namente.
8. Vacarias.
O étimo «Vacaria», que fica entre os topónimos do Rio Gran-
de do Sul, assinalando uma de suas regiões, a Nordeste do Esta-
do, designou, inicialmente, o lugar em que se encontravam quan-
tidades de gado selvagem ou chimarrão. Dizia-se também da
acção de abater grandes porções de animais bovinos para o apro-
veitamento do couro, e gorduras, «fazer uma vacaria, ou vaquear.»
Ao Sul, no território da actual República Oriental do Uru-
guai, ficavam as Vacarias do Mar,, que se estendiam desde o li-
toral atlântico até o rio Uruguai. A mais antiga, formada natu-
ralmente pela dispersão geográfica do primeiro gado abandonado
pelos Jesuítas, em 1637, quando da invasão bandeirante, extrema-
va-se ao Sul pela margem esquerda do Rio Negro e direita do seu
principal afluente o rio Ji, cujas vertentes entestam com as dos
rios que entram na lagoa Mirim: ao Norte abrangeria as campa-
nhas rio-grandenses até a bacia do Jacuí, em cuja parte meridio-
nal havia bastante gado alçado. Quarenta anos mais tarde, quan-
do os índios, descoberta essa vacaria, começam a extrair dela ga-
148) Ânua, 22 Out. 1635. B. N. Mss. I, 29, 7, 28.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
309
dos para sua subsistência, e cruzam o Rio Negro, em direcção à
estância de Japejú, vão deixando por onde passam alguns milha-
res de cabeças de vacas cansadas, formando assim a vacaria do
Rio Negro que ficava entre este rio, desde suas nascentes até São
Domingos Soriano e, pelo Uruguai, rio acima até o rio Quaraí, li-
mite da estância do Povo de Reyes. 14°) São estas as vacarias
do mar, propriamente ditas. A primeira se estende mais ao Sul
pela dispersão do gado, indo até as cabeceiras do rio Santa Lu-
zia e litoral, onde baixa até Maldonado, como se constata da in-
formação de D. Manuel Lobo ao fundar, em 1680, a Colónia do
Sacramento.
Tem origem a Vacaria do Mar, como fica referido, em 400
vacas leiteiras, mansas, de cor escura, lançadas pelos Jesuítas nas
campanhas rio-grandenses, afim de evitar caíssem elas em poder
dos bandeirantes que, em 1637, assolavam a suas reduções do Ta-
pe. Trinta anos depois, um tenente de cavalos que, a mandado
de D. José Martinez de Salazar, governador do Rio da Prata, en-
trara até a margem meridional do Jacuí, encontrou aí grande
quantidade de gado que baixava pela costa desse rio. Levada a
notícia ao P. Provincial Cristóvão Altamirano, que estava em Bue-
nos Aires, informou este provirem estas vacas daquele núcleo ini-
cial que fundara a pecuária no pampa.
Em seu depoimento no «Pleito» sobre vacarias, em 1718, in-
forma o P. João de Yegros, S. J., que «viu um instrumento ori-
ginal do P. João Baptista Ferrufino, Provincial desta Província
do Paraguai do ano de 1644, e que está entre os papéis antigos
do Povo de Japejú, em que ordena ao Padre Superior dos dois rios
que faça pôr mais vacas nas taperas dos Padres missioneiros, que
estão pelas partes do mar, cujos povos levaram os mamalucos de
São Paulo, os quais ficavam na banda de Oriente, como também
já o haviam ordenado antecessores seus. Proibiu também que
149) Informe sobre el derecho que tienen nrs. índios alas Baque-
rias dei Rio Negro. B. N. Mss. I, 29, 3, 102. A documentação sobre as
vacarias, em virtude dos pleitos em que os Jesuítas contenderam com os
espanhóis, é uma das mais copiosas da Colecção de Angelis e daria ma-
terial para um estudo definitivo sobre o assunto ainda pouco conhecido,
não obstante o magnífico trabalho do Dr. E. A. Coní, cit.
310
AURÉLIO PORTO
os índios fossem tirar ditas vacas a título de serem de suas ta-
peras», afim de que se multiplicassem para bem dessas mis-
sões. lõ°) Acrescenta que as cabeças lançadas por ali diversas
vezes, por ordem dos Provinciais, se elevaram a mais de 15.000.
Durante mais de 30 anos, todos os Provinciais, com o intui-
to de aumentar esses rebanhos, embora mandando lançar novas
quantidades de gados escolhidos para que procreassem, proibi-
ram terminantemente entrassem os índios a vaquear nas partes
do mar. Foi em 1671 que o Provincial P. Tomaz de Baeza, ante
a escassez de mantimentos que havia nas reduções do Uruguai,
permitiu aos índios extraíssem, de dois em dois anos, certa quan-
tidade de vacuns, das Vacarias do Mar. Com esse propósito «en-
viou ao mar o cacique principal do Povo de São Tomé, D. Roque
Arazaí, que trouxe dali, no ano de 1671, 400 vacas «para amostra
do pano». O P. Agostinho de Aragon, que era então cura do
Povo, para melhor apreciar o gado, passou à outra banda do
Uruguai. Um ano antes, visitando, estas vacarias, aí estivera o
P. Jacinto Márquez, que assinalou o local com uma cruz, que se
conservou até 1680, e encontrada pelos primeiros índios que aí fo-
ram vaquear e pelos que foram ao cerco da Colónia do Sacra-
mento.
Nesta ocasião, o P. Márquez, tendo-se acabado as vacas com
que eram supridas as tropas espanholas e tapes, que avançaram
sobre a Colónia, com 62 vaqueiros japejuanos foi vaquear nas va-
carias dos Padres, por não haver mais gado por aquelas partes.
Foi até às cabeceiras do Santa Luiza, donde levou de 8 a 9.000
vacas, das quais muitas ficaram por aquelas partes. Quando os
índios começaram a vaquear estenderam essas vacarias, chegan-
do até São João, proximidades de São Gabriel, embocadura do Rio
Negro, e costa do Uruguai, que se encheram de gado, provenien-
te das vacas cansadas e perdidas que por ali ficaram.
O P. Pedro Jiménez, que conduzia muita quantidade de ga-
do vacum, quando voltou do avanço a São Gabriel, foi deixando
tropas de vacas pelos arroios e outros lugares próprios para a
sua multiplicação, o que fizeram também outros Padres, em di-
150) Pleito cit. B. N. Mss. I, 29, 4, 10. Vacas de S. Miguel.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 311
versas ocasiões. E é desses lançamentos de sementais bovinos
que provém a segunda Vacaria do Mar entre o Rio Negro, Uru-
guai e Quaraí. Ainda nesta, por ordem do Provincial Padre Lau-
ro Núnez, foram introduzidas 4.000 cabeças do Povo de Reyes, 10
a 12.000 de São Tomé e, em duas vezes, do Povo da Cruz, 30.000
cabeças, mais ou menos.
Na Vacaria primitiva, entre os rios Negro e Ji, até suas ca-
beceiras, lançaram, mais tarde, em 1702, os Povos de São Borja
14 a 15.000 vacas, o de São Nicolau 20.000, e o de São Miguel de
10 a 12.000 cabeças de gado.
Não obstante o conhecimento que tinham os Padres e índios
tapes da prodigiosa quantidade de gado que se multiplicara, à lei
da natureza, durante 40 anos, nessa Vacaria, somente em 1677
foi consentido, com restrições, extraíssem os missioneiros peque-
nas quantidades necessárias ao seu consumo. Os primeiros que
tiveram autorização para isto foram os de Conceição, e logo em
seguida os de São Miguel, descendentes dos tapes que foram ori-
ginários donos desse gado. Deu a permissão solicitada o Provin-
cial P. Diogo Altamirano, sendo Superior das Reduções o P. Cris-
tóvão Altamirano. Aos índios guaranis, na mesma ocasião, foi
concedida licença para entrar nas Vacarias do Mar, com o «tá-
cito consentimento dos índios tapes, de cujos antepassados foram
as primeiras vacas de ditas vacarias». ir'2) O aparte de tropas
que eram conduzidas às estâncias dos Povos, para abastecimento,
só era permitido durante dois meses em cada ano, afim de evitar
desperdício de gado.
Desconheciam completamente os espanhóis de Buenos Aires
e de Santa Fé a existência das Vacarias do Mar. A fundação da
Colónia do Sacramento, em 1680; o cerco que lhe foi posto em
1705, e guerra contra os guenoas, no mesmo ano, em que houve
necessidade de suprir de carne as tropas, revelaram-lhes a formi-
dável riqueza pastoril dessas campanhas. Refere o Irmão Bra-
zanelli, S. J., que «entrando o declarante com duas companhias
de soldados espanhóis por ordem do Sr. Governador D. Alonso
151) Informe cit. B. N. Mss. I, 29, 3, 102.
152) B. N. Mss. I, 29, 3, 103.
312
AURÉLIO PORTO
João de Valdez y Inclán pelo ano de 1704 a castigar os infiéis gue-
noas, jarós e mboanes, que haviam morto em 10 paragens as sen-
tinelas postas por S. Senhoria, aguardando e espiando os navios
dos portugueses, que vinham a dar socorro à nova colónia de São
Gabriel, nunca souberam ou atinaram o rumo destas vacarias se-
não os dois capitães, famosos vaqueiros de outras vacarias, até
que os índios lhas mostraram e conduziram a elas. lM) No ano
seguinte, por ocasião do cerco da Colónia, para suprir as tropas
espanholas que aí se encontraram e os terços de índios que lhes
foram em auxílio, gastaram-se 184.000 vacas, que foram tiradas
das campanhas próximas à Colónia, onde «havia abundância pela
multidão de gado vacum» aí existente. E isto se dava ainda ape-
sar das providências que, para evitar suprimento de carnes à Co-
lónia recém-fundada, dera o Governador D. José de Herrera em
1690, solicitando ao P. Gregório de Orozco, Provincial da Compa-
nhia, e ao Superior das Doutrinas, P. Salvador de Roxas, envias-
sem índios missioneiros que, juntamente com soldados espanhóis
«retirassem o gado que se recostava e havia nas costas de São
Gabriel e do Rio do Rosário», para o que foi mandado o P. Poli-
carpo Dufo «juntamente com o Irmão Joaquim de Zubeldia, re-
ligioso da Companhia de Jesus, os quais, com os ditos índios ta-
pes e soldados espanhóis, efectivamente retiraram dito gado le-
vando-o para mais próximo aos Povos dos ditos índios.» l54)
Correu logo notícia em Buenos Aires e Santa Fé da riqueza
pastoril da bando dos charruas, aguçando a desenfreada cobiça
dos moradores daquela governação. Devido à desordem com que
eram extraídos os gados das extensas vacarias daquelas cidades,
onde houve «muitos milhões de vacas», estavam elas quase des-
truídas, sendo que os rebanhos de Buenos Aires se haviam espa-
lhado pelas serranias que caem para o mar, e delas se tinham
apossado os índios infiéis aucais, do Chile. ir>r')
Começaram então os antigos accioneros daquelas cidades, fa-
zendo valer supostos títulos de acção sobre os gados que ficavam
153) Idem, ibidem. I, 29, 4, 10.
1541 Pleito cit. Depoimento do Padre Policarpo Dufo. Conf. dep.
Irmão Joaquim de Zubeldia. B. N. I, 29, 3, 103.
155) B. N. I, 29, 4. 10.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 313
nas terras a Oriente do Uruguai, a propor pleitos e demandas,
afim de conseguirem permissão de extrair as quantidades preci-
sas para repovoar as suas estâncias. Mas os Governadores, ini-
cialmente, como D. Bruno de Zabala e outros, em 1720, reconhe-
ceram o direito que cabia aos tapes sobre essas vacarias que pro-
vinham do casco aí lançado pelos seus antepassados. Alegava-se,
entretanto, a procedência platina dos lançamentos de Hernandá-
rias, cujos herdeiros estendiam seu domínio pela mesopotâmia
argentina.
Os santafecinos, que haviam concorrido à facção da Colónia
por várias vezes para desalojar os portugueses, já organizavam
tropas de vaqueiros para conduzir às suas estâncias grandes ar-
readas de gado alçado. O mesmo acontecia com os portenhos
que iniciavam as fainas de coureamento e extração de graxas, nos
pampas uruguaios.
Em face dessa atitude, que ameaçava despovoar as suas va-
carias, resolveram os Jesuítas entrar em um acordo com os es-
panhóis de ambas as cidades, permitindo que «cada ano tirassem
de ditas vacarias quantidades determinadas para povoar suas es-
tâncias e socorrer ditas cidades.» 156)
Um dos primeiros a obter concessão dos Jesuítas é o capitão
João de San Martin, a quem o Cabildo de Buenos Aires concede
a primeira licença «para vaquear na outra Banda», que é outor-
gada a «2 de Dezembro de 1716» para a quantidade 20.000 cabe-
ças destinadas ao abastecimento da cidade. Já então, sem licen-
ça do Cabildo, os moradores de Santa Fé, André Pintado e Vera
Mújica, que comandara o ataque contra a Colónia, nessa ocasião
com 400 santafecinos estavam recolhendo vacas na Banda Orien-
tal. 157)
Em seu magnífico trabalho o Dr. Emílio Coni nos dá um pu-
nhado de notícias extraídas de copiosa documentação que pes-
quisou sobre as actividades dos portenhos nas Vacarias do Mar.
Concede o Cabildo outras licenças para esse fim: a 17 de Dezem-
bro de 1716 obteve Miguel de Riglos concessão para povoar suas
156) Pleito citado.
157) Emilio A. Coní. Historia de las Vaquerias, cit. 46.
314
AURÉLIO PORTO
estâncias com gados daquela procedência: «Durante o ano de
1717 o Cabildo portenho concede várias licenças na outra Banda,
sendo de observar-se que todas são para recolher gado e não para
matá-lo. Ã cidade de São João de Vera, deferindo sua solicita-
ção, 6.000 cabeças (23 de Junho) ; ao Padre Prior de São Domin-
gos, de Santa Fé, para a obra da igreja, 10.000 cabeças, com proi-
bição expressa de fazer couros, sebo ou graxa, (9 de Junho) ; a
Luís Pessoa, 16.000 cabeças; a Sánchez de Lória de Marras, 20.000
cabeças, com obrigação de trazê-las a Buenos Aires (23 de Ju-
nho), e a Inácio de Torres, 20.000 cabeças para as suas estân-
cias, (11 de Abril)». 158)
Em meados do mesmo ano de 1717 calcula-se em 400 o nú-
mero de portenhos e santafecinos que estão com 2.000 cavalos
fazendo recolhidas de gado, na outra Banda. Nos anos seguintes
intensifica-se a passagem de tropas, tendo-se concedido licenças
para extracção de mais 65.000 cabeças. E, ante a premente ne-
cessidade que se faz sentir, em Buenos Aires, de carnes, resolve
o Cabildo se mande levantar mais 40 ou 50.000 reses para o abas-
tecimento da cidade. Fazendo uma consulta entre pessoas en-
tendidas «resulta que para fazer essa recolhida eram necessários
150 peões práticos de campo, 1.600 cavalos, 10 canoas, 30 peões
de Santa Fé, únicos vaqueanos dos passos dos rios. O tempo que
se empregaria na recolhida e transporte seria de sete meses e
meio, assim distribuídos: três meses para a recolhida, um mês
para levar até o Uruguai e um e meio para passá-lo, outro mês
para chegar ao Paraná e outro mês para passá-lo. 1 ■"''•')
Dando solução ao pleito entre as cidades de Buenos Aires,
Santa Fé e as Missões, em 1720, se estabelece um acordo entre
as partes litigantes. u:0) Consta dêsse acordo que «as Doutri-
nas do Paraná e do Uruguai poderiam recolher anualmente 60.000
cabeças das campanhas de São Gabriel, e a cidade de Buenos
Aires para seu abastecimento 30.000, postas em Santa Fé (Acta
de 17 de Novembro de 1722). Além disto, a cidade de Buenos
158) Idem. ibidem, 47.
159) E. A. Coní. Op. cit. 47.
160) Idem, ibidem. A documentação Jesuítica sobre o assunto faz
parte da Colecção de Angelis. B. N. Vários manuscritos.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 315
Aires poderá fazer 50.000 couros (Acta de 9 de Novembro de
1729). ,161) Santa Fé, mediante o acordo de 28 de Janeiro de
1721, poderia tirar anualmente 6.000 vacas daquelas campanhas.
«As pequenas quantidades de gado consignadas no acordo
(Concórdia que, segundo o Dr. E. Coní, deu seguramente origem
à cidade desse nome à margem do Uruguai), fazem supor que as
vacarias da Banda Oriental chegavam já a seu término e não
deviam de ser tão quantiosas, quando 10 anos apenas as haviam
reduzido a esse extremo. Uma regedor portenho 162) em sessão
de 24 de Março de 1722 diz «que os anos passados havia na outra
Banda acima de quatro milhões de vacas, pois estavam tão re-
pletas que apenas achavam pasto, e hoje mal haveria trinta mil.»
Além dos espanhóis, dos índios tapes que sob as ordens dos
Padres conduziam milhares de cabeças para fundar as suas es-
tâncias e vacaria dos Pinhais, também os portugueses da Colónia,
com o auxílio dos minuanos «e peões de Santa Fé que haviam fi-
cado em grande número por ali», 163 ) começavam as célebres ca-
çadas de gado para fazer couro e graxas, de larga exportação pela
Colónia do Sacramento, como se dirá oportunamente. Aos mi-
nuanos e peões se reúnem muitas outras «pessoas cristãs, de to-
das essas províncias, que querem viver sem Deus, sem Rei e sem
Lei», e são mais tarde os gaudérios, que dão origem aos gaúchos
do campo.
Tal foi a devastação nas Vacarias do Mar que, consoante
Coní, em 1743, extinguiam-se os gados, pois nessa data se levava
de Buenos Aires para Montevidéu a primeira tropa bovina para
abastecimento da cidade.
Foi a fase inicial dessa devastação, no primeiro decénio do
século XVIII, que deu origem à Vacaria do Rio Grande do Sul,
antiga Vacaria dos Pinhais, topónimo que subsiste, assinalando
uma vasta e rica região no Nordeste do Estado. 104 )
161) E. A. Coní. Op. cit. 48.
162) E. A. Coní, idem. Cf. depoimento D. Juan de San Martin, em
1722. B. N. Mss. I, 29. 4, 8.
163) E. A. Coní. Op. cit. que deve ser consultada para completar as
notas ligeiras deste trabalho, na parte referente às Vacarias do Mar.
164) A vacaria dos Pinhais foi primitivamente uma estância de S.
Luís. Já contava regular número de cabeças de gado em 1706, como
informa o P. Gabriel Patino — B. N. Mss. I, 29, 3, 70.
316
AURÉLIO PORTO
Quando os espanhóis iniciaram a exploração e consequente
destruição da riqueza pecuária que opulentava as campanhas do
pampa uruguaio, compreenderam logo os Jesuítas que não esta-
ria muito longe o dia em que se esgotariam completamente essas
fontes essenciais à vida das Missões. Previdentes, tendo em vis-
ta o futuro de suas Povoações, cuja manutenção dependia ex-
clusivamente do abastecimento de carnes, procuraram transpor-
tar a paragens menos acessíveis a essa devastação quase uma cen-
tena de milhar de cabeças de gado, para nuclear uma nova va-
caria que provesse, nos dias difíceis que não estavam distantes,
às necessidades alimentares dos índios.
Dessa forma, «antes que se acabassem as vacas da Vacaria
do Mar, procuraram os Padres criar uma outra vacaria da comu-
nidade, a que não pudessem (os espanhóis) alegar direito quer
sobre as terras quer sobre as vacas. Para isso descobriram umas
campanhas para Oriente, distantes 78 léguas dos Povos, com 60
e mais léguas de extensão, 165) que não pertenciam a particula-
res e sim aos antepassados dos índios, que eram os infiéis», esco-
lhendo-as para fundar «essa segunda Vacaria, que se chamou dos
Pinhais, pelos muitos pinheiros que nela havia.» ,,;,;)
Magnífica a situação para a criação intensiva de gado va-
cum, não só pela segurança que oferecia como pelos campos pas-
tosos e boas aguadas que neles se encontravam. No Compêndio
Noticioso 167 ) nos dá Roscio uma descrição desse «terreno que é
a terceira parte deste Continente e Governo do Rio Grande de
São Pedro»: «São os campos de Cima da Serra, chamados Cam-
pos da Vacaria; que é uma extensão de terreno vasto e longo,
cortado e banhado para os seus lados meridional e setentrional
com vários rios que se esgotam da parte meridional para o rio
Guaíba e da parte setentrional para o rio Uruguai. E' formado
ou levantado pelo meio com um albardão grande que se alarga
e estende até às aldeias e campos das Missões jesuítas no Uru-
guai; e fechado pelos lados meridional e oriental pela Serra e Cor-
165) Léguas de 20 ao grau, informa Cardiel.
166) Cardiel. Relación verídica, cit. B. N. Mss. -I. 5. 1, 52.
167) Francisco João Roscio. Compêndio Noticioso. Cod.. mss. iné-
dito da B. N. datado de Lisboa 21-VI-1781. Cod. I. 5. 2. 3.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 317
dilheira Geral; pelo lado setentrional com o rio Uruguai que tem
seu nascimento na mesma Cordilheira; e pelo lado ocidental pela
corda de mato que já tratei na passagem do Jacuí, quando atra-
vessa a mesma Serra». Em outro trabalho assinala Roscio que
«esse campo da Vacaria», «é de moderada altura e igualdade, ri-
sonho, limpo e de larga e agradável vista». Termina «da parte
de Oeste em uma picada no mais alto do terreno, que passando os
bosques das cabeceiras orientais do rio Jacuí e galhos meridio-
nais para o Uruguai, deixando de entremeio um campestre que
se conhece pelo nome de Campo do Meio, continua a atravessar
os citados bosques até sair ao campo limpo das cabeceiras seten-
trionais e ocidentais do sobredito Jacuí. Esta campanha preten-
dem os espanhóis apropriar aos Povos das Missões do Uruguai.
A primeira picada da parte da Vacaria tem quase duas léguas de
extensão recta, o Campo do Meio seis léguas e meia e a última
picada da parte do Oeste, ou das Missões, três léguas.» 168)
Foi nesses campos que, «das vacas que alguns Povos tinham,
que eram mansas e aquerenciadas em suas estâncias, tiraram (os
Padres) até 80.000, e, abrindo caminho primeiro por um bosque
espesso de três léguas (Mato Castelhano), e depois por outro de
cinco (Mato Português), meteram naquela parte as 80.000 reses
e as deixaram encerradas por todos os lados, para que se multi-
plicassem, esparsas por aqueles campos, que por todos os lados
estavam cercados de serras e de dilatados e espessos bosques, para
que depois fossem os Povos vaquear como iam às Vacarias do
Mar». 16íl) E para que o gado se multiplicasse «resolveram que
não se tocasse nesta invernada por oito anos, providência com que,
secundo experiência feita em outras ocasiões, se calculava chegar
168) F. J. Roscio. Ofício de Porto Alegre, 18-VIII-1797 . Arq. Nac.
Rio de Janeiro. Col. 104. Vol. 13, fls. 140. A primeira picada referida,
aberta pelos Jesuítas para introdução de gados, ficava no ponto deno-
minado mais tarde Mato Português e a segunda, além do Campo do
Meio, no Mato Castelhano. Cf. L. G. Jaeger, História da Introdução do
Gado no Rio Grande do Sul (1634), in Rev. do Inst. Hist. e Geogr. do R.
G. Sul, II trim. de 1943, Ano XXIII, n» 90, pág. 217-245, par. V.; — e
Manuel Duarte, Anais do III Congr. Sul-riogr. de Hist. e Geogr., vol. 38.
pág. 1608 ss. na tese: "Estâncias".
169) Cardiel. Relación verídica, cit.
318
AURÉLIO PORTO
a 400 ou 500.000 reses, podendo desta maneira começar a pro-
ver-se todos os Povos sem consumirem-se as vacas». 1T")
Não contavam, porém, os Jesuítas com a expansão dos la-
gunistas para o Sul, visando os campos do Rio Grande, para onde
os atraía a inumerável quantidade de gado, que se estendia pelas
suas vastas campanhas e, mais ainda, a Vacaria dos Pinhais, de
que tiveram notícia pelos minuanos amigos e pelos castelhanos
de Roque de Zória, que foram até a Laguna.
Segundo se presume das próprias declarações do capitão-mor
Frànc '^co de Brito Peixoto que, com seu pai capitão Domingos
de Brito Peixoto e seu irmão Sebastião de Brito Guerra, funda-
ram Laguna, já havia nesta vila, em 1714, «muitas variedades de
gados, como bois, cavalos, ovelhas e cabras, que produziam tanto
que hoje e já de muitos anos vêm daquele sítio todo o gado vacum
que se gasta com a maior parte de todas estas vilas do Sul, e fora
delas vão para a cidade do Rio de Janeiro continuamente muitas
embarcações de carnes salgadas, de que se provêem as tropas que
vão para o Reino e inumeráveis couros de bois para solas, pei-
xes, etc.» 171) Confirma a declaração o célebre Roteiro de Do-
mingos Filgueira que, em 1703, fez por terra a travessia da Co-
lónia do Sacramento até a Laguna: «Passado este (rio Araran-
guá) e andando meia légua se entrará pelo sertão, e na cabeceira
de uma lagoa pequena, onde se pode bem revolver o peixe, e se
pode apanhar quanto quiserem. Passada esta se acha logo rasto
de gado, e povoado, que dista do último rio três dias de jornada
andando pouco; na primeira ponta de pedra que se avistar jun-
to da praia a que chamam os morros de Santa Marta, se entrará
para dentro, e pelo rasto do gado se vai dar ao povoado e logo se
acharão cavalos e ovelhas do capitão Domingos de Brito, que é
o povoador desta terra». 172)
Descoberta a Vacaria, onde encontraram abundância de gado
manso, abriram os lagunistas «caminho para ela, embora com
muito trabalho, por aqueles ásperos bosques e serras, e metendo
170) C. Teschauer. Hist. R. G. do Sul, II, 35.
171) Memorial de Brito Peixoto. Cod. Mss. B. N. I. 1. 2. 33.
172) Domingos Filgueira. Roteiro. Inst. Hist. Bras. Nova Colónia
do Sacramento. Rio, 1900. Prol. Capistrano de Abreu. XLV.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 319
cavalos por elas, em pouco tempo acabaram com as vacas, ma-
tando-as somente pelo couro, graxa e sebo». 17 !) Pouco depois
sobem da Colónia os desbravadores do Rio Grande, tendo à fren-
te esse bandeirante insigne que foi Cristóvão Pereira de Abreu e
não só Vacaria, como todas as campanhas do Sul, até o Prata, for-
necem quantidades incalculáveis de carnes, couros, línguas, gra-
xa e sebo aos mercados de consumo da própria Metrópole Por-
tuguesa.
9. Estâncias dos Povos.
Com a introdução do gado, em 1634, e cuidados que exigiam
os primitivos e diminutos rebanhos introduzidos nas Reduções,
estabeleceram os Jesuítas pequenos currais, nas proximidades da^
aldeias, aonde os vaqueiros recolhiam, à noite, certo número de
vacuns confiados a cada um deles, evitando assim se trasmalhas-
sem ou fossem devorados pelas feras que abundavam nas matas
circunjacentes. A providência se impunha, pois as pragas de ti-
gres, acossados pela fome, invadiam muitas vezes as próprias al-
deias atacando os animais e os índios.
O aumento considerável do gado e a necessidade de pastagens
e aguadas mais acessíveis levam os vaqueiros a estender os li-
mites dos campos de criação a rincões mais afastados dos Povos,
surgindo daí a formação de estâncias limitadas, naturalmente, por
acidentes geográficos, que impossibilitassem a dispersão do gado,
como serras, rios e matos espessos.
Coube à redução de São Miguel, fundada pelo venerável Pa-
dre Cristóvão de Mendoza, e para onde este conduziu o primeiro
gado, ficar como um entreposto da pecuária incipiente das Redu-
ções, contando assim com um rebanho já apreciável quando, em
1638, foi abandonada ante a invasão dos mamalucos. Já tinha
essa redução a sua estância que se estendia entre as cabeceiras
do Vacacaí, Toropi e Santa Maria, «onde começou a se multi-
173) Cardiel. Relación verídica, -cit. Cardiel dá para a fundação
dessa vacaria o ano de 1731, mas, como vimos, em 1706, era aí a estân-
cia dos Pinhais, onde já tinha seus gados o Povo de São Luís.
História (las Missões Orientais «lo Uruguai — l.a Parte
11
320
AURÉLIO PORTO
plicar o seu gado e depois baixou ao mar», 174) constituindo a
primeira Vacaria que ali se estabeleceu, pela dispersão desses re-
banhos.
E' esta a mais antiga das estâncias conhecidas de que os
miguelistas tomam novamente posse 50 anos mais tarde, quando
volta este Povo à Banda Oriental do Uruguai.
Realizada a transmigração das populações indígenas e des-
truídas as reduções que, em pouco tempo, se transformam em ta-
peras, ante a pressão das invasões bandeirantes, o vasto territó-
rio dominado pela catequese jesuítica, no Tape e no Uruguai, tor-
na-se um verdadeiro deserto, somente visitado pelos índios infiéis
que ousam aproximar-se, em sua penetração, desses antigos nú-
cleos cirstãos. Um ou outro corregedor das Missões, situadas à
margem direita do Uruguai, notadamente de Japeju e São Tomé,
com escoltas de índios cristãos, aventuram-se a percorrer peque-
nos trechos desse território, à cata de índios fugitivos, ou para
captura de bandos isolados de paulistas, que ainda exercem suas
actividades na preia de selvagens.
Só 20 anos depois de terem abandonado a terra missioneira,
em 1657, voltam os Jesuítas a essas paragens, estabelecendo es-
tâncias para criação de gados, com o aproveitamento de rebanhos
alçados ou com novas introduções de bovinos. Ao princípio, me-
drosamente, não passam do vale do Uruguai, que é dividido entre
as Doutrinas 175) assentes na sua margem direita. Mais tarde,
com o restabelecimento dos primeiros Povos orientais, ocupam
suas estâncias e vacarias quase todo o actual território rio-gran-
dense, com exclusão apenas do trato de terra compreendido pela
bacia oriental do Taquari, se bem que, no Planalto, estendam-se
até os campos da Vacaria. Mas, mesmo dentro desse trecho, em
plena Serra, estabelecem entrepostos de aproveitamento de gran-
des ervais nativos, que exploram intensivamente, como sucede no
Alto Uruguai, desde as manchas riquíssimas dõ Nhucorá, às ca-
beceiras do Rio da Várzea, até a Serra do Erval, no Sul.
174) B. N. Limites da estância de São Miguel. Mss. I, 29, 5, 19.
175) A cédula Real de 15-VI-1654 determina que os Padres denomi-
nem Doutrinas as suas antigas Reduções.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
321
Palmilhando todas as regiões, fundando estabelecimentos pas-
toris, explorando extensos ervais, desbravam os Jesuítas os mais
recônditos rincões da terra do Rio Grande do Sul. São assim os
nomencladores de seus acidentes geográficos para os quais, ex-
cepção feita a topónimos já consagrados pelos primitivos habi-
tantes do território, dão preferentemente nomes de Santos, que
subsistem até hoje. Cada Doutrina, ou Povo, recebia doação de
uma extensa faixa de terra que dividia em estâncias de criação
de gados. Cada estância subdividia-se em postos, ou pequenas
invernadas, sob as ordens de um posteiro. Quer nas estâncias,
quer nos postos erigiam-se pequenas capelas, que se tornavam
núcleos de futuras povoações e cidades. Assim também os aci-
dentes geográficos que rebaptizam.
No pleito sobre as terras de São Francisco Xavier existe uma
carta do P. José de Tolu, que foi cura daquela redução, datada
de Tarija, 13 de Julho de 1698. Dando notícia dessas terras diz
o Padre ter feito nelas várias entradas e de uma feita «andei por
todas elas e em cada posto o chamam Santo, como Santa Rosa,
São Jorge, São Marcos, São Pedro; e a um posto, que os índios
chamavam Afiaciba, o chamei Santa Cruz: 17G) a este posto foi
o Irmão Domingos de Torres, com os índios de São Xavier para
despenhar a fronte do diabo, como o fez, porque iam muitos ín-
dios a essa paragem para falar com o demónio.» 177) De perto
de 500 topónimos, devidos ao hagiológio cristão, que existem no
Rio Grande do Sul, mais de 80 % procedem da nomenclatura de
Povos, estâncias e postos das Missões Jesuíticas, a que se devem
agregar inúmeros rios, serras, etc, cujas antigas designações fo-
ram mudadas pelos Padres, em sua penetração no território rio-
grandense.
Só 20 anos depois da transmigração das Reduções para a
margem ocidental do Uruguai, afastada já a ameaça de novas
176) Anhaciba. Formado por três cerros, na forqueia entre o Ibicui
e o Toropi. Os índios tapes o apelidam no seu idioma Afiaciba, isto é,
Cabeça do Diabo, porque Anang quer dizer diabo e ciba cabeça, eles na
composição deste nome suprimem as últimas letras, ng da primeira pa-
lovra". José Saldanha. Diário Resumido. B. N. Anais. 1938, pág. 247.
177) Tanto autoriçado de los titulos, etc. B. N. Mss. I, 29, 3, 43.
11*
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AURÉLIO PORTO
invasões paulistas, e descoberta a riqueza pecuária que opulenta-
va as campanhas do Sul, com a expansão do gado das Vacarias
do Mar, resolveram os Jesuítas atravessar o grande rio e esta-
belecer as primeiras estâncias em sua banda oriental. Alegan-
do o direito que lhes assistia por terem-se constituído, ou recebi-
do grandes levas de população tape, originária dona dessas ter-
ras, os Povos que ocupavam a margem ocidental do Uruguai, re-
quereram e obtiveram a doação das terras que ficavam no vale
desse rio, fundando aí as suas estâncias.
A primeira estância para a criação de gados que se estabele-
ceu na Banda Oriental do Uruguai é a que pertenceu à Doutrina
de São Xavier, nas terras fronteiras ao seu povo. A concessão
tem a data de 10 de Julho de 1657 e é feita por D. João Blázquez
de Valverde, Governador do Paraguai que, na ocasião, visitava
essa doutrina. Além de outras terras, à margem direita do Uru-
guai, que ficavam entre os rios Taquararé e Mbororé, declara que
<para as suas estâncias lhes dou e assinalo por terras as que há
da outra banda do rio Uruguai, que são as que estão desde o dito
rio até Ijuí acima, com todos os seus matos, entradas e saídas
que de direito lhe pertencem e mando que nenhum outro que não
for deste mencionado Povo entre nas ditas terras, etc.» 17M
Atendia assim o Governador à solicitação que em nome de seus
jurisdicionados impetrara D. Tomaz Potira, cacique principal de
São Francisco Xavier. Alegavam os índios desse povo lhes per-
tencer dito território, pois fôra aí a estância de Nheçu, onde
foram vitimados os Padres Roque, Afonso Rodriguez e João dei
Castillo, e cujos povoadores, mais tarde, temerosos da invasão
bandeirante, se haviam trasladado para São Xavier, com seu ca-
cique, D. Francisco Nongi.
Tomando posse dessas terras trataram logo os Padres de po-
voá-las de gados e de chácaras, entre cujas lavouras o P. André
Gallego plantou um canavial para fabricar açúcar. Na carta
atrás referida o P. Tolu, a quem se deve interessante mapa da
região, 179) historia a origem dessa estância. «As terras da ou-
178) Tanto autoriçado. B. N. Pleito entre S. Xavier e Concepción
t 29, 3, 43.
179) Esse mapa encontrado por nós no Arquivo Histórico do R. G.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 323
tra banda do Uruguai, onde havia um canavial que plantou o
P. André Gallego, e levou avante o P. Alonso Delgado e eu, até o
Ijuí-Guaçu, foram terras e povoação do cacique Nheçu, e se cha-
ma Nhecu retangué, em que o cacique matou ao Venerável Padre
João dei Castillo, e muitos de seus vassalos passaram a São Xa-
vier, e por isso o P. Ricardo, com licença dos Superiores, aplicou
essas terras a São Xavier sem contradizer o Povo, nem pessoa
alguma. O P. André Gallego, com José Amenda, passou para a
outra banda do Uruguai a boiada e a pôs para engordar detrás
do canavial e continuou o P. Alonso Delgado, o qual quis povoar
as terras que têm por termo o Ijuí-Guaçu e antigamente foram
povoadas e se lançaram as vacas que entraram pelos matos es-
pessos em direcção ao Uruguai; e porque os vaqueiros não tinham
então cavalgaduras e viam rastos de infiéis, as desampararam,
até que no ano 83, pedindo eu licença ao P. Tomás de Baeza,
sendo Provincial, e concedendo-m'a de boa vontade, passei à ou-
tra banda quatro mil vacas.» lsn)
O gado referido pelo P. Tolu eram 1.500 cabeças de vacum
e algumas centenas de éguas, com que se dava início à cria de
cavalos e mulas. Mas, no ano de 1659, quando a estância já flo-
rescia, e contava com casa, chácaras e uma pequena capela, deu
sobre ela um bando de infiéis iraitis, em pleno estado de selva-
geria, que trucidou alguns índios cristãos, obrigando-os a desam-
parar a estância. Por algum tempo proibiram os Padres passas-
sem os catecúmenos para a outra banda, até que um outro Pro-
vincial quis anexar essa estância às terras de outro Povo. For-
mado um pleito tiveram os de São Xavier confirmação de sua
posse por despacho do Superior P. Cristóvão Altamirano, datado
de 7 de Abril de 1663 e confirmado pelo Provincial P. Tomaz Don-
vidas em 30 de Outubro de 1685. Em 1699, o Povo de Conceição,
ao qual haviam sido concedidas as terras que ficam no Nhucorá,
onde tinha os seus ervais e estâncias, quis estender os seus limi-
do Sul serviu para identificar o local do martírio do Padre João dei Cas-
tillo, o que foi feito pelo Padre L. G. Jaeger. Conf. Os Bem-aventurados
Roque... cap. 40, pág. 310. Veja Furlong. N. 50. Cart. Mapa de los yer-
bales etc. 109 do Cat.
180) Tanto aut., referido.
324
AURÉLIO PORTO
tes até a posse de São Xavier, originando-se daí larga contenda,
constante do precioso códice Mss. já citado e de que faz parte in-
tegral o mapa do P. Tolu.
A estância de São Xavier, que compreendia uma parte con-
siderável de ervais nativos (ilex paraguayensis) , ficava entre os
rios Ijuí e Nhucorá. Havia dentro desse território três estân-
cias de gado, sendo as duas últimas entre as cabeceiras de Ijuí e
Jacuí, no hodierno município da Palmeira. Além dessas estân-
cias e a elas pertencentes havia os postos de Santa Rosa. São
Jorge, São Marcos e São Pedro, e outros cujas denominações ain-
da se encontram nessa região.
A doação das terras de Conceição, que ficam no Alto-Uru-
guai, foi feita pelo Provincial P. Tomaz Donvidas em 1685, e ini-
cialmente se destinavam à exploração de ervais, que ficavam ao
Norte da estância de São Xavier. Compreendiam o território en-
tre o rio Nhucorá e o actual Turvo, limite das terras dos tapes
com as dos ibirajaras. e abrangia o actual município da Palmei-
ra, vindo a morrer na altura do rio Conceição, limite ao Sul, des-
sas terras.
Foi no ano de 1660. mais ou menos, depois de ter sido desco-
berta a Vacaria do Mar. que os japejuanos fundaram na Banda
Oriental, em território fronteiro a seu povo. uma grande estân-
cia, que teve inicialmente por limites os rios Ibicuí, Uruguai. Qua-
raí e Ibirapuitã. Mais tarde, essa estância estendia-se até o rio
Queguai, aproveitando assim as vacas que constituíam a vaca-
ria do Rio Negro, proveniente das que eram deixadas por esses
rincões em várias ocasiões, em que o gado era levado para as es-
tâncias. A estância de Japejú foi fundada com a introdução de
40.000 vacas que para aí foram levadas e amansadas pelos índios
vaqueiros daquele povo. A esse estabelecimento deram a invo-
cação de São José, erguendo-se várias casas em que residiam os
vaqueiros e uma capela em que os Padres diziam missa. 1S1) Foi
primitivamente a porta de entrada para as Vacarias do Mar.
Prosperou grandemente essa estância, fornecendo principal-
mente gado para suprir o consumo de carne ao povo de Japejú.
181 > B. N. Mss. I, 29. 3, 51.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
325
Em 1701, como se dirá, mais pormenorizadamente, os índios gue-
noas (jarós e outros) confederados, deram sobre a estância de
Japejú, matando 40 e ferindo 80 índios cristãos, e roubando ga-
dos e cavalhadas para vendê-los aos portugueses da Colónia do
Sacramento.
Como os outros que fundaram suas estâncias de criação em
campos fronteiros a seus Povos, N. S. da Assunção, ou La Cruz,
teve sua estância de gados, denominada Itaquí, de uma pedreira
de cantaria ali existente. ls-) «Começa o limite da dita estância
desde a outra banda do Uruguai, corre até o Oriente e chega até
o Ibipita-mirim, que é o último limite de comprimento e por um
costado desde o Itaimbé que é a cabeceira do Mbutuí, vem corren-
do sempre pelo dito Mbutuí pela outra banda até entrar no Uru-
guai, dito Mbutuí, e por outro costado o arroio que chamam Ti-
beri, de cuja cabeceira corre por um campo que tem um capão,
chamado Caapé, que corre até chegar ao Ibicuiti o dito limite do
Taberi.
A posse dessas terras pelo Povo da Cruz era antiga, pois cons-
tava de uma doação feita pelo corregedor, cabildo e cacique de
Japejú, sendo cura do povo o P. João de Torres e Provincial o P.
Tomaz Donvidas, datada de 12 de Julho de 1688. Mais tarde o
Superior Simão de León resolveu tornar sem efeito essa doação.
Intentou então o Povo da Cruz um pleito para reaver sua estân-
cia, tendo ganho de causa e entrando novamente em sua posse a
27 de Janeiro de 1700. 1S4)
A estância do Itaqui, como todas as outras, recebeu grande
quantidade de cabeças de gado das Vacarias do Mar, e é a última
concedida no vale do Uruguai.
A de São Tomé inicia a penetração, que se dá com o estabe-
lecimento dos Sete Povos de Missões, cujas estâncias já se esten-
dem fora do vale do Uruguai em direcção ao litoral, povoando as-
sim quase todo o actual território rio-grandense. A estância de
São Tomé lindava a Ocidente com a da Cruz, de que se dividia
182) Itaqui, cidade à margem esquerda do Uruguai.
183) B. N. Mss. I, 29, 3. 36. O Taberi seria provàvelmente o Itu.
184) B. N. Mss. I, 29, 3, 46.
326
AURÉLIO PORTO
pelo rio Itu, afluente da margem esquerda do Ibicuí, e por este aci-
ma até o Jaguari, cujas nascentes iam se extremar com as do
Itu, fechando assim o perímetro da estância. Dentro desse terri-
tório ficariam os actuais municípios de São Francisco de Assis,
Jaguari e parte do de Santiago de Boqueirão. 18S)
Entre as estâncias de Japejú, Santo Ângelo e São Nicolau, fi-
cava a de São Borja, encaixada entre o Ibicuí, Ibirapuitã, indo
morrer no Upamoroti,, actuais divisas dos municípios de Livra-
mento e D. Pedrito, estendendo-se ao Sul até às nascentes do Rio
Negro.
A estância de Santo Ângelo era limitada pelo Ibicuí, que a
dividia da estância de São Tomé; pelo Lageado, que nasce nas
proximidades da Lagoa de Parobé, e a separava da de São Borja,
e pelo Itapevi, cujas nascentes vêm também das caídas da Lagoa
de Parobé, separando-a da estância da Conceição.
Este Povo da margem ocidental do Uruguai que tinha,^ ao
Norte, junto a São Xavier, como já vimos, uma estância, conse-
guira ao Sul do Ibicuí, a doação de outras terras para a criação
de seus gados, pois não só ficavam mais próximos das' vacarias
que se exploravam para povoá-las, como aquelas consistiam mais
em ervais nativos do que em campos de criação, sendo largamen-
te exploradas no fabrico da erva-mate de que São Xavier se tor-
nara um grande empório.
A estância da Conceição estava localizada entre as de São Mi-
guel, de que se dividia ao Norte pelo Ibicuí; as de Santo Ângelo
e São Borja a Leste e Sul; e a de São Nicolau, a Oeste, pela Serra
da Cruz.
A de São Nicolau ficava entre as de Conceição, São Borja e
São Miguel, separando-se desta última por todo o curso do Ibi-
cuí-guaçu, desde a margem esquerda do rio Jaguari até as nas-
centes do Ibicuí, na Coxilha Grande, lomba de que saem as ver-
tentes dos quatro rios: que são o Rio Negro, o Ibicuí, o Cama-
quão, e o Vacacaí-guaçu. A Oeste, dos campos de Conceição, di-
185) Furlong. Cartografia — XXIV. Mapa de las estâncias que te-
nían los pueblos misioneros al oriente dei Uruguay. Teschauer. Mapa
etnog .
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 327
vidiam-se os de São Nicolau pelas vertentes do Ibicuí pequeno,
ou Santa Maria, e das terras de São Borja pelas vertentes do Ibi-
cuí da Armada até quase atingiu às vertentes do rio Tapitanguá,
afluente do rio Negro.
A estância de São Miguel, que compreendia uma vasta ex-
tensão territorial, mais ou menos correspondente aos antigos do-
mínios da redução dessa invocação, abandonada pelos tapes em
1638, e donde, dispersando-se pelo Sul, seus gados primitivos for-
maram a Vacaria do Mar, estava encravada entre as estâncias
dos povos de São Tomé, Conceição, São Nicolau, São Lourenço,
São João e São Luís, fechando o perímetro, ao Norte, os ervais
de Santo Ângelo, que ficam entre as cabeceiras do Ijuí, Jaguari,
Toropi, e Jacuí.
Constam os limites dessa estância dos documentos de doação
de suas antigas terras, feita pelas autoridades, quando, em 1687,
o Povo de São Miguel voltou à Banda Oriental do Uruguai. «Pe-
las partes das terras de São Luís, desde as duas cruzes do Gui-
rapondi, até o Ibicuí, ou Nhaguaruí, a juntar-se com o Urubuquá.
Desde essa junção, baixando pelas cabeceiras do Guacacaí, até o
retangué 186) de São Miguel, paragem bem conhecida em que até
agora há laranjas. E daí subindo ao alto, por onde correm os li-
mites da estância de São Lourenço, seguem estas linhas até as
primeiras cabeceiras do Toropi junto às quais está a capela de
São Pedro que, por aquela parte é princípio da estância de São
Lourenço que pelo alto correm entre o Caaguaçu da Serrania e
o Ibira-iepirí, até o Jaí. 1ST) A estância de São Miguel tinha 40
léguas de largura por 20 léguas de comprimento, tendo sido po-
voada inicialmente com 40.000 vacas trazidas por um Padre e um
Irmão, acompanhados de índios vaqueiros, da Vacaria do Mar,
com a qual comunicava pela coxilha que divide as nascentes do
Ibicuí, Vacacaí, Camaquão e Rio Negro.
Em 1698, o Provincial Sebastião de Toledo, a 29 de Janeiro,
no Povo de São Tomé, faz doação de terras para as estâncias de
186) Retangué: Terra que foi, ou lugar em que existiu uma povoa-
ção, etc.
187) B. N. Mss. I, 29, 5, 19.
328
AURÉLIO PORTO
São Luís, «constante de um pedaço de terra que cai da outra
banda da Serra, caminho das Vacarias. O Caaçapá, que é um
mato bastante grande e serve de porta para ter gados ali, para
cujo fim se fez uma picada. Deste mato sai a cabeceira do Baca-
caí-guaçu, a qual cabeceira seguirá por limite até onde desemboca
o Bacacaí-guaçu ; o qual arroio Bacacaí-guaçu, se irá seguindo rio
acima para o sul até dar com o Piritiguaçu, que se seguirá para o
poente até encontrar o Monte grande, de cujo Monte sai um ar-
roio chamado Caarundi, o qual arroio, que sai do dito Monte, tem
suas vertentes no Bacacaí-mirim, o qual Bacacaí-mirim se seguirá
rio abaixo para o Norte até dar com o arroio chamado Aiaia-raiti
que desemboca nele, o qual arroio Aiaia-raiti se seguirá até sua
cabeceira principal que está para o oriente, à qual cabeceira che-
ga, sendo a única porta, porque quase se junta com a outra ca-
beceira principal do Bacacaí-guaçu, no qual se começa esta di-
visa. 188)
Mais tarde, os campos de São Luís se estendem pela parte
oriental e margem esquerda do rio Jacuí, até o rio Taquari, cos-
teando a linha dos ervais da Serra do Butucaraí, limitando-se a
Oeste com os campos da estância de São Miguel e ao Sul pelos
das de São João e São Lourenço. Foi o P. João de Yegros e o
índio Lourenço Abayebí que descobriram esses campos e os po-
voaram com gados trazidos das Vacarias do Mar. Antes, com
15 índios, no ano de 1697, abriu o Padre ali uma picada, levantou
capela e casa de estância, nas proximidades do lugar que foi São
Cosme e São Damião, entre os Vacacaís. Puseram-se ali as va-
cas que o P. Yegros, com muitos índios, quatro cantores e dois
capitães, foi buscar às Vacarias, no ano seguinte. «Foram es-
tas 42.000 vacas, contadas pelo Padre, cantores e capitães», que
o sabem muito bem pelo exercício continuado que disso têm». Em
1699, os de São Luís foram às Vacarias com 60 vaqueiros e trou-
xeram mais 20.000 vacas, e de outra vez 18.000. 1SÍ>) Em 1700
ocupou S. Luís os campos da Vacaria dos Pinhais, onde fundou
uma estância.
188) B. N. Mss. X, 29, 3, 39.
189) Informe de la eantidad y número de Baças que trajó el Padre
Juan de Yegros, personalmente. etc. B. N. Mss. I, 29, 3, 41.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 329
Para o serviço de cada tropa exigia-se grande número de
vaqueiros e animais. O P. Yegros passou nas vacarias oito me-
ses, trazendo de cada vez de 20 a 22.000 cabeças para a inver-
nada de São Luís. Levara 60 vaqueiros, 500 cavalos e 100 mulas,
fazendo várias entradas nas Vacarias do Mar. 1ÍMI) Cardiel nos
dá uma idéia desses condutos de milhares de cabeças com que
os Padres povoaram as suas grandes estâncias, menos acessíveis
à destruição que faziam nos gados das Vacarias do Mar, os es-
panhóis e portugueses da Colónia. «Vão 50 ou 60 índios com
cinco cavalos cada um. Põem eles num alto uma pequena ma-
nada de bois, ou vacas mansas, para serem vistos das selvagens
(chímarronas), e à pequena distância as rodeiam ou as acurra-
lam 30 ou 40 homens para sua guarda. Entremeadas com essas
as chimarronas seguem as mansas, fazendo-se à noite grandes
fogos em torno para que aquelas não disparem. Assim, em dois
ou três meses, conseguem pegar e trazer a seus Povos, de distân-
cias consideráveis, 6.000 ou mais cabeças». 191)
A estância de São João, estabelecida logo depois da fundação
deste povo, ficava entre os rios Vacacaí, Santa Bárbara, e cabe-
ceiras do rio Camaquão, correspondendo mais ou menos ao actual
município de São Sepé, cuja denominação recebe do afluente do
Vacacaí, em que se deu, na Guerra da Demarcação, o encontro
de que resultou a morte de José Tyaraiú, conhecido por Sepé, al-
feres real do Povo de São Miguel. Nas proximidades do serro de
São João Velho ficava o estabelecimento da antiga estância, jun-
to à qual havia uma capela dessa invocação.
A última estância referida pela documentação cartográfica
é a de São Lourenço, que ocupava duas regiões distintas. A pri-
meira estendia-se no Norte da estância de São Miguel, sendo prin-
cipais estabelecimentos as grandes fazendas de São Pedro e de
São Lucas, que ficavam além da Serra do Monte Grande, vasta
extensão territorial que atingia, ao Norte às nascentes do Jacuí,
Ijuí e Piratini. Dentro da estância de São Pedro ficavam os pos-
tos de São Miguel-Mirim, Santo Inácio, Tupãciretã, e Durasnais
1901 Invernada de S. Luís. B. N. I, 29, 3, 32.
191) J. Cardial. Relación verídica. Cod. mass. B. N. I, 5, 1, 52.
330
AURÉLIO PORTO
de São Martinho e São João. A de São Lucas ocupava parte do
actual município de São Vicente, na região do alto Ibicuí, com seus
postos de São Rafael, São Lucas e outros.
A segunda região abrangida pelas estâncias do Povo de São
Lourenço, ficava ao Sul do rio Jacuí, entre a estância de São Luís
ao Norte; ervais de São Borja, a Leste, pelo Francisquinho, aflu-
ente do Jacuí e Sutil do Camaquão; ao Sul pelo rio Camaquão e a
Oeste com a estância de São João, pelo rio Santa Bárbara. Ain-
da hoje, aí se conhece o passo de São Lourenço, no rio Jacuí, que
comunicava as estâncias de São Luís com a de São Lourenço. *0-)
Como observámos, para melhor assistência a esses campos,
que ocupavam largas extensões territoriais, estavam eles divididos
em estâncias e estas em postos, em torno dos quais se erguiam
pequenas capelas, e igrejas, algumas de relativa importância, que
deram origem a cidades e importantes povoados rio-grandenses.
Pela sua extensão e posição central, que a tornava porta de
comunicação dos Povos para as Vacarias do Mar, São Miguel teve
suas estâncias grandemente desenvolvidas. Entre estas notam-se
as de São Vicente, que entestava com a de São Lucas, com seus
postos de São Rafael, São Paulo e Eguada; São Domingos e seus
postos de São Borja, Santa Luzia, São João; Santiago e postos
de São Joaquim, São Clemente, São José Tubichá, São Diogo e
outros. Santo Agostinho, Santa Tecla e Batoví foram também
importantes estabelecimentos de criação. Santo António o Velho,
abandonada pelas contínuas incursões dos índios, que roubavam
cavalhadas e gados. Aí tinham os Jesuítas um curral de pedras
para a encerra de gados extraídos das vacarias, passando a es-
trada que seguia para as Missões pelo passo do arroio de Santo
António. 183)
O Povo de São Nicolau contava com a estância de SantAna,
junto ao Taquerembó, afluente do Ibicuí, também depredada pelos
guenoas e abandonada depois.
192) Além dos documentos manuscritos referidos no texto, consul-
tem-se os mapas da Cartografia Jesuítica, Furlong, cit. XXIV, XXXIII,
L.VTI, etc. Mapa Etnog. de Teschauer e Mapas y planos dei Virreinato
dei Plata, de José Torre Revello, VI, XIII, XIV. XVI e outros.
193) Dr. José de Saldanha. Diário Resumido, cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 331
Em seus campos ao sul do Ibicuí, tinha o Povo de São Borja,
em suas estâncias vários postos entre os quais se conhecem os
seguintes: São Camilo, São Braz, São Miguel, São Pascual, São
Damião, N. Senhora do Pilar, São Matias, São João, Jesus Naza-
reno, São Cristóvão, São Jorge, SantAna, São Borja, Santo An-
tónio e São Xavier. 1ft4)
O povo de São Tomé, nas terras do vale do Uruguai, frontei-
ras à sua missão, ocupadas há muito, tinha as estâncias de San-
to António e São Martim, às quais pertenciam os postos de São
Marcos, São Pedro, São Lucas, São Xavier, Santo Inácio, etc. i-'7')
A Santo Ângelo pertencia a estância de São Francisco Xavier,
que ficava em terras antigamente ocupadas por este povo da mar-
gem ocidental do Uruguai, com dois ou três postos.
Pertenciam ainda ao Povo de São João os postos de Santa
Maria e São João-Mirim; a estância da Conceição, com os postos
de São Francisco Solano, São João de Deus, São Domingos e San-
to António; a estância de São Miguel, com os postos de São Pe-
dro, São Fabiano, Santo Isidro, São José Tuja, São João-Mirim,
Santo Inácio, Menino Jesus e Santo António. 198)
5. Ervais dos Povos.
Segundo o sábio Bompland, citado por C. Teschauer em seu
magnífico trabalho sobre A Erva-mate na história e na actuali-
dade «a geografia da erva é tão admiràvelmente marcada
como a das preciosas árvores da quina do Peru e merece ser no-
tada. Tome-se uma régua, ponha-se uma das extremidades so-
bre a barra do Rio Grande, que leva suas águas ao oceano, e a
outra sobre a povoação de Vila Rica, no Paraguai. Em toda essa
linha se acham ervais espontâneos».
No estado do Rio Grande do Sul, essa linha, que baixa do alto
Paraguai, penetra no rio Uruguai nas alturas de Nhucorá, onde
194) Furlong. Cartog. cit.
195) Idem, ibidem.
196) Doe. sobre a Demarcação de 1783. B. N. Mss. I, 31, 35, 3, n. 30.
197) C. Teschauer. A Erva-mate, etc. Revista do Instituto Histórico
do Rio Grande do Sul. Ano VI, III e IV Tim. 1926, 580.
332 AURÉLIO PORTO ■
existem os mais extremados ervais nativos ou silvestres, de cuja
exploração nos dá notícia uma Ânua do Padre Pedro Romero, S.
J., datada de 1633, referindo-se ao índio D. Rodrigo Araçay, de-
pois capitão de São Tomé, que no ano anterior, aí estivera «hacien-
do yerba.» 19S) Tem essa linha por limite setentrional o próprio
rio Nhucorá, que entra no Uruguai na altura mais ou menos de
27" 23' lat. S. e cujas nascentes se assinalam um pouco ao Sul do
paralelo 28". Ficam dentro desses limites, extremando com o alto
Uruguai, o município de Palmeira, o mais notável celeiro da erva
rio-grandense.
Seguiam-se a esses, no prosseguimento da linha NO-SE, os
ervais da Conceição (Rincão de Nossa Senhora), que cortavam
pequena parte do antigo município de Cruz Alta, hoje compreen-
dida também pelo município de Ijuí. Mas a zona ervateira por
excelência, explorada quase um século pelos Povos de Missões,
foi a que se estende do Jacuí às nascentes do Uruguai, isto é. a
hoje compreendida pelos municípios de Nonoái, Passo Fundo e
Soledade, desde a Serra do Butucaraí até o actual município de
Erechim.
Extremava ao Sul a linha geográfica dos ervais pelas man-
chas ao Norte do rio Camaquão do Sul e Oeste da Lagoa dos Patos,
na Serra do Herval. Não obstante a sua distância de perto de
cem léguas até aí iam os ervateiros do povo de São Borja, a cuja
Redução pertenciam esses ervais.
Como vemos, essa região de erva-mate nativa corta diago-
nalmente o Estado desde a lat. de 21n 20' e a long. O. de 11 15'
até à lat. de 32" e a long. O. Rio de Janeiro de 9". As terras que
ficavam abaixo dessa linha absolutamente não tinham ervais.
Coincide ela com as terras altas do Rio Grande do Sul, principal-
mente em sua parte Norte, onde corre o planalto.
Teschauer cita Carlos Gallardo, 10í)) que nos dá a análise fí-
sica e química das terras produtoras de erva-mate que se distin-
guem por serem avermelhadas, contendo grande quantidade de
ferro :
198> Biblioteca Nacional Mss. Col. de Ângelis. I, 29, 7, 25.
199) La Industria hierbatera en Misiones. Buenos Aires. 1898.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 333
ANÁLISE FÍSICA
I Solo I Subsolo
. \ 0,11 I 0,09
.....\ '.. 78,68 ! 82,88
\. 13,54 12,98
\ I
I 4,73 1,19
I . I
ANÁLISE QUÍMICA
Solo Subsolo
Cal . v ;v,,...:
| 0,151
0,094
Ácido Fosfórico
1 0,4
0,28
Potassa
0,579
0,551
Azoto
] 0,448
1
0.168
Ferro
[ 1,79
k
5,5
O uso da erva-mate entre os índios vem de tempos imemo-
riais, de que se não pode achar notícia na vasta documentação
sobre o assunto. Quando os Jesuítas penetraram no Rio Grande
do Sul o seu uso estava generalizado não só entre os tapes, cha-
mados guaranis, como entre os silvícolas de outras origens.
Em sua Carta Ânua de 1633, precioso repositório de notícias,
nos dá o P. Pedro Romero informes interessantes sobre a mudan-
ça da redução de Santa Teresa de Ibiturú, proximidades do Rio
Uruguai para o local em que teve assento a 22 de Março de 1633,
nas cabeceiras do Jacuí, sendo a mudança realizada pelo P. Fran-
cisco Jiménez, transcrevendo na mesma comunicação a Carta Ânua
desse sacerdote. Preconizando as excelências do novo posto es-
colhido que, segundo Rego Monteiro, devia de ficar a 28° 15' de
lat. S. e a 9? 15' de long. O., isto é, nas proximidades da actual
Cal assimilável
Sílex
Argila
Húmus
334
AURÉLIO PORTO
cidade de Passo Fundo, diz o P. Romero: «Tem outra comodida-
de o sítio desta Redução, que não a faz pouco apetecível aos índios,
e é o estar junto à erva que os naturais cliamam Coguay, de que
geralmente usa toda esta nação guarani, e sem ela parece não
podem viver.» 200 J Mais tarde, repetiria o P. Nusdorffer quase
textualmente as palavras do P. Romero.
Dá-nos notícia o P. Jiménez dos sofrimentos que padeceu,
quando da mudança da Redução de Santa Teresa. E nos infor-
ma que os índios se alimentavam «dormindo e bebendo a erva».
«Os dois últimos dias, diz, estivemos sem comer e até que vendo
o pleito mal parado (e que não havia senão erva) para comer,
embora o tempo não se aplacava nem cessava de nevar e cair gra-
nizo, disse aos índios: filhos (vós deveis sustentar-vos dormindo e
bebendo a erva) eu, eu não posso sofrer a fome e tenho obriga-
ção de olhar por mim e não me deixar morrer assim, e portanto
eu me quero ir embora ainda que faça mais frio ...» Note-se que
este documento é o original e que as palavras que grifamos estão
riscadas aí, provavelmente, pelo provincial P. Diogo de Boroa, pois
nessa época a Companhia -ainda não preconizava o uso da erva.
E era natural que assim sucedesse. A erva escravizava o
índio. O benefício da erva, pelas distâncias em que ela se en-
contrava das reduções, principalmente no Paraguai, se tornava
em malefício para os pobres silvícolas. E daí as Ordenanças em
que o ouvidor Alfaro «regulou os r serviços prestados aos espa-
nhóis proibirem com graves penas, que forçassem os índios ao
benefício da erva e aos próprios índios mandou a esse serviço
durante os quatro meses do ano, de dezembro até março, inclusi-
ve» diz Teschauer. 201) Os paraguaios faziam erva nas serras
de Maracaju, com um percurso de 160 léguas: E Hernandarias
que descobriu terem os remadores de sua embarcação um saco
de erva, fê-lo queimar publicamente na praça pública de Buenos
Aires, dando ao rei notícia do sucesso em carta de 1618. «Tam-
bém tenho dado remédio às vexações que sofreram os índios da
200) Carta Anua de las Misiones dei Paraná y Uruguay dei ano 1633.
Dirigida ao Provedor P. Boroa pelo P. Pedro Romero S. J. e datada de
S. Nicolau, Maio, 16, 1634. Mss. Biblioteca Nacional. I, 29. 7, 25.
201) C. Teschauer. A Ervarmate, cit. 562.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 335
dita cidade e da província de Guairá, tirando-se de suas terras
para colherem a erva, que é uma sorte de bebida, de que algumas
vezes tenho informado a V. M., que assim colhendo-a, como car-
regando-a às costas de muitas léguas de dentro da terra por ca-
minhos ásperos até à margem do rio, eram tratados com tanta
tirania, quanta nunca se tem usado com súditos de V. M. Pois
muitos morrem nesta faina ainda infiéis; sendo portanto coisa
que merece ser proibida e em particular pelo uso mau desta bebi-
da que faz os homens viciosos e madraços, tendo inflingido muitos
castigos aos mercadores e pessoas que a venderam, até queiman-
do-lha, executando uma ordenança do licenciado D. Francisco de
Alfaro que assim o ordenou; que os ditos mercadores se tinham
queixado na audiência de Plata e esta deu provisões condenan-
do-me no valor dela. Assim conviria que V. M. enviasse cédula
em que se proiba trato tão prejudicial e de tanto dano ainda para
quem a toma; fora do estrago da vida é grande o da fazenda que
gastam para comprá-la.» 202)
O uso da erva que era, ao princípio, privativo dos índios, es-
tendeu-se, mais tarde, aos espanhóis do Paraguai. E' ainda Lo-
zano quem diz que foram um tenente-general do Paraguai e um
governador daquele bispado «que atropelando todos os respeitos,
se entregaram com tanto desenfreamento a este vício, que todo
o povo se foi atrás deles, sendo que o exemplo dos chefes arrasta
com não sei que oculta força a sua imitação. Propagou-se den-
tro de poucos anos o uso e abuso da erva, de sorte que só na ci-
dade de Assunção se consumiram 14 a 15 mil arrobas por ano
em 1620».
Quando P. Roque entrou no Rio Grande do Sul, fundando as
primeiras reduções entre os rios Ijuí-guaçu e Piratini, não havia
em esta vasta região uma só planta de erva-mate nativa. Mas
todos os seus habitantes já usavam a bebida, indo, como já vimos,
beneficiar a erva a uma distância nunca menor de vinte léguas,
que tão distantes estavam os ervais silvestres de Nhucorá e Con-
ceição, que lhes ficavam mais próximos.
202) Idem, ibidem, apud. Lozano. Historia de la Conquista dei Pa-
raguay, T. 1", cap. 89.
/
336
AURÉLIO PORTO
E' o P. José Cardiel que nos dá um informe precioso em sua
Relación verídica, 203 ) tratando da erva «tão usada como pão e
vinho na Espanha.» «Antigamente», diz, «iam nossos índios fa-
zer esta erva (assim se diz por lá) aos matos, distantes dos Po-
vos 50 e 60 léguas porque não a havia a menor distância. Os sete
da Banda Oriental do Uruguai iam por terra em carretas, os de-
mais pelos rios Uruguai e Paraná em balsas feitas de canoas,
rio acima porque não se cria rio abaixo; u não se podia ir por ter-
ra por causa das serras e montanhas intermédias. Os de terra
voltavam com os seus carros carregados depois de muitos meses.
Os de água, depois de feita a erva, a levam a ombros desde o lu-
gar onde se cria até o rio, que, em partes estava longe, e pouco
a pouco foram acabando os ervais próximos e traziam a erva de
3 e 4 léguas de distância com grande trabalho.»
A invasão dos paulistas havia determinado a mundança das
reduções primitivas para a outra banda do Uruguai, onde durante
cinquenta anos se conservaram, só voltando ao território rio-gran-
dense em 1682, sendo o primeiro dos Povos fundado o de São
Borja.
Durante todo esse tempo, não obstante o perigo da própria
vida pela contínua incursão dos tupis e da distância enorme que
tinham a percorrer, jamais deixaram os índios de se suprir de
erva nos matos nativos dessa planta, existentes em território
rio-grandense. Mas, só depois da criação dos Sete Povos é que
se sistematizou a exploração desses ervais, sendo mesmo delimi-
tadas, quer no Uruguai, quer no Jacuí, as zonas ervateiras, per-
tencentes a cada um.
Iremos encontrar nos Diários da Demarcação, e especialmen-
te no Diário Resumido do Dr. José de Saldanha, nunca assás ci-
tado, notícias referentes à localização desses ervais. A entrada
desses extensos e preciosos bosques nativos de Dex paraguayensis,
era pela estrada carroçável aberte pelos Jesuítas que, passando
pela Cruz Alta, ia até às imediações 3a. actual cidade da Soledade.
Passando o arroio dos Paus Queimados, nome que provém de uma
203) P. José Cardiel. Relación verídica de las Misiones etc. Mss.
Biblioteca Nacional. I, 5. 1, 52.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
337
grande quantidade de erva devorada pelo fogo, e que ficava na
lat. de 29" 2' 24" e na long. O. de 9" 50', começavam os grandes
matos de erva que abrangiam os municípios de Soledade, extre-
mado ao Sul pela serra de Butucaraí, Municípios de Lagoa Ver-
melha, Passo Fundo e Palmeira, até o Uruguai. Um pouco a
Oeste, limitado pelo rio Jacuizinho, na lat. de 28" 52', encontra-
va-se o primeiro posto ervateiro dessa região pertencente ao Povo
de São João: «uma pequena meia praça, formada de matos aon-
de estão cs ranchos velhos dos Ervateiros do Povo de São João,
no ano antecedente, chamado este erval de Caacorá, que quer
dizer «Curral de mato», este é o primeiro dos ervais do Povo de
São João.» 204)
Em seguida, juntos a estes estavam os ervais dos Povos de
São Lourenço, São Tomé e São Nicolau. Delimitavam-nos uma
cruz de pedra, tendo no braço de Oeste — San Tomé, no de Leste
— San Nicolau, e na parte da base voltada para o Sul — S. Lou-
renço. Os ervais deste Povo iam até ao Uruguai-tupi, que desem-
boca no Uruguai, mas foram pelos índios abandonados depois de
uma incursão dos tupis que mataram dezenas de ervateiros.
São Luís tinha seus ervais mais próximos, pois lhe perten-
ciam os da Conceição que ficavam no actual município de Ijuí;
e Santo Ângelo explorava os de Nhucorá, no Alto Uruguai. To-
caram a São Borja, que era o mais meridional dos Povos, os er-
vais do Camaquão-do-Sul, que iam morrer na Lagoa dos Patos, dis-
tante mais de cem léguas dessa Missão.
Vários pleitos entre esses Povos ocorrem pela posse dos er-
vais. Em 1742, os Juanistas e Miguelistas disputaram os ervais
da Conceição. Para solucionar a questão, o Superior dos Jesuí-
tas comissionou o P. Pedro de Cabrera, que decidiu a contenda
em favor dos índios de São João. Ficou esse perímetro assina-
lado com diversas cruzes, inclusive uma lápide em que se inscre-
vera: «Ano de 1742. Assinalaram-se estes ervais e puseram
estas cruzes de pedras com as letras que se vêem nelas, por or-
dem do P. Pedro de Cabrera, estando presente o corregedor Pe-
204) Dr. José de Saldanha. Diário Resumido, de 1783.
338
AURÉLIO PORTO
dro Chaury, o secretário Francisco Cuaracy. e outros quatro ho-
mens de ambos os povos.» 2"~)
A exploração desses ervais nativos datava de largo tempo.
Diz o demarcador D. José de Varella y Ulloa, numa controvérsia
com o Brigadeiro Sebastião X. da Veiga Cabral da Câmara, co-
missário português que «um índio, respeitável pela sua anciani-
dade testificava que no ano de 1716 os moradores do Povo de S.
João haviam feito grande colheita de erva nos matos do Jacuí».
Outras mais consideráveis se registavam nos anos de 1720 e
1737. Outros documentos de origem portuguesa confirmam a as-
serção. Foi exactamente no ano de 1716 que um índio, chegado
à Laguna, deu a Brito Peixoto a notícia de que num monte cha-
mado de Butucaraíba, os Jesuítas tinham grandes minas de pra-
ta, que conduziam em carretas para as Missões. Aprestou o ca-
pitã o-mor uma bandeira e descendo a Serra chegou até ali. E
descobriu junto ao morro grandes carreiros em que os índios che-
fiados pelos Jesuítas «com caminhos feitos de carros, e cavalga-
duras para levarem a prata para as suas aldeias», os receberam
a tiros de mosquete. Levaram os lagunistas a notícia da prata,
mas essa prata nada mais era do que a erva que ali beneficiavam
desde tempos remotos. 20,5 )
Mas, esse trabalho impunha sacrifício inacreditável de vidas
preciosas e afrouxava os laços da disciplina espiritual dos Povos,
urgindo remover os seus inconvenientes. E' quando resolvem os
Jesuítas tomar uma providência relevante afim de obviar esses
inconvenientes. Data dessa época a cultura da árvore da erva,
nas proximidades dos Povos. Não se sabe ao certo quando teve
início o plantio de sementeiras, mas podemos afirmar que foi de-
pois da mudança dos Sete Povos, isto é, de 1682 em diante. An-
tecipou essa data São Xavier, a quem pertencia, por doação do
ouvidor Blásquez de Valverde, desde 1657, a região ao Norte do
Ijuí até o Nhucorá, que era de Conceição, Povo também da mar-
gem direita do Uruguai.
205) Correspondência do Rio Grande do Sul. Demarcação de limi-
tes. Vol. XI. Biblioteca Nacional, I, 5. 4. 18. Of. 124.
206) Aurélio Porto. Regimento de Dragões do Rio Pardo. Revista
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, 1920.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
339
Cessadas com a batalha de Mbororé as incursões dos bandei-
rantes, começaram os índios de São Xavier a atravessar nova-
mente o Uruguai, estabelecendo ali grandes estâncias de gado.
Em diversas ocasiões o P. Pedro Tolú e outros passaram para o
território rio-grandense 4 mil vacas, afim de repovoá-lo. Outro
Padre, André Gallego, antes de 1660, no hodierno Cerro Pelado,
que ficava em frente à Redução de São Xavier, fez plantai' um
canavial, que mais tarde serviu para a fabricação de açúcar. Data
também dessa época o primeiro erval hortense plantado pelos Je-
suítas na Banda Oriental do Uruguai e que ficava perto do cana-»
vial. Além das referências no Tanto autoriçado, a que já fize-
mos menção, conta esse erval no mapa do Padre Tolú, com a se-
guinte inscrição: «Yerbal que plantaron los de San Xavier». Além
dos ervais do Nhucorá, entre as nascentes deste rio e as do Ijuí,
possivelmente, hoje em território do município de Palmeira, assi-
nala o mapa mais «um erval novo que estão agora fazendo erva
os da Conceição». Além desses ervais acima referidos, o mapa,
que traz a palavra Carome (proximidades de Caró) entre São Mi-
guel e São Lourenço, não menciona a existência de outra qualquer
mancha da preciosa planta. Já estão nesse mapa localizados os
Povos de São Nicolau, São Luís, faltando os de São João que foi
uma colónia de São Miguel, fundado em 1697, e o de Santo Ân-
gelo, colónia da Conceição, estabelecido, primeiramente entre os
Ijuís e que depois passou para o Norte do Ijuí-guaçu, em 1707.
Não foi sem grandes dificuldades que conseguiram os Jesuí-
tas plantar ervais nas proximidades de seus Povos. Mas, urgia
solucionar esse problema vital da economia indígena. Verdadei-
ras devastações de vidas utilíssimas faziam nos índios ervateiros
os tupis (bugres). Também a longa ausência de centenas de ca-
tecúmenos, que passavam a maior parte do ano nos ervais do
Jacuí, desfalcavam as reduções, afrouxando os laços espirituais
e contribuindo para a dissolução da família. Atendendo os Pa-
dres, diz o P. Gaspar Rodero, S. J., 20~) «a inconvenientes tão
perniciosos à conservação e aumento das suas Reduções, solicita-
207) Padre Gaspar Rodero, S. J. Vindicación de la verdad y de la
inocência perseguidas. Biblioteca Nacional. Mss. I, 29, 1, 100.
340
AURÉLIO PORTO
ram plantar em terras mais apropriadas e próximas dos seus Po-
vos, ao princípio algumas plantas tenras dessas árvores; depois,
fazendo viveiros da semente semelhante à da Erva; e embora
em muitas delas, não em todas, se conseguiu bom efeito; porém
é experiência certa que a Erva que se produz com o cultivo não
tem tanta força como a têm as árvores silvestres dos matos.»
Entretanto, é o P. José Cardiel que nos dá a mais preciosa
informação sobre o assunto «Vendo os Padres tanta perda de
tempo fora do Povo sem os socorros espirituais dele, e tanto tra-
balho dos pobres índios, se aplicaram a trazer ervais para o Povo
como hortos dele. Custou muito trabalho porque a semente in-
teira que se trazia não pegava. E' a semente do tamanho de um
grão de pimenta com uns grãosinhos dentro, rodeados de goma.
Mas se descobriu que aqueles grãozinhos limpos daquela goma,
nasciam; e transplantando as plantas muito tenras do viveiro
bem estercado a outro em maior distância de plantas, e deixan-
do-as ali fazer-se fortes, transplantadas dali ao erval e regando-as
dois ou três anos, prendiam e cresciam bem; e depois de 6 a 10
anos se podia fazer erva. E' planta muito delicada e com toda
esta indústria, cuidado e trabalho se consegue; e se fizeram er-
vais grandes em quase todos os Povos, de maneira que já não
há necessidade de os índios irem com tantos afãs aos matos.» 20S)
O Diário de Demarcación de 1752, da divisão espanhola, tra-
tando da erva-mate, consigna dados interessantes que confirmam
o informe do P. Cardiel: «Entre as Árvores frutíferas, diz, se deve
contar a erva que comumente chamam Mate no Paraguai, cujo
uso é geralmente recebido em quase toda a América, dando-lhe o
nome do vaso em que se toma: a árvore a que mais de assemelha
é o louro, cultivam-na em todos os Povos de Missões; a semente
é como um grão de pimenta; porém, para que nasçam, a casua-
lidade ensinou o modo: observaram que alguns grãos que traga-
vam as aves e expeliam inteiros nasciam por si mesmos, pelo qual
começaram a dar alguns aos meninos que, expelindo-os inteiros, e
ajudados do calor natural pegavam, que é o mesmo que atesta
Mr. Tabernier acontece com a noz moscada na Ásia. Depois de-
208) P. José Cardiel. Relación verídica, cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
341
ram em lavar a semente em água quente até que separados uns
grãosinhos angulares que encerra a primeira cobertura, deita uma
espécie de goma e fica cada grão com uma cor de um pardo claro
livre, conseguindo que nenhum deixe de nascer nesta forma, e
ainda nascidos correm perigo, pois é necessário preservá-las na
estação rigorosa até que tenham força suficiente.» 209)
Foi o Sr. Carlos Voigt, de Santa Cruz do Sul (Rio Grande do
Sul), o primeiro agricultor que conseguiu fazer largas sementei-
ras de erva-mate, em 1890. «Procure-se sobretudo obter semen-
te bem madura, ensina ele, estendendo-se para esse fim grandes
lençóis debaixo das árvores e sacudindo estas para que as vagens
caiam sobre o pano. Isto feito, para limpar a semente da massa
polposa que a envolve, colocam-se as vagens em qualquer reci-
piente onde possam ser pisadas ou machucadas por meio de um
pau. Ajunte-se depois água à espécie de papas que resulta da
operação e lave-se bem, deitando fora a substância polposa ou
mucilaginosa com as sementes que, por leves, vêm à tona dágua.
Repete-se esse processo até que a semente pesada (e boa) fique
bem limpa. Depois dessa operação terminada, misturam-se al-
guns punhados de cinza de madeira a cada quilograma (mais ou
menos) de semente, e deixam-se em repouso por algumas horas,
depois do que são novamente lavadas com água limpa, e secadas
à sombra, espalhadas, convenientemente, para que se evapore com
facilidade a água que resta da lavagem. E, assim, se obtém se-
mente capaz de germinar» 21 n)
Ainda em outro documento, é o mesmo P. Cardiel quem nos
diz que a erva do Paraguai «é planta muito delicada e de muito
trabalho no cultivo, motivo pelo qual até agora não tem havido
Espanhol algum que fizesse delas horto florestal algum, porque
ainda que há muito comércio com ela, a vão colher aos matos
muito distantes, onde se cria silvestre. Estes ervais, digo, plan-
tados e feitos hortenses com muito empenho dos missionários para
o alívio dos índios, que os há em cada Povo nas suas proximida-
209) Diário de Denmrcación de la linea divisória, etc. Cód. Mss. Bi-
blioteca Nacional, I. 1, 1, 20, pág. 217.
210) Anuário do Rio Grande do Sul. 1900-182.
342
AURÉLIO PORTO
des, a maneira de hortos dela, e são a finca principal, de cujo co-
mércio se tira tudo o que necessita o Povo.» 211)
E foi assim com tenacidade inacreditável, depois de descobrir
o modo de tornar a semente da erva germinável, que os Jesuítas
conseguiram os seus grandes ervais na região que estudamos.
Hemetério Velloso, um grande conhecedor da região dos Sete
Povos das Missões, informa que «nos municípios de Santo Ânge-
lo, Palmeira (compreendendo o distrito de Nonoái), Passo Fundo
e Soledade, uma pequena área do da Cruz Alta (o rincão de Nossa
Senhora) são os únicos lugares, onde, dentro das serranias e ca-
pões de matos, encontra-se a árvore do mate. Alguns proprietá-
rios têm conseguido arrancar e conduzir daí e plantar em suas
terras mais distanciadas pequenas árvores denominadas guachos;
isto com o fim de terem um erval próprio, em lugar onde absolu-
tamente não há essa árvore; mas desse trabalho e cuidados ainda
nenhum obteve resultados vantajosos. Seriam assim plantados os
pequenos ervais, de que há ainda restos nas ruinas de São Miguel
e de São Lourenço, mas esses mesmos insuficientes para o consu-
mo das reduções, o que prova ser a erva-mate um produto espon-
tâneo da natureza e em determinadas zonas chamadas man-
chas. 212)
Floresceram grandemente os ervais dos Povos. Davam per-
feitamente não só para suprir ao consumo local, como para ex-
portar largos sobejos. Somente, consoante Cardiel, «os Povos que
não tinham ervais hortenses vão muito longe aos silvestres, à dis-
tância de 50 a 60 léguas.» Escrevia isto o jesuíta austero em São
Borja aos 14 de Setembro de 1758.
A expulsão da Companhia e consequente modificação na vida
administrativa das Missões, veio, no entanto, afrouxar os laços
de disciplina dos índios, e atirá-los de novo à preguiça e à impre-
vidência que lhes eram características. E sem o cuidado preciso,
os ervais das Missões degeneraram, e em pouco tempo se torna-
211) Padre José Cardiel. Declaración de la verdad contra um libelo
infamatorio impreso en português, etc. Biblioteca Nacional. Mss. I, 1.
2, 43.
212) Hemetério Velloso. As Missões Orientais, P. Alegre, 1909-180.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 313
iam quase improdutivos, voltando os índios de São Miguel e de
São Lourenço,, como antigamente, aos ervais nativos do alto Ja-
cuí. E era essa a situação dos Povos, em 1783, quando se rea-
lizava a Demarcação de Limites, determinada pelo Tratado de
Santo Ildefonso, em 1777. Por essa demarcação, as terras a Orien-
te da Coxilha Grande, ficavam pertencendo a Portugual e com elas
os grandes bosques de árvores de mate, onde iam os missioneiros,
com a decadência dos ervais dos Povos, buscar a erva preciosa.
Os comissários espanhóis não se queriam conformar com a situa-
ção criada pelo Tratado e daí a larga controvérsia entre D. José
Varella y Ulloa, por parte de Espanha, e o brigadeiro Sebastião
Xavier da Veiga Cabral da Câmara, por parte de Portugal.
Respiguemos essa correspondência, que é interessante. Em
ofício de 1789 diz Cabral da Câmara, que com a expulsão dos Je-
suítas se instalou 0 beneficiamento dos ervais naquelas grandes
distâncias com prejuízo dos índios, e acrescenta que todos os Po-
vos, «estão cercados de ervais, que, posto que em grande deca-
dência e descuido pela preguiça e má administração da conjun-
tura presente, não deixam de mostrar a boa ordem com que fo-
ram plantados e em reconhecido aumento por tão dilatados anos,
e seria possível que os Jesuítas chegassem a pô-los no auge de
fertilidade, asseio e benefício em que no seu tempo se achavam,
se houvessem de refutá-los, tendo-os à porta de casa para dei-
tar mão de outros, tanto mais remotos e incómodos, não digo eu
em Missões, aonde a experiência prova o contrário, mas outra
qualquer parte, por distante que sejam. 213)
Contestando o ofício do comissário português, diz D. José
de Ulloa, em exposição datada de São João Baptista, a 16-11-1789:
«E' certo que os Regulares da Companhia plantaram alguns er-
vais nas proximidades dos Povos com o objetivo de promover a
indústria de seus habitantes, porém a mor parte dessas árvores
se perdeu e as demais se encontram em tal decadência que mal se
encontra uma que chegue à altura de três varas; por cuja ra-
213T Correspondência dos Governadores do R. G. do Sul. Bibliote-
ca Nacional. Mss. I, 5, 4, 18. Vol. XI. Off. 124.
344
AURÉLIO PORTO
zão é tão curta a utilidade que tiram os índios do Uruguai de to-
dos esses plantios que a maior colheita que fazem neles não passa
de seiscentas arrobas da erva que chamam de paus, sendo que
dos ervais de Montegrande se extraem anualmente mais de trin-
ta mil arrobas da mesma erva, com a circunstância de que esta é
de melhor qualidade e mais vantajosa para o comércio.»
CAPITULO VII
OS JESUÍTAS E A EXPANSÃO PORTUGUESA NO PRATA.
1. Primórdios da controvérsia sobre o Rio da
Prata. — 2. Rio Grande do Sul, donatária dos As-
seais. — 3. Tentativa do general João da Silva de
Souza. — 4. Expedição de Jorge Soares de Mace-
do. — 5. Colónia do Sacramento. — 6. Laguna.
1. Primórdios da controvérsia sobre o Prata.
Remontam às primeiras horas históricas do Brasil, na fase
inicial de seu povoamento, as fundas divergências em que se de-
bateram, secularmente, pela posse do Rio da Prata, as duas na-
ções peninsulares que disputavam o continente sul-americano.
O Tratado de Tordesilhas, estabelecido pelo Papa Alexandre
VI, para regular a posse das descobertas feitas na Amériea pelas
duas monarquias, «estabelecia uma linha imaginária que, pelas
dimensões das distâncias, deveria penetrar no Continente nas cer-
canias de Belém do Pará e sair em Laguna, em Santa Catarina,
cortando em recta inflexível o território brasileiro», «ficando para
Castela três quartas partes da actual área territorial, restando a
Portugal apenas uma quarta parte, nos Estados do norte e do
centro». x)
Vindo morrer, no Sul, aos 28° e Ys, mau grado a imprecisa
ciência cartográfica da época, não dava direito à Coroa lusitana
ao vastíssimo trato de terra limitado pelo grande estuário e den-
tro do qual ficavam o Rio Grande do Sul e o Uruguai. Além de
1) A. Ellis. O Bandeirismo Paulista, cit. 27.
346
AURÉLIO PORTO
procurar, por uma interpretação toda sua, ajustar às pretensões
da Côrte as linhas daquela demarcação, jogando-se à sua feição,
o que era fácil pela exiguidade de conhecimentos para fixação de
coordenadas exactas, invocava ainda Portugal a prioridade na des-
coberta e posse do Prata, pelas suas armadas.
Razão sobejava-lhe para isso. E pondo mesmo de lado a le-
tra expressa da convenção pontifícia, atentatória aos seus direi-
tos à posse daquela região, Portugual reclamava, desde o princí-
pio, junto à Corte castelhana, para dirimir a questão platina que
surgia, fosse aberto um inquérito em que se constatasse a quem
cabia a descoberta daquele rio, apontado naturalmente como limi-
te meridional das possessões das monarquias.
• A viagem de Martim Afonso, iniciada em 3 de Dezembro de
1530, no qual, reconhecendo todo o litoral, subiu o Rio da Prata,
deixando ali marcos-padrões, com as quinas portuguesas, alvoro-
çou a Corte de Castela. Acresce, ainda, ter chegado ao conheci-
mento do imperador Carlos V, cunhado de D. João III, que reina-
va em Portugal, que este monarca resolvera povoar toda a costa
do Brasil, dividindo-a em capitanias hereditárias, afim de galar-
doar os seus melhores servidores. Entrava, também, no plano
geral, a costa sul, além-Tordesilhas, ficando desrespeitada, assim,
a linha demarcadora desse Tratado.
Álvaro Mendes de Vasconcelos, embaixador de Portugal jun-
to à Castela, em 1531, encaminhava nesta Corte a defesa das
pretensões portuguesas, procurando, para melhor atingir o seu
objectivo, tocar os sentimentos nativistas da imperatriz D. Isabel,
filha de D. Manuel, mulher de Carlos V, que governava o Reino na
ausência do imperador, nessa época em Flandres. A correspon-
dência do embaixador com D. João III vem trazer preciosas ache-
gas ao assunto, precisando com minúcia a larga controvérsia di-
plomática. Na Corte de Lisboa, como embaixador de Espanha.
Lopo Furtado desenvolvia, também, forte actuação, informando
de tudo o que ali se passava.
Em carta de 4 de Outubro de 1531 o embaixador Álvaro Men-
des dá conta a El-Rei do modo por que encaminhava, junto à im-
peratriz, as negociações relativas à posse do Rio da Prata.
Querendo afastar de si a responsabilidade de uma solução
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 347
ao caso em debate, disse a imperatriz ao embaixador português
que levasse ao conhecimento do presidente do Conselho de minis-
tros a proposta de que El-Rei de Portugal o fazia intermediário.
Segundo se depreende dessa correspondência, em parte iné-
dita, não tendo chegado anteriormente as duas coroas a um acor-
do quanto à demarcação do Tratado de Tordesilhas, os monarcas
antecessores haviam combinado pertencessem as novas terras a
descobrir aos domínios que primeiro as tivesse encontrado. Ora,
o Rio da Prata fora, sem contestação, descoberto e navegado ini-
cialmente pelos portugueses, pertencendo-lhes destarte a sua so-
berania. E para constatar isso, propunha D. João III se reunisse
uma comissão que investigasse a quem cabia a prioridade no des-
cobrimento desse rio, pelo qual haviam subido as caravelas de D.
Nuno Manuel.
Reunido o Conselho de ministros, a que foi presente o conde
de Sorvo, presidente do das Antilhas, depois de examinar a ques-
tão, transmitiu à Imperatriz Regente o seu parecer. Esta, man-
dando vir à sua presença Álvaro Mendes, fê-lo ciente que era pen-
samento de seu Conselho que El-Rei, com essa proposta, lançava
mão de medidas dilatórias, afim de protelar a solução do caso.
E acrescentava que Castela apresentaria, na Corte de Lisboa, um
protesto formal contra a intromissão de Portugal nas terras que
eram do Imperador, se Martim Afonso continuasse sua derrota
até aquele rio.
Não convinha, pelas consequências que disso pudessem advir,
protesto de tal natureza, que possivelmente motivaria nova bula
papal, e o embaixador empregou todos os meios ao seu alcance
para evitá-lo. Disse, então, à Imperatriz «que os taes Requery-
mentos» entre El-Rei e o Imperador «feytos por ela e co seo con-
sentimento não podya trazer nhum bom fim», e que «co empe-
rador nem coela nunga» o monarca português uzara nem «uzava
de cautelas nem de palavras fingidas senão de tanto amor e ver-
dade como as mesmas obras o dizyao».
Acrescentava mais que no Regimento de Martim Afonso, con-
soante determinara El-Rei, havia cláusulas expressas para cercar
de «resguardos e amyzades» os vassalos da Coroa castelhana.
Ficando a sós com a Imperial Soberana, procurou Álvaro
348
AURÉLIO PORTO
Mendes apelar para os seus sentimentos de portuguesa e afecto
fraternal por D. João III, frisando, ao mesmo tempo, a falsH?^e
dos que a cercavam, «e quanto pouco amor conhecya de quantos
grandes e senhores avia em seos Reynos». Incerta também era
a volta do Imperador, exposto aos azares da guerra, e isto mais
acentuava a necessidade que ela teria do «amparo a favor d'El-
Rey e quanto lhe isto emportava ainda que se quizesse esquecer
do passado». Tudo quanto faziam os que a cercavam, levados
por interesses próprios, era com o intuito de apartarem-na do
amor de seu real irmão.
Essas razões não comoveram a mulher de Carlos V que, fria-
mente, respondeu ao embaixador pesaria tudo isso e, antes de
formular o protesto junto à Corte portuguesa, disso daria ciência
ao representante d'El-Rei.
Entrementes, já se cuidava em Castela de mandar o adelan-
tado das Canárias com forte armada ao Rio -da Prata. E mais
aguçou a vontade castelhana a notícia corrente de que Martim
Afonso mandara para Portugal ouro e prata daquele Rio, tendo
mesmo desbaratado uma frota castelhana que ali encontrara. Le-
vando ao seu real senhor essa notícia, Álvaro Mendes achou de
melhor conselho fingir se desinteressava do assunto, enquanto
aguardava novas determinações de Sua Alteza.
Em Dezembro desse ano de 1531, sem solução ainda, conti-
nuava a troca de notas sobre o assunto do Rio da Prata, pois, em
carta de 14 desse mês -)> Álvaro Mendes informava à corte de
Lisboa que Sua Majestade a Imperatriz o chamara e lhe dissera
que estava disposta a fazer o que fosse do agrado do seu real ir-
mão, e para isso «tinha acabado co estes de seo consêlho das an-
tilhas e co o cardeal que nan mandassem daquy pesoa algua fa-
zer Requerymento a vosa alteza sobre o Ryo da prata» noticia o
embaixador. Aduzira a Regente de Castela que faria escrever a
Lopo Furtado, embaixador em Portugal, recomendando-lhe que
nos negócios dessa pendência, usasse dos termos mais brandos
que pudesse.
Não obstante, afirmava a Soberana, Castela tinha, como era
2) B. N. Cód. mass. I, 4, 3. 4. fls., 378 v.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 349
notório, posse mais antiga sobre o Rio da Prata. Álvaro Mendes
fez então sentir à sua imperial interlocutora que, no Regimento
dado a Martim Afonso, muito havia El-Rei recomendado toda a
amizade com os castelhanos e que deles não tomasse, nem com
eles contendesse sobre coisa que possuíssem. Convinha, porém,
agregava o diplomata português, que a Imperatriz, por si e por
seu imperial esposo, mandasse averiguar em que tempo Dom Nuno
Manuel, por mandado de Dom Manuel, pai de D. João III e dela
própria, descobrira aquele Rio. Ficaria este sob o domínio de
quem o tivesse descoberto, até que fosse possível traçar a verda-
deira linha de demarcação entre as duas coroas.
Disse-lhe a Imperatriz fizesse chegar ao conhecimento d'El-
Rei não convir que Martim Afonso tomasse posse daquele Rio,
respondendo-lhe Álvaro Mendes que «quanto a dizerem que em
tomar martim afonso pose do ryo lhe farya ofença e lhes tomava
sua pose isto hera muy grande engano por que o ryo he tamanho
e faz tantas voltas e tam grandes que ja poderya ser que todas
tres partes dele as duas estivessem na demarcaçam de vosa alteza
e quiçá que todo ou também pelo contrario e que por iso e por
tudo martim afonso nam podya errar segundo o regymento de
vosa alteza nem poderyam achar mylhores meyos que os que vosa
alteza tinha offerecido mas independente diso escreverya a El-Rey
nese sentido».
Terminando sua carta, Álvaro Mendes insinua ao monarca
mande responder com urgência, «espantandose muyto de nao acei-
tarem os meyos e detreminaçoes que vosa alteza escreveu mos-
trandose disto mal contente».
Ainda em carta de 24 do mesmo mês insiste o embaixador
pela resposta d'El-Rei antes que Lopo Furtado apresente na Cor-
te os seus requerimentos.
Em 1535 apresentava-se em Lisboa nova armada com desti-
no às terras do Brasil. Tinha como organizadores João de Bar-
ros, o cronista das Décadas, Aires da Cunha, que seria o coman-
dante da frota, e mais Fernando Álvares de Andrade. Mais po-
derosa do que quaisquer outras anteriormente montadas, a ar-
mada de João de Barros transportava largo aparelhamento bé-
lico, contando 900 homens de armas e mais de cem cavalos. Ti-
350
AURÉLIO PORTO
nha como objectivo, realizado após, povoar a capitania que fora
doada a essa parceria, ao Nordeste do território brasileiro, e que
compreendia os actuais Estados da Paraíba e Rio Grande do Nor-
te.
Essa expedição, que largou do Tejo em Novembro de 1535,
despertou em Castela justificados alarmas, de que nos dá notícias
a correspondência do embaixador de Espanha, Luís Sarmiento,
acreditado junto à Corte de Lisboa e publicada em magnífico tra-
balho dirigido pelo historiador argentino Carlos Correa Luna. 4)
Em carta de 11 de Julho desse ano, Luís Sarmiento informa-
va ao Rei de Castela que, no ano passado, antes de que ele em-
baixador chegasse à Corte de Lisboa, o rei de Portugal doara a
«muitos naturais do Reino muita terra no Brasil, de cinquenta a
sessenta léguas a cada um, ao largo da costa marítima, e de lar-
gura o que pudesse se assenhorear para que a povoassem, indo
muita gente com esses capitães a quem o Rei fez estas mercês,
levando aparelhamento para nela viver, e não voltando até o pre-
sente».
«Agora», acrescenta Luís Sarmiento, «o tesoureiro Fernando
Soares e um que se chama João de Barros e também segundo di-
zem o conde de Castanheira fazem uma armada à sua custa, em
Lisboa, dizendo-se que levará setenta ou cem de cavalos e até
muitos peões e vai por capitão dela um que se chama de Cunha e
esta armada como se diz não pode ser sem a ajuda do sereníssimo
Rei, afirmando-se publicamente que vai ao Rio Prata, e tendo nis-
to certeza falei ao Rei e lhe disse que havia sabido que se fazia
esta armada em Lisboa e me maravilhava muito que Sua Alteza
consentisse em tal coisa principalmente sendo para ir ao Rio da
Prata que era da demarcação do Imperador meu senhor e coisa
averiguada por sua. S. A. me respondeu que estes não iam com
quatrocentas léguas ao Rio da Prata senão que também iam a um
dos estabelecimentos que ele havia fundado no Brasil e que não
consentiria que fossem a lugar que causasse prejuízo ao Impera-
3) História da Colonização Portuguesa — III. 252.
4) Archivo General de la Nación — Campana dei Brasil. Antece-
dentes coloniales. Dirigida por Carlos Correa Luna. Tomo I. (1535-1749).
Buenos Aires — 1931.
HISTÓRIA DAí> MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
351
dor, meu senhor, mas que se maravilhava como em Sevilha se
fizesse armada para enviar ao Rio da Prata, que era de sua de-
marcação, que foi primeiro descoberto por um português, e que
ele se dirigia logo a V. M. solicitando não consentisse fosse aquela
armada que se organizava em Sevilha, pois isso era em seu pre-
juízo, e eu lhe respondi que apesar de não estar bem informado,
segundo ouvira dizer e tinha por certo, que era averiguadamente
de V. M. e que se não o fosse o Imperador meu senhor não man-
daria enviar esta armada que se faz em Sevilha com D. Pedro
nem outra coisa que fosse em menor prejuízo seu». 5)
Referia-se D. João III à expedição que se aprestava em Cas-
tela e que efectivamente saiu do porto de Bonanza, em 24 de
Agosto de 1535, sob o mando de D. Pedro ffe Mendoza, com des-
tino ao Rio da Prata. Depois de dilatada viagem, cheia de peri-
pécias aportou a armada às ilhas de São Gabriel em princípios de
1536, lançando em seguida os fundamentos de Buenos Aires. Vá-
rias tentativas segundo Paul Groussac ,;) já se haviam feito no
sentido de povoar o Rio da Prata, afim de evitar tomassem os
portugueses a dianteira nesse empreendimento. Um dos primei-
ros que se propôs conquistar e povoar aquele rio, foi o comenda-
dor D. Miguel de Herrera que se dirigiu ao Conselho das Índias
impetrando essa mercê. Seguem-se-lhe o adelantado das Caná-
rias, D. Pedro Fernández de Lugo e também um regedor dessas
ilhas com idêntico propósito. Pouco depois, Diogo Garcia, com-
panheiro de João Dias de Solis, piloto português ao serviço de Es-
panha, que penetrara o Rio da Prata, era chamado à Corte onde re-
cebia algum dinheiro e ajuda de custo para informar sobre as
coisas daquela região. Em 1532 projectara-se mesmo mandar
uma frota àquele estuário, pois um tal Vilalobo era nomeado «te-
soureiro no Rio da Prata ria viagem e armada que se ia fazer».
Em 24 de Junho de 1533, Caboto, que estava em Sevilha, informa
que o adelantado das Canárias insistia ainda na organização de
uma armada para povoar o Rio da Prata. Tiveram todas essas
5) A. G. de la Nac. Camp- dei Bras. cit. I. 5.
6> Paul Groussac — Mendoza y Garay (1536-1580), 2* ed. Buenos
Aires. 1916. 45.
m
História das Missões Orientais do Uruguai — Parte 12
352
AURÉLIO PORTO
tentativas por complemento a ordem de D. Carlos V, firmada em
Toledo, concedendo a D. Pedro de Mendoza em data de 21 de Maio
de 1534 a «conquista e povoamento das terras e províncias do Rio
da Prata», ao mesmo tempo que se outorgava ao marechal Alma-
gro, igual concessão no Peru.
As insinuações do embaixador Luís Sarmiento e o temor in-
fundido na Corte espanhola de que a armada de Aires da Cunha
se destinasse ao Rio da Prata, apressaram a saída da frota de
D. Pedro de Mendoza (em Io de Setembro de 1535), que pôde as-
sim preceder a de Aires da Cunha (Novembro). Para justificar
essa urgência informava ainda Luís Sarmiento, na citada missiva:
<0 que pude entender é que esses a que S. A. repartiu essas lé-
guas no Brasil não fevavam gente de a cavalo senão gente para
povoar a terra e outras coisas para viver pacificamente; estes
vão diferentes dos outros, que levam gente de a cavalo e outra
gente de pé de guerra e muitos hão dito como ouvi que vão com
o pensamento de ir descobrindo por terra até dar pela outra parte
com o Peru», e acrescenta, «eu seria de parecer que V. M. man-
dasse que partisse a armada que está em Sevilha para o Rio da
Prata o mais depressa que se pudesse, pois a esta outra dão toda
a pressa, dizendo-se que dentro de dois meses poderá partir».
Vinte anos mais tarde não terminara ainda a contenda tra-
vada entre as duas monarquias peninsulares sobre a posse dos
territórios banhados pelo Prata. Portugal, avolumando as suas
pretensões estendia-se até Assunção, fundada em 15 de Agosto
de 1537 pelos espanhóis à margem do Paraguai.
Em 13 de Junho de 1554, em carta dirigida ao rei de Portu-
gal, Carlos V pede a esse monarca sua atenção para as instru-
ções que enviara ao embaixador Luís Sarmiento, acreditado junto
à Corte de Lisboa, relativas às reclamações sobre o Povo de As-
sunção, inequivocamente dentro dos limites da demarcação das
terras de Castela. 7)
Na mesma data, acusando a nota de Luís Sarmiento, diz o
Imperador que recebeu a relação das diligências feitas por aquele
diplomata junto aos Sereníssimos Reis, referente à armada que
7) Campana dei Brasil, cit. 6.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 353
se havia enviado ao Brasil e que tinha por capitão a António de
Loureiro, «com muitos casados para povoar na costa dela e a que
posteriormente estava para partir de que é capitão Luís de Melo
em certos navios que havia armado em que levaria mais de tre-
zentos homens, cinquenta ou sessenta a cavalo, que vão todos à
sua custa para descobrir com licença do dito Sereníssimo Rei.» E
acrescentava que apreciara as declarações do monarca português
de que «ninguém destes capitães e gente entraria nem tocaria em
coisa que tocasse à demarcação e limites do Imperador Rei, meu
Senhor.»
Quanto à observação do rei português que se dizia surpreso
por terem os castelhanos feito uma povoação em Assunção, e es-
tarem armando uma frota para descobrir e povoar terras no Rio
da Prata, mostravam-se os imperiais reinantes «maravilhados do
que lhes disseram porque como todos sabem e é coisa muito no-
tória, o Povo da Assunção, que dizem está povoado na província
que dizem do Rio da Prata, que, ademais de cair com muitas lé-
guas dentro da demarcação de Sua Majestade e há mais de qua-
renta anos que foi descoberto por capitães de Sua Majestade e
povoado muitos anos, há posto por eles na província do Rio da
Prata, e assim têm sido providos muitos governadores e agora o
está povoado o dito povo de mais de seiscentos vizinhos. . . etc.» 8)
Em 1555, segundo documento que encontrámos na Biblioteca
Nacional, queixava-se ainda a princesa regente de Castela a seu
irmão D. João III dos maus tratamentos que, na costa do Brasil,
os vassalos do Sereníssimo Rei inflingiam aos súditos castelhanos
que iam para o Rio da Prata: «Dom Carlos, pela divina clemên-
cia Imperador sempre Augusto Rei da Alemanha, de Castela, de
Leão, de Aragão, das duas Sicílias, de Jerusalém, etc. etc. Sere-
níssimo Mui Alto e Mui Poderoso Rei de Portugal nosso caro e
mui amado irmão e primo: Nós escrevemos a Luís Sarmiento de
Mendoza, nosso Embaixador nessa Corte que de nossa parte vos
informe dos maus tratos e opressões que vosso Governador e ou-
tras Justiças da costa do Brasil têm feito e fazem a nossos súbdi-
tos que vão e vêm com nossa licença ao Rio da Prata, afectuosa-
8) Campana dei Brasil, cit.
12*
354
AURÉLIO PORTO
mente vos rogamos que, dando-lhe inteira fé e crença, os man-
deis prover e remediar como Nós o mandaríamos nos casos de
Vossa parte em semelhantes casos se nos requeressem. / Serenís-
simo mui alto e mui poderoso Rei nosso mui caro e muito amado
irmão e primo. Nosso Senhor seja em Vossa contínua guarda /
Valhadolide a vinte e quatro dias do mês de Novembro de mil e
quinhentos e cinquenta e cinco anos. — A Princesa. — D. João
de Samana.» 9)
2. Rio Grande do Sul — Donatária dos Assecas.
Muito deve o Brasil à família Correia de Sá, cujo nome está
intimamente ligado a fastos memoráveis da sua história. O Rio
Grande, também, onde se perpetua a acção expansionista de Sal-
vador Correia de Sá e Benevides, cujo esforço no sentido de esten-
der o povoamento até o Rio da Prata, ressalta de todos os seus
actos, deve colocá-lo no lugar que lhe compete, resgatando, assim,
a dívida criada para com o ilustre brasileiro na conspiração de si-
lêncio de nossos historiadores.
Nasceu Salvador Correia de Sá e Benevides no Rio de Janei-
ro, em 1594, sendo baptizado na Sé Velha, hoje freguesia de São
Sebastião. Era filho de Martim Correia de Sá, que governou a
capitania do Rio de Janeiro, e de sua mulher Maria de Benevides,
e descendente dessa ilustre família, cujo nome está vinculado à
história do Brasil, por serviços relevantes. 9»)
Passando a infância em companhia de seu pai, entrou para
o serviço público em 1612, em que foi designado para conduzir um
comboio de 30 navios que, sem serem acossados pelos piratas, pas-
saram de Pernambuco a Portugal. Voltando ao Rio, levantou, na
capitania de São Vicente, 300 homens que, em três canoas de
guerra e duas caravelas, levou, em princípios de 1625, para au-
xiliar a armada que, em 24 de Novembro do ano antecedente, saí-
ra de Lisboa para expulsar os holandeses da Baía. Em Espíri-
9) Biblioteca Nacional. Cod. mss. I, 4, 3, 4. fls. 349, v.
9*) Sobre a pessoa e actividade de Salvador Correia dé Sá e Be-
nevides, veja Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil,
VI, 272 e 273. (L. G. J.) .
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 355
to Santo, onde aportaram, encontrou Salvador três naus holan-
desas que andavam a corso e aí procuravam saquear a povoação.
Sem serem pressentidos, Salvador e seus companheiros caíram so-
bre os inimigos, rechaçando-os e fazendo-os reembarcar com o
que lhes frustrou o intento. Chegando à Baía, contribuiu po-
derosamente para a restauração dessa praça em I'1 de Maio de
1626. Estava em Lisboa, quando recebeu notícia do falecimento
de seu pai, ocorrido no Brasil, em 10 de Agosto de 1632.
Em 1634 é Salvador Correia nomeado Almirante do Mar do
Sul, recebendo ordem de ir ao Paraguai, a fim de combater os
rebeldes. Em rudes refregas, desbaratou os Calequis, prendendo
o seu cacique D. Pedro Champuí, • que havia mais de trinta anos
fazia guerra aos espanhóis. Com a batalha de Palingarta, em
1635, ganha por Salvador, ficou também pacificada a província
de Tucumã. Nesses combates recebeu o Almirante do Mar do
Sul doze ferimentos de flecha.
Por esses serviços teve a mercê de ser nomeado Capitão-Mor
e Governador do Rio de Janeiro, por patente de 21 de Fevereiro
de 1637. Por ocasião das lutas de que foi teatro S. Paulo entre
Paulistas e Jesuítas, por motivo do cativeiro dos índios que deram
motivo à expulsão daqueles Padres de Piratininga procurou Sal-
vador intervir no sentido de harmonizar as partes, nada porém
conseguindo, tal a exacerbação dos ânimos. Agiu, no entanto, de
forma que não se reproduzissem no Rio de Janeiro os mesmos
dissídios.
Nomeado, em seguida, Governador Geral e Administrador da
Repartição do Sul, que compreendia desde a capitania do Espírito
Santo até o extremo Sul, bem como para inspeccionar e lavrar
as minas descobertas pelos Paulistas, aproveitou Salvador a opor-
tunidade para ir àquela capitania, procurando também ver se con-
ciliava os Jesuítas com os Paulistas. Entregando o governo do
Rio de Janeiro ao seu tio Duarte Correia Vasqueanes, partiu para
Santos, não podendo entrar em São Paulo por terem os ousados
bandeirantes trancado os caminhos, para evitar que ele subisse
à sua capital.
Procurou o Governador suasòriamente demover os Paulistas
de seuí-lntento, escrevendo-lhes várias cartas em que prometia Ian-
356
AURÉLIO PORTO
çar um véu sobre o passado, e oferecendo-lhes certas vantagens
que, aceitas, contribuiriam para pacificar São Paulo.
Em 26 de Março de 1654 foi nomeado General da frota que de-
via escoltar e proteger os navios de comércio do Brasil. Designa-
do para dirigir a exploração das minas, em 8 de Junho do mesmo
ano, lhe foram feitas honrosas promessas que adiante assinalare-
mos. Foi também nomeado Deputado ao Conselho Ultramarino.
Reputou, porém, como mais importante dessas incumbências a de
general da frota, fazendo três viagens a Portugal, numa das quais,
chegando com 37 velas ao Recife, em 12 de Agosto de 1645, deixou
considerável socorro em Tamandaré, o que muito contribuiu para
a vitória de João Fernandes Vieira, na expulsão dos holandeses de
Pernambuco.
Ao mesmo tempo que era seu nome lembrado para socorrer
Angola, ameaçada pelos holandeses, foi nomeado Governador de
três capitanias da Repartição do Sul. Agindo com presteza con-
seguiu de donativo oitenta mil cruzados com que aparelhou uma
frota de dez navios, munições, etc. e com 900 homens de tropa de
desembarque saiu do porto do Rio de Janeiro em 19 de Maio de
1645, com destino a Quicombo, onde, apesar de não haver ainda
guerra declarada contra os holandeses, resolveu atacá-los, intiman-
do-os a abandonar a praça. Depois de uma luta memorável pela
notória bravura das tropas e, especialmente, a de seu general, os
holandeses capitularam em 15 de Agosto de 1648. Em seguida
acometeu o rei do Congo, assaltando as terras de 14 sobas, que
tinham sido inimigos dos portugueses. Em Angola se demorou três
anos, como Governador.
Voltando ao Rio de Janeiro com larga cópia de escravaria afri-
cana supriu com ela a falta de braços indígenas que havia em suas
terras dos campos de Goitacazes, onde fundou em 1625 o templo
de São Salvador. 10) Em 17 de Setembro de 1658 foi nomeado por
carta patente governador da Repartição do Sul, ora desmembra-
da, e constituindo um governo independente do da Baía. Voltan-
10) Para conhecer mais detalhadamente a acção de Salvador Cor-
reia, nos Campos de Goitacazes, em cuja donatária, como veremos, foi
sucedido por um filho, o Visconde de Asseca e netos, veja-se o magnifico
trabalho do Dr. Alberto Lamego. A Terra Goytacá, 1* vol.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 357
do ao Rio de Janeiro, de cujo governo tomou posse no ano seguin-
te, encontrou exaustos os cofres públicos, propondo a criação de
novos tributos. Isto descontentou profundamente o povo. Seguin-
do para São Paulo, em 11 de Outubro de 1660, confiou o governo a
seu primo Tomé Correia de Alvarenga. Aproveitando a sua ausên-
sia, o povo do Rio de Janeiro se rebelou, depondo o encarregado do
governo da capitania, e substituindo-o por Agostinho Barbalho de
Bezerra. Pôs fim à agitação o desembargador sindicante António
Nabo Peçanha, que viera da Baía, e pôde então, depois de alguns
contratempos, retomar Salvador o govêrno da capitania, em Abril
de 1661, até que o entregou a seu sucessor, nomeado em 1" de Ju-
lho.
Foram, no entanto, esquecidos os seus serviços, e em recom-
pensa deles logrou unicamente que a seu filho Martim Correia de
Sá fosse feita mercê do título de Visconde da Ponte de Asseca. In-
do para Portugal, Salvador Correia viu-se envolvido nos sucessos
políticos do reino, que deram em resultado a deposição de D. Afon-
so VI, em 1667. Procurando o monarca se aconselhar com o velho
general este lhe sugeriu agisse com a energia que o momento re-
clamava. Isto lhe acarretou fundos dissabores, pois, perseguido,
preso e sentenciado a dez anos de degredo nessa mesma África
que reconquistara para Portugal, Salvador curtiu horas amar-
gas. Por influência do filho, e mesmo talvez dos Jesuítas a quem
protegera, conseguiu o velho soldado ter, em Lisboa, por mena-
gem o seu próprio palácio.
Entrementes morre o seu filho, o Visconde de Asseca e, fi-
cando na orfandade os netos, conseguiu Salvador a sua liberdade,
tendo de novo assento no Conselho Ultramarino, de que era mem-
bro.
Depois de uma vida agitada faleceu esse brasileiro ilustre,
com 94 anos, em 1° de Janeiro de 1688, sendo sepultado na sacris-
tia do Convento fronteiro ao seu palácio de N. S. dos Remédios
dos Carmelitas descalços, em Lisboa. Foi l9 Alcaide-mor do Rio
de Janeiro, Fidalgo da Casa Real, Comendador de São Salvador da
Alagoa e de São João de Cássia, na ordem de Cristo. 11 )
11) Franc. Adolfo Varnhagen, Biografia de Salvador Correia de
Bá e Benevides. Rev. I. H. B. III. 1841.
358
AURÉLIO PORTO
Dos seus serviços, que foram inúmeros no povoamento do Sul
do Brasil e do esforço que fez para alargar os domínios portugue-
ses até o Rio da Prata, diremos no seguimento deste estudo.
Na primitiva distribuição das capitanias gerais, não quis a
Coroa Portuguesa, embora houvesse pretendido, estender além da
linha de Tordesilhas, ao Sul, as respectivas doações, não obstante
afirmar a precedência no descobrimento do Rio da Prata.
Esse largo trato de terra ficou completamente à mercê dos
espanhóis durante um século, sem que para ele se voltassem as
vistas lusitanas. Puderam, assim, acossados pelos bandeirantes,
que os iam expulsando gradativamente para o Sul, os Padres da
Companhia de Jesus estender as suas aldeias até o coração do Rio
Grande. Repelidos daí mesmo, ainda pelos bandeirantes, como fica
historiado, 12) abre-se de novo um largo hiato no povoamento do
Sul.
A epopéia das bandeiras vem despertar, novamente, idéias de
sustar o avanço castelhano no Rio da Prata e, mais ainda, um ou-
sado projecto de ocupação, com o sofisma de «abrir comércio com
Buenos Aires», precioso documento da época, que o Inventário da
Torre do Tombo nos revela. 13)
Em data de 21 de Outubro de 1643, dando a El-Rei as infor-
mações pedidas «sobre o modo de abrir o comércio com Buenos
Aires». Salvador Correia de Sá, que tinha vastos conhecimentos
daquela região, como comandante das Frotas do Brasil, sugere se
erguesse uma fortaleza nas imediações de Buenos Aires. Para
esse fim organizar-se-ia uma frota de pequenos navios, nos quais,
no Rio e em São Vicente, embarcariam de 500 a 600 homens, agre-
gando-se-lhes os índios que fosse possível. Aos chefes se pro-
meteriam mercês e tenças, a fim de estimular o seu zelo. Esses
navios levariam duas chalupas e, chegando ao porto, que não tem
defesa, se trataria de fazer uma fortaleza na Chacarilha de D. Ca-
terina, sítio assim chamado e donde se senhoreia a cidade e o Ria-
chuelo, que é a passagem onde estão os navios. Tudo isso seria
levado a efeito sem incomodar os moradores, nem tão pouco con-
12 > No capítulo quarto deste volume.
13) B. N. Anais XXXIX — 28.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 359
sentir que se mudem dali com suas famílias, «mas se quiserem ir
comerciar, dar-lhes lugar para o fazer, manifestando-lhes que só
se trata de segurança para os nossos navios.»
A fortaleza, que deveria ser logo erguida, receberia tijolos do
Rio e cal de São Vicente, e seria artilhada com peças levadas do
Rio, da Baía e da Ilha Terceira, onde existiam algumas sem uti-
lidade. Mas, era preciso evitar que os castelhanos recebessem
socorros por terra e, nesse caso, alvitrava: Também será de
efeito mandar V. M. licença aos moradores de S. Paulo para que,
pelo sertão, vão sobre o Paraguai, porque é a parte de onde pode
descer pelo rio abaixo mais socorro aos moradores de Buenos Ai-
res e divertidos em seu primeiro lugar o não terão de socorrer a
outro: suposto que se essa gente for por este caminho há de tra-
tar de trazer os índios que estão nas aldeias, que a ser com dife-
rente título do que costumam, não fora de tanto prejuízo como
o com que os trazem, vendem e compram». Lembrava mais que
o Capitão-Mor dessa gente deveria ser eleito pelo próprio povo de
São Paulo, a fim de evitar inveja e dissídios. 14)
O autor da informação é o mesmo Salvador Correia de Sá e
Benevides que, quatorze anos mais tarde, em 1657, recebe a mer-
cê de uma capitania, cujos limites ultrapassavam já o paralelo
de 28", e se estenderia até à boca do Rio da Prata, se a metade
das cem léguas requeridas não pudessem ser localizadas ao Norte
da Ilha de Santa Catarina.
A Coroa Portuguesa que, na distribuição geral das capitanias,
temerosa de avançar para o Sul a fim de não dar razão de queixa
aos castelhanos, não havia contemplado as terras que se esten-
diam até o Rio da Prata, fazendo delas mercê aos seus servidores,
já mais afoita se mostra e, no ano seguinte, 1658, em Outubro,
defere o pedido da viúva e filhos do ex-Governador do Rio de
Janeiro, tio de Salvador Correia, concedendo-lhes largas sesma-
rias. «Uma de 10 léguas de sesmaria por costa desde a barra do
Paranaguá para o Sul e pelo sertão até entestar com a demarca-
ção dos castelhanos; no caso das terras já estarem concedidas
correriam da última demarcação para diante; a outra era de trin-
14) Biblioteca Nacional — An. cit. XXXIX — 28.
360
AURÉLIO PORTO
ta léguas por costa, começando onde acabavam as das capitanias
dos Condes Monsanto e Vimeiro para o Sul, confrontando no ser-
tão com os castelhanos». ir>)
Lucas Boiteux, com muito fundamento, atribui o povoamento
da Ilha de Santa Catarina e o da Laguna às insinuações de Sal-
vador Correia de Sá e aos capitães. Francisco Dias Velho e Domin-
gos de Brito Peixoto, que o Governador da Repartição do Sul co-
nhecera em suas repetidas viagens a Santos.
Diz o Visconde de São Leopoldo que é incontestável jamais
ter o Rio Grande do Sul pertencido a donatário. Até seus lindes
não haviam chegado as 80 léguas de costa, doadas a Pero Lopes
de Sousa, que findavam, mais ou menos, no Rio de S. Francisco do
Sul, nem tão pouco as largas sesmarias de que o príncipe D. Pe-
dro fizera mercê ao Visconde de Asseca e a seu irmão João Cor-
reia de Sá. E acrescenta que «não era natural apetecerem terras
desconhecidas que um marítimo ouriçado de alfaques tinha im-
pedido de ali surgirem os mais intrépidos navegantes; sobretudo
experientes do êxito ruinoso de tais empresas, ainda em outras
donatárias, com boníssimos portos, de fácil embocadura e abri-
gados de vendavais». 16)
Outra alta autoridade da história nacional, o Visconde de
Porto Seguro que, naturalmente, como pesquisador insigne teria
compulsado a documentação existente na Torre do Tombo, con-
testa a veracidade dos documentos referentes à doação das capi-
tanias do Visconde de Asseca, de 30 léguas de terra, que finda-
riam na boca do Rio da Prata. 1T)
Documentos modernamente exumados do Arquivo da Mari-
nha e Ultramar, de Lisboa, ls) vêm dar novas directivas à ques-
15) B. N. Anais, cit.
16) José Feliciano Fernandes Pinheiro, Anais da Província de S.
Pedro, 2* ed., Paris, 1839.
17) Porto Seguro, Hist. Geral do Bras., 677, n.
18) Anais da Biblioteca Nacional, XXXIX — 1917. Inventário dos
documentos relativos ao Brasil, existentes ao Arquivo da Marinha e
Ultramar, organizado por Eduardo de Castro e Almeida, da Biblioteca
Nacional de Lisboa — E' justo consignar que grande parte dessa do-
cumentação fora anteriormente descoberta pelo Dr. Alberto Lamego que,
em primeira mão, a publica em seu trabalho Terra Goytacá.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
361
tão, esclarecendo esse ponto obscuro e controverso da nossa his-
tória. Houve, realmente, concessões de donatárias, abrangendo o
Rio Grande do Sul e Uruguai, primeiro a Salvador Correia de Sá
que, por motivos óbvios, foi tornada inexistente e, mais tarde,
como consequência natural da primitiva doação, outra a seus fi-
lhos, Visconde de Asseca e General João Correia de Sá.
Até onde se estenderia, em território rio-grandense, a primei-
ra doação? A de Salvador Correia tinha por ponto de referên-
cia «as terras onde chamam a Ilha de Santa Catarina, começan-
do nela partindo a metade para a banda do Norte, e outra meta-
de para a banda do Sul, e não havendo terra bastante para se lhe
inteirar a capitania» se completem com as que «forem de V. M. e
estão despovoadas, e ficam entre a capitania de São Vicente e Rio
da Prata, com os portos, rios e ilhas que houver na dita capitania».
Da Ilha de Santa Catarina para o Norte não havia terras
devolutas, porque a donatária de Pero Lopes, ainda de posse de
seus herdeiros, atingia até 28" e um terço (altura da Laguna),
não podendo, assim, ser completadas essas 50 léguas ao Norte.
Neste caso, a demarcação das 100 léguas, que correram rumo Sul,
pela costa viria atingir aproximadamente aos 34 graus, isto é,
todo o território rio-grandense, e pequena parte do uruguaio.
Veremos oportunamente, com dados mais positivos, a exten-
são dentro do nosso território, das donatárias do Visconde de As-
seca e seu irmão que, apesar de opiniões em contrário, durante
51 anos foram donatários de grande parte do Rio Grande do Sul.
As petições de Salvador Correia de Sá e Benevides constam
da acta do Conselho Ultramarino, de 14 de Março de 1658, e não
obstante sua prolixidade, aqui registamos como documentos fun-
damentais para a história do Rio Grande do Sul: «Salvador Cor-
reia de Sá e Benevides, Conselheiro deste Conselho, General da
Frota do Brasil, Alcaide-mor da cidade de São Sebastião . . . fez
duas petições a V. M. nelle, em que diz no primeiro que elle há 31
annos, que serve a V. M. nestes Reynos, em particular no Estado
do Brasil, onde seu pae Martim Correia de Sá sérvio mais de cin-
coenta, morrendo em tempo que estava actualmente governando
o Rio de Janeiro, e a repartição do sul, a qual praça ganhou Sal-
vador Correia de Sá aos franceses, em tempo do senhor Rey Dom
362
AURÉLIO PORTO
Sebastião, governando por mais de quatro annos conquistando
Cabo Frio e mais costa daquellas capitanias, occupando-se mais
em servir os Reys deste Reyno que pedir-lhes prémios, e porque
he costume deste Reyno darém-se as terras do Brasil em Capita-
nias de cem léguas, pouco mais ou menos, às pessoas que por
serviço de V. M. as queirão povoar, e tem posses, suficiência e
experiência para o poder fazer, como se fez a todos os donatários,
como foi Martim Afonso de Souza na Capitania de Tanhaêm, de
outras cento e tantas aos progenitores de Ambrósio de Aguiar, no
Espírito Santo, aos de Gil de Goes, na nova Parahyba, que hoje
está despovoada, a Francisco de Saa a dos Ilheos, a de Porto Se-
guro aos progenitores do Marquês Bento Maciel Parente, ao so-
brinho de António Coelho de Carvalho, a Feliciano Coelho de Car-
valho, seu sobrinho, a Álvaro de Souza de Távora, e haverá pou-
cos dias a hum filho de António Coelho de Carvalho, que nomeas-
se a parte onde queria, as quaes se darão às pessoas referidas em
considerações de as povoarem e estender-se a propagação da fee
e grande utilidade que se segue a fazenda de V. M. de se cultiva-
rem e povoarem e ele por serviço de V. M. quer povoar, huma
capitania, nas terras onde chamão a Ilha de Santa Catarina, co-
meçando nella. partindo a metade para a banda do Norte, e a
outra metade para a banda do Sul, e não havendo terra bastante
para se lhe inteirar a capitania que pede destas terras de cem
léguas de costa como he uzo e costume, pouco mais ou menos,
se inteirar nas terras que se demarcarem com estas, e forem de
V. M. que estão despovoadas, e ficão entre a Capitania de São
Vicente e o Rio da Prata, com os portos, rios e ilhas, que houver
na dita Capitania, como he uzo e costume conceder-se aos mais
donatários, e da mesma maneira nas juridições que tem. Pello
que pede a V. M. lhe faça mercê mandar-lhe passar doação da dita
capitania para uzar delia na forma referida nesta petição e se
augmentar a propagação da fee e fazenda de V. M.»
E na segunda diz «que elle tem feito petição a este Conselho
pedindo a V. M. lhe faça mercê de huma capitania no Estado do
Brasil ou Maranhão, e porque entre as que estão por dar, ha huma
sorte de terras em que chamão a Ilha de Santa Catharina. que
fica alem da Cananéa para a parte dos pattos. Pede a V. M. se
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 363
mande informar de que terras he e a utilidade de que são à pro-
pagação da fee e augmento da Fazenda Real, e achando que con-
vém dalla, lhe faça mercê, como se fez aos mais donatários de
100 léguas de costa, começando a medir en frente da dita ilha
para huma banda, e outra, em terras de V. M. e que não sejão
dadas a outras pessoas, que as tenhão cultivado, e faltando para
alguma das bandas se inteirará de outra, com todas as aguas,
campos e ilhas, que houver nas ditas 100 léguas de costa, como
he uzo e costume, para elle as mandar povoar á sua custa.» 19)
Correu a petição os trâmites legais. Vários conhecedores da
região foram ouvidos sobre a pretensão do Governador. Marcos
Correia de Mesquita que, como Provedor, ia para a índia, deu a
seguinte informação que, como as outras, registamos por conter
interessantes informes sobre o Rio Grande do Sul: «Responden-
do às perguntas que se lhe fizeram, acha por informações e no-
tícias que tem da costa do Sul do tempo que serviu do Ouvidor
do Rio de Janeiro que da povoação que chamam de Cananéa até
a Ilha de Santa Catharina, haverá de circuito 6 para 7 léguas, e
que neste circuito haverá tres portos de mar em os quaes poderão
entrar muitas embarcações e fazer outras de muitas toneladas,
com as madeiras que dá a terra; as terras são muito boas e as /
cultivando, darão toda a novidade de mandiva, legumes, tabaco,
algodão e canna de assucar; são terras sem povoações de gente ,
branca, nem indios, tirada a Cananéa e a Lagoa dos Patos que
ha junto ao Paraguay dizem que ha uma povoação de gentios
com os quaes os brancos vão resgatar, dizendo ser gente muito
bruta e não ter conhecimento da fé e com facilidade virão a ter,
sendo povoadas aquellas terras visinhas, por ficarem também per-
to da Ilha de Santa Catharina de que se pergunta a informação
que se dá e isto é o que pode dizer do sitio da terra, bondade e
largueza delia».
«O que lhe parece, convém ao serviço de S. Magestade, aug-
mento de sua fazenda e conservação e serviço de Deus é que S.
Magestade deve dar estas terras que estão vagas em toda a cos-
ta do Brasil, a pessoas poderosas as quaes cultivem, porquanto
19) Anais, cit. 80-83.
364
AURÉLIO PORTO
dos fructos teria dízimos e direitos e principalmente as que se
tratam da costa do Sul, porque dando-se a pessoa poderosa e que
agencie povoadores, fará povoações nos tres portos que tem aquel-
la terra, haverá commercio com o Rio e a Baía e abrir-se-hão
alfândegas, cujos direitos podem render muito pelos fructos da
terra, como pelas mercadorias que podem vir de fora a este reino,
como de Buenos Aires, por ficar muito perto e haver ocasião de
se metter muita prata neste reino de que tanto carece. E que-
rendo V. Magestade commeter alguma, facção por ali, contra Cas-
tella, para se aproveitar dalgum porto donde possa vir prata, ten-
do aquelles portos povoados e navegáveis, pode fazer com maior
facilidade. Pelo que lhe parece que V. Magestade deve dar estas
terras em Capitanias, a homens poderosos que agenciem povoado-
res cultivadores, mas que a esses primeiros se lhes devia dar pri-
vilégios e liberdades, taes que animassem a muitos serem seus
companheiros no trabalho de agricultura e se assim não for di-
ficultosamente conseguirá esta povoação por ser em terra mui
remota das povoadas deste reino».
Frei Cristóvão de Lisboa, que havia sido despachado bispo de
Angola, informando a petição, diz; «Parece justa, acertada e
conveniente, a doação da nova Capitania, alem de que na presen-
te conjectura, é bom que se busque por todas as vias, cousas de
que V. Magestade possa fazer doações, sem detrimento de sua
fazenda, para ter com que pagar serviços e animar os homens
até fazer muitos outros. A mercê das doações tira dois fins, um
enriquecer a pessoa particular que recebe tal benefício pelos seus
serviços, outro a utilidade que dahi resulta ao reino, porque quan-
tas mais Capitanias povoadas, tanto mais navios virão carregar
de assucar e outros fructos. Pelo que fazendo V. Magestade mer-
cê da doação, deve ser em porto onde possam entrar e estar na-
vios em segurança, onde haja campinas para o gado vaccum, sem
o que não podem haver engenhos e nem será de utilidade alguma
ao reino, nem ao dono».
Segue-se a informação de Manuel Pereira Lobo: «As notí-
cias que tenho de Cananéa e Buenos Aires, é estarem as terras
despovoadas de gentio que ali existia e hoje só habitam nelas
onças e tigres. São terras que darão muitos mantimentos, que
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 365
têm muitos rios e lagoas e portos, como são os do rio São Fran-
cisco, e Ilhas de Santa Catharina, o da Lagoa dos Patos e o de
Rio Grande. Têm extensos campos e será muito do serviço de
S. Magestade povoarem-se havendo quem os queira».
Frei Manuel de Santa Maria assim informou a petição: «A
Ilha de Santa Catarina fica alem de Cananéa 60 ou 70 léguas, é
montuosa e despovoada, terá 6 ou 7 léguas de comprido e 3 ou 4
de largura faz duas barras com a terra firme. A que fica do Nor-
te para a banda de Cananéa tem baixios e não se servem por ela,
senão embarcações pequenas, a do Sul que fica para Buenos Ai-
res é maior e pode entrar navios grandes. As terras desde Ca-
nanéa até o Rio Grande, terão mais de 200 léguas, por costa, es-
tão despovoadas por haverem os moradores de São Vicente lhes
tirado o gentio que as povoava, e só no dito Rio Grande, há al-
gum gentio que confina com as charruas de Buenos Aires. São
terras de muitos rios, lagoas e campos que se estivessem mais
perto das nossas povoações seriam de utilidade para os gados,
mas não podem vir por terra por causa das asperezas dos cami-
nhos e matos; são muito férteis e se poderão ali fazer muitos en-
genhos de açúcar, mas como há muitas terra^ no Brasil, e estas
estejam tão longe, não há quem as queira povoar e será muito
conveniente ao serviço de Deus e de V. Majestade dar a quem as
queira».
O Capitão Salvador Tomé Mealhadas prestou a seguinte in-
formação: «A Ilha de Santa Catharina deve ter 5 a 6 léguas, e
seu porto é muito nomeado por haver estado assenhoreado pela
armada de Diogo Flores y Baldez. Logo se segue para o Sul,
a Lagoa dos Patos. Ararionga, o Rio Saramandry, o Rio Gran-
de, Castilhos, Ilha dos Lobos, Ilha de Maldonado, Ilha das Flores,
a Barra de Buenos Aires. Está despovoada por ter sido caçado
o gentio pelos moradores de São Vicente. E' montuosa, tem mui-
tos rios, lagoas, campinas, madeiras para fabricar embarcações,
e dá os mantimentos com abundância se houver lavoura. Até
agora não se sabe se dá assucar por ser a terra fria, mas produ-
zirá muito bom gado. Deve ser dada a quem pretendê-la, pois
estando despovoada nem Deus nem S. Majestade tem serventia».
Finalmente falou o Padre Luís Pereira de Campos «que diz
366
AURÉLIO PORTO
que as terras que correm de Cananéa para o Sul são muitas e
muito férteis; a prova é a experiência que sendo lá mui poucos
os moradores, o principal sustento da gente de guerra do Rio e
ainda da Baía, são as farinhas e legumes, que veem daquelas
partes; e é certo que havendo quem as cultive serem dobrados os
frutos. Depois da Cananéa está o porto de Paranaguá, após o
Rio novo de São Francisco, Ilha de Santa Catarina, e junto a ela
a grande Lagoa dos Patos, todos portos belíssimos e capacíssimos
de muitos e grandes navios, fertilíssimos de madeira e abundan-
tíssimos de pescado, será coisa de grande serviço a Deus e de
V. M. e aumento de sua fazenda repartirem-se aquelas partes a
pessoas de porte, e timoratas, para que as façam crescer depressa,
e com temor de Deus e obediência de seu Rei, a razão está tanto
à prima face, que não tem necessidade de prova, pois de se não
partirem está quase tudo deserto e matas bravias, e repartindo-se
era força se vão logo para lá muitos moradores pobres a gozar da
fortuna que ali têm, e com isso crescerão as fazendas reais, e tam-
bém crescerá a fé porque ainda naquelas partes na Ribeira do mar
não há já gentio senão alguns poucos na Lagoa dos Patos, aonde
os nossos portuguesçs vão fazer as suas compras de índios pelas
costas desta costa, e destes portos pelo sertão irão sem dúvida
muitos índios que é força se venham meter conosco, a buscar suas
ferramentas, de que necessitam muito, sabendo que por ali há
povoações, e sempre se baptizarão alguns e se conservarão conos-
co para bem de suas almas e bem daqueles portos. Pelo que lhe
parece coisa acertadíssima que a repartição se faça na forma
apontada, e com a maior brevidade possível, pois com a dilata-
ção se impedem muitos bens e atalham a grandes proveitos. E
tirar qualquer fruto do que está infrutuoso é providência.» J")
Louvando-se nessas informações, o Procurador da Coroa, no
Conselho Ultramarino, opinou pela concessão da donatária reque-
rida, não só por causa da conversão do gentio como pelo resultado
que adviria para Portugal com o povoamento dessas terras incul-
tas. Foi o Conselho de parecer se concedesse a mercê, assinando
20) Anais, cit. XXXIX — 80-83.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 367
o acordo em 4 de Janeiro de 1657, os ministros marquês de Mon-
talvão e Jorge de Albuquerque.
Parece, porém, que, em virtude dos acontecimentos que fi-
zeram Salvador Correia de Sá decair do prestígio real e que ficam
historiados, tornou-se sem efeito essa concessão.
# Não desistira, porém, de estender os domínios de seus filhos,
já que não realizara o intento anterior, até à embocadura do Rio
da Prata. Pelo conhecimento prático da região sabia que as vas-
tas campanhas desabitadas do Sul seriam um vasto empório de
gado,' que poderia abastecer as exigências da colónia. Consta
mesmo que teria contribuído para essa riqueza pastoril, pois,
quando da concessão das terras que impetrara como donatário,
mandara lançar entre o Cabo de Santa Maria e Maldonado umas
vacas de que procedia parte do gado ali existente, -1) não obstan-
te não haver documento comprovativo dessa asserção. Oportuno
o momento para conseguir esse objetivo e, pela compensação de
não ser erigida a vila do Paul de Asseca, solicitou a El-Rei, em
nome de seus filhos, o Visconde de Asseca e João Correia de Sá,
duas capitanias com o total de cem léguas que, começando no
marco da divisa das terras da Coroa, cabo de Santa Maria, com as
de Castela, corressem para o Norte da Lagoa dos Patos.
A petição foi presente ao Conselho Ultramarino que, em con-
sulta de 3 de Julho de 1671, deu parecer favorável, respondendo o
procurador da Fazenda que reafirmou o que em outras ocasiões
havia dito: «quanto mais povoações houvesse no Brasil, mais uti-
lidades seguiriam para o Reino», e «o da Coroa alvitrou ser de
grande conveniência o pedido, pois tendo o Rei Católico mandado
levantar a cidade de Buenos Aires, populosa e perto desses con-
fins, certamente os seus vassalos haviam de aproveitar as terras
pertencentes a Portugal por serem mui férteis, como já o esta-
vam fazendo os Padres da Companhia de Jesus daquela Coroa
com as suas grandes criações de gado e que quanto mais fosse o
tempo decorrido mais difícil se tornaria a expulsão dos invaso-
res». 22)
21) B. N. Anais XXXIX — 195. Carta de D. Francisco Naper a
El-Rei, datada da Colónia 6-XII-691.
22) A. Lamego Op. cit. 1-119.
368
AURÉLIO PORTO
Surgiu, porém, a questão de que, para completo das cem lé-
guas, computados os quinhões da Paraíba do Sul, era mister fa-
zer-se a demarcação das capitanias já dotadas, não concordando
com isso os donatários pelas despesas de vulto que acarretaria.
Alegavam eles que a medição como era exigida, «seria coisa im-
praticável porquanto todas as que V. A. tem dado vão sucessiva-
mente pelas doações, declarando que começará em tal parte, e
logo as mais onde acabar a primeira, e os donatários têm tomado
posse pela altura e a rumo direito. E para se haver de medir
pela costa será coisa impossível para o que não bastarão 100.000
cruzados para estas medições, sendo por muitas terras despovoa-
das, e de rios, pelo que pede a V. A. seja servido mandar conside-
rar seu requerimento, que é encaminhado a seu Real serviço». - I
Afinal, depois de um longo exórdio em que o Conselho Ultramari-
no passa em revista todas as concessões de donatárias, é o mesmo
de parecer pela consulta de 23 de Setembro de 1675, que «há, pois,
conveniência em se conceder as 75 léguas pedidas porque não pre-
judica a terceiros e ficam na primeira demarcação do Rio da Pra-
ta, onde se evita o excesso dos castelhanos na invasão das terras
de V. A., convindo fazer-se já a povoação, porque muitos mora-
dores de S. Paulo querem ir povoar aquela parte». A essa con-
sulta está aposta a seguinte resolução régia: «Como parece. Lxa.
23 de Outubro de 1675. Príncipe». 24 )
Em 5 de Março do ano seguinte é feita a segunda apostila
à carta de doação do Visconde de Asseca, segundo do título, pois
o primeiro falecera em 28 de Outubro de 1674, sendo procurador
de João Correia de Sá, que estava na índia, e de seu neto menor,
o general Salvador Correia.
E' do teor seguinte essa apostila: «Segunda Postila. Tendo
respeito ao que me representou Salvador Correia de Sá e Benevi-
des, como tutor de seu neto o Visconde de Asseca e procurador
de seu filho João Correia de Sá, em razão das setenta e cinco lé-
guas de terra que pede se lhes acrescentem as trinta da capitania
que lhe tenho feito mercê, que foi de Gil de Góes, no Estado do
23) B. N. Anais, cit. 138.
24) A. Lamego, Op. cit. 129.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 369
Brasil entre o Cabo Frio e o Espírito Santo, repartidas por am-
bos, vinte ao Visconde de Asseca e dez a João Correia de Sá, re-
presentando-me também que, mandando tomar posse e fundar as
vilas da dita capitania se não acharam as ditas trinta léguas com
o que se não podia em terra tão limitada fundar duas capitanias
e que todas as que tinha dado no Estado do Brasil e Maranhão,
as menores são de 50 léguas de costa, e visto o que fica referido
e o que sobre isto respondeu o Procurador da Coroa e ser em uti-
lidade e aumento daquele estado povoar-se cada vez mais. Hei
por bem fazer mercê ao dito Visconde de Asseca de 30 léguas que
mais pede nas terras que estão sem donatários naquela costa até
a boca do Rio da Prata para que as logre assim como logra as
vinte de que pela doação acima e atrás transcritas que lhe tenho
feito mercê, com mais cláusulas e condições que se lhe concede-
ram as 20 léguas de que se lhe passou a dita doação e esta mercê.
E lhe faço além das 45 léguas que também tenho feito a seu. tio
João Correia de Sá e esta apostila valerá como carta, sem embar-
go da ordenação. Livro 2? Título 40 em contrário. Manuel Pi-
nheiro da Fonseca a fez em Lisboa 5 de Março de 1676. O secre-
tário Manuel Barreto de Sampaio a fez escrever. PRÍNCIPE». 25 )
De posse da concessão tratou logo Salvador Correia de fazer
a divisão das terras que, segundo mapa apresentado na ocasião,
constaria de pequenas parcelas de dez a quinze léguas, localiza-
das em lugares diferentes, conforme nos informa A. Lamego. 2,i)
Era muito interessante a forma da partilha. Para o Viscon-
de de Asseca deviam ser destinadas as terras da capitania de São
Tomé, mas começando a cinco léguas para o Sul de Baixo de Par-
gos até o Rio das Ostras em Santa Ana de Macaé, que se calcula-
va ter 20 léguas, completando-se as restantes 30, com 10, da Ilha
de Maldonado (perto do marco de Castela) à Ilha de Castilhos
sob o nome de São Pedro dos Marcos; com outras dez na «Laguna
dos Patos», ou terra firme de Santa Catarina, e, finalmente com
dez ao Norte do Rio Guaratiba, correndo para a ponta, a seis lé-
guas ao Sul da barra de Cananéa, sob a denominação de S. Mar-
tinho do Mel.
25) B. N. Cod. mss., I, 2, 4, 2» Doe. CLXIII.
26) A. Lamego Ob. cit. 1' — 131.
370
AURÉLIO PORTO
Para João Correia de Sá 20 léguas da Ilha de Castilhos ao
Rio Martim Afonso, 27 ) sob a designação de S. João de Campos;
10, continuando o rumo do Norte da passagem do Rio Tramandaí
sob o apelido de S. José; 15, começando na Enseada das Garou-
pas, do lado do Sul para o Norte da Enseada das Bombas sob o
título de São Sebastião das Garoupas; para completar as 50 lé-
guas as restantes na capitania de São Tomé, começando no Bai-
xo dos Pargos ao lado Norte do Rio Itapemerim, onde se dividia
a capitania do Espírito Santo, correndo para o Sul até onde prin-
cipiavam as terras do Visconde, acima discriminadas.»
Não foi aceita essa divisão parcelária, apesar de ter o Con-
selho concordado com ela. Mas o Procurador da Coroa, que foi
ouvido por El-Rei, opinou que não convinha essa demarcação não
só porque os ouvidores dos donatários seriam obrigados a passar
por terras alheias, nelas tendo de baixar as varas por não terem
jurisdição nas mesmas, como também se evitava que fossem es-
colhidos os melhores campos, ficando os estéreis. E terminava
que a medição fosse feita do marco do Rio da Prata para o Nor-
te, correndo daí as 75 léguas doadas.
Começavam essas 75 léguas «da boca do Rio da Prata que
tem princípio no Cabo de Santa Maria, e corre para a costa para
a parte do Rio de Janeiro», linha que seria dois anos depois a
divisa da capitania do Visconde de Asseca com as terras realen-
gas em que se iria fundar a Colónia do Santíssimo Sacramento,
em cujo «Regimento», outorgado a D. Manuel Lobo, em 18 de
Novembro de 1678, bem se discrimina. 2S) Ao Norte, computan-
do o grau em 17 léguas e meia, que era a medida portuguesa da
27) Chuí hodierno. Há uma confusão nos mapas antigos sobre essa
designação. O verdadeiro rio de Martim Afonso é o Mampituba, onde
consta ter saido à terra, na sua expedição de 1532, esse navegador e fun-
dador de S. Vicente. Um erro de mapa, depois repetido, deslocou para
o Chuí essa denominação. Outra observação interessante a notar é que,
com essa distribuição de terras, ficava o Rio Grande completamente fora
da demarcação que de seu extremo limite sul, o Chuí, passava para o ex-
tremo norte, o Tramandaí. A -costa baixa e arenosa não era muito co-
biçada.
28) "e tereis entendido que, posto tenha concedido duas capitanias
de terras naquela costa ao Visconde de Asseca e a João Correia de Sá,
se estende da boca do Rio da Prata, que tem princípio no Cabo de Santa
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 371
época, encontraremos a extensão de 4Ç, 18, indo assim morrer as
terras de João Correia de Sá, que se seguiam às 30 léguas do
Visconde de Asseca, a 30 graus, mais ou menos, paralelo que cor-
responde a Porto Alegre.
Em sua consulta de 3 de Julho de 1671, opinando pela con-
cessão das capitanias requeridas pelo Visconde de Asseca e seu
irmão nas terras desabitadas que confinavam com o Rio da Pra-
ta, o Conselho Ultramarino foi de parecer, de acordo com o voto
do Procurador da Coroa, que no extremo das capitanias de que
se fazia mercê se erguesse «uma fortificação capaz de resistência
e com tanta gente e segredo que quando soubessem já estivesse
pronta para a defesa, enviando-se também todos os anos das ilhas,
15 a 20 casais, de todos os ofícios para o povoamento dessas ter-
ras, que estavam destinadas a ser as mais importantes da Coroa,
pela bondade do clima da terra e do natural das gentes». 29 )
Conseguida essa concessão, que viria completar as cem lé-
gtfas impetradas, pediram os donatários fosse nomeado Martim
Correia Vasqueanes, sobrinho do general Salvador, para exercer
o cargo de Capitão-Mor e Governador das suas terras, o que lhes
foi deferido em 28 de Fevereiro de 1676. No ano seguinte, em
25 de Janeiro, dando cumprimento à determinação real apresen-
tou o general Salvador ao Conselho, como tutor de seu neto e pro-
curador de seu filho, um requerimento em que solicitava auxílio
para erguer a fortificação projectada, e apresentando os nomes
Maria, e corre pela costa para a parte do Rio de Janeiro, e o mais terre-
no da boca do Rio para dentrô que fica para a parte do sul da linha de
sua demarcação, e há de correr pelo interior da terra pertencente à Co-
roa, onde haveis de formar as povoações que puderem ser, seguindo os ca-
sais que quiserem passar a viver nela, e estas hão de ser sempre realen-
gas, sem terem outro domínio". — (Regimento que o Governador do Rio
de Janeiro, D. Manuel Lobo levou para a Fortaleza do Sacramento do
Rio da Prata) Bibi. Nac. Regimentos — (1642-1753) Cod. I — 5, 2, 20.
V. Arch. Gen. de la Nación. Campana dei Brasil. — Buenos Aires.
1931-1-67. (Trad. esp.)
29) Deu o Conselho o seguinte parecer: "Parece que devem ser
feitas as mercês pedidas, fazendo-se primeiro a fortificação para se evi-
tar o dano dos castelhanos, tirando-se a prerrogativa de fazer Villa do
Paul de Asseca, para que com a maior brevidade se apliquem às ditas
capitanias e fortificações. Lxa. 3 de Junho de 1671. Duque-Malheiros-
Dourado-Falcão . Macedo. A. Lamego. Op. cit. I, 120, n. 4.
372
AURÉLIO PORTO
de três oficiais, a fim de que fosse escolhido um deles para go-
vernar a fortificação. ;;")
Dos oficiais apresentados foi escolhido e nomeado pelo Rei,
em 24 de Fevereiro, o capitão de Infantaria D. Gabriel Garcez y
Gralha, que era comandante de uma das companhias do Terço
de Infantaria do Rio de Janeiro. Em seguida seguiu este oficial
para o extremo sul, a fim de «reconhecer o marco do Rio da Pra-
ta, postado no Cabo de Santa Maria, ilhas, barras, e examinar
a melhor paragem para a fortificação», que se projectava.
Nesse ínterim, «Vasqueanes, que tinha de construir essa for-
tificação, requereu logo a entrega de 18 peças de artilharia para
sua defesa, e com as terras do Sul adicionadas à capitania do Vis-
conde de Asseca e de seu tio, estavam infestadas por muitas tri-
bos indígenas, com as quais havia necessàriamente de lutar, para
assenhorear-se delas, pediu mais 50 espingardas, 100 mosquetes
e arcabuzes, pólvora, munições, armas de gastadores, 50 selas apa-
relhadas, 100 pistolas e clavinas para uso da companhia de cava-
laria que pretendia formar. Provido do que necessitava seguiu
para as novas terras, onde ia também fundar outras vilas».
Apesar,porém, dessas providências, não conseguiram os do-
natários povoar as novas terras concedidas, não sendo, nem se-
30) "Salvador Correia de Sá como tutor de seu neto o Visconde de
Asseca e procurador de seu filho o General do Estreito de Ormuz, João
Correia de Sá, donatários das capitanias de São Salvador de Campos,
e Santa Catarina de Moz, no distrito da Paraíba do Sul, apresentam neste
Conselho um papel por ele assinado em que diz que V. A. lhes acrescen-
tou às ditas capitanias por serem limitadas de 75 léguas de costa na
dita repartição do Sul entre o marco do Rio da Prata, onde parte esta
Coroa e os donatários a quem V. A. tem feito mercê; porque trata de
mandá-las povoar e para poder fazer e em segurança necessita de for-
tificações, e tem feito petição a V. A. pedindo-lhe munições e sustento
para a Infantaria e para os Vigários e Ministros da Igreja e ordinários,
apontando os meios para este efeito; e porque para conseguir este ser-
viço de se povoarem aquelas terras necessita de pessoas de toda a sa-
tisfação, e em nome dos ditos donatários propõe a V. A. o Capitão de
Infantaria D. Gabriel Garcez y Gralha em primeiro lugar por nele con-
correrem qualidade e mais de 20 anos de serviço, como consta neste Con-
selho, e entender de fortificações; e em segundo o capitão também de in-
fantaria da dita praça Alexandre de Castro, que também há mais de 20
anos que o é, e em terceiro o capitão Francisco Munhoz". B. N. An.
cit. 141.
30") A. Lamego, Op. cit. I, 139.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 373
quer lançados os fundamentos da fortificação que devia prece-
der à formação do núcleo de povoamento. Parece que, além da
escassez de meios com que lutariam os fundadores, muito influiu
na impraticabilidade do estabelecimento a resolução régia de fun-
dar a nova Colónia do Sacramento, que lhe ficaria imediata, e de
que se vinha tratando já desde 1678, com a designação de D. Ma-
nuel Lobo para esse empreendimento.
Em 1692 faleceu o 2" Visconde de Asseca, Salvador Correia
de Sá, sucedendo-lhe no título, casa e mercês, o 3o, seu irmão Dio-
go Correia de Sá. Governou este a sua capitania sem confirmação
especial da Coroa durante largo período, todo ele cheio de inci-
dentes em suas terras da Paraíba do Sul, com o que descurou
completamente o que se referia à donatária do Prata. Conseguiu,
afinal, lhe fosse confirmada a mercê feita a seus antecessores.
Ouvido o Conselho Ultramarino em sua sessão de 26 de Maio de
1726, foi de parecer que se lhe adjudicassem as terras da Paraí-
ba do Sul, com 20 léguas de costa e 10 para o sertão, mas que
<:se lhe não confirmem também as 30 léguas que se faz menção
até à boca do Rio da Prata» pelo «abandono em que se acham não
tendo feito o Visconde e seus antecessores diligência alguma para
povoá-las».
De acordo com esse parecer não foi confirmada a posse da -
capitania do Rio da Prata que, em data de 23 de Março, reverteu
ao domínio da Coroa, conforme se evidencia da terceira apostila:
«... Hey por bem de confirmar ao dito Visconde de Asseca,
como por esta confirmo e hey por confirmada a dita Capnia. da
Parahyba do Sul entre as do Espírito Santo e Cabofrio, com vin-
te legoas de costa para o Certam para que tenha, haja, Logre epes-
sua, dejuro, herdade, elle e todos seus sucessores ascendentes e
descendentes a da Cap. aSim Sinalada, e Lemitada com todas as
jurisdições, rendas, direitos e pertenças conteúdos na Carta de
Doação, exceto o que abaixo hira declarado, elhenáo confirmo;
porquanto por Convir asy ameu serviso e o pedir aCauza publica
ebom Gov. das terras e povos do Brazil, lhe náo confirmo mayor
quantid. deterra q' a sobre d. de 20 Legoas de Costa, e dez para
o Certam; e taobem porque o dito Visconde Diogo Corrêa de Sá,
nem se pay o visconde Martim Corrêa de Sá, saptisfizerao as
374
AURÉLIO PORTO
clausulas, e condiçoens em q' foi dada .a mais terra conteuda nas
Postilas, e pela mesma razáo da causa publica lhe náo confirmo
a izenção de correição que foi concedida a seu pay», etc. Dada
em Lisboa em 23 de Março de 1727.
Como fica exaustivamente demonstrado, pertenceu assim par-
te do Rio Grande do Sul, durante 52 anos, à capitania doada aos
Correias de Sá. Se nada puderam fazer pelo povoamento dessa
terra, por motivos de toda ordem, despertaram, no entanto, no
Governo da Metrópole, o desejo de solidificar o domínio que pre-
tendia exercer até o Rio da Prata. Com a fundação da Colónia
do Sacramento, inicia-se para o Rio Grande a fase preparatória
do seu povoamento, pelo conhecimento mais exacto da região,
pelas vantagens decorrentes de sua situação privilegiada e pela
riqueza de seus campos intermináveis, onde o gado se reproduzia,
criando uma indústria nova que contribuiria, decisivamente, para
a formação da economia rio-grandense.
3. A tentativa do General João da Silva de Sousa.
Em substituição de Pedro de Melo, que terminara seu triénio
de Governador da Capitania do Rio de Janeiro, foi nomeado, em
5 de Julho de 1669, o General João da Silva de Sousa, valente sol-
dado que havia ilustrado seu nome nas guerras peninsulares. Vi-
nha para dirigir a Capitania com mil cruzados de renda e pelo
tempo de três anos.
Terminando seu governo, em 1672, resolveu a Coroa prorro-
gá-lo por mais três anos, a fim de que desempenhasse a missão
que lhe era confiada secretámente de levar uma expedição ao Ric
da Prata para fortificar e povoar; como veremos, Maldonado ou
outro qualquer porto daquele Rio. Fracassando esse intento, foi
o General João da Silva substituído no governo da Capitania por
Matias da Cunha, nomeado por Carta Régia de 23 de Agosto de
1674.
Apesar da demorada pesquisa que fizemos em torno dessa
tentativa, quase nula é a documentação de origem portuguesa,
31) B~N. Cod. mss. I, 2, 4 — Vol. 2" Doe. C. L. XIII.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 375
que encontrámos nos arquivos do Rio de Janeiro. Somente numa
petição relativa às terras, de que pretendiam doação, na emboca-
dura do Rio da Prata, o Visconde de Asseca e seu irmão João
Correia de Sá, por seu procurador General Salvador Correia, se
faz uma referência ao malogro da expedição, dizendo que, para
«evitar que os castelhanos se não façam senhores dessas terras
e em consideração disso, mandou V. A. ordens ao Governador do
Rio de Janeiro, João da Silva, que procurasse povoá-las por conta
de sua Real Fazenda, o que não fez por não ter as notícias, fa-
zenda pronta, que concorresse naquele Estado, e escravos, índios,
e embarcações». :í2)
Se isso sucede com as fontes documentais portuguesas ao
nosso alcance, o mesmo não se dá com as de origem castelhana,
que trazem amplos informes sobre a projectada expedição, como
passamos a historiar. 33)
Estivera em Buenos Aires certo Matias de Mendonça, resi-
dente no Rio de Janeiro, que procurou com insistência informar-se
das qualidades das terras, quantidade de gado e outros particula-
res: «da outra banda deste rio grande Paraná, que confina com
os do Brasil, terra firme». E soube que as terras eram magní-
ficas, e que quanto à «gadaria» vacum superabundava, e por
«aquela parte pelo muito que se multiplicou o estendeu aos ex-
tremos, e cercania do mar, de que se infere que a terra adentro
haverá muito mais», sendo segundo acrescentava o Governador
de Buenos Aires, em carta de 13 de Junho de 1673 ao Rei da Es-
panha, o engodo e cincerro mais prejudicial para que qualquer
nação das da Europa, amigos ou inimigos, procurem com o pre-
texto que melhor julgarem, ocupar aquela Paragem e Porto (Mal-
donado) por desamparado e inabitável.» 34)
Conversando ainda Matias de Mendonça com o então Corre-
gedor de Buenos Aires e, mais tarde, Mestre de Campo João Ãrias
de Saavedra, mostrou grande interesse em que os portugueses
povoassem aquela região e costa, com o que se abasteceriam de
32) B. N. Annaes, cit. XXXDC. 138.
33) Campana dei Bras., cit. I, 30- a 55.
34) Campana dei Bras., cit. I, 33.
376
AURÉLIO PORTO
grandes quantidades de gado nela existente, sem necessitar do
porto de Buenos Aires para o seu comércio. Localizados ali em
Maldonado, por exemplo, insinuava Mendonça, fácil lhes seria es-
tender, com o auxílio dos índios bárbaros, a troca de seus produ-
tos até Santa Fé. Todos os que contribuíssem para isso teriam
vantagens especiais. E terminou por convidar a Árias de Saa-
vedra para passar a Portugal a informar ao Príncipe das vanta-
gens desse projecto de que seria règiamente recompensado. O
Corregedor não aceitou o convite por entender que prestaria um
desserviço ao seu rei.
Chegando ao Rio, de volta de Buenos Aires, e levando minu-
ciosos informes sobre as coisas do Rio da Prata, Mendonça expõe
ao Governador a conveniência para a Coroa e para o comércio em
geral de ter Portugal um porto naquele rio, independente do de
Buenos Aires. Isto se realizou, provàvelmente, em princípios de
1672, pois, depondo em Abril de 1673, em Buenos Aires, a teste-
munha João Francisco Rodrigues Estela diz que se encontrava
no Rio de Janeiro, «haverá um ano», e que o Governador daquela
cidade General João da Silva de Souza, por ser ele, testemunha,
pessoa que escreve castelhano e tem letra boa, o fizera copiar
um informe que Matias de Mendonça, que havia estado em Bue-
nos Aires pouco tempo antes, levara para o Rio de Janeiro.' «No
dito Informe com diferentes vizinhos desta Cidade, que lhe noti-
ciaram sobre a qualidade das terras da outra banda deste rio
grande Paraná, que confinam com os do Brasil terra firme e o
dito Informe continha que conviria povoarem-se os portugueses
na Uha que chamam de Maldonado, fortificando-se nela e na ter-
ra firme por haver na dita ilha um porto muito apropriado e ca-
paz de embarcações de maior e menor calado.» etc.
Acrescentava ainda Rodrigues Estela que o informe repro-
duzia as notícias que Mendonça tivera de Saavedra, a que já fize-
mos referência. Esse papel foi remetido, depois de assinado pelo
Governador João da Silva e Matias de Mendonça, ao Conselho de
Portugal (Ultramarino).
A resolução do Rei deve ter chegado ao Rio em fins de 1672.
35) Campana dei Bras., cit. I, 35.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 377
Determinava a João da Silva e Souza, prorrogando, como vimos,
seu governo por mais três anos, aprestasse uma expedição que
teria por fim assegurar o comércio com o Rio da Prata, escolhen-
do-se entre Maldonado, Montevidéu, ou ilhas de São Gabriel. Re-
comendava ainda ao Governador', pondo em execução as suges-
tões de Salvador Correia de Sá, que passasse a S. Paulo e dali
conduzisse 600 homens e os índios que julgasse necessários para
realizar o intento. Era a gente predestinada para essas aven-
turas, pelo respeito que impunham sua belicosidade e valor.
Outras das testemunhas arroladas em Buenos Aires, o Al-
feres Pedro Marin Flores, informa que «só da Vila de São Paulo
se podem tirar seiscentos homens desocupados e que não façam
falta, e é gente muito belicosa e destros nas armas, porque os
mais vivem de maloquear e fazer guerra aos índios da terra aden-
tro pela cobiça de apresá-los para servir-se deles, e isto o sabe
por haver estado na dita terra durante o tempo das guerras até
que teve por ocasião das pazes de passar a esta cidade donde,
como disse, é natural e tem sua mãe e irmãos.» HC>)
A notícia de que se preparava essa expedição alarmou Buenos
Aires, tendo chegado por conduto de uma sumaca que, saindo de
Santos, tocara no Rio, onde era corrente «star o Governador se
aprestando para a expedição. Conduzia essa embarcação diver-
sos seminaristas de São Paulo, que iam ordenar-se em Buenos
Aires, dos quais Pedro Godói Moreira e Bernardo Sanches foram
intimados a dar informações, bem como outras pessoas chega-
das àquela cidade.
Convocada também a «junta de pessoas principais», em 6 de
Abril de 1673, depois de largos debates em torno da questão, foi
a mesma de parecer se mandasse indivíduo competente reconhe-
cer as posições referidas, a fim de fortificá-las, evitando delas se
apossassem os portugueses. Foi incumbido da comissão o Capi-
tão Juan Miguel Arpide, que, em Maio desse ano, voltando da
expedição, deu detalhados informes sobre as ilhas de São Gabriel,
Montevidéu, Uhas das Flores e Maldonado, onde deixou um pa-
drão com o escudo real.
36) Campava dei Bras., cit. £ 36.
378
AURÉLIO PORTO
Em carta de 13 de Junho de 1673, dando conta das preten-
sões portuguesas, o Governador de Buenos Aires, faz sentir à
Coroa espanhola a conveniência de facilitar o comércio com o
Rio de Janeiro, a fim de possibilitar a permuta de géneros entre
os habitantes respectivos. Seria isso uma condição para a con-
servação de Buenos Aires, porque acrescentava: «que os daqui
(habitantes de Buenos Aires) são tão portugueses como aqueles
(os do Rio) por não haver seis casas que não lhes toque o sê-los
inteiramente ou mais da metade» e por isto e outras razões se
compreende de não terem por adversários aos habitantes do Rio
de Janeiro, como estes aos de Buenos Aires. :>>T)
Mas, para a tranquilidade dos - governantes platinos não pas-
sou' a expedição portuguesa do alarido despertado pelas notícias
vindas do Rio. Embora desse as providências iniciais para tor-
ná-la efectiva, não pôde o General João da Silva de Sousa reali-
zar o intento que motivara a prorrogação de seu tempo de gover-
no. A Capitania estava exausta; raspados Os cofres públicos, que
não tinham numerário nem para atender às mais urgentes ne-
cessidades da Colónia; as tropas sem fardamento e sem discipli-
na, não havendo também embarcações disponíveis para transpor-
te da expedição. Além disso, o elemento sem o qual nada se rea-
lizaria de definitivo na idade média do Brasil, o paulista, cujo
ardor bandeirante ainda não arrefecera, preferia, à disciplina ener-
vante das fortalezas, o devassamento das terras longínquas no
apresamento dos índios que ainda subiam em massa para Pira-
tininga.
4. A expedição de Jorge Soares de Macedo.
Muito deve, como já salientámos, o povoamento do Sul até
o Rio da Prata, aos inteligentes esforços de Salvador Correia de
Sá e Benevides, continuador de seu pai e avô na administração
das minas da Repartição do Sul.
Em 1643, indo ao Reino, fez Salvador Correia chegar ao co-
37) Campana dei Bras., cit. I, 31. Vide também R. Lafuente Ma-
chain, Los portugueses en Buenos Aires. Buenos Aires, 1931.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
379
nhecimento do Monarca a notícia de que na Capitania de São Pau-
lo, especialmente em Paranaguá, havia minas de ouro e prata, pro-
pondo o descobrimento das mesmas. A febre do ouro dominava
a Coroa portuguesa e fácil foi interessá-la pela auspiciosa notícia.
Encarregando-o da diligência prometeu-lhe El-Rei «quatro mil
cruzados para sempre com o título de Conde, preconizado antes
por prestação de serviços mui distintos, e se as minas rendessem
de 500$ cruzados à Coroa, o título de Marquês e cinco por cento
de todo o ouro que nas minas se tirasse, por cujo motivo, no tem-
po de seu governo, se trabalhou com muita actividade nas pesqui-
sas das escondidas preciosidades. 88)
Embora as explorações realizadas não lograssem o resultado
prático que delas se esperava, serviram para se estender mais ao
Sul o povoamento do país, com a afluência àqueles lugares de
grandes levas de mineradores. Data daí a fundação de Parana-
guá em 1647, e, mais tarde, seu predicamento à vila, em 1653.
Penetrando o interior os paulistas, que devassavam o sertão à
cata de ouro, estanciavam, em seus pousos de inverno, no sítio
em que foi fundada Curitiba, elevada à vila em 1654.
Mas, a ilusão da Coroa portuguesa não se desvanecera ainda,
apesar dos insucessos da mineração de Paranaguá, insistindo se
fizessem averiguações, pois se supunha que aqueles proviessem da
falta de técnicos competentes.
A Carta Régia de 28 de Outubro de 1677 manda passarem ao
Rio de Janeiro e daí a Paranaguá o Administrador Geral das Mi-
nas D. Rodrigo de Castelbranco e seu auxiliar Jorge Soares de
Macedo que, desde 1673, estavam na Baía explorando os veieiros
auríferos de Itabaiana. Outra C. R., dirigida a Soares de Mace-
do, em 4-XII-1677, secunda a ordem acima, determinando que,
com D. Rodrigo, passe às minas da Repartição do Sul. Levaria
consigo, como prático de mineração João Alves Coutinho que, no
caso de Soares Macedo desempenhar outra comissão de que fora
incumbido, ficaria com D. Rodrigo. (C. R. 7-12-1677). »»)
38) António Vieira dos Santos. Memória histórica da cidade de
Paranaguá, 1850. Curitiba, 1922.
- 39) Arq. Nac. Coll. 60 — Provedoria da Fazenda — 5' — 79.
380
AURÉLIO PORTO
Determinava mais El-Rei que, averiguado não existirem no
distrito de Paranaguá minas de ouro ou prata, passassem aqueles
funcionários a São Paulo e daí à Serra de Sabarabuçu para pro-
cederem à mesma diligência. Levaria para esse fim Jorge de
Macedo um contingente de 50 homens, com preferência sertane-
jos, já conhecedores da região.
Expediram-se, para o caso, copiosos regimentos especiais, de-
limitando as funções de todos os componentes da expedição. E
se por ventura viesse a faltar D. Rodrigo, a C. R. de 7-XII-77,
dirigida como a anterior ao Vice-Rei, na Baía, 4,1 ) determinava
que «tendo em consideração a idade e os achaques de D. Rodrigo,
por falecer ou por não poder passar aquelas partes há de admi-
nistrar seu cargo o Tenente-de-General Jorge Soares de Macedo,
para o que lhe passará (o Vice-Rei) as ordens necessárias».
De facto, D. Rodrigo procurou dar cumprimento às or-
dens reais, enquanto Soares de Macedo se desobrigava de outra
missão, que lhe fora dada por El-Rei, sob a aparente descoberta
das minas da Repartição do Sul, historiada a seguir.
Em fins de Maio de 1680, em S. Paulo, para onde se dirige
pela segunda vez Dom Rodrigo de Castelbranco convoca os ho-
mens bons da terra para «os levar ao encontro das pedras verdes,
que Fernão Dias descobrira aos olhos cúpidos da Metrópole lu-
sa.» 41 ) Só em Março do ano seguinte conseguiu o fidalgo ad-
ministrador organizar a sua leva que se compunha de 200 índios,
tendo como chefe da expedição Matias Cardoso, com a patente
de Tenente-de-General, e André Furtado, com a de Capitão.
Penosa e, para si, fatal, foi a expedição de D. Rodrigo. Em
meados de 1682 «no Sumidouro, arraial de S. João, encontrou o
fidalgo castelhano o fero Borba Gato, o formidável genro de Fer-
não Dias com os restos da bandeira do grande paulista.» Deu-se
aí o assassínio do Administrador Geral, pelo chefe da bandeira,
fechando-se desta forma o trágico capítulo, escrito nas verdes
40) Bibliot. Nac. Cod. Mss. I, 4, 3, 57. Corresp. dos Vice-Reis, na
Baía. ,
41) Alfredo Ellis Júnior. O Bandeirismo paulista e o recuo do me-
ridiano. Tip. Piratininga. S. Paulo. 217.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 381
escarpas de Sabarabuçu pelo sonho imortal do Caçador de Esme-
raldas.
Jorge Soares de Macedo nasceu em Óbidos, Portugal, em
1634. Pertencia a uma das mais ilustres e nobres famílias da-
quela terra, sen^o primo-irmão do fidalgo D. Rodrigo de Castel-
branco. Aos 18 anos, em 1652, numa armada que se dirigia ao
Brasil, veio como praça de soldado, inciando assim o seu serviço
militar. Voltando ao Reino, já promovido a Alferes, distinguiu-se
notavelmente em todas as campanhas militares da época, como
o demonstra a sua brilhante fé de ofício, existente no Arquivo
Nacional, que trasladamos na íntegra. 42)
42) Arq. Nac. Col. 60. Provedoria. Liv. 5', fls. 80. Registro da
Carta patente do posto de Tenente de Mestre de Campo gal. de Jorge
Soares de Macedo — "Dom Pedro por graça de Deus príncipe de Portu-
gal e dos Algarves da quem e dalém Mar em Africa de Guiné e da con-
quista, navegação e comercio da Etiópia, Arábia, Pérsia, -e da índia &
Como Regente e Governador dos ditos Reinos e Senhorios fasso saber a
de que esta minha Carta patente virem que tendo respeito ao merecimento
e mais partes que concorrem na pessoa de Jorge Soares de Macedo e aos
serviços que me tem feito de mais de vinte cinco anos a esta parte de
soldado, Alferes, Ajudante e Capp. de Infantaria embarcandosse para o
Brasil no anno de seis sentos e cincoenta, e dois em hua Armada que
passou aquelle estado em que fez sua obrigação, e voltando a este Reino
achar-se na Província de Alentejo no exercito que se formou para so-
corro da prassa de Olivenssa, Restauração da de Mourão, citio de Ba-
dajós, escallada de Talveira, no citio da cidade de Elvas Campanha de
Aronches, e Jurumenha, e na ocaziáo em que veyo o Duque de Sam Ger-
máo a Campo Mayor com mil e duzentos cavalos achandosse também em
Portoalegre seis mezes de guarnição com o terço de Cascais de que hera
ajudante por se entender que hera o inimigo ... no Recontro de odegebe
Batalhando — Ameixal, Escalada do Forte de Santo Antonio de Euora,
em sua Restauração na toma de Valença de Alcantara, Batalha de mon-
tes claros escalada de Alçaria de Gusmão, toma de Parinogo, San Lucas
de Guadiana, Gilberliáo e trigueiros, e assistir de guarnição em Beja e
extremos pera se impedirem entradas e hostilidades ao Inimigo, hindo
despois acompanhar o seu Mestre de Campo a recondução do terço re-
ferido em que se houve com limpesa, como também embarcarse em hua
Armada que sahio a correr a Costa, a cargo do general Pedro Jaques de
Magalhães, e assistir na guarnição da praça de Cascais e passar despois
ao brazil com o cargo de contador das minas de Itabayana e capitão da
fortaleza que se havia de formar /hauendoas/ em companhia do admi-
nistrador geral delas Dom Rodrigo de Castelbranco e nesta diligencia
obrar tudo com particular zello do meu seruisso andando pello sertão
daquele estado perto de mil legoas, e ultimamente voltar ao Reino na
Não de São Pedro de Rates a modar conta do que se obrara na dita dili-
gencia e hir a Seuilha com ordem minha a hum negosio particular do
meu Seruisso em que se houve com bom acordo, e nas ocasiões referidas
/
382
AURÉLIO PORTO
Quando em 1673 foi cometido a D. Rodrigo o encargo de ad-
ministrar as minas de Itabaiana, descobertas na Baía, veio com
este, para ser o contador delas, com o posto de capitão de uma
fortaleza que se pretendia formar. No desempenho da sua co-
missão penetrou os sertões brasileiros, percorr#ndo-os mais de
1.000 léguas, e tendo assim uma noção precisa das condições do
nosso hinterland. Com esses elementos de informação voltou Jor-
ge Soares de Macedo ao Reino, provàvelmente em 1676, a fim de
pessoalmente dar conhecimento à Coroa das observações que fi-
zera na utilidade do serviço real.
Na Corte foi incumbido por El-Rei de «hir a Seuilha con
orden minha», diz o monarca, «a hum negosio particular do meu
Seruisso, em que se houve com bom acordo». Veremos adiante,
como tudo leva a crer, qual seria essa missão de carácter parti-
cular de S. Alteza, confiada ao experimentado sertanista, que vi-
nha da Colónia.
Voltando, Jorge Soares recebe a sua patente de Tenente-de-
Mestre-de-Campo-General ad honorem, com exercício e governo
de Infantaria que passar ao descobrimento das minas de Perna-
guá e Sabaraboçu da Repartição do Sul, para onde fora, junta-
mente com D. Rodrigo, mandado por ordem real.
Depois do insucesso do povoamento do Rio da Prata, come-
tido ao General João da Silva de Sousa, como fica historiado, fora
presente a El-Rei, e mandado a parecer do Conselho Ultramari-
no, em Janeiro de 1677, o requerimento do Visconde de Asseca
sobre a fortaleza que pretendia erguer, nas proximidades do Rio
da Prata, para garantir a colonização de suas terras. Levando
ao Príncipe notícias não divulgadas das suas entradas pelo ser-
tão, fora naturalmente objecto dessas conversações de Soares de
Macedo com o monarca o povoamento do Sul do Brasil. E, pos-
co valor e satisfação; por esperar dele que em tudo o de que se encarre-
gar me seruirá com a mesma e muito a meu contentam. Por todos esses
respeitos: Hei por bem, como me apraz de o nomear /como por esta
nomeio/ por Tenente de Mestre de Campo General ad-honore. com o exer-
cício e gouerno da Infantaria que passar ao descobrimento das Minas de
Pernaguá e Sabarábosú da Repartição do Sul, com o qual posto gosara
de todas as honras", etc. Dada em Lisboa, a 30 de Outubro de 1677.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 383
sivelmente, essa ida a Sevilha, em serviço particular do Soberano,
prender-se-ia à missão que, mais tarde, seria confiada à sua ex-
periência de soldado e sertanista, toda ela envolta em mistério e
levemente aflorando da documentação da época.
Ressalta de toda a correspondência régia que havia, sob a
capa de mineração na Repartição do Sul, duas incumbências ni-
tidamente distintas, respectivamente, para Dom Rodrigo e para
Jorge Soares. A do primeiro, que teve o epílogo sangrento do
arraial de São João, atinha-se realmente a assuntos de mineração.
A do segundo, mais ampla e importante, era a penetração para
o Sul e o povoamento, longamente ambicionado, da parte seten-
trional do cobiçado estuário do Prata.
Precavendo-se, porém, contra qualquer surpresa se chegasse
ào conhecimento de Castela a incumbência que levava o Tenente-
de-General, usa o Príncipe, em toda a correspondência sobre o as-
surto, dos mais cuidadosos termos, para que deles não transpare-
ça a verdade. E' o que se vê da Carta Régia de 19 de Dezembro
de 1677 dirigida a Jorge Soares. 43)
Já aí se descobre, nas entrelinhas, o objectivo principal da
missão. D. Rodrigo poderia ficar no sítio que melhor lhe pare-
cesse, em companhia do minerador João Coutinho: «Nas ordens
que vão ao Administrador Dom Rod. de Castelbranco pa. em vos-
sa Comp. passar às Capitanias da Repartição do Sul para efeito
de fazerem deligencias as Minas de Pernaguá, com sua falta às
da Serra de Sabarabosú se prevenio que sendo caso que por seus
achaques o impossibilite a poder passar a penetrar os certões das
ditas capitanias, fique no citio que lhe parecer em que possa fa-
zer alguma experiência com João Alvz. Coutinho que ordeno vá
em sua companhia ...»
Outra era a missão de Jorge Soares. Advertências lhe ti-
nham sido feitas, quando de sua estada no Reino, sobre a incum-
bência que trazia. Era a de procurar sítio e se localizar nele,
dando conta a Sua Alteza e ao Governador do Rio de Janeiro, a
fim de ser tomada uma resolução ulterior. Para esse efeito leva-
43) Arq. Nac. Coll. 60 — Prov. Vol. V.. fls 90.
História da» Missões Orientais do Uruguai
13
384
AURÉLIO PORTO
ria consigo, o povoador, as pessoas que julgasse necessárias à
empresa.
E' o que diz a carta citada: «e vós por conueniência do meo
seruisso ena forma das aduertencias que aqui se vos fizeráo, pas-
sareis a descobrir e penetrar aqueles Certóes por se dizer que po-
deria neles aver o que se procura, e tomadas as notisias com
atenção aos sitios que descobrirdes e do que mais achardes me
dareis conta, e o mesmo fareis ao Gen. do Rio de Janeiro Dom
Manoel Lobo 44) pera que enformado por ambos possa dispor o
que ouver - por bem, e pera esta jornada que fizerdes leuareis
aquelas pessoas que vos parecerem mais conuenientes, e tenháo
já penetrado aqueles certóes, as quaes segurareis que deste seruis-
so que me fizerem em vossa companhia poderão esperar de minha
remuneração e quando vos seja necessária ajuda e favor para
este efeito ordeno aos capitáes-mores das ditas capitanias oficiaes
de guerra, justiça e fazenda, e aos oficiaes das camarás vos dê
o. que lhes perdirdes que asim o hei por bem e de vossa Experiên-
cia e zelo espero que neste negosio procedais tanto a meo con-
tentam, que tenha logar de vos fazer mercê. Escrita em Lxa.
aos dezanove de Dez.bro. de seis centos e setenta e sete. — Prin-
cepe para o Thenente general Jorge Soares de Macedo».
Estava o Tenente-de-General Jorge Soares de Macedo no de-
sempenho de suas funções quando em Santos, para onde se diri-
gia, recebe como aditamento às ordens reais, o encargo de se
transportar a título ainda de descobrimento de minas, ao Rio da
Prata, onde, nas Ilhas de São Gabriel, ou em «sítio cómodo» de-
veria fazer uma fortificação para segurança tanto do porto do
Rio da Prata, como do povoamento da terra. 45) Em 5 de Agos-
to de 1678, Soares de Macedo, que fora ao Rio de Janeiro, daí co-
44) Em concorrência com Aires de Souza de Castro e Bernardino
de Távora Tavares, propostos pelo Cons. Ultram. em 10 de Junho de 1677
para Governador do Rio de Janeiro, havia sido em data de 21 de Agôsto,
nomeado para o cargo, por El-Rei, Dom Manuel Lobo. Mas, é interes-
sante o íacto de sua carta patente de nomeação para esse cargo, exis-
tente no Arquivo Nacional e adiante transcrita, só ter sido expedida em
data de 8 de Outubro de 1678, quase quatorze meses depois do acto ini-
cial da Coroa.
45) Instr. a D. M. Lobo, Bibhot. Nac. Cod. Cit.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
385
munica a El-Rei que se apresentava para a diligência de que se lhe
incumbira.
Mas, pesando mais maduramente o assunto, que demandava
maiores proporções, resolve D. Pedro II cometer a empreitada à
experiente competência de D. Manuel Lobo, que fora despachado
Governador do Rio de Janeiro. Demorados e escassos os meios
de comunicação da época, ignorava a Corte, ainda em Novem-
bro desse ano, se Jorge Soares conseguira atingir o objetivo visa-
do. Em 12 de Novembro, seis dias antes das Instruções baixa-
das a D. Manuel Lobo, em Carta Régia ao Vice-Rei, Roque Barreto,
comunica à Coroa que determinara a D. Manuel Lobo passasse
ao Rio da Prata a fim de fundar povoação, mas «se Jorge Soares
estiver no sítio de São Gabriel, então, caso morra D. Manuel Lo-
bo, entregue a via a Matias da Cunha *«) para que a abra e exe-
cute o que havia de fazer D. Manuel Lobo, porque estando des-
coberta esta jornada sem atenção a execute, e ainda que Jorge
Soares não tenha passado ao sítio de S. Gabriel, porque neste ca-
so se hade Jorge Soares avistar com Mathias da Cunha, primeiro
para ir em sua companhia como havia de fazer com D. Manuel
Lobo, o que disporeis por vossa instrucção para que assim o exe-
cute e fique o mesmo Jorge Soares governando aquella praça. 47 )
Não pretendia o Monarca desgostar a Jorge Soares pela di-
minuição que sofrera na empresa, recomendando a D. Manuel
Lobo a habilidade necessária no caso, pois seria aquele o eventual
continuador da obra, se não seu executor principal. As instru-
ções particularizam a acção do ilustre fundador da Coloma do
Sacramento. «E se em caso de antes da partida do Rio de Ja-
neiro, chegardes a essa praça, e souberdes que Jorge Soares está
fortificado em S. Gabriel, o mandareis socorrer em tudo que pu-
derdes e for possível, partindo-vos logo sucessivamente após esse
socorro, sendo em tempo de monções e enquanto não as tiverdes
deveis ir repetindo todos os socorros por mar, sem avisardes que
ides em pessoa, nem dardes a entender.» 48 E acrescenta que se
Jorge Soares não houver passado a S. Gabriel, que não o faça,
46) Governador do Rio de Janeiro desde 1674.
47) Corresp. Vice-Rey. Cod. Cit. Arquivo Nacional
Historia das Mls«õe« Orientais do Uruguai
13*
386
AURÉLIO PORTO
ficando nas minas de Paranaguá, de onde iria ao Rio de Janeiro
se entender com D. Manuel Lobo. E ainda «dar noticias do que
houver encontrado particularmente nas minas e do mais que lhe
eu havia encarregado, sem fazer a diligencia que se havia recom-
mendado se execute no sitio do Rio da Prata, e caso não tenha
chegado a elle, como acima se diz, vindo ao Rio de Janeiro infor-
mar-vos, o levareis comvosco na forma que vos tenho ordenado,
sem mostrar-lhe attenção alguma, nem dar-lhe a entender que seu
intento foi reprovado...» 48)
Antes, porém, que chegasse ao seu conhecimento a modifica-
ção do plano preestabelecido agia Soares de Macedo com presteza
para a execução das ordens reais. Em Santos, onde se achavam,
publicava D. Rodrigo um bando em que dava a conhecer as ordens
que tinha Soares de Macedo de penetrar até o Rio de Buenos Ai-
res», convocando para a empresa os paulistas que a ela quisessem
aderir, aos quais prometia mercês, tenças e honras. Em 15 de
Janeiro de 1679, em São Paulo, onde conseguira arregimentar lu-
zido corpo de expedicionários, passava o Tenente-de-General pa-
tentes aos paulistas Braz Rodrigues Arzão, de Capitão-Mor da
gente da Leva, e a António Afonso Vidal, de Sargento-Mor da
mesma gente. Juntou-se-lhe o escol dos sertanistas da terra ban-
deirante, sob o comando experimentado do Alferes Maurício Pa-
checo Tavares, além de 200 índios' conhecedores do sertão, fre-
cheiros e arcabuzeiros. Como Provedor do corpo militar ia o
Capitão Manuel da Costa Duarte, cidadão de São Paulo, e o es-
crivão António Pereira. 49)
Para os aprestos da expedição providenciou Soares de Mace-
do junto às autoridades das povoações do Sul, no sentido não só
de aprovisionamento da frota, como também no de conseguir pes-
soal apto ao serviço real.
Recebera para isso a importância de 5.000 cruzados, e arma-
zenara grande quantidade de géneros alimentícios. Ao sair de
Santos conduzia, para mantimento da gente da leva nos primei-
48) O frigo é nosso.
49) Baltasar da Silva Lisboa. Anais dn Rk> de Janeiro Rio de Ja
neiro — 1835 — T. II, págs. 246 a 251
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 387
ros tempos no Rio da Prata, 3.000 alqueires de farinha, 300 arro-
bas de carne de porco, 100 alqueires de feijão, 8.000 varas de pano
de algodão, 23 arrobas de fio torcido em três linhas e duas de fio
singelo.
A Vila de São Francisco foi uma das que contribuiu com gé-
neros para a expedição. «Em 6 de Abril de 1679, D. Rodrigo de
Castelo Branco, segundo um ofício desta data, acusa em Parana-
guá o recebimento de 650 alqueires de farinha daqui remetidos
por ordem do Tenente-de-General Jorge Soares de Macedo, quan-
do por aqui passou para a descoberta das minas do sul de Para-
naguá e Rio da Prata. Esta farinha ia por conta dos três mil
alqueires que a Câmara se obrigou a fornecer à mesma expedi-
ção.» 50 )
Luzida e aparatosa se pusera a expedição. Sete sumacas,
cheias de gente, largaram do porto de Santos em 10 de Março de
1679, rumo ao Rio da Prata, tendo por Capitão-Mor de todas as
embarcações a Manuel Fernandes, afeito aos mares do Sul.
Encontraram, porém, mares tormentosos a que não resisti-
ram as frágeis velas e, por duas vezes, batidas pelos temporais,
tiveram de arribar novamente a Santos.
Mais infeliz se lhes deparou a terceira tentativa. Saindo de
Santos, as sete sumacas se lançaram ao mar. Sobreyeio, no en-
tanto, tempestade maior do que as anteriores já afrontadas. A
flotilha foi dispersada. Quatro sumacas conseguiram aproar no-
vamente a Santos, mas três delas^ por vários dias, foram consi-
deradas perdidas. Numa das quatro que conseguiram surgir em
^Santos, quase desarvorada, vinha o Tenente-de-General Jorge Soa-
res de Macedo, que via frustrada toda a acção que desenvolvera
para dar cumprimento à ordem real.
Só muito tempo depois téve o chefe da expedição conheci-
mento de que as três sumacas desaparecidas tinham ido dar à de-
serta Ilha de Santa Catarina, onde desembarcara o pessoal que
conduziam.
Ainda em Santos, abatido pelo malogro da expedição, teve o
50) L. A. Boiteux. Notas para a História Catarinense, Florianópo-
lis — 1912, pág. 171.
388
AURÉLIO PORTO
Tenente-de-General conhecimento das ordens régias, referentes a
D. Manuel Lobo. Eram aquelas terminantes no sentido de não
prosseguir na expedição sem primeiro se avistar com o futuro
fundador da Colónia. Tratou logo de dar cumprimento à deter-
minação real. Na falta de monção empreendeu por terra a via-
gem para ò Rio de Janeiro. Em caminho, porém, recebeu cartas
de D. Manuel Lobo. 51)
Fazia-lhe ver o maneiroso fidalgo que serviço de valia pres-
taria Soares de Macedo «na assistência da Uha», recomendando-
lhe que nela mandasse fazer cal, telha, tijolos, cestos, carvão,
«herva provechosa», canoas, e carrinhos de fortificação, com toda
a madeira lavrada e tabuado que fosse possível, tudo necessário
à Colónia que se ia situar nas ilhas de São Gabriel. Fez-lhe tam-
bém vários avisos de que, na ocasião oportuna, faria passar na
Uha uma das embarcações em que seguiria para o Rio da Prata,
afim de que o acompanhasse Jorge Soares, na expedição. r>21
Chegando a Santa Catarina, desde a primeira vista de olhos,
compreendeu logo o Tenente-de-General Soares de Macedo o va-
lor estratégico da Uha, máxime tendo-se em vista o povoamento
do Sul até o Rio da Prata. Seria um ponto excelente para o apro-
visionamento dos estabelecimentos que se fossem fundando, ao
mesmo tempo que uma paragem de estágio nas longas e incertas
viagens para o extremo meridional da Colónia.
Disputada pelos estrangeiros, cujos navios bastas vezes nela
aportavam, a Uha de Santa Catarina não poderia ficar despovoa-
da, convindo nela permanecer a gente que o chefe da expedição
ali deixara.
Essa preocupação dominou sempre a Jorge Soares. Quando
escreveu a El-Rei, em 15 de Dezembro, depois das agruras de
sua prisão, ainda repisa a necessidade da conservação do povoa-
mento da Uha: «Escreui ao administrador geral das minas D.
Rodrigo de Castelbranco visse o meio que pudesse auer para que
51) Arch. Gen. de la Nac. Campana dei Bras. cit. 183. Depoimento
Fr. Lorenço da Trindade.
52) B. N. Anais XXXIX, eit. 162 Carta de Jorge Soares, de B. Ai-
res, 15 de Dezembro de 1682 e 20 de Janeiro de 1683, ao Príncipe D. Pe-
dro.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 389
a gente que ficou na Ilha de Santa Catarina se pudesse ali conser-
var até ordem de V. A. respeitando a utilidade que auia em a
Ilha estar pouoada para a conservação das pouoações que se in-
tentão desta, banda.» r'3)
Infelizmente «assim não aconteceu, pois, por ordem do Desem-
bargador sindicante João da Rocha Pita, datada do Rio de Ja-
neiro, em 13 de Novembro de 1680, foram mandados recolher
para São Paulo os soldados e os índios, que ali se encontravam,
remanescentes da expedição de Jorge Soares. 54 )
Prometera D. Manuel Lobo várias vezes, determinando a Jor-
ge Soares que estanciasse na Ilha que, ao cruzar por aquelas al-
turas, rumo ao Rio da Prata, destacaria um dos navios de seu
comboio para os transportar, em sua companhia, até a paragem
que ali deveria ser povoada.
Ao chegar a Santos viu porém D. Manuel Lobo ser inexe-
quível o que estabelecera. Compunha-se sua frota de navios gran-
des e não seria conveniente, afim de evitar danos possíveis, se
aproximar muito da costa. E fez disto aviso a Soares de Mace-
do, que o comunica a El-Rei: «e assim determinaua fazer-se tan-
to ao mar que não pudesse ter uista da terra, mas que a do Cabo
de Santa Maria ou Ilha dos Lobos do Rio da Prata para honde
eu também poderia hir, se me aparecesse huma de 2 sumacas,
que a minha ordem hauião de aportar na Ilha de Santa Catarina
carregadas de mantimentos e que nellas mandasse metter tudo o
que podesse da fabrica do armazém que aly tinha e auia mandado
fazer por seu auizo. . .» 55)
Recebendo essas notícias faz o Tenente-de-General reunir o
conselho dos oficiais e pessoas gradas da expedição para resolver
como fosse de melhor acerto. Foram convocados para ele os Ca-
pitães Francisco Dias Velho, José Dias Franco Pires, João Freire
Farto, o Alferes da companhia paga Maurício Pacheco e os Pa-
dres Capelães Frei Lourenço da Trindade e Frei Feliciano de San-
ta Rosa.
53) Campana dei Bras., cit. T. 1 — 279.
54) B. da S. Lisboa. Anais, cit. 251.
55) B. N. An. cit. 162.
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AURÉLIO PORTO
Cientificou-lhes o Tenente-de-General da correspondência tro-
cada com D. Manuel Lobo, e da impossibilidade em que se via
de seguir agora com toda a tropa. Unânime foi o conselho. Jor-
ge Soares deveria seguir embora só numa das sumacas que se
anunciava, afim de prestar a sua assistência, ctimo lhe fora de-
terminado pelas reais ordens que recebera. De chegada às Ilhas
de São Gabriel providenciaria com urgência no sentido de conse-
guir condução para os que ficavam. E tal se afigurava a neces-
sidade de sua presença junto a D.. Manuel Lobo que, no caso de
não virem àquele porto as sumacas que se esperavam, deveria o
chefe da expedição fazer por terra (o caminho), embora padecen-
do os maiores riscos. E lavrou-se auto circunstanciado do pare-
cer do Conselho.
Em Fevereiro chegava, finalmente, à Ilha uma das sumacas
esperadas, que vinha da Cananeia com mantimentos, destinando-se
à nova Colónia. Unicamente com a gente de seu serviço nela em-
barcou Jorge Soares. Levava um sargento _e dois soldados. Dei-
xou, porém, ordem que na outra sumaca que aparecesse «se em-
barcasse da fabrica tudo que coubesse e trinta índios, oficiais para
o que fosse necessário na pouoação noua deixando a demais gen-
te e fabrica de V. A. encarregada aos oficiais de milícia que ali
assistiam», informa a El -Rei na citada carta.
Depois de um ano e meio de trabalhos exaustivos e de adver-
sidades sem conta ia o substituto eventual de D. Manuel Lobo
cumprir a sua missão, cujo epílogo seria ainda o complemento de
todas as adversidades anteriores.
Em 13 de Fevereiro de 1680, sairam os expedicionários pela
barra sul da ilha de Santa Catarina, em demanda do Rio da Pra-
ta. Em uma canoa grande ia um grupo de índios, alguns solda-
dos e uma negra.
Péssima foi a viagem desde o início. Saindo ao mar, ventos
contrários bateram rijamente a pequena embarcação. «Nos po-
zemos em 4 sangraduras, na altura dos 33 Y2", informa Jorge
Soares. A 20 avistaram a terra da boca do Rio da Prata e Ilha
dos Lobos, mas por falta de prático e de piloto andaram três
dias «obrigados também da corrente das aguas, que era grande,
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 391
sem poder montar a ponta de Maldonado», que muitas vezes ti-
veram à vista.
Rondando «o vento a Osueste que aly he travessia, cresceo
com tanto impeto que sem remédio humano, não podendo montar
o cabo de Santa Maria, chocamos com as penhas dele, donde se
perdeo a sumaca miseravelmente». Eram duas horas da manhã
do dia 24 de Fevereiro quando se deu o naufrágio. Perdeu-se
nele, com a sumaca, tudo quanto levavam, bem como todo o man-
timento que se destinava à Colónia, «perdendo naquelle logar com
o pouco que possuía todos os papeis e documentos que leuaua
para que constasse ao Gouernador Dom Manuel Lobo, as razões
que me obrigarão á viagem por mar e gastos que nella hauia fei-
to da fazenda de V. A.», informa ainda o infortunado oficial.
Os náufragos salvaram-se alguns a nado, outros sobraçando
tonéis e pranchas de madeira com as quais foram atirados à praia
que é ali arenosa e longa. Deu-se a ocorrência na altura do anti-
go Cabo de Santa Maria.
No dia seguinte, sem que houvessem ainda tomado uma re-
solução definitiva, em volta de fogueiras que tinham aceso, aguar-
davam os náufragos as ordens do comandante. Surge, então, ao
sul do cabo, uma pequena embarcação de três velas, à qual fa-
zem sinais para que se aproxime da praia. Era a canoa grande,
pilotada pelo prático António D'Eça, e aproveitada por Jorge Soa-
res para ir até às Ilhas de São Gabriel levando alguns índios,
quando, mandada por correspondência por D. Manuel Lobo, de
Santos, aproara à Ilha de Santa Catarina.
Saindo juntamente com a sumaca, enquanto esta, não po-
dendo suportar o mau tempo reinante na costa, fazia-se ao mar
alto, viera a pequena embarcação beirando o litoral e abrigan-
do-se nas pequenas reentrâncias da terra.
Reconhecendo, pelos destroços, a sumaca perdida, e atenden-
do aos chamados insistentes dos náufragos, a embarcação apro-
ximou-se dando fundo na extremidade sul do cabo. Jorge Soares
e Leonel da Gama, a nado, foram parlamentar com o piloto.
Retiraram da embarcação os mantimentos de que tinham já
argente carência, pela perda total dos da sumaca: farinha de man-
dioca, carne seca, toucinho e água, transportando-os para a praia.
392
AURÉLIO PORTO
Em seguida determinou o chefe seguisse a canoa até Maldonado,
onde esperaria a chegada dos náufragos que até ali seguiriam por
terra. Fez dela desembarcar sete índios, substituindo-os por nú-
mero igual de marinheiros da sumaca, e uma escrava negra, doen-
te, que viera nesta embarcação.
Chegando a Maldonado, consoante as ordens que dera, aí en-
controu a canoa. Embarcou nela toda a sua gente, e navegaram
ass.m um dia. Mas, «experimentando os riscos que a ameaça-
vam pela muita carga de gente, e não podel-a aguentar», saltaram
novamente à Terra, determinando Jorge Soares que a embarca-
ção, com os marinheiros e a negra, seguisse para a Ilha de São
Gabriel, dando aviso a D. Manuel Lobo do ocorrido, enquanto ele
com os portugueses brancos e índios ao todo 24 pessoas, continua-
riam a viagem por terra.
Caminhavam já alguns dias, curtindo os rigores dessa para-
gem deserta, quando, no dia 5 de Março, na altura da Ilha das
Flores, se lhes deparou um troço de índios, armados de arco que,
pela praia, seguiam em sua direção: Também nas altas barra-
cas, que a circundam, outros grupos apareciam, com aspecto hos-
til. Ao princípio lhes pareceram índios selvagens, preparando-se
os expedicionários, que se haviam armado com quatro espingar-
das trazidas pela canoa, para resistir quanto possível.
Mais próximos, porém, reconheceram, quando Frei Lourenço
da Trindade lhes falou na língua geral de que era senhor, serem
moradores de alguma redução dos Jesuítas. Em seu depoimento
narra o religioso franciscano miudamente o sucesso: «Ouviu dizer
aos ditos índios na língua guarani que entende quem sois vós, e
lhes respondeu que eram portugueses. E perguntando-lhes aos di-
tos índios de quem eram e de que doutrinas, lhes responderam de
primeira instância que dos Frades de São Domingos. E apuran-
do a matéria, e não lhes dando crédito, lhe tornaram a dizer que
eram das doutrinas dos Padres da Companhia e que perto dali
estavam dois religiosos dela. — E o dito Tenente, com esta notí-
cia, lhes escreveu um papel avisando-os do sucesso de sua perda
e estado em que se achava.» r,G)
56) Campana dei Bras. — cit., 184
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
393
Seguiram eles, então, aos índios que iam em busca de seus
Padres para lhes relatar o acontecido. No dia seguinte encon-
traram o grosso da patrulha jesuítica, forte de 800 homens de ar-
mas. Dirigiam-na os Padres Domingos Rodiles e Jerónimo Del-
fim, dois jesuítas espanhóis da redução dos Reis Magos, do Ja-
pejú.
Não e»"a por mero acaso que ali se achava a considerável pa-
trulha jesuítica. Apesar de todo o sigilo com que havia sido fei-
to o recrutamento, que tinha por objectivo ostensivo o descobri-
mento das minas da Repartição do Sul, espalhara-se logo em São
Paulo o motivo real daquela bandeira marítima: o povoamento
de um sítio no Rio da Prata.
Rápida, a notícia voou ao Paraguai, levada por um fugitivo
aos maus tratos de ousado bandeirante, como passamos a histo-
riar.
João de Peralta, natural de Vila Rica, em 1635 ou 36, uma
das vezes que esta povoação do Guairá foi invadida pelos mama-
lucos, criança ainda de peito, juntamente com sua mãe, cativa,
havia sido levado para São Paulo. Ali viveu perto de 40 anos.
Numa dúvida que teve com Francisco Pedroso este lhe deu um
tiro, ferindo-o gravemente. Restabelecido, Peralta fugiu de São
Paulo, indo dar, depois de uma série de trabalhos e sofrimentos,
em Assunção, no Paraguai.
Deu, ali, ao Governador espanhol, várias notícias relativas
aos paulistas que intentavam entrar pelo sertão mais a maloquear
índios que à cata de ouro, porque, acrescentava: «não fazem eles
muito caso do ouro, querendo antes maloquear índios.» 57 ) . Den-
tre todas, porém, a nova mais impressionante era a povoação que
os portugueses iriam fazer em Montevidéu, ou em outro ponto
mais para dentro da terra, para cujo efeito «veio de Portugal o
Dr. João da Rocha Pita, desembargador de Passos, com despa-
chos de Juiz cível e criminal no Estado do Brasil e título de Sin-
dicante do Rei e amplos poderes para o despacho de todo o ne-
cessário à fundação pretendida; fora deste vieram de Lisboa D.
Rodrigo Castelo Branco, fidalgo português, que antigamente es-
57) A. G. de la Nac. Campaiia dei Bras., I, cit. 76.
394
AURÉLIO PORTO
teve nas minas dos Lipes e em Cuzco e outras partes do Peru,
nomeado pelo Príncipe D. Pedro, Mestre de Campo de toda a gen-
te que fosse povoar na costa de Montevideo, e traz por seu te-
nente a Jorge Soares Macedo.» E acrescentava o informante que
em 14 barcos que entraram em Santos e São Vicente se havia em-
barcado o tenente Jorgé Soares com 80 soldados que vieram da
Baía 58) e 30 portugueses do distrito de São Paulo e que, além
destes, ordenara Rocha Pita que toda a aldeia que chamam Bar-
beripe, constante de mais de 300 famílias se despovoasse para se
transportar à nova colónia que se ia fundar no Prata. De outra
aldeia, que têm os Padres da Companhia, tirou também o sindi-
cante 111 pessoas entre as quais muitos oficiais de ferreiro e car-
pinteiro, que tiveram ordem de embarcar. Com os demáis tam-
bém seguiram Francisco Dias Velho, homem rico, com 80 índios
de sua casa, Manuel da Costa Duarte que levou outros 15 índios,
e os 30 portugueses levaram, cada um, três ou quatro índios.
Peralta informava ainda que a armada, segundo se dizia, iria
sondar a costa de Montevidéu, mas segundo carta que vira, de
Felipe de Campos, português poderoso, escrita a um filho, que
era cura da Candelária, muitos eram de parecer «que fundassem
no meio da terra e assim se julgava que era mui factível que a
Armada tivesse entrado pelo Rio Grande do Igaí, que desemboca
no mar em trinta e dois graus ou por outro Rio», 59) porque ten-
do a armada saído a 3 de Fevereiro (aliás 10 de Março, como vi-
mos) nada se sabia ainda em Buenos Aires naquela data (Ou-
tubro).
Como é natural, a notícia causou sensação nos meios caste-
lhanos. O Governador do Paraguai, D. Felipe Rexe Corvalan a
transmitiu, imediatamente, em carta de 22 de Outubro de 1679, a
D. José de Garro, Governador de Buenos Aires.
58) A Ordem Régia de 30-XI-77 determinava dar a Jorge Soares
um Capitão e 30 soldados do presídio da Baía, ordenando a Matias da
Cunha, Governador do Rio de Janeiro que, no que chegasse àquela praça
esse oficial lhe fornecesse mais um Alferes e 20 soldados do presídio do
Rio de Janeiro. A ordem era dirigida ao Vice-Rei Roque Barreto que a
retransmitiu ao Governador do Rio de Janeiro. A. N. Coll. 60 — Liv. V,
fls. 120.
59) Campana dei Bras., cit. 79 — Rio Grande do Sul então assim
designado, como já vimos anteriormente.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
395
Por outro lado, o P. Cristóvão Altamirano, Superior dos Je-
suítas, faz a mesma comunicação, temendo a incursão dos ban-
deirantes sobre o território das reduções do Uruguai, para cuja
defesa pede armamento e munições. (i0) Aparelhado de elemen-
tos e de ordens especiais para a facção, e depois de organizar um
contingente de 3.000 índios das diversas reduções sob o seu co-
mando, o P. Altamirano fez sair uma patrulha sob as ordens dos
Padres Delfim e Rodiles, que avançou até as imediações de Mal-
donado. Foi aí, como fica exposto, que foram aprisionados o Te-
nente-de-General Jorge Soares de Macedo e seus companheiros de
expedição.
Custodiando-os, ■ levaram-nos os Padres até a aldeia dos Reis
Magos, Japejú, fazendo ura percurso a pé de 180 léguas. Nesta
aldeia, apesar de serem bem tratados pelos Superiores da redu-
ção, não se lhes relaxou a vigilância. Ficaram ali até à véspera
da Páscoa da Ressurreição, dia em que, escoltados por 3.000 ín-
dios às ordens dos Padres Pedro Jiménez, João António Solinas e
Jacinto Marques foram, em grande número de balsas, conduzidos
a Buenos Aires e entregues ao Governador da praça D. José de
Garro.
Chegados a esta cidade, em 24 de Maio, ficaram incomunicá-
veis, em calabouço, com sentinelas à vista, depois de largamente
interrogados.
Recebendo a comunicação que lhe fazia o Tenente-de-General
da perda da sumaca e da viagem que empreendia por terra, e
como se demorassem os expedicionários a chegar àquela para-
gem, resolveu D. Manuel Lobo mandar, em Abril, procurá-los a fim
de os guiar à nova Colónia. Valeu-se para isso de pessoal que,
na outra sumaca, que tocara em Santa Catarina duas semanas
antes de Jorge Soares, havia poucos dias dera fundo no porto da
Nova Lusitânia. í Colónia do Sacramento * ,
Organizou o chefe uma escolta de 25 homens, composta de
portugueses e índios e comandada pelo oficial D. Francisco Naper
de Alencaster. Percorreu esta largo trato da costa até Maldo-
nado, sem encontrar os expedicionários, levando nisso pròxima-
60) Idem, pág. 80.
396
AURÉLIO PORTO
mente um mês. Voltou a escolta à Colónia afim de comunicar a
D. Manuel Lobo não haver encontrado o Tenente-de-General, e
nem notícias que lhes pudessem indicar o rumo que a gente havia
tomado. Novamente fê-los sair, com o mesmo objectivo, o Go-
vernador da praça, determinando-lhes que seguissem para os la-
dos do rio São João onde, desviado do rumo, pudesse ter ido parar
Soares de Macedo. Depois de muitos dias de inúteis pesquisas,
haviam os portugueses que iam a cavalo se distanciado dos índios,
que seguiam a pé, quando estes, encontrados por forças do Ca-
pitão D. Antonio de Vera e Muxica, foram presos e conduzidos a
Buenos Aires, aonde foram entregues em 6 de Junho. Eram 12
índios tupis da escolta da Colónia.
Só em Julho conheceu D. Manuel Lobo a causa do desapare-
cimento de seu substituto no governo da Colónia. Em 2 de Julho
manda o Capitão Simão Farto e o Superior dos Jesuítas daquela
praça a Buenos Aires, levando ao Governador D. José Garro uma
carta em que historia os sucessos anteriores da perda da sumaca
de Jorge Soares e estranha a sua prisão, bem como a da escolta
que posteriormente mandara à procura desse oficial. Vão tam-
bém os seus emissários com credenciais para «sabelo de V. S. pa.
que tenhamos entendido, se estamos em guerra, ou paz, porque
quando desa pte. senão tenha tomado rezulução de Rompimto.,
espero que V. S. me mande restituir o dito thenente gal. com os
mais prisioneiros como o pede a rezão; lembrando a V. S. que asi
como o Sereníssimo Príncipe de Portugal Meu Sor. repetidas ve-
zes me tem- ordenado conserve a paz estabelecida, não dando a
minima ocaziáo a bem fundada queixa, como se tem feito thegora,
também me manda que quando desa pte. madem uze dos meyos
comvenientes pa. a defença e ofença. 61 )
Responde o Governador de Buenos Aires protestando contra
o estabelecimento dos portugueses no Rio da Prata, que julgava
território pertencente à Coroa de Espanha, usando contra eles, em
todas as ocasiões, das represálias que fossem possíveis não só nos
haveres como nas pessoas. E segue dessa forma o teor da inú-
til controvérsia.
61) Campana dei Bros., cit. I. — 197.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 397
Pobre D. Manuel Lobo! Abandonado pelo seu soberano na-
quele recanto deserto, ante um inimigo poderoso e forte, veria
em breve abatido o seu orgulho e realçado seu vulto histórico por
um halo imortal de martírio.
Não havia findado, no entanto, a odisseia de Jorge Soares.
D. José Garro, dominado pela vontade dos Jesuítas, que viam no
estabelecimento dos portugueses uma ameaça constante à sua in-
filtração naquelas terras, tendo resolvido atacar a novel povoa-
ção, temeu-se de ação que os prisioneiros, em Buenos Aires, pu-
dessem desenvolver.
E, assim, Jorge Soares de Macedo foi enviado a 9 de Novem-
bro de 1680, ao Reino do Chile, onde esteve preso até 1 de Maio
de 1682. Promovido D. José Garro a Vice-Rei daquele governo,
levou a notícia do Tratado Provisional realizado entre Portugal
e Espanha em 7 de Maio de 1681, sendo assim concedida a liber-
dade do ex-chefe da expedição às ilhas de São Gabriel.
Mas, embora livre lhe estava reservada outra provação. So-
licitou Jorge Soares se lhe permitisse e aos mais portugueses que
ali assistiam, fossem ao porto de Buenos Aires, afim de ali aguar-
darem as ordens d'El-Rei. Nem isso lhe foi permitido. D. José
Garro ordenou que se transportassem a Córdova, pois, nessa ci-
dade se achava Dom Manuel Lobo. Estava completamente exaus-
to de recursos. Até os cinco escravos negros que o acompanha-
ram lhe tinham sido tomados e vendidos pelo Governador de Bue-
nos Aires, que não o quis indenizar, como devia. Ficaram, por
esse motivo, ainda no Chile, os portugueses que tinham sido seus
companheiros de prisão, com excepção de D. Francisco Naper de
Alencaster que seguiu em sua companhia para Córdova, província
de Tucumã.
Só em Dezembro desse ano conseguiu o Tenente-de-General
Jorge Soares de Macedo chegar a Buenos Aires donde, em data
de 15, escreve ao Príncipe D. Pedro extensa carta em que re-
constitui a sua malograda acção na fundação da Colónia do Sa-
cramento.
Tem a mesma um aditivo de 20 de Janeiro do ano seguinte
em que dá conta da morte de D. Manuel Lobo.
398
AURÉLIO PORTO
5. Colónia do Sacramento.
A efectiva expansão portuguesa para o sul, que se dirige
para o Prata sempre ambicionado, cuja posse deveria ser um se-
cular motivo de dissídios e de lutas sangrentas, só se realiza em
fins de século XVII. D. Manuel Lobo, a quem se incumbe de
fundar a Nova Lusitânia, que logo denomina de Cidadela do Sa-
cramento, ou mais propriamente de Nova Colónia do Santíssimo
Sacramento, liga, com seu martírio e com seu estoicismo de sol-
dado, os alicerces desse marco que Portugal vai plantar muito
além da linha de Tordesilhas. A história da Colónia, que só ago-
ra se escreveu, <i2) é o índice de todas as competições que trans-
plantaram para a América os dois povos que dominaram a Pe-
nínsula ibérica e entre os quais se repartiu o vasto Continente
do Sul. Chocam-se, aí, pela primeira vez, as duas grandes cor-
rentes, de cujo embate inicial, ressentir-se-ão, durante séculos, os
élos de fraternidade continental, que deveriam cimentar, em sua
origem, os fundamentos das nacionalidades nascentes.
Não é nosso intuito detalhar a história da Colónia. Ela não
cabe, pela sua grandeza e pelos seus moldes, nos restritos pro-
pósitos da nossa narrativa. Basta, porém, assinalar as conse-
quências imperativas com que esses acontecimentos agiram para
a fundação oficial do Rio Grande, que nada mais foi do que a con-
firmação da conquista lenta e destemerosa dos primeiros vaquei-
ros que penetraram e se fixaram na terra. E tanto é assim que,
não obstante a deflagração da luta na Colónia, pela posse do Pra-
ta, durante 50 anos, quando se trata de colonizar o Rio Grande,
a Corte se mostra temerosa de irritar, ainda mais, a belicosidade
castelhana.
Em sua primeira carta, datada da Cidadela do Sacramento,
62) Vasta e preciosa a bibliografia sobre a Colónia do Sacramento,
quer de origem portuguesa, quer espanhola. Encontra-se a sua relação
nessa preciosa obra de Luis Enrique Azarola Gil, historiador uruguaio,
que nos deu La epopeyo de D. Manuel Lobo, publicada em Madrid, em
1931. E' um livro que honra a cultura sul-americana. Modernamente,
outro trabalho se há feito que, pela documentação formidável que encer-
ra, será a obra de maior vulto escrita sobre o assunto. E' a História da
Colónia do Sacramento, em dois grossos volumes, da autoria do insigne
pesquisador Coronel Jónatas da Costa Rego Monteiro.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 399
em 12 de Março de 1680, existente na Biblioteca Nacional e que
foi publicada em primeira mão, na íntegra, na obra monumental
de Rego Monteiro, historia D. Manuel Lobo, minuciosamente, a
fundação da Colónia. Dando cumprimento à ordem real, organi-
zou a sua expedição, destinada ao Prata, no Rio de Janeiro, com-
posta de três charruas, de que eram Capitães António Fernandes
Pedroso, Manuel Carneiro da Costa e Maynard, e que deveriam
se lhe reunir no porto de Santos, depois de receber a bordo gente,
cavalos e petrechos que pudessem, tudo sob q comando do Capi-
tão de Cavalos Manuel Galvão. Depois de dar algumas provi-
dências em São Paulo, a cuja vila subiu, e de enviar duas sumacas
afim de carregar farinha em Cananeia e São Francisco, fez-se à
vela, diz «com cinco embarcações do meu contrato, saí daquele
porto (Santos) no dia de N. S. da Conceição, que para todos nós
foi de feliz anúncio, gastando na derrota até dar fundo na ilha
de Maldonado, situada na embocadura deste rio, vinte e três dias
porque o vento nunca nos foi favorável». Em Maldonado demo-
rou-se alguns dias até «que a lua nova, tempo em que ali cheguei,
fizesse os efeitos que acostuma nessa altura». E seguindo para
as ilhas de São Gabriel, alguns dias depois deu fundo no porto,
onde desembarcaram todos. Ao segundo dia que ali estavam,
«les veiu reconhecer de longe uma lancha de Buenos Aires». 63 )
A esta se seguem outras embarcações e cartas do Governa-
dor de Buenos Aires, protestando contra o estabelecimento ali dos
portugueses. Uma discussão se estabelece sobre a linha que se-
63) Controvertida a data da fundação da Colónia que essa carta
inédita de D. Manuel Lobo vem esclarecer. Azarola Gil faz um detido
estudo sobre o assunto, resenhando vários historiadores. Aceita a data
de 22 de Janeiro, estabelecida pelo barão do Rio Branco. Conforme se
evidencia da carta de D. Manuel Lobo partiu de Santos a 8 de Dezem-
bro chegando a Maldonado "vinte e três dias depois", isto é, a 31 de De-
zembro. Muitos dias bordejou por aquelas alturas. No dia seguinte ao
do desembarque foi reconhecer, de longe, a expedição, uma lancha de
"Buenos Aires. Segundo documentação espanhola (Campana dei Brasil
— cit.) a primeira embarcação que dá notícia dos portugueses, na ilha de
São Gabriel é a em que ia Marcos Roman que diz, como acentua também
Azarola "habia visto cuatro navios el 22". Pode-se, pois estabelecer a
data de 21 de Janeiro de 1680 para a fundação da Colónia do Sacramen-
to e não a de 1 de Janeiro, como dizem as histórias oficiais até hoje.
Rego Monteiro, em seu trabalho, estuda detidamente a questão.
400 AURÉLIO PORTO
para, ao Sul, as possessões de ambas as monarquias. D. Manuel
Lobo pensa que os espanhóis ficaram satisfeitos com as suas explica-
ções. Mas, não tarda que as ilusões se desvaneçam. Vão já escas-
seando os mantimentos. Os gados que havia «se tem apartado»,
«com o fogo que pegou nestes campos, creio que por ordem dos cas-
telhanos», a sumaca de provisões, que Jorge Soares trazia, nau-
fragou nas alturas de Maldonado, e «se a outra suma r a de fari-
nha não for Deus servido que chegue a este porto em breves dias
teremos uma .bem apertada quaresma», informa o heixVc.r funda-
»
dor da Colónia. fi4)
Mal iniciada pela carência de tudo, sem elementos de subsis-
tência, desamparada dos poderes públicos, a Colónia, estabeleci-
da em frente a um inimigo poderoso, contando com o auxílio dos
Jesuítas espanhóis, que tinham às suas ordens milhares de índios,
aguerridos e disciplinados, não poderia resistir ao forte embate
que se preparava. A fome, a desorganização, um princípio mes-
mo de desequilíbrio mental de seu fundador, deram margem ao
afrouxamento da disciplina e à defecção de alguns de seus de-
fensores.
A segunda carta que D. Manuel Lobo escreveu ao Príncipe,
datada de Buenos Aires, de 21 de Setembro de 1680, ainda iné-
dita, fi5) resume, melhor do que poderíamos fazer, essa epopeia
que foi a queda da praça. Transcrevendo-a, na íntegra, em pri-
meira mão, historiaremos, melhor, os factos que o fidalgo por-
tuguês relaciona, na sua simplicidade epistolar. Envoltos numa
auréola de martírios, os defensores da Colónia honram as tradi-
ções de bravura da gente lusa. Não falta, porém, aí, a nódoa
de uma traição, de paulistas, que aberra dos sentimentos bandei-
rantes da terra. E ergue-se, num fundo de apoteose, um vulto
varonil de mulher, D. Joana Galvão, que vendo cair morto o es-
poso, Capitão Manuel Galvão, toma-lhe da mão ainda quente a
espada gloriosa e se atira ao fragor da luta, e não se rende em-
bora lhe queiram poupar a vida, tombando, trespassada de ferí-
64) Biblioteca Nacional. Col. de Âng. — Mss. I — 31, 32, 12.
65) Mais tarde publicada pelo Cel. Rego Monteiro, em Col. do Soar.
HISTÓRIA DÀS MISSÕES ORIENTAIS DO URtJGUAI 401
das sobre o corpo inerte do esposo, na mais heróica e admirável
das atitudes da raça.
E' a seguinte a carta de D. Manuel Lobo, escrita já do ca-
tiveiro, onde encontraria a morte, em 21 de Setembro de 1680:
«Senhor. Na frota próxima passada dei conta a V. A. como
havia chegado ao sítio de São Gabriel e que em terra firme ha-
via posto a gente e mais petrechos como V. A. me havia ordena-
do e que com toda a brevidade começava a levantar terra e como
naqueles poucos dias conheci tanto a incapacidade da gente que
trouxe do Rio de Janeiro; na mesma carta dei conta a V. A. do
conhecido perigo em que se achava e quis me Deus castigar de
sorte que se então os considerava maus só no militar os experi-
mentei malíssimos em todas as suas acções, o que ajudou a cair
eu tão gravemente enfermo pouco depois de dar princípio à obra
continuando-se-me esta enfermidade sempre que ali estive, de tal
sorte que não tendo pouco risco a vida, um médico que comigo
trouxe, quase assegurava que quando escapasse com ela ficaria
padecendo do juízo, pelas muitas que o perdi no decurso dela, que
eu estive tanto incapaz de poder mandar nem saber o que se obra-
va por cuja causa os brasileiros se licenciaram tanto que desobe-
deciam a seus oficiais, de maneira que a fortificação foi feita tão
lentamente que o entendi se faria em quatro meses, da forma que
trabalhavam seria eterna a obra, porque segundo agora soube,
excepto a Companhia que veio desse Reino e poucos homens do
Rio, os demais iam muito pouco às faxinas e nelas trabalhavam
os que queriam, que era muito pouco, e com aquela calma que no
Brasil costumam fazer todas as coisas, e se algum de seus oficiais
os surpreendia lhes respondiam como se não o fossem, o qual aju-
dava a discórdia que entre os mesmos oficiais havia sobre quem
(levando-me Deus) havia de governar não querendo obedecer ao
Capitão de Cavalos Manuel Galvão a quem na minha falta havia
nomeado, com que tudo andava confuso.
Neste estado, Senhor, nos achávamos quando, pela parte da
terra, nos vimos sitiados de cinco a seis mil homens dos quais o
maior número era dos índios das reduções dos Padres da Compa-
nhia e os demais espanhóis deste Presídio, Córdova, Santa Fé e
Corrientes, de onde foram conduzidos para este feito, aos quais
402
AURÉLIO PORTO
governava o Mestre-de-Campo António de Vera Muxiea e aos ín-
dios juravam os Padres da Companhia que os traziam bem arma-
dos assim de armas de fogo, como de lanças e flechas, todos a
cavalo, e doutrinados na milícia pelos mesmos Padres, com o qual
nos impediram a campanha que nos fez um grandíssimo dano
pela quantidade de caças que se matavam que nos ajudava muito
para dissimulação da falta de mantimentos em que nos acháva-
mos, porque com a sumaca que se perdeu nos faltou como mil e
duzentos alqueires de farinha e uma nau caravela que tive notí-
cia se punha a carga em seu seguimento não havia ainda chegado,
desde logo se começou sentir demasiada falta de mantimentos e
a ração se foi minorando aos soldados com que eles começaram
a tumultuar e os índios a fugir, pelo que a toda a pressa enviei a
pedir socorro a todas as capitanias deste Estado e com estas es-
peranças se trabalhou com mais calor poucos dias e porque a cor-
tina e baluartes que olhavam para a baía, e porto estavam pou-
co mais que delineados, pareceu fazer duas estacadas que fechas-
sem de mar a mar nos lados exteriores dos baluartes que olhavam
para a terra, aos quais ainda que se tinham terminado, dizem-me
não ficaram como convinha porque eu não os vi nem os demais
de que dou conta a V. A. pois o faço pelas notícias mais verdadei-
ras que hei podido ter. Os ditos baluartes e a cortina que entre
ambos se conteem não tinham mais altura que a de uma trin-
cheira de campanha e quase nenhum fosso neles como melhor
pôde acomodar o Capitão António Correia Pinto à artilharia que
sua capacidade sofria e fez outras defensas como o permitiu o
tempo. Em um mês que durou este sítio esteve de guarda com
postos nomeados toda a gente com que nos achávamos, que se-
riam cento e oitenta homens, porque ainda que comigo veio maior
número, de enfermidade morreram neste sítio várias pessoas e
alguns se puseram tão incapazes de servir que por tais os mandei
retirar ao Rio, e como cada vez as rações se iam minorando e es-
ta gente sofre muito mal qualquer trabalho, e muito menos o da
fome, começaram descaradamente a dizer que se dentro em pou-
cos dias não fôssemos socorridos assim de gente como de manti-
mentos ou nos entregássemos que eles se haviam de passar todos
para os sitiadores, o que não lhes era dificultoso, como não o foi
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 403
a 12 que fugiram, entre os quais foi um paulista, 66) que aqui veio
das ilhas de Santa Catarina, o qual não somente lhes deu minu-
ciosa conta do miserável estado em que nos achávamos, senão
que se ofereceu para guiar as primeiras esquadras, dizendo-lhes
também que me achava tão incapaz de qualquer emprego, que
apenas podia falar com acerto, sendo estes traidores tão desati-
nados que fugiram depois que nós começámos a ter secretamente
alguma comunicação com os índios, os quais davam princípio à
troca de alguma carne e cavalos, de que também deram conta ao
Cabo que pôs toda a diligência em impedi-los.
Com estas notícias se resolveu a fazer-me dois protestos, aban-
donasse eu aquela terra de que o Rei Católico estava de posse ha-
via cento e vinte anos, dando-me para resolver um dia de praso,
ao que respondi o mesmo que os demais e em outro me enviou
a fazer logo que chegou a avistar-me.
Poucos dias depois, em 7 de Agosto próximo passado, duas
horas antes que amanhecesse, avançou às nossas fortificações, vin-
do guiando a vanguarda o dito paulista e foi tal a sua fortuna
que, tendo havido no decurso do sítio bastante cuidado assim nas
rondas e tropas de Infantaria como nas de cavalo que saíam fora,
havia duas noites que o Capitão Manuel Galvão tinha mandado
não saíssem os ditos cavalos fora, nesta estava tão mal prevenida
a Infantaria que a avançada se converteu em surpresa, porque
chegando a um baluarte a que subiram sem serem pressentidos,
achando a sentinela dormindo a mataram a estocadas fazendo-se
senhores dela, ao mesmo tempo avançaram a ambas as estacadas,
entrando em uma delas sem resistência, porque a desampararam só
com o rumor quase todos os que a guarneciam, deixando as ar-
mas e o seu Capitão que se achou só com os oficiais e quatro ho-
mens ousados que como tais acudiram ao que os tocava particular-
66) Não declara D. Manuel Lobo o nome do traidor. "Escoreceo o
tempo o nome deste infiel, diz Simão Pereira de Sá. (Nova Colónia do
Sacramento, 33) para que não servissem à Pátria, de perpétua mágua
tão injuriosas cinzas". — Mas, da documentação espanhola se evidencia
ser Pedro Ferreira Cabral que fez, desertando da Colónia, ante as auto-
ridades de Buenos Aires, várias declarações sobre as condições da pra-
ça e o comércio com os indios minuanos, que socorriam os portugueses.
V. Camp. do Brasil, cit. e Azarola Gil. La epopeya, cit. 185
404
AURÉLIO PORTO
mente Dom Francisco Naper de Alencastre que estava nomeado
para defender um posto com dez homens achando-se só com qua-
tro não o desamparou até o não haver entrado pelas demais par-
tes e ter-se-lhe mandado retirar, o que fez sem grande perigo,
indo-se a incorporar com o Capitão Manuel Galvão e seu Tenen-
te Bartolomeu Sanches Xara que com poucos mais, sem esperan-
ças de vitória, pelejavam corpo a corpo, dentro da praça, haven-
do feito o dito Tenente, desde o princípio, com os pouccs cavalos
que podia contar, rechassar os índios duas vezes, fazendo saltar a
muitos fora do baluarte, e pedir lastimosamente quartel aos que
não o puderam fazer; ao tempo que chegava uma esquadra de
mosquetaria espanhola e voltavam a assenhorear-se do baluarte
e muralha de onde deram repetidas descargas contra o tenente,
mat?„ndo-lhe alguns soldados dos poucos que o acompanhavam,
os quais juntando-se com um pequeno corpo que ali se uniu dos
nossos, fizeram o último esforço ficando mortos no campo o Ca-
pitão Manuel Galvão, o Capitão Manuel Ãguila, o Capitão João
Lopes da Silveira, e o Capitão Engenheiro António Correia Pinto,
ficando ferido só o Capitão Simão Farto Brito, por cuja causa
assenhoreou a multidão dos índios a praça, e quartéis dos solda-
dos, dando princípio a uma cruel matança sem perdoar a pessoa
alguma, não obstanté haver dado o Governador e Capitão-Gene-
ral destas Províncias D. José de Garro, repetidas ordens em con-
trário e o Mestre-de-Campo António de Vera Muxica cem os es-
panhóis que ali se achavam fazer toda a humana diligência para
evitar tão grande dano, o qual não pôde conseguir e só com muita
dificuldade guardar minha pessoa e casa que por muitas vezes
a tiveram invadida; os ditos índios saquearam tudo quanto ha-
via com a mesma liberdade com que fizeram os demais. Os mor-
tos seriam por todos cento e doze; os que escaparam viemos pri-
sioneiros de guerra para este porto e cidade de Buenos Aires, don-
de fico no seu castelo na mesma casa em que o Tenente-de-Ge-
neral Jorge Soares se achava, que também foi prisioneiro pelos
- Padres da Companhia, vindo por terra depois de haver dado à
costa como já dei conta a V. A. O Governador e Capitão-Gene-
ral sobredito nos trata com toda a urbanidade e cortesia, assis-
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
tindo-nos com largueza c regalo de sua própria casa; aos soldados
fez acomodar melhor do que o sabem merecer.
Creio que brevemente irão todos para Lima, cidade aonde as-
siste o Vice-Rei, o que eu não poderei fazer logo por achar-me
ainda muito doente e entendo o estarei muitos dias por falta nes-
ta cidade de médicos e medicina, por não haver nela médicos ci-
rurgiões nem botica. Disponha Deus o que for servido e guarde
a Real Pessoa de V. A. muitos anos como todos seus vassalos te-
mos mister. Buenos Aires 21 de Setembro de 1680 — Humilde
vassalo de V. A. que beija seus pés — D. Manuel Lobo.
Devastada a praça, que se tornou presa da selvageria dos ín-
dios do P. Altamirano, foram os prisioneiros conduzidos para
Buenos Aires e daí para Lima. D. Manuel Lobo, devido a seu
estado de saúde, foi levado a Córdova de onde, ao conhecer-se o
texto do Tratado Provisional, de 1682, voltou a Buenos Aires, fa-
lecendo ali, em 7 de Janeiro de 1683.
O Tratado Provisional determinava a entrega da Colónia aos
portugueses. Recebeu-a, em 12 de Fevereiro de 1683, o Gover-
nador do Rio de Janeiro, Duarte Teixeira Chaves que a entregou
à direcção do Mestre-de-Campo Cristóvão de Orneias de Abreu,
que a administrou pelo espaço de cinco anos. Em 1689, nomea-
do pelo Rei, assume o comando da praça, como seu Governador,
D. Francisco Naper de Alencaster. Fez boa administração, sen-
do substituído por Sebastião da Veiga Cabral, em 1699. Rompi-
das novamente as relações entre Portugal e Espanha, e na imi-
nência de ser atacado, resolveu Veiga Cabral a evacuação da ci-
dadela, partindo para o Rio com os povoadores, em Abril de 1705.
Durante dez anos ficaram as ruínas da Colónia, que Veiga
Cabral mandara incendiar antes de partir, completamente aban-
donadas. Só mais tarde, com o tratado de Utrecht, volta -se o
governo português para esse extremo recanto já tinto pelo san-
gue de heróicos defensores. E' nomeado Goverfíador da Colónia
e toma posse do cargo em 16 de Novembro de 1716, p Mestre-de-
Campo Manuel Gomes Barbosa.
67) B. N. Col. de Angelis. Mss. I, 31, 32, 12. Trad. do espanhol.
406
AURÉLIO PORTO
Pode-se datar daí a verdadeira fase inicial da Colónia do Sa-
cramento. Até, então, abstraindo de poucos casais de militares
que ali se encontravam, em outras épocas, não tinha essa praça
recebido o influxo do povoamento. Desta vez, porém, trazidos
pelo Sargento-Mor António Rodrigues Carneiro, de Trás-os-Mon-
tes, recebeu a Colónia sessenta casais de agricultores e artífices.
E são os descendentes destes que vão, em parte, povoar o Rio
Grande do Sul, quando de sua fundação, em 1737, ou quarenta
anos mais tarde, por ocasião da entrega definitiva da Colónia aos
espanhóis.
Existe na Biblioteca Nacional, entre a documentação do Vi'
ce-Rei da Baía, a relação desses povoadores. Interessa especial-
mente, ao Rio Grande, onde vão eles ser troncos vetustos de fa-
mílias que aí têm suas origens. c8)
Eram ao todo 333 pessoas que aportaram à Colónia em 10
de Fevereiro de 1718, juntamente com tropas trazidas do Reino
e do Rio.
Com este impulso e a radicação do homem à terra, prospe-
rou grandemente a Colónia, sob muitos anos de paz, que permi-
tiu se desdobrassem actividades várias, desenvolvendo-se indús-
trias e comércio.
Em 1735, porém, com o rompimento de relações entre as duas
Coroas Peninsulares, como sempre soía acontecer, teve a Coló-
nia que pagar um novo tributo de sangue às forças espanholas
de D. Miguel de Salcedo, Governador do Rio da Prata, que en-
controu a heróica resistência de António Pedro de Vasconcelos,
que obrigou os espanhóis a levantar, depois de um sítio crudelís-
simo, o cerco da praça, o qual durou vinte e dois meses, até Se-
tembro de 1737.
Esses acontecimentos, como veremos, determinaram a fun-
dação do Presídio do Rio Grande de São Pedro, que recebeu vários
retirantes daquela, praça como povoadores iniciais, além da re-
68) B N Cartas e ofícios. Correspondência dos Vice-Reis da Baía
(17041723) Cód Mss. I, 2, 2, 5. Acompanha a relação um interessan-
te ofício de Manuel Gomes Barbosa, dando notícias circunstanciadas da
refundação da Colónia e outros assuntos atinentes àquela praça. Tem
essa comunicação a data de 12 de Abril de 1718.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 407
percussão que em seu território teve a luta que se desenrolava no
Prata.
Novamente, em 1 de Outubro de 1762, quebradas as relações
luso-espanholas, sofreu a Colónia o assédio de forças platinas, co-
mandadas por D. Pedro de Cevallos. Governava a praça do Sa-
cramento o Brigadeiro Vicente da Silva Fonseca, que capitulou a
30 do mesmo mês, embarcando-se para o Rio de Janeiro de onde,
preso, sob a acusação de não ter resistido como devia, seguiu para
Lisboa, em cuja prisão morreu.
Firmada nova paz, em 24 de Dezembro de 1763, a Colónia foi
restituída aos portugueses, tomando conta dela o Coronel Pedro
José Soares de Figueiredo. O Coronel Francisco José da Rocha
de Campos e Fontoura, Governador da praça, obedecendo a or-
dens do Marquês de Pombal, fez entrega da mesma, sem resis-
tência, ao inimigo que procurava, sob as ordens de Cevallos, no-
vamente atacá-la.
O Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, mandou entregar a
Colónia do Sacramento, definitivamente, à Espanha.
6. Laguna.
Santo António dos Anjos da Laguna, que se estabelece jun-
to à Lagoa dos Patos, estremando a Linha de Tordesilhas, é o
núcleo de irradiação povoadora do território ainda pouco conhe-
cido que se estende até o Rio da Prata onde, como vimos, chan-
tam os portugueses os seus marcos avançados, com a fundação
da Colónia do Sacramento.
O povoamento do Rio Grande e sua consequente fundação é
uma decorrência natural da implantação desse povoado que do-
mina as campanhas rio-grandenses. Nelas irão os lagunistas en-
contrar quantidades inapreciáveis de gado, que é a subsistência e
a riqueza, e é esse elemento que radica à terra com seus currais
primitivos, os desbravadores da Laguna.
Não se tem ainda por bem averiguada a data da primeira
tentativa de Domingos de Brito Peixoto, paulista abastado de
bens, para a fundação da Laguna, e posterior execução deste pro-
jecto. Entretanto parece poder afirmar-se que, quer nessa em-
História das Missões Orientais do Uruguai +a
408
AURÉLIO PORTO
presa, quer na do estabelecimento que Francisco Dias Velho fez
na ilha de Santa Catarina, influiu decisivamente a política expan-
sionista do General Salvador Correia de Sá e Benevides. Serta-
nista emérito e descobridor de minas, na Repartição do Sul, quan-
do D. Rodrigo de Castelbranco se retirou das minas de Curitiba,
em 13 de Agosto de 1679, deixou encarregados das mesmas os
Capitães Domingos de Brito Peixoto, Pedro da Guerra e Diogo
Domingos de Faria. , Mais tarde, em 1682, quando se tratou
de explorar as minas de Sorocaba, serra de Bisarrojaba, diz Luís
Lopes de Carvalho que as descobrira, que poderiam ser enviados
«para irem mostrar as ditas minas», os Capitães Domingos de
Brito Peixoto e Pedro da Guerra. 70)
O emérito historiador catarinense Lucas Boiteux diz que «en-
tre 1682 e 1684, depois de vários contratempos, em que perdeu
embarcações e gente, conseguiu, (Brito Peixoto) fixar-se naque-
las paragens (Laguna) onde teve que enfrentar as hostilidades
dos índios.» 71) Azevedo Marques diz que convidado por Carta
Régia de 1682 72) «para explorar os sertões do sul da capitania»,
aprestou-se «com escravos, índios, mulatos e homens brancos, ofi-
ciais de todos os ofícios e capelão, fez embarcar toda esta gente
em um navio no porto de Santos, e partiu com destino à costa do
Sul, mas sucedendo que os temporais atirassem o navio para o
Norte, sossobrou na altura do Espírito Santo, perecendo quase
toda a gente.» 73) Galvão copia Azevedo Marques. 74)
Documentos existentes na Biblioteca Nacional e o Arquivo
Nacional, não publicados ainda, da autoria dos próprios fundado-
res de Laguna, nos autorizam a rectificar essas datas, e a dar
novos rumos à história deste núcleo inicial do povoamento do Sul.
Na Carta Régia que manda informar a petição de Francisco de
69) B. da Silva Lisboa. Anais do Rio de Janeiro, 2*.
70) B. N. Anais. Cons. Ultr. — XXXIX — 158.
71) Lucas Boiteux. Hist. de Santa Catarina. Ed. 1930 . 94.
72) Não consta da CoL de C. R. essa a que se refere Azevedo Mar-
ques .
73) Azevedo Marques. Apontamentos, cit. verb. Domingos de Bri-
to Peixoto.
74) Manuel do Nascimento da Fonseca Galvão. Notas Geográficas
e Históricas sobre Laguna. Desterro. 1881. 25.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 409
Brito Peixoto, que pede um hábito de Cristo e uma donatária,
como historiaremos adiante, se diz que ele, Francisco, seu irmão
Sebastião de Brito Guerra, e seu pai Domingos de Brito Peixoto
«eram moradores de Santos onde viviam com suas fazendas e
bens, e querendo dar maior aumento ao país, resolveram embar-
car naquela vila em 1676, afim de demandar a Lagoa dos Patos,
sítio que seu pai queria povoar», etc. 75) Em outro documento,
datado de 10 de Fevereiro de 1688, o próprio Capitão Domingos
de Brito Peixoto, dirigindo-se a El-Rei, diz que «me animei a fa-
zer a conquista da Laguna, terras muito férteis e abundantes de
pescado e carnes e para a mais lavoura, com a vizinhança de
Buenos Aires; donde me parece haverá maiores haveres; pelo que
me resolvi a fazer duas embarcações, uma que perdi haverá já
14 annos, outra em que de presente vou á minha custa com meus
filhos, parentes e amigos com desígnio de mandar fazer diligencia
por prata, porque por alguns signaes entendo não faltará». 76)
Dando conta ao Conselho Ultramarino da empresa de Domingos
de Brito Peixoto, o Ouvidor Geral, em carta datada do Rio de
Janeiro, em 26 de Maio de 1688, diz «que estando na Villa de
Santos, em correição, me deo noticia o Capitão Domingos de Bri-
to, morador na dita Villa, que ia povoar a Laguna, parte mais
vizinha a Maldonado, porquanto queria fazer alguns descobrimen-
tos de prata, que já tinha notícia, por ter já postos alguns cur-
raes, e eu o ajudei, com o que lhe foi necessário, e alguns casais
que logo levou para a dita povoação», etc. 7T)
Aí estão os elementos para uma exacta aproximação da ver-
dade. Foi em 1674, segundo o próprio Capitão Domingos de Bri-
to Peixoto, ou 1676, segundo seu filho, Francisco de Brito Peixo-
to, que se perdeu a primeira embarcação, com que pretendia fun-
dar Laguna, a qual acossada por ventos contrários foi dar nos
Abrolhos. Quatorze anos mais tarde, em 1688, já «tinha alguns
curraes» ali, e embarcando-se, no porto de Santos, com casais,
parentes e amigos, seguiu a fundar Laguna.
75) C. R. de 6-II-1714. Arquivo Nacional. Col. de Cartas Réeiai
Vol. XDC, 25.
76) B. N. Anais. Cons. Ultram. Vol. XXXBC, 177.
77) B. N. Anais. Cons. Ultram. Vol. XXXIX, 177.
14*
41Q
AURÉLIO PORTO
Há, na Biblioteca Nacional, um memorial da autoria do pró-
prio Domingos de Brito Peixoto em que historia detidamente a
fundação da Laguna. Infelizmente, quando se refere às entra-
das inicias que faz no território rio-grandense, alguém que teve
preguiça de copiar o documento, criminosamente, arrancou-lhe pá-
ginas, truncando, assim, esse precioso depoimento sobre a histó-
ria do Rio Grande. A petição dirigida ao Conselho Ultramarino,
que deu origem à Carta Régia citada de 6 de Fevereiro de 1714,
teve por fonte informativa esse memorial, cujas palavras, em par-
te, textualmente transcreve.
Diz o memorial que o Capitão Domingos de Brito Peixoto foi
dar princípio à Vila da Laguna, mandando de Santos, onde mora-
va, um patacho seu carregado de ferramentas, gente e muitos es-
cravos, para irem dar fundo na parte onde lhe insinuavam ele
desembarcasse para a dita paragem, que era uma enseada cha-
mada Mampetuba e daí procurasse a Lagoa dos Patos e princi-
piasse a dita povoação. Teve, porém a infelicidade de dar à cos-
ta, na altura dos Abrolhos, onde se perdeu o patacho e tudo mais
que nele ia. •
Voltou novamente com seus filhos Sebastião de Brito Guerra
e Francisco de Brito Peixoto e alguns escravos. Chegou à dita
paragem, chamada Lagoa dcs Patos, e hoje Vila da Laguna, es-
tabelecendo a povoação e afugentando as feras e índios que por
ali andavam, depois de várias escaramuças com estes. Morre-
ram Domingos e seu filho Sebastião, este envenenado por flecha,
alvejado pelo gentio.
Depois de bem estabelecido e já fundada esta vila, entrou o
dito povoador Francisco de Brito Peixoto a explorar e descobrir
as campanhas que se seguiam daquela povoação para diante, pas-
sando rios caudalosos, como são o Araranguá, Bepetuba e Tra-
mandaí, e outros córregos fundos. . . 78) O gentio os atacava
continuamente e tiveram que sustentar duras refregas, para que
deixassem de inquietar, expulsando-os para o sertão. Plantaram
no primeiro ano e era tal a quantidade de fruto, que bem com-
78) Faltam oito páginas arrancadas ao Códice.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 411
pensou o trabalho, mostrando a fertilidade da terra. Mandou a
diversas vilas convidar gente que viesse dar calor à Povoação,
bem como trazer de várias e distantes partes muitas variedades
de gado, como bois, cavalos, ovelhas, carneiros e cabras, que pro-
duziam tanto que hoje (1714) e já de muitos anos, vem daquele
sítio todo o gado vacum que se gasta com a maior parte destas
vilas do Sul, e fora delas vão para a cidade do Rio de Janeiro con-
tinuamente muitas embarcações de carnes salgadas, de que se
provêm as tropas que vão para o Reino e inumeráveis couros de
boi para solas, peixes, etc. 79) No mato quase impenetrável fi-
zeram roçadas para lavouras, levantando choupanas. Ergueram
uma capela, lutando com grandes dificuldades para conseguir Pa-
dre, por serem tão remotas as terras povoadas. Mesmo assim,
fabricada a igreja, foi a mesma provida com todos os paramen-
tos. sn) Segundo uma atestação do Padre Mateus Pereira da
Silva, a que nos teremos de referir adiante, essa igreja velha, que
serviu de capela-mor, teve seu princípio no ano de 1696 e o corpo
que sC lhe acrescentou o teve no ano de 1739». 81)
Em 1714, quando Laguna foi elevada à Vila, já constava de
42 casas de pau a pique, cobertas de palha e sem arruamento re-
gular, contendo 300 pessoas de confissão, que comerciavam em
farinha, peixe seco, carnes salgadas, e cordoaria de cipó imbé. 82)
Em 1720 chegou à Laguna o Ouvidor Rafael Pires Pardinho,
que deu vários provimentos. Nessa correição, além de Pardinho,
assinam todos os homens bons da Vila, muitos dos quais são de-
pois troncos das famílias povoadoras do Rio Grande do Sul. São
os ^seguintes os signatários do Provimento : Escrivão Manuel Mi-
randa Freire, Francisco de Brito Peixoto, Capitão-Mor, Manuel
Gonçalves Ribeiro, Manuel Correia, João de Magalhães, Elias de
Moura, José dos Santos Ribeiro, Manuel de Souza Guedes, Fran-
79) B. N. Cod. Mss. I, 1, 2, 33.
80) Arquivo Nacional. Carta Regina referida. Col. 80, Vol. 19,
íls. 25.
81) B. N. Declarações do Padre Mateus sobre Laguna. Mss. I, 1,
32, 2, 1.
82) M. N. F. Galvão. Notas, etc. 29.
412
AURÉLIO PORTO
cisco Luís Caldeira, António Duarte, João Braz, José Bento, José
Alves, Domingos Martins, Bento de Oliveira. No acréscimo fei-
to aos capítulos do Provimento em 27-1-1720, assinam mais Ma-
nuel Mâncio, Luís Correia de Morais, Sebastião Fernandes, Fran-
cisco de Moura Pires, Domingos Tavares Madeira, Miguel da Fon-
seca, Salvador Dias, Francisco de Moura, José Pires Monteiro, fi-
lho de Francisco Dias Velho, o fundador da Ilha de Santa Cata-
rina. No termo de vereança, que encontrámos, de 20 de Junho
de 1723, assinam juízes ordinários Capitão Francisco Correia de
Souza, Capitão José de Oliveira Camacho; Vereadores José de
Souto Maior, em lugar de Diogo da Fonseca; Francisco Luís Cal-
deira, em lugar de João Bicudo Cortês; Francisco de Moura Pi-
res e procurador José Pinto Bandeira. Mais adiante encontra-
mos, em outros termos, como Vereadores, João Braz, Manuel da
Fonseca, João Rodrigues Prates, Jácome da Silva e João Baptis-
ta, genovês, que adotou o nome de Pereira da Silva, sendo tronco
desta família do Rio Grande do Sul. 83)
Francisco de Brito Peixoto morreu solteiro, mas teve de vá-
rias índias carijós, «indias da terra», muitos filhos e filhas que
casaram com povoadores do Rio Grande, estabelecendo-se quase
todos nas campanhas de Viamão. Ana da Guerra, sua filha ca-
sada com Diogo da Fonseca, foi a fundadora da igreja de Via-
mão, erecta em 1741. Com outra era casado João de Magalhães,
cuja frota, como veremos, deu início ao povoamento do Continen-
te; mais outra, casada com Agostinho Guterres, é tronco de gran-
de família rio-grandense, e outra ainda casada com José Pinto
Bandeira.
Fundada a Vila, requer Francisco de Brito Peixoto uma do-
natária que lhe assinalasse as terras da mesma. Depois de his-
toriar os serviços que prestara, bem como os de seu pai e irmão,
Sebastião de Brito, que foi morto pelos índios, pede o povoador,
que se «lhe faça mercê em remuneração deste serviço que todos
merecem a real atenção de V. Majestade, de donatário das terras
da dita povoação de Santo António dos Anjos da Laguna e seu
83) Correspondência de S. Cot. Arquivo Nacional. 1723-1808.
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 413
distrito, que se lhe pode assinar desde Higarapunha da banda do
Norte até o rio chamado Tarimandi, que são para costa cinquenta
léguas cora trinta léguas para o sertão, com as condições, facul-
dades e privilégios que V. Majestade concede aos donatários e se-
nhores de seu Reino e por justiças a ter a siza dos pescadores, e
das sesmarias, da sua correção e assim mais 300$00 réis de tença
para os lograr com hábito de Cristo, para sí e seu primeiro filho
e licença para fundar na dita povoação um hospício de religiosos
capuchos de S. António e assim mais o foro de Fidalgo da Casa
Real, etc.» s4)
Não obstante as informações dadas não lhe foi concedida
essa donatária. Mais tarde, em 1732, renova Brito Peixoto o
pedido.de terras para remuneração dos grandes serviços que pres-
târa. Pedia, então, «mercê de uns campos e terras que começam
de um rio que chamam Tramandaí, da parte do Norte, correndo
até o Rio Grande». E a informação que obteve é que esses cam-
pos já se achavam povoados por um grande número de criadores
que neles tinham os seus gados, sendo-lhe, por isso, indeferida a
petição.
A 31 de Outubro de 1735 morreu o velho Capitão Povoador.
Ao seu histórico esforço, como continuador do Capitão-Mor
Domingos de Brito Peixoto, seu pai, deve-se o desbravamento do
Rio Grande do Sul. Ã frente das primeiras levas povoadoras vê-lo-
emos, depois, penetrando os sertões rio-grandenses e mandando
seus genros trazer os troncos primitivos de que vai surgir a família
gaúcha em ramos frondosos que constituem o «substratum» da
nossa etnia.
Ao iniciar-se o século XVIII Laguna, em seu desdobramento
para o Sul, confunde-se com a própria vida do Rio Grande, onde
os lagunistas intimoratos se afazem à vida dos campos, tornam-se
tropeiros e, mais tarde, fixando-se ao solo, como criadores, esten-
dem os seus currais, que se multiplicam, constituindo uma fonte
de riqueza inapreciável.
E o gaúcho, que não tarda a surgir, filho semi-bárbaro do
64) C. R. cit. Arq. Nac.
414
AURÉLIO PORTO
Pampa, criado no fogão do minuano, que o lagunista tornou ami-
go do branco, será ainda o produto das condições especialíssimas
do meio, onde o gado, elemento primacial da vida, exercendo sua
função sócio-económica, dará ao homem uma feição toda singu-
lar, diferençando-o de todos os seus irmãos da vasta Colónia Por-
tuguesa.
FIM
da
Pr imeira Parte
da
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
BIBLIOGRAFIA
No fim do volume seguinte.
FIRMAS DE MISSIONÁRIOS
P. António Paulo Palermo: 225
P. António Ruiz de Montoya: 225
P. Cláudio Ruyer: 213
P. Diogo de Alfaro: 212
P. Diogo de Boroa: 208
P. Francisco Diaz Tafto: 214
P. Francisco Ximénez: 225
P. João Agostinho de Contreras: 225
P. João Pastor: 225
P. João Suárez de Toledo: 222
P. José Cataldino: 215
P. José Orégio: 225
P. Marciel de Lorenzana: 223
P. Miguel de Ampuero: 216
P. Nicolau Mastrilli Durán: 213
P. Pedro Alvarez: 225
P. Pedro Mola: 225
P. Pedro Romero: 210
P. Roque González de Santa Cruz: 207
P. Silvério Pastor: 217
P. Simão Maceta: 225
P. Tomaz de Urena: 219
Irmão António Bernal: 225
MAPA das Províncias Etnográficas no Rio G. do Sul: pág.
HAPA do Rio Grande do Sul de 1626 a 1638: pág. 94/95.
ÍNDICE ONOMÁSTICO
A
Abaiani : 173
Abaianti : 144
Abaiebi, Lourenco : 328
Abá-nheen : 124
Abiaru, Cap. Gen. D. Inácio: 181, 186.
186, 189, 191
Abreu, António Fernandes: 164
Capitrano de: 13, 124, 213, 234, 318
Cristóvão Orneias de: 405
Cristóvão Pereira de: 319
Luis Fernandes de: 164
Manuel Fernandes de: 164
Abrolhos: 409, 410
Academia Sul-Riograndense de Letras: 8
Acaragua. 181. 182, 183, 186, 189
Acosta. Gregório : 163
Adet. Emilio: 293
Afonso VI: 357
Afortunadas, ilhas : 214
Africa: 357
Agarapucaí, rio: 84
Aguapei : 201
Aguaraguavi : 85
Aguiar. Ambrósio de : 362
António de : 183
Aguilla. Manuel de: 404
Aguillar. Catarina de Andrade: 262
Agustin, António : 183
Ai (=Igaí): 54, 61. 81
Aiaia-Raiti, arroio: 328
Aierobia, cacique : 106
Alain : 285
Albernaz, António Faria: 159
Albuquerque, Jorge de: 367
Alcalá, universidade: 19, 223
Alçaria de Gusmão: 381
Aldeia dos Anjos (=Gravatai) ; 71, 242
Alegre, arroio: 146
Alemanha. Alta: 292. 353
Alencaster. Francisco Naper de: 367, 396,
397, 404, 405
Alentejo : 381
Alexandre VI. Papa: 345
Alexandre VII, Papa: 149
Alfaro, P. Diogo de: 44, 77, 90, 162, 164,
165, 166, 167. 169. 170, 176, 176. 177.
179, 212, 224
D Francisco de: 212. 334. 336
Algaives: 381
Aliaga: 217
Mm8°-ro, marechal: 352
yVlmeida, Cândido Mendes de: 52, 127
Eduardo de Castro e: 268, 860
Alpoim, Amador Pais de: 91
Manuel Cabral de: 91, 265, 280, 296
Altamirano, P. Cristóvão: 182, 185, 190
283, 309, 311, 323, 395
P. Diogo: 216, 311, 405
Alvarado, Alonso de: 302
Alvarenga, Tomé Corrêa: 357
Álvares, Bartolomeu: 183
Clemente : 183
Domingos: 161, 164, 165, 169
Mateus: 183
Alvarez, P. Pedro: 97, 106, 107, 226
Alves, José : 412
Amazonas : 39, 199
Ameghino, F. : 37
Ameixal : 381
Amenda, José 323
América: 29, 30, 37, 111, 203, 210, 212,
213, 214, 215, 216, 217, 219, 222. 253,
345 398
do ' Sul : 40, 204, 293, 340
Americano, jornal : 7
Ampuero, P. Miguel de: 82, 216, 220
A. N. Coll (?): 394
Anais da Biblioteca Nacional, Rio: 26,
63. 360. 363, 367, 375, 388, 409, 411
Anais do III Congresso R. G. S. : 116
Anais do Itamarati: 7, 8
Anais do Museu Nacional : 38
Anais do Museu Paulista: 43
Anais da Província de São Pedro: 360
Anales de la Biblioteca de Buenos Ai-
res: 258, 260, 261, 262. 289
Anchieta, P. José de: 23, 25, 53, 123,
24Í, 249
Andaluzia : 292
Andes : 39, 199
Andrada, Gomes Freire de: 241
Andrade, Fernando Alvares de: 349
João : 195
Rodrigo Melo Franco de: 13
Anes, Joan : 249
Angelis, Pedro d': 205
Coleção de: 13, 15, 48, 125, 132, 148,
170, 172, 173, 175. 192, 193. 195, 199,
205, 208, 210, 213, 214, 217, 222, 228, 257,
263, 266, 268, 272, 283. 297, 309, 314,
•> 332, 400, 405
Angola: 356, 364
Aneúlo. Padre: 27
Anhebi, rio : 123
Anhongui, arroio: 306
Antas, rio <las' 50. 97. 102. 129, 130, 141,
142. 146
418
AURÉLIO PORTO
António, cacique: 120, 173
Antuérpia : 214
Antunes, Domingas : 165
Apecê, cacique : 60
Apicabiia, capitão : 92
Apiterebi, rio: 182, 183, 184, 190
Apóstolos: 173, 175
Apóstolos, São Pedro e São Paulo, redu-
ção: 84, 103, 105, 163, 167, 169, 179.
180, 197, 199, 200, 201, 217. 271, 272,
274, 281 -
Apupe : lagoa : 207
Arábia: 381
Aracambi: 121, 125, 127, 132, 133. 136
Aracapiragua: 306
Araçaí, Rodrigo : 332
Aragão: 217, 353
Aragón, P. Agostinho de: 310
João de Torres de Vera y: 260. 261
Aragona, P. Alonso de: 77, 82, 83, 84, 90,
220, 221,
Arambaí (Aracambi) : 146
Aranha, Gaspar Maciel : 159
Arapae, cacique: 276
Araranguá, rio: 318, 410
Araricá : 105
Ararionga : 365
Arazaf, Roque: 310
Archivo General de la Nación: -350 371,
388, 393
Archivum Historicum Societatis Jesu:
214. 217, 219
Arenas, P. Cristóvão de: 107, 109. 221,
270, 271
Argentina, livro: 64, 65
país: 30, 40, 41, 254, 255 , 256. 287, 289.
303. 304
Ariya. capitão: 58, 119, 130
Armenta, P. Bernardo de: 45
Armínio, P. Leonardo: 26. 27. 28
Aros, Diogo, 160
Arouches : 381
Arpide, Juan Miguel : 377
Arquivo Histórico do R. G. do Sul 322
Arquivo Nacional: 379. 381. 383, 384. 385.
409. 411. 412
Arquivo da índia: 260
Arquivo da Marinha: 360
Arquivo Ultramarino: 360
Arroio Nonge (=Mbororé) : 180
Arroio das Vacas: 267
Arzão, Braz Rodrigues: 386
Asia. 292. 340
Aiseca, Paul de: 367. 371
Visconde de: 268. 356, 357. 360 , 361.
367. 368. 369, 370. 371. 372, 373
Assento, porto : 239
Assunção. N Sra. da (ou La Cruz) : 243.
325 ~
do Pirapó. redução (do Ijui) : 86. 88,
90. 122. 124. 166. 176, 177
Assunção do Paraguai, colégio: 32, 76,
208. 212. 213. 214. 219. 224
Assunção do Paraguai, cidade: 25 , 27,
28. 31. 43. 178. 179 . 201. 207. 210. 237.
250. 251. 252. 253. 254. 255. 256 . 257
258. 259. 260 261. 262. 272. 288. 289,
290. 291. 292. 299. 302. 303. 305. 335.
352. 353, 393
Atacama : 63
Atlântico 38. 40
Áustria. Dom João de : 292
Ayala. Dom Miguel : 70
Ayala, rio: 70
Ayolas. Juan de: 288
Ayuí (ou Yeyui = Jacuí) : 282
Azara, Dom Félix de: 54. 102. 162, 199,
257, 290. 298 , 300
B
B. da S. Lisboa, Anais: 389
Bacacai-Guaçu (Veja Vacacaí-Guaçu) 328
Bacacai-Mirim (Veja Vacacaí-Mirim) 328
Badajoz : 381
Badia, P. Vicente: 84. 217, 305
Baeza, P. Tomaz de: 310. 323
Baía: 22, 23, 26, 245, 246, 253, 354, 355.
356, 357, 359, 364, 366, 379 380, 382, 394
Baixo dos Pargos: 369. 370
Baldez, Diogo Flores y: 365
Baltodono, Irmão Eugénio: 31
Banda Oriental: 239, 241, 293, 301, 303,
313 315, 320, 322. 324, 336, 339
Bandeira, Francisco Pinto: 70
José Pinto: 412
General Rafael : 71
Barberipe, aldeia : 394
Barbosa, Domingos: 174, 280
Manoel Gomes: 405, 406
Machado. Coleção: 222, 226
Barcelona: 19, 116
Barón. M. : 284
Barreto. Nicolau: 123
Francisco : 183
Roque : 385. 394
Barretos : 141
Fernão Pais de: 123. 195
João de: 349. 350
Jerónimo Pedroso de: 183
Luís Pedroso de: 194
Pedro Vaz de: 165
Valentim de : 174
Barros, António Pedroso de: 165, 183
Bartolomeu. índio minuano: 67, 106
Barzana. Alonso: 27, 28, 29, 204
Bassfio. João Maciel : 159
Batovi : 330
Batú, cacique: 70
Baturité, serra do: 40
Bayão. Sebastião Pedroso: 183
Becerra, capitão : 251
Beja : 381
Bejarano, João Rodrigues: 159
Belém do Pará: 345
Bélgica: 217
Benavides. P. Paulo: 96. 97, 98, 99, 100,
226, 273
Benevides. Salvador Corrêa de Sá e: 354.
355. 357. 358. 359. 360. 361. 367, S88.
371. 372. 373, 376, 377. 378, 408
Bento José : 412
Bepetuba: 410
Bernal. Irmão António: 90. 128. 136, 138,
144, 148. 169, 151. 153. 156. 163. 164,
167. 273. 274
Bernardes. André : 178
Bertot, P Manuel: 86 . 96. 98. 100. 106,
218. 219
Bezerra. António Alvares : 140
Agostinho Barbalho: 357
Biamon : 45
Biblioteca Nacional. Lisboa: 360
Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: 13,
46 125. 192. 205. 228. 257. 334. 336. 339.
341. 342. 343. 363. 364. 359, 369. 371. 373,
374 380 384 , 399, 400. 406. 408 410
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 419
Bicudo, João Nunes : 159
Maria . 188
Vicente : 183
Birassojaba, serra de: 408
Blanco, P. J. M. : 46. 64, 79. 88, 276
Bobadilla, P. Nicolau: 20
Bocarro, João Raposo: 171
Boipetibla (Mampituba) : 52, 127
Boisey, Elódio: 285
Boiteuz, Lucas: 360, 385. 408
Bolivia: 30. 41
Bom Jesus, capão: 148
Bompland. Aimê: 331
Boqueirão, coxilha: 48, 66, 79
Borges, Duarte : 159
Fernão Dias : 174
Simão : 183
Boroa, P. Diogo de: 57, 59, 74, 76, 86,
116, 127, 129. 131, 132, 133, 135, 136,
138. 139, 140, 146, 147, 148, 149, 150, -
151, 154. 156, 158, 168, 173, 176, 177,
197, 207. 208, 209. 210, 215. 224, 230,
273, 279. 334
Bosquier, P. Pedro: 220, 272
Botelho. António : 161
Bouton, Allard : 285
Brasil, província, país: 22, 26, 29 , 30,
32, 33, 35, 40. 42. 47. 190. 192, 193, 200.
205. 228, 233, 234, 237, 241, 243, 245, 246.
250. 251, 255. 293, 345, 346, 349, 350, 352.
353, 354. 356. 358, 360, 361, 362, 365.
367. 369. 373, 375, 376, 378, 381. 393.
401
Brasil, Ptolomeu de Assis: 255
Braz, João : 412
Brazanelli. Irmão José: 311
Brito, Simão Farto: 404
Bruges : 217
Bruxellas: 219
Bueno, Amador: 160. 161
António : 160. 161
Francisco: 160, 161, 162, 163, 171. 172
Jerónimo: 160, 161, 162, 171. 172
Lázaro : 160
Buenos Aires: 25. 26, 44, 80, 83, 90, 91,
96. 128, 136, 148. 159. 160, 162, 169,
176, 178, 181. 183, 192. 193, 209. 210, 217,
221, 231, 241, 259, 260, 261, 262. 264,
266. 267, 269. 275. 277, 281, 282, 284,
285. 287. 288, 291, 292, 293, 294, 299.
302. 303, 305 , 309, 311, 312, 313, 314.
315, 332, 334, 350, 351, 358, 359. 364.
365, 367, 371. 375, 376 , 377, 378, 386,
394, 395, 396 , 397, 399 , 400. 403. 404,
405. 409
Butucaraí. serra: 106. 108, 135. 143
Butucaraiba: 337.
C
Caaçapá : 328
Caaçapaguaçu. redução: 93, 121, 163, 167,
170, 171, 172, 173, 174, 175, 200, 218
Caacorá 337
Caagua. região: 51, 60, 109, 113. 127.
131. 132. 133, 135. 141, 142, 159. 161.
173, 175. 182
Caaguaçu. rio da Serrania: 327
Caagua-riapipe : 50, 144
Caamo, lugar: 59. 60. 144. 150. 159. 161.
163, 173, 175, 182
Caamome. lugar: 60
Caapé, lugar : 325
Caapi : 129. 166
Caarundi, arroio : 328
Caati, erval: 50, 60
Caatime : 60
Caayacó : lugar : 274
Cabeza de Vaca, Alvar Núnez: 44, 45,
46, 250. 251, 253. 288. 289. 302
Cabo Frio: 362, 369, 373
Verde : 246
Cabot (Caboto) : 351
Cabral, Margarida Luís: 91
Pedro : 183
Pedro Ferreira: 183, 403
Sebastião da Veiga: 405
Cabredo, Padre : 30
Cabrera, Fernando Árias : 226
P. Pedro: 337
Cacequi, rio: 68
Cáceres, Felipe de: 255, 257, 258. 259,
303
Cachoeira: 6. 8
Cacildo, índio minuano: 67
Cádiz : 285
Caí. rio: 50, 103, 113, 128, 141. 142, 295
Caiii: 81
Caldeira, Francisco Luís: 412
Calderon, Maria D. de: 251
Mencia de: 251
Rodrigo : 221
Calvo. Carlos: 54. 79. 208
P. Domingos : 283
Camacho, José de Oliveira: 412
Camaí, capitão : 104
Camaquão do Sul: 332, 337
rio: 66, 229, 326, 327, 329
Câmara, Sebastião Xavier da Veiga Ca-
bral da: 338 , 343
Camargo, Fernão de (o Tigre) : 125
Francisco de : 195
José de: 159, 195
Campestre : 141
Campo, do Meio: 142, 166, 317
Mayor: 381
Sancho dei : 287
de Santo Cristo: 92
Campos, Felipe de : 394
P. Luís Pereira de : 365
Cananéa: 362, 363, 364, 365. 366. 369, 390,
399
Canárias: 348, 351
Candelária, cidade : 143
Candelária. N. Sra. da. redução: 47. 78,
82, 85. 86, 87, 88, 90. 96, 167, 169, 170.
175, 198, 199. 200, 201. 218 . 270. 272,
279. 281. 289, 295. 394
• Canto, José Borges do : 34
Capela : 141
Capivari: 70, 141, 171
Capoerê : 55
Capuru : 55
Caraí, Miguel, cacique: 70. 71
Caraichure. cacique : 110
Caramataí : 130
Carandaí, rio: 166
Caratui : 171
Cârc&i*£in(i " 67
Cárdenas. João de : 128. 134. 136. 138,
148. 150. 154, 155, 274
Cardenosa, Bartolomeu: 84. 279
Cardiel. P. José: 72, 231. 316, 317. 319.
329. 336, 340. 341. 342
Cardoso, Matias: 183. 380
Anibal : 288. 299
Cariroi, lugar: 119, 132, 134
Carlos V: 46 . 292, 346 . 348 352
420
AURÉLIO PÒRTO
Carneiro, António Dias: 161
António Rodrigues: 406
Caró, estudo etimológico: 8
Caró, Caaró, Caro, Caaro: 41, 63, 85, 86,
87. 88, 90, 91, 92, 96. 162, 163, 166.
167, 198, 201, 208, 217, 223, 224, 269,
280, 295, 296. 307, 339
Carobai : 65
Carome : 339
Carrafa, P. Geral: 93, 107, 165, 301
Cartago : 292
Carupé : 85, 89
Carvalhaes, António : 183
Carvalho, António Coelho de: 362
Feliciano Coelho de: 362
Luís Lopes : 408
Cascais, praça : 381
Castanheira, conde de: 350
Castela: 47, 71, 199, 221, 260, 294, 345,
346, 347, 348, 350 . 351, 352, 353, 364,
367, 369, 383
Castelbranco, D. Rodrigo de: 379, 380,
381, 382, 383, 386, 387, 388, 393, 408
Castilho, Manuel de: 174
Maurício de : 174
Castilhos, ilha de: 43, 365, 369, 370
Castillo, P. João dei: 27. 85, 86, 87, 90,
99, 208. 212. 224. 322
Castro, Aires de Souza: 384
Eugénio de: 236, 244, 246
Alexandre: 372
Castroxeriz: 110
Cataldino. P. José: 31, 32. 97, 101, 205,
215, 270
Catarina. Dona : 358
Caverá, serra do: 67
Caviglia (hijo), Buenaventura : 266, 266,
268
Caxias, cidade: 113. 142. 146
Ceará : 40. 41
Ceballos. D. Pedro de: 407
Cebolati, rio: 66. 70
Cedro, estância: 141
Cerqueira, Domingos Borges: 159
Cerrito : 265
Cérro Pelado: 339
Céspedes. D. Francisco de: 46, 82, 85
91. 92. 93 166
Chacarilla: 358
Chaco: 41. 66. 207. 299
Champlois. 21?
Champul. D. Pedro. 355
Charcas : 259. 260
Charlevoix: 64. 73. 165
Chaury, Pedro: 338
Chaves, António José Gonçalves: 34. 3f>
Duarte Teixeira: 405
Francisco de: 159
Pedro da Silva: 50. 141
Chávez, Núfrio de: 42. 256. 258. 261, 289,
290, 291, 302, 303
Chembiabate. índio: 58. 118, 134
Chile: 41. 124. 136. 148, 312. 397
China, vice-provincia da: 22
Chisai, S. Diogo: 89
Chuí: 370
Chuguissaca : 30
Cidadela do Sacramento (Veja Colónia
do Sacram.): 283
Cima da Serra (S. Francisco de Paula):
142, 159, 316
Cipião, Irmãos. Cipião Goes: 252
Ciudad Real: 29, 124
Claviio. P Francisco: 90, 91. 227, 806
Cnudde : 217
Colômbia: 41
Colónia do Sacramento (Nova Colónia
do SS. Sacramento, Cidadela do Sa-
cramento, ííova Lusitânia): 34, 67, 70,
88, 233, 238, 239. 243. 283. 284, 310,
311, 312, 313, 315, 319, 325, 329, 345,
367, 370, Fortaleza do Sacramento: 371.
373, 374, 378, 382, 385, 388, 390, 391,
395, 396, 397, 398, 399, 400, 403 . 404,
405, 406, 407
Comprido, rio : 142
Conceição, estância: 331, (erval) 337
Redução: 47, 77, 78. 81. 90. 100, 168.
171, 195, 201, 207. 212, 221. 272. 292.
306, 311. 322, 323, 324, 326. 327. 335,
338. 339
Combate, jornal : 7
Companhia de Jesus: 17, 20, 199. 200, 206.
207, 210, 211, 212, 214, 215. 216, 219.
220. 221. 222, 224, 227, 228, 231, 233.
248. 252, 266, 267, 275, 281, 334 . 343,
358, 392. 394, 401, 402
Concórdia: 315
Congo : 356
Coni, Emílio A.: 239. 265, 266, 309, 313,
314, 315
Conquista das Missões, livro: 8
Conselho de índias: 122. 255, 351
Conselho Ultramarino: 356, 357, 361, 3*6,
367. 36S, 371, 373, 376, 382, 384 . 409.
410
Contestado : 80
Continente do Sul: 63, 67. 312
de São Pedro: 241
Sulamericano : 199
Contreras, Elvira: 251 1
Isabel ' 254
P. Agostinho de: 110. 155. 156. 197,
227, 279
Conventos : 146
Cordeiro. António: 160, 192
Domingos: 164. 174, 178, 192
Francisco: 165, 192. 194
J. P. Leite: 164. 192
Cordilheira Geral da Costa do Brasil :
63. 66, 317
do Tape: 81
Córdova do Tucumâ: 26. 31. 205. 209.
292. 397. 401, 405
Coronel Dr. João Daniel Hillebrand, li-
vro : 8
Córpus, redução: 92. 201, 217
Corrientes. S. João de Vera de las Ste-
te: 47. 91. 162. 166, 167, 259, 261, 263.
264. 271, 272. 273, 280 . 292. 296, 303. 304,
314. 401
Rio: 66
Corrêa. Francisco : 183
Jorge: 123
Manuel : 411
Irmão Pero: -28. 24, 25, 26. 53, 122, 347.
248
Correio, jornal : 7
Cortês, João Bicudo: 412
Corvalén, Felipe Rexe: 394
Corvo : 145, 146
Cosme, mestre : 247
Costa, André da: 195
António : 194, 195
Francisco : 194
Frutuoso : 173
Gaspar: 173
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 421
Paulo da: 173
Sintóo da: 169
Coutinho. Joáo Alves: 379. 383
Coxilha Grande: 326, 343
Crespo. P. Adriano: 84. 93. 94. 217. 218.
271
Cr-santc e Daria: 77
Cruz Alta: 110. 332, 336. 342
Cruz. (La Cruz), povo: 311
Cuaracy. Francisco : 338
Cuarobay : 87
Cubas, Braz: 123. 247, 249
Cueba, Dom Mendo de la: 160, 167,
280. 281
Cunha, Aires da: 349, 352
Francisco da : 160
Matias da: 374, 385. 394
Cunha (De Cunha) : 350
Curiti: 165
Curitiba, campos gerais de ; 379. 408
Cuzco : 394
D
Dario. P. João : 31
Dávila, P. Pedro Estéban : 46
Delfim, P. Jerónimo: 393. 395
Delgado. Alonso : 323
Desterro : 408
Dias. Belchior: 123
Carlos Malheiro: 245. 246
Diogo : 122
Fernão : 144. 196
Luis: 183
Pero Nunes: 183
Salvador : 412
Ventura: 162. 194
Suzana : 164
Diaz, Ruy (Veja Guzmán)
Diogo, francês: 195
Dionísio, francês: 195
Documentos do Itamaratí sdbre a Re-
volução de 1835, livro: 8
Doménech. P. José: 86. 97. 170, 188.
226, . 272
Domingues. António: 192, 194
Dominguez, D. R. J. : 143
Dom Pedrito: 326
Donvidas. P. Tomaz: 322. 324. 325
Dorantes, Pedro: 257, 259, 292
Douai : 28
Douvrin : 285
Duarte, António : 412
Manuel da Costa: 317, 386, 394
Dufo. P. Policarpo: 282, 283. 312
Durán. P. Nicolau Mastrilli: 46. 83, 84.
212, 213. 214. 221. 270. 275
Duraznais: 329
E
Eca, António, d' : 891
Eguada, posto : 330
Ehrenreich. Paulo: 39
Elgueta, P. Pedro de: 159
Ellis Júnior, Alfredo: 125, 132, 133,
135, 136, 139, 140, 149, 172, 173. 174.
178. 179, 183. 192. 194, 200, 345, 380
Elvas : 381
Encarnación (veja Itapúa)
Engaguaçu, engenho: 247, 252
Enseada das Bombas: 370
das Garoupas : 370
Entre-Rios: 267. 294, 295, 301, 302
Epopéia dos Farrapos, livro: 8
Equador : 41
Erebango : 55
Erechim: 55. 332. 346 , 350, 351, 375, 396.
397 405 407
Ernot, P.' Luís: 94, 96. 97. 98, 101. 170,
219, 226. 301
Ervaçais, lugar: 105
Escalada do Forte de S. António de
Évora : 381
Espanha: 20. 83, 110, 124, 176, 216, 217.
220. 221. 223. 251, 285. 292, 336, 343.
346, 350. 351, 375, 396, 397, 405, 407
Espinar, Pedro de: 257
Espinosa, João de Salazar de: 251, 284
Joana Delgado de: 91
Pedro: 91, 223, 224, 307
de los Monteros: 221
Espírito Santo: 23, 354, 355, 362. 369,
370. 373, 408
Estado, jornal : 7
Estado Oriental: 265, 269
Estela, João Francisco Rodriguez: 376
Esteves, Braz: 159, 195
Estrela : 145
Estrela do Sul, jornal : 7
Estudos, revista : 116
Etiópia: 381
Europa: 26. 204. 209, 212, 375
Exercícios Espirituais : 17. 18. 19
Expectação, fazenda : 124
Extremós: 381
F
Fabriano : 215
Fabro. P. Pedro: 20
Faria, Diogo Domingos de : 408
Farinha, fulano : 122
Farracho : 173
Farrapíada, versos : 8
Farroupilha: 146
Farto, João Freire: 389
Simão, capitão : 396
Federação, jornal: 7
Feio, Luís : 159
Felipe IV: 136
Fernandes, cabo André: 105, 121, 159,
161, 162, 163, 164. 166, 169, 170, 171.
196. 280
Baltazar : 164, 169
Diogo : 302
Estêvão : 159
P. Francisco : 105
Gaspar: 159. 160. 161. 165
Inocêncio : 165
João : 161
Manuel : 387
Pasqual Leite : 174
Sebastião : 165, 412
Fernandez, Irmão Mateus : 226
Ferreira. Gregório : 160
Ferrer, P. Diogo: 93, 227
Ferrufino, P. João B. : 87. 209. 281, 309
Fields, P. Tomaz: 26, 27, 28, 31. 32
Figueiredo, Pedro José Soares de: 407
Figueiró, Pedro Agulha de: 174
Figuera, José H. : 298
Filgueira, Domingos : 318
Flandres : 220, 346
Florianópolis : 387
422
AURÉLIO PÔRTO
/
Flores, Pedro Marin: 377
Ilha das: 365, 377, 392
Fonseca. Diogo da: 412
Manuel da: 412
Manuel Pinheiro da: 369
Miguel da: 412
Vicente da Silva: 407
Fontoura, Francisco José da Rocha de
Campos e : 407
Formoso, P. Adriano (Crespo): 102, 106,
216
Forqueta, rio : 146
França: 212, 213, 218
Francisquinbo : 330
Freire, Manuel Miranda: 411
Romão : 174
Freitas, António Pedroso de: 169
Freitas, morador : 141
Fretónia: 67
Fronteira, jornal : 7
Frutas : 141
Furlong, P. Guillermo: 142, 204, 301,
323, 326, 330, 331
Furtado, André : 380
Domingos : 183
Lopo: 346, 348, 349
Pedro: 183
O
Gaboto : 44
Gabriel, Padre: 26
Gaete: 237, 264, 265, 257, 258. 266, 287
Gago, António da Cunha: 183
Felipa: 164
Henrique da Cunha: 160
Manuel da Cunha: 160
Galan, Francisco Ruiz: 287
Gallardo. Carlos : 332
Gallega, nau: 245
Gallego, P. André: 220, 322. 323. 389
Galvão, Joana : 400
Manuel: 399, 400, 401, 403, 404
Manuel do Nascimento da Fonseca:
408. 411
Gama, Leonel da: 391
Gandavo, Pero de Magalhães: 246
Gandia, Enrique de: 41, 42, 288
Garay, Blas: 253, 267, 290
João do: 259. 260, 261, 262, 291, 292,
303
Garcia, Aleixo: 42
P. Diogo: 44, 361
Domingos: 160, 195
P. Pasqual: 92, 226
Rodolfo: 53, 116
Garibaldi, município: 7, 146
Garro, D. José de: 283, 394. 396, 396, 397,
404
Gato, Borba: 380
Gay, Côn. João Pedro: 116
General João de Deus Martins, Iívto: 8
Gil, António: 183
Luis Enrique de Azarola: 49, 46, 261,
262, 291, 294, 397, 398, 399, 403
Sebastião: 174, 183
Gilberlião: 381
Girão, Cristóvão de Aguiar. 174
Goa: 22
Godol, Baltazar: 159
Fernando : 169
João : 159
Goiaz : 286
Gois, irmãos: 26, 255, 259, 284
Cipião de: 252, 253, 254, 258 /
Gil de: 362, 368
Luís de: 247, 252, 253
Pedro de: 245, 247, 252
Vicente de: 252, 254, 25S
Gomes, Custódio: 174, 176
Goncalves, Baltazar: 161, 183, 249
Braz: 140. 145, 159
Carina : 249
João : 244
Sebastião: 174, 182, 183. 151
Gonzáles, P. Roque G. de Santa Crua:
27, 32, 33, 43, 47, 48, 54, 61, 64, tt,
66, 76, 78,^79, 80, 81, 82, 83, 84. 86,
86, 87, 88, 89, 90, 96, 205 , 206. 207,
208. 210, 212, 216, 218, 221, 223. 224.
230, 269, 295, 322, 335
Goto, S. João de: 89
Gouveia, Diogo de: 19
Grã, P. Estêvão da: 26, 27, 160
P. Luís da: 26
Gralha, D. Gabriel Garcez y: 372
Gran Canária : 45
Gravataí : 141
Groussac, Paul: 256, 262 , 285, 286. 287.
351
Guacacai, rio: 327
Guaíba, rio: 45, 55, 61, 97, 109. 113, J»l,
133, 135, 145, 316
Guaibe- Renda. 60. 61. 109, 131. 132
Guaimica. índio: 96, 100, 118
Guaimiguru, índio: 144, 173
Guairá: 28, 29. 32, 33, 46, 47, 63. 80,
97. 103, 111, 112, 113, 123, 124, 128,
135, 137, 140, 150, 155, 160, 166. 175,
200, 209, 210, 215, 223. 226. 253. 264,
273, 304 , 335, 393
Gualeguaichú, rio: 301
Guanabara, baía : 23
Guaporé, rio: 56, 60, 131. 142
Guaracica, António, cacique: 7S. 82
Guarae. cacique : 103. 104
Guarumbaca: 182
Guebi-renda: 131
Guedes, Manuel de Sousa: 44
Guerra, 'Ana da: 412
Pedro da: 408
Sebastião de Brito: 318. 409, 410
Guerreiro, P. Fernão: 62, 127
Guevara, P. Pedro J.: 46, 64
Guirapondi, rio: 327
Guiraragué, Índio: 120
Guterres, Agostinho: 412
Gutiérrez, Pedro: 266
Guzman» Ruy Diaz de: 64. 254, 256. 269,
286 . 287. 288. 290, 291, 303
H
Haro, Cristóvão de: 45
Haze, Diogo : 272
Herando, índio: 276
Hernándárias (de Saavedra) : <>1. 238
Hernández, Pablo: 137, 231
Herrera, José: 282, 312
Miguel : 851
Hervas, P. Lourenço: 61
Hieroquiara: 134
Higarapunha: 413
Homo Americanus : 39
Hornos, P. João Baptista: 169, 170
Jlulpfe. Flandres: 220
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 423
Iaguarobi, feiticeiro, 118, 134
Ibapiri, feiticeiro: 93, 118
Ibatãiti. lugar: 193
Iberá. lagoa : 207
Ibia, região: 50, 61, 67, 60, 61, 66, 109,
113, 117, 132, 144, 173, 224. 296
Tbiaça, província: 44, 45, 46, 47, 48, 49
60. 60. 66, 113, 132, 133, 142, 145, 146.
161, 163, 167
Ibiaes : 142
Ibiamon : 64, 60
Itlicui da Armada: 327
Alto. 96, 98, 330
Rio: 42, 47, 48, 66, 66, 78, 79, 80, 81,
82, 96, 98, 99, 101, 102, 192, 237, 277,
293, 321, 324, 326, 327, 330, 331
Guacu : 326
Ibicuiti, rio: 275, 325
Ibipitas, fantasmas: 57, 118
Ibira-ieperi, rio : 327
Ibiranga: 146
Ibirapuitã, rio: 324, 326
Ibitiba-mirim : 326
Ibiticarai <=Botucaraí) : 106, 201
Ibiticaraiba, sertão: 135, 143, 149, 164
Ieguacoporu, feiticeiro: 118, 134
Iequi : 108
-mirim (Rio Pardinho) : 120
Igaarupá: 201
lí-T ôç&foft 38
Igai, rio: 105, 107, 118, 195, 219, 282
Iguaçu, rio: 62, 63, 107, 182, 183. 190,
216, 270, 289, 306
Iguaibe (Guaíba): 46, 136
Iguay: 45, 54, 61, (Ai) 65, 102. 133, 136
Ijuí: município: 64, 144, 165. 166, 337
Guaçú, rio: 48, 81, 82, 86, 88, 92, 93,
161, 196, 322, 323. 324, 327, 329, 332,
336, 338, 339
Mirim : 93
Ilhéus : 368
Imbiassupe : 45
Imbi tuba, rio : 127
Inácio, P. Nicolau: 93
Imparcial, jornal : 5
Imposto único, revista: 7
índia: 22, 368, 381
ÍNDIOS
Abimaris : 81
Abipones: 204
Apicairés : 56, 198
Aracbanes: 41, 49, 64 , 65, 127, 136, 140
Arnaqui: 41
Atacamenhos : 41
Bates : 64
Bilreiros: 52, 53, 128
Birajaras: 54
Botocudos: 37
Bugres: 55, 339
Caaguaras: 49, 60, 51, 132, 133
Caáguas: 48, 49, 60, 52, 132
Caaiaguás : 51, 62
Caamiguaras : 49, 59
Caatiguaras : 49, 60
Cabeludos : 60
Cacana: 204
Caiapós : 53
Caingangues : 66
Calchaquis : 40, 204
Calequis: 365
Carijós: 52, 69, 66, 122, 123, 127, 136,
200, 248. 412
Cariroiguaras: 49
Caroguaras : 49
Cerados : 51
Chanas: 49, 66, 67
Chanes: 41, 64
Charruas: 47, 49. 67, 74, 262, 276, 277,
294, 298, 301, 365
Cheriguanas: 30, 41, 64
Chovas : 54
Coroados: 49, 55
Diaguitas : 40, 49
Bsquimós : 37
Ganaiás : 182
Goitacazes : 356
Guaianás: 48, 49, 52, 54, 55, 182, 184
Guaibiguaras : 49, 60, 61, 128
do Sul: 48, 66, 67, 74, 81, 298, 301
Guaibirenhos : 133
Guaicurus: 32, 37, 48, 204, 207, 21C,
211, 216, 267, 300
Guairamas : 277
Gualachos: 49, 190
Guananás: 29, 37, 182, 218
Guaranis: 41, 42, 49, 63, 64, 66, 66,
124, 136, 137, 204, 209, 210, 216, 220,
286, 334
língua : 55, 204
Guatos : 289
Gês : 39, 49
Guenoas: 49, 66, 67,. 71, 267, 298, 300,
312. 325, 330
Hieroquiaras : 58
Iarós: 49, 67, 71, 267, 275, 276, 277,
298, 301, 307, 312, 325
Ibiaes : 142
Ibianguaras: 49, 59, 60. 113, 117, 128
Ibirajaras: 26, 28, 29, 30, 49, 50. 61,
52, 53, 54, 56, 56, 57, 58, 59, 65, 74,
81, 113, 122, 127, 128, 129, 134, 135,
182, 190, 198, 204, 248
leiquiguaras : 49
Iraitis : 313
Itatines: 33, 42, 211
Jaraes : 256, 291
Maias : 63
Matarás : 264
Mbayas: 49, 66, 300
Mbguas : 277
Mboanes: 49, 67, 71, 267, 298, 312
Minuanos: 49, 63, 67, 69, 70. 71, 74,
241, 267, 298, 315, 414
Naticas : 204
Niguaras : 28
Ororocotoquins : 122
Paiaguas: 258
Patos: 26, 65, 125, 133, 135
Pinares: 54, 65, 60
Piraiubiguaras : 49
Puquina: 204
Querandis : 67, 204
Quiroquini : 204
Sanavitona : 204
Tabaeanguaras : 49
Taiaçuapeguaras : 49
Tapes: 37, 39, 42, 48, 49, 61, 68, 64,
72, 78, 81, 102, 127, 135, 190, 238,
268, 300, 310, 314, 315, 327
Tapuias : 43
Tebiquariguaras : 49
Tupis: 40, 41, 60, 63, 102, 112, 122,
128, 134, 139, 145, 152, 153, 160, 163,
166, 175, 182, 186, 187, 193, 337, 339
424
AURÉLIO PÔRTO
Ubiraiaras (Ibirajaras) : 53
Influência do Caudilhismo uruguaio no
Rio Gr. do Sul, livro: 8
Inquisição : 17, 29
Instituto Histórico e Geográfico Brasi-
leiro : 8
Instituto Histórico e Geográfico do R.
G. do Sul: 8, 166, 184, 188
Inventários e Testamentos, S. Paulo: 64.
135, 140, 143, 149, 154, 161, 162, 165.
179, 182, 183, 194, 250
Inzaurralde: 167, 169, 171
Ipané, povoado : 300
Ipa-umbucú (S. Inácio) : 124
Iraiti-inhacame : 50
Irala, Domingos Martinez de: 42, 251,
257, 288, 289, 290 . 291. 302
Irlanda: 28
Isabel, imperatriz : 346
Itabaiana: 379, 381, 382
Itaiaceco : 99
Itaiasacó, rio : 96
Itaimbé, rio : 325
Itália: 212, 215, 305
Itanhaem : 249
Itapemerim, rio : 326
Itapevi, rio: 326
Itapúa (Encarnación) : 76, 86 . 200. 207
216, 217, 269, 270
Itaqui, estância: 325
Itaquiceias, fantasmas: 57. 118
Itatines, província: 222. 223 224, 226.
256. 307
Itú. rio: 48, 325. 326
luti, serra : 129
Ivaf : 107
J
Jaboatão, Frei A. de Santa Maria: 46,
245
Jácome, Diogo : 22
Jacuí, rio: 43, 47, 52, 54, 65, 60, 63, 65.
66. 79, 81, 95, 97, 102, 105, 107, 130.
143, 156, 158. 163. 165, 175, 193, 195.
197, 222, 237, 278, 282, 308. 309, 317.
324. 327, 328. 329, 330, 332. 333, 338,
343
Salto do : 142
Jaculzinho: 107, 337
Jaeger, P. Luís Gonzaga: 11, 27, 46, 48,
51, 59, 64, 77, 79, 80. 84, 85, 86. 87, 88.
90, 97, 100, 113, 117. 125. 136, 137.
140, 142, 143, 148, 149. 152, 162, 167.
172, 179, 182, 188, 197. 201, 206. 208.
231. 275, 295. 317, 323, 354
Jaguapoa, redução : 207
Jaguareça, índio: 305
Jaguari, município: 79. 80 . 326
Jaguapora, redução : 207
Jaguarobi : 58
Taí: 81. 327
Tandeia: 93
Japão : 22
Japeju, estância e redução dos Reis
Magos, de los Reyes, N. Sra. de los
Reyes: 80. 81, 82, 165, 192, 193, 194,
195 217 267. 272, 275, 276, 277, 279.
301, 305. 309 . 311, 320, 324. 325, 826.
293. 395
Jaqucs, João Cezimbra: 299
Jarau. campo: 67
Jequi : 130
Jeramini, Matias : 192
Jerebatiba : 247
Jerusalém: 19, 20, 853
Jesus-Maria de Ibiticaralba, redução:
135
Jesus-Maria, redução: 107, 108, 109. 116,
117. 118. 120, 128. 131, 132. 136, 137.
138. 139, 140, 142, 145, 146, 148, 149,
150. 151. 152, 154, 155, 156, 158, 169,
171, 172, 188, 195, 196. 211, 215, 219,
227, 270, 271, 273, 274, 277, 278, 282,
296, 297. 308
Ji, rio: 308. 311
Jiménez, P. Francisco: 94, 103, 105, 129,
130, 131, 145, 163, 165, 170. 195. 218.
227. 274, 280, 310, 333, 334
P. Pedro: 395
João, francês: 195
João III: 346 , 347. 348, 349, 851. 353
Jornal do Comércio: 87
Jornal da Manhã: 7
Judas : 152
Júlio de Castilhos, museu: 40, 250
Junta de Feiticeiros: 117. 132. 146
Jurumenha : 381
K
Koseritz. Carlos von: 37, 38
Kraus. H : 253
L
Lacerda. João Baptista de: 38
La Gasca: 289. 302
Lageado, arroio : 326
Grande, rio : 60
Lagens : 141
Lagoa Mirim: 66. 67 308
de Parobé: 326
dos Patos: 66. 127, 332, 837. 863, 365,
366. 367, 407. 409. 410
Santa: 37, 38
Vermelha: 60, 142. 837
Lagoas : 66
Laguna, vila: 34, 44. 45, 48, 53. 54. 65,
67. 70. 102. 127, 131, 132, 133. 135,
145. 174, 233, 238. 239, 251. 282, 318, 838.
845, 360. 361, 407, 408, 409. 410. 411.
413
Laguna de los Patos: 65. 869
Laínez. P. Diogo: 20
Lamego. Alberto: 356, 360. 867. 369, 871
372
de Portugal: 29
Lancastre, Francisco Naper de: 268
Langres : 212
La Plata: 214
Lara, Manrique de 110
Lebrón, P. Alonso: 45
Leche : 216
Leitão. Jerónimo: 123
Leite. João: 183
Pasqual : 159
Podro Dias 174
P Serafim 9. 19. 20. 21, 23, 26. 27.
28 , 29, 30, 53, 181, 200. 244
Leme, Bras Estêves: 169
Leme, Lucrécia M. F. Dias: 165
Leme. Luis Dias: 174
Luís Gonzaga da Silva: 164
Luzia- 165. 194
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 425
Mateus : 174
Pedro: 158, 159
Leão, reino: 223. 353
León, P. Simão de: 325
Lezana, P. Diogo: 279
Lima. cidade: 27. 28, 29. 30. 209, 212,
316, 405
Colégio de: 210, 214, 216
Lima Rodrigues: 71
Lipes, minas dos: 394
Lisboa, Frei Cristóvão de: 364
Baltazar da Silva: 408
Cidade de: 11, 245. 347, 348, 349. 350,
352, 354, 355, 357. 360. 368. 369. 371,
374, 382. 386
L'isle. Guilherme de: 142. 301
Livramento. Santana do: 326
Lobato, P. João: -54. 127
Lobo, Manuel: 238. 283, 309, 370, 373,
384, 385, 386, 388, 389, 390, 391, 392,
395, 396. 397, 398, 399, 400, 401, 403, 406,
Manuel Pereira : 364
Lobos, ilha dos 365, 389. 390
Loiola. S. Inácio de: 17. 18, 19, 21
Lopes, Miguel : 183
Lorenzana, P. Marciel de: 31, 32, 205,
207. 208. 223
Loreto 304, 305
Loureiro. António de : 353
Lourenço, Amador: 183
Nuno 91
Pero: 183
Lovaina: 28
Lozano, P. Pedro: 29 , 46. 56 , 58. 61,
64, 181, 224, 335
Lugo. Pedro Fernández de: 145, 176, 177,
178. 179. 351
Luís Domingos: 196
Luna. Carlos Corrêa: 350
Limd : 37. 38
Lutero: IS
M
Macedo, Jorge Soares de: 238, 346, 378,
379, 380, 381, 382, 383, 384, 385, 386.
387. 388, 389, 390, 392. 394. 395, 396,
397, 400
Maceta, P. Simão: 31, 32, 97, 166, 167,
195, 205, 226
Machado, João: 159
Machain. R. de Lafuente: 91, 257, 378
Madeira. Domingos Tavares, 412
Gaspar Vaz : 159
Madero : 299
Madre de Deus, engenho: 247, 254
Madre de Deus. Frei Gaspar da: 244, 246.
252
Madrid: 11, 222, 231, 239. 266, 289. 292,
302, 398
Magalhães, Basilio de: 123, 124, 149,
166, 192
João de: 67. 411, 412
Pedro Jaques de: 381
Malabar : 22
Malaguai, rio : 301
Maldonado, ilha: 228, 268, 283, 309, 865,
867, 369, 374, 375, 376, 377, 391, 392,
395, 399, 400, 409
Málio, António Ferreira: 160
Baltazar Gonçalves : 160
João Paes: 160, 172
Mampituba: 52. 65, 127, 135. 370, 410
Maneio, Manuel : 412
Manhã, jornal : 7
Manresa: 18, 19
Mansilla, Inês Árias de: 91
Manso, André: 291
Manuel, rei: 346. 349
D. Nuno: 347. 349
Maquiné : 50
Maracaju, serra : 334
Mai aguá : 89
Marandasa: 144, 173
Maranhão : 362, 369
Vice-Província do : 22
Marbos: 218
Marca de Ancona: 215
Mar do Sul: 355
Marinho, Francisco Alves: 174
Marques, Eufrásio Manuel de Azevedo :
164. 408
J. Jacinto: 267. 268, 295, 310, 395
Marras, Sánchez de Lória de : 314
Martin Sancho: 285
Martinez. P. Inácio: 105, 106, 227
Martins, Izaura : 7
Domingos: 412
Mártires, povo do Caró: 218
Martius: 39
Matias, cacique: 193
Mato Castelhano: 142, 317
Grosso : 285, 300
Português: 142. 317
Maulein. índio: 70
Maynard, Manuel Carneiro da Costa e :
399
Mbiaçaba : 85
Mbiaza: 45. 46
Mboapari: 129, 130. 131, 145
Mbocariroi: 104, 129, 130
Mbocayiy : 108
Mboig: 276
Mbororé. rio: 121. 150, 174, 178, 180 K=
Arroio Nonje), 182, 183, 185, 186, 189,
190, 192, 199, 213, 322, 339
Mbutuí, rio : 325
Mealhadas, Salvador Tomé: 365
Medina do Rio Seco: 219
Melgarejo. João Diaz de: 46, 251, 253,
254
Rodrigo: 25
Ruy Diaz de: 25 ,
Melo, Diogo Coutinho: 140, 143, 147, 159
Pedro de: 374
Luis : 353
Mendes, Alvaro: 346. 347, 348, 349
Sebastião : 160
Méndez, Irmão Simão: 181, 184, 191
Mendieta, Diogo de: 260
Mendonça, Matias de: 375, 376
Mendoza, P. Cristóvão de: 51, 57. 59,
60, 65, 95, 96. 97. 98, 99, 100, 103.
100. 110, 112, 113, 114, 115, 116, 117.
128, 131, 132, 134, 137, 142, 208, 210,
215. 224, 226, 227, 230, 271 272, 278,v
295, 296, 307, 319
Diogo de: 286, 287
Luís Sarmiento de : 353
Pedro de: 25, 262, 285, 286, 288. 291,
299, 302, 351, 352
Prudêncio de la C. : 259, 284
Mendoza y Garay, livro: 256, 262, 286,
287, 288, 351
Menino Jesus, posto: 331
Mensageiro, jornal: 7
426
AURÉLIO PÔRTO
Mesquita, Marcos Corrêa de: 363
Mexia, P. João Baptista: 84, 227
Miki, S. Paulo: 89
Milagre, livro : 8
Missões, sua conquista: 34, 36
Missões, terra das: 73
Orientais do Uruguai: 206, 242, 264.
265, 267, 314, 316
Mola, P. Pedro: 61, 92, 93, 97. 108, 109,
128, 131, 135, 137, 144, 145. 146, 148.
150, 154, 155, 186, 218, 219, 286, 227,
277, 296, 297
Molina, P. Francisco de: 86, 220
Irmão Diogo de: 181
Monsanto, condes de: 360
Montaigu, colégio : 19
Montalvão, marquês de: 367
Montalvo, Hernando de: 288. 291
Montegrande, rio: 328, 344
Monteiro, P. Gonçalves: 245
João Pires : 183
Jõnatas da Costa Rego: 82, 85, 88,
92, 93. 98, 99, 103. 105. 107, 108,
110, 111, 136, 166, 215 , 283. 333. 398.
399, 400
Montenegro, cidade: 7. 39
Montes Claros: 381
Monteserrate : 18
Montevideo: 241, 261. 265. 283, 291, 294,
298, 315, 377, 393. 394
Montmartre em Paris: 20
Montoya. P. António Ruiz de- 31. 97.
111, 124, 139. 148. 149. 178, 197. 205.
209, 210. 212. 226. 307
Morais. Luís Correa de: 412
e Silva: 283
Morales: 265
Moranta. P. António: 204
Moreira. Pedro Godói: 377
Moreli, P. Horácio: 31
Moreno. Fulgêncio: 290. 291. 292
Morretes : 142
Mota, Atanásio da: 195
Moura, Elias : 411
Francisco de: 412
Mourão : 381
Mujica. António de Vera y: 313. 396.
402. 404
Munhoz. Francisco: 372
Município da Cachoeira, história: 8
Museu Júlio de Castilhos (Veja Júlio de
rastilhos).
N
Nacê: 130
Nale: 213
Naper, Francisco (Veja Alencaster)
Nápoles: 216, 220
Natal : 162
Natividade, N. Sra. da: 107, 108. 189.
158. 197, 219. 273. 296. 297
Navarra : 18
Navarro. P. João de Aspilcueta: 22
Nenguiru: Nicolau I: 75. 76. 78. 90. 175,
176. 177, 178. 179, 277
Neto, Mateus : 159
Pasqual: 149, 154, 158
Neves, António da Silva: 284, 285
Nhaguaruí, rio : 327
Nhandarica: 276
Nheçu. feiticeiro: 48. 65. 86. 87. 90. 328
Francisco : 87
Nhucorá, rio: 51. 820. 323. 824. 331. 833
336. 337. 338, 339
Nóbrega. P. Manuel da: 22. 23, 26. 86.
53, 123, 244, 248. 250. 264
Nongi. Francisco : 322
Nonoái : 332, 342
Nossa Senhora dos Remédios: 367
Nova Granada : 210
Nova Lusitânia (Veja Colónia) 238, 396,
398
Novo Mundo : 246
Nunes. P. Leonardo: 22, 23, 26
P. Miguel: 169
P. Salvador : 194
Núfiez, P. Lauro: 311
Nusdorffer, P. Bernardo: 190. 334
O
Óbidos : 381
Ocidente : 63
O Colono Alemão, Notas sóbre a Im-
prensa do R. G. S., livro: 8
Oeste: 37, 39. 146
Ojeda. Simón de: 168
O Imposto único em Garibaldi, livro: 9
Oliveira, Alberto de: 169
Antónia de : 164
Bento de : 412
João de: 174
Matias de: 174
P. Francisco Fernandes de: 164, 168,
196
Pedro de : 174
Rafael de : 159
Olózaga : 239. 265
Ontiveros : 262
Ofiate, P. Pedro de: 304. 306. 306
Ordem de Cristo: 357
Ordenação : 212
Ordonana : 266
Ordónez, P. José: 227, 269
Ordufla, Martin de: 285
O Regimento de Dragões do R. G. S. : 8
Oregío. P. José: 91. 100, 227
Orellana. Rodrigo de Mendoza: 110, 111
Oriente: 21. 141
Orozco. P. Gregório de. 312
Ormuz, Estreito de: 372
Ortega, P. Manuel de: 26. 27. 28. 29, 30.
31. 32. 53. 54. 204
Osório. João : 285
O tesouro do Arroio do Conde, novela: 8
O Trabalho Alemão no R. G. do Sul.
livro: 8
Ovalle, escritor: 142
P
Pacheco, Maurício : 389
Pacífico : 40
Paes. Fernando Dias: 172. 172. 174. 178,
176. 179. 180. 188. 195. 880
João R. : 195
José da Silva 241
Pascoal Leite: 144. 173. 174. 175, 176,
178, 179. 180. 184. 187
Pai-Querito: 112. 116
Pais. Padre : 27
Paisandu : 294
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 427
Paiva. Antónia de: 192
Custódio de: 164
Francisco de: 161. 162. 166. 169, 170. 171
Palermo. P. António Paulo: 163. 164
Palestina : 19
Palingarta: 355
Palmas (Canárias) : 214
Palmeira: 324. 332. 337. 339. 342
Pampa : 232. 240
Pamplona : 18
Paqueri : 247
Paraguai, rio: 53. 67. 200, 209. 259. 359
Paraguai, província: 24. 25. 26. 27, 28.
29. 30. 31. 33. 42. 44. 45. 46 . 47, 76,
83. 84. 97. 106, 112. 124. 144, 176. 177.
196. 199. 200. 205. 207. 208. 211. 213.
215, 217. 219, 220. 221. 222 , 223. 226,
228. 234. 250, 251. 252. 253 . 254. 255.
256. 257, 258, 259. 260 . 264. 269. 284.
288, 289. 290. 292, 299 , 300. 302, 303.
309. 322. 331. 334. 335. 340. 341, 352.
355. 363, 393
Paraíba: 123. 350. 362
Paraíba do Sul: 368. 372. 373
Paraná, Missão: 32. 128, 211, 212 217,
220. 222. 280. 334
Paraná, região: 33. 38. 46. 52. 97. 123.
124. 176. 198. 201. 202. 207. 208. 210.
212, 213. 214. 216. 223. 304, 305. 314
Paraná, rio: 53, 63, 67. 112, 196 . 200.
201, 264 . 267. 307. 336, 375. 376
Paranaguá: 366, 37». 380, 386. 387
Parapopi : 131. 145
'Pardinho, Rafael Pires: 411
Paredão, arroio : 105
Parente. Bento Maciel: 362
Paricai : 48
Parinogo : 381
Paris: 19. 28, 360
Parnaíba : 164, 196
Pasado. António : 220
Passo Fundo, rio: 103
Passo Fundo, cidade: 60. 113. 163, 196,
332, 334. 337. 342
Pastells. P. Pablo: 31. 171, 177, 178. 181.
182. 183. 191. 199. 224. 270. 280. 296
Pastor, P. Silvério: 84. 217
Patino, P.. Gabriel: 315
Patos, lagoa dos: 41. 45. 48. 195
porto dos: 43, 45. 46
rio dos : 45
Pátria, drama nacionalista: 8
Paus Queimados: 336
Pearas, rio: 141, 142
Peçanha. António Nabo: 357
Pedreira, lugar: 285
Pedro II: 205, 385
Pedro, príncipe: 357. 360. 381. 382, 383
384, 388, 394, 397. 400
Pedroso, António: 161. 162, 164. 166. 169
171
António Fernandes : 399
Francisco : 393
Jerónimo: 183, 186. 187. 191
Peiuré : 202
Peixoto. Domingos de Brito: 237. 238
318. 338, 360. 407. 408, 409, 410, 411.
412. 413
Francisco de Brito: 318 . 408, 409. 410
Pelotas, rio: 48. 52. 127. 133. 142, 143
196
Península Ibérica: 398
Peperiguaçu : 182
Peralta. João de: 393. 394
Perdomo. António Gonçalves: 174
Pereira, António: 386
Cristóvão : 67
Paulo : 159
Peres. P. Manuel : 184
Manu.-l. capitão: 150, 178. 183. 187. 188
Vicente : 195
Perest>'lo. António Lopes: 183
Pernaguá : 382, 383
Pernambuco: 23. 234 . 246 . 354. 356
Pérsia 381
Perú: 27, 30 . 41. 106. 124. 194, 255, 258,
259. 260. 261. 289. 290 . 291, 293, 299.
302. 303. 331. 352. 394
Pessoa. Luís: 314
Petit Journal : 7
Piai : 113. 142
Pimentel. Ana: 245
Pina. João de: 183
Pinhais, lugar: 166. 196. 316. 319
Pinheiro. José Feliciano Fernandes: 360
Pintado. André: 313
Pinto. António Corrêa: 402, 404
Bandeira, livro: 8
Cristóvão : 257
Francisco Barreto Pereira: 247
Rui : 247
Piraiubi: 60. 134. 146
Pirapó: 90. 124
Pirapopi : 145
Piratini. redução: 130, 144. 164, 208 •
rio: 66. 81. 82. 84. 88. 329. 335
Piratininga: 11. 28. 51. 57. 60. 103. 112.
133. 174. 179. 192. 201. 234, 235 , 244,
248. 355. 378
Pires. P. António: 22
Francisco : 249
Francisco de Moura: 412
José Dias Franco: 389
Piritiguaçu, rio: 328 ^
Pita. João da Rocha: 389. 393. 394
Pizarro. Gonçalo: 289 . 302
Pombal, marquês: 407
Ponte Grande : 250
Porcel. P. Jerónimo: 91. 92
Porto Alegre: 61, 131. 132. 143, 299.
317. 342. 371
das Almadias : 247
Porto. António Cordeiro: 161
Aurélia Guedes da Luz: 7
PORTO. AURELIO 5-11. 37. 40. 41 51.
54. 57. 59 . 63. 65. 87. 100. 116, 132. 141.
149. 199. 237 . 250 . 268. 338
Porto Seguro: lugar: 362
Porto Seguro, visconde (Veja Vernha-
gen ) : 360
Portugal: 21. 28 . 71. 122. 165. 234. 246,
252. 253. 343. 346. 347. 348. 350. 362, 353.
354. 356, 366. 376. 381. 393. 398. 405
Potira. Tomaz: 196. 322
Pqusos Altos : 141
Povinho da Entrada: 143
Povo. jornal : 7
Povos de Missões: 340
Prado. Francisco Rodrigues do : 300
Praga 226
Prates. João Rodrigues 412
Preto, António: 165, 249
Domingos : 165
Gaspar Fernandes: 160, 165
Inocêncio Fernandes : 165
João: 159 160. 161. 165
428
AURÉLIO PÔRTO
José : 165
Manuel: 160, 165, 192, 194
Manuel, o moço: 159, 161, 165
Sebastião : 124, 65
Prieto, Fulano: 165
Proença, Isabel : 164
Professor Artur Candal, livro: 8
Progresso, jornal : 7
Puríssima Conceição, de N. Sra. : 154
Q
Quaraí, tio: 67, 309, 311, 324
Queguaí, rio: 324
Quesada : 67
Quicombo, rio: 356
Quiroga, P. José: 140, 226
Quito: 214
R
Rabequista. João: 206
Ramalho, João: 123, 244. 248
Rambo, P. Balduino: 50
Ramos, Manuel Fernandes: 164
Rançonier, P. Jacob: 83, 214 . 221, 275
Raposo, João: 161, 162, 170, 171
Fr» José de Oliveira: 144
Real Feitoria do Linho Cânhamo, livro:
8
Recife: 356
Reforma : 18
Regimini Militantis Ecclesiae: 20
Registro: 141
Geral : 133
Reis. porto dos: 289
Reis Magos, (Veja Japeju).
Rendon, Francisco de: 180
República Oriental do Uruguai: 66, 308
Resquin, Jaime: 46
Revista do Inst. Hist. e Geogr. do R.
G. Sul: 40, 213, 338
do Instituto Hist. e Geogr. Brasileiro:
43, 44
do Instit. Hist. de São Paulo: 39, 40,
213
Riachuelo, cid. : 358
Ribeira, Pasqual da: 165: 192
Ribeiro, António: 160
Ana, 192
João : 5
Manuel Gonçalves: 411
Manuel dos Santos: 411
Riglos, Miguel de: 313
Rincão de N. Senhora: 332, 342
Rio Branco, barão do: 301, 399
Rio das Antas: 50
Rio Camisas: 142
Rio Grande, jornal : 7
Rio Grande, estado: 29, 32, 34 , 39, 40,
41. 45, 48, 51, 52, 54, 57, 59, 67, 70,
71. 74, 78, 90, 108, 110. 125, 127, 133.
135. 137, 139, 140, 142, 166, 199, 200,
206. 208, 209, 215, 217, 220, 221. 224,
226, 228, 238, 241, 242, 250, 263, 265,
266, 267, 269, 272, 275, 282, 284, 285,
286, 293, 295, 299, 300, 303, 308, 318.
319, 321, 331, 332, 333, 335, 338, 341,
343. 345, 358, 360, 361. 363. 365. 370.
374, 394, 406, 410
Rio Grande do Igai: 394
Rio Grande do Norte: 350
Rio Grande de São Pedro, presidio: 45,
241, 398, 406
Rio Grande de São Pedro: 65, 316
Rio de São Pedro: 65
Rio Grande do Sul, barra: 43, 331, 413
canal : 48, 102
Rio Guaratiba : 369
Rio de Janeiro, colégio: 23
cidade: 29. 132, 159. 180, 184, 236, 237,
246. 248.- 285, 293, 317, 318, 354, 355,
356, 357. 359, 361, 363, 364, 366, 370,
371, 372, 374, 375. 376, 378, 379, 383.
384. 385, 386, 389, 394, 399, 401, 402,
405. 406, 409, 411
Rio Ligeiro : 60
Rio Martin Afonso (= Chuí) : 370
Rio Negro: 66, 266, 307, 308, 309. 31C,
311. 324. 327, 332
Rio das Ostras: 369
Rio Pardinho: 108. 110, 132, 142, 146
Rio Pardo, rio: 97. 106. 108. 109. 1Í0.
155. 278, 296, 338
Rio da Pràta: 26, 37, 41, 43, 44 45, 46.
47. 48, 63. 66, 67. 70, 167, 173, 176, 177.
192, 200. 226, 229, 231, 233, 234, 236,
237, 238, 239. 241, 250, 251, 252. 253,
255, 257, 259. 260, 261, 262, 263, 265,
266. 282, 284, 285, 287, 289, 290. 291.
293. 298. 300. 302, 319, 345, 346. 348,
349. 350. 351, 352, 353, 354, 358, 359.
360, 361. 362. 367, 368, 369, 370, 371.
372. 373, 374, 375, 376, 377, 378, 382,
383. 384, 385. 386, 388, 389, 390. 393.
394, 396, 398, 399, 406, 407
Rio do Rosário: 312
Rio dos Sinos: 50
Rivadeneira, Frei João de- 288
Roça Nova: 142
Rodero. P. Gaspar: 339
Rodiles. P. Domingos: 393, 395
Rodrigo (Dom), rio (Imbituba) : 43. 52,
127
Rodrigues. P. António: 24, 25
António, bandeirante: 183
P. Estêvão : 188
Garcia : 195
Gaspar : 249
P. Jerónimo: 52. 54. 159
Miguel Garcia : 160
P. Simão: 20. 21, 22
Irmão Vicente: 22
P. Vicente: 178. 184, 188
Rodriguez. Afonso P. : 27, 85, 88, 89,
208. 212. 224 , 295, 322 -
Rojas, P. Salvador: 312
Rolante: 50, 141
Roma: 20, 26. 28. 215. 227, 292
Roman. Marcos: 399
Romero, P. João: 31
P. Pedro: 31, 32. 33. 84. 85. 86. 88.
93, 96, 98. 99. 102, 105, 106. 130, 132,
135. 137, 138. 139. 145, 148, 150, 151,
154, 155, 156, 169, 204. 205. 210, 211,
218, 221. 226. 270. 271, 272. 273. 274,
275, 295, 296, 297. 301. 305. 306. 308.
333. 334
Roque, cacique : 99
Rosa. Othelo: 9
Roscio, Francisco João: 140, 141. 142,
144. 316, 317
Rosso, J. P. : 284
Rua. P. André de la: 227
Ruyor. P. Cláudio: 177. 178, 182, 183,
184. 185. 186. 187. 212, 21S
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI
429
Sá. Diogo Corrêa de : . 373
Família Corrêa de : 374
João Corrêa de: 268 , 360, 367 , 368,
369, 370, 371, 372. 375
Martim Corrêa de: 354. 357 . 361, 373
Simão Pereira de : 403
Vitória de : 166
Saa, Francisco de: 362
Saavedra, Hernandárias de : 43, 262, 263.
264. 266, 267, 268 , 291. 293 , 294 , 295.
31B. 334
João Arias de: 375, 376
Salamanca, universidade : 19. 212
Salas, P. João de: 86, 163, 227, 255. 280
Salazar, João de: 25, 26. 251. 252, 253.
254, 257, 288, 299, 305
José Martinez de: 282. 309
Salcedo, Miguel de: 406
Saldanha, José de: 63. 67. 68, 70 . 321.
330, 336, 337
Salmeron, P. Afonso: 20
Saloni P. João: 26, 27, 28, 223
Saltein: 70
Salto, cidade: 294
Samana, João de : / 354
Sambaquis: 38, 48, 50
Sampaio, rio : 146
Manuel Barreto de: 369
Sanabria, Cristóvão de : 251
Diogo de : 250
João de: 250
João de: 250 , 251
Maria de : 251
Sancti Spiritus: 46
Sanchez, Bernardo : 377
Sanlúcar : 251, 289
Sanmartin. Olyntho: 125, 143
San Martin, P. Francisco de : 32
General : 81
João de: 313, 315
Sanso n, raça bovina: 284
Santa Ana, estância: 330
redução: 100, 105, 106, 108, 120, 150,
155, 156, 158, 197, 202 , 207, 219, 274,
281
posto: 331
de Macaé : 269
Santa Bárbara, colégio : 19
rio : 329, 330
Santa Catarina, estado. 38, 65. 136
Ilha de: 43, 44, 45. 46. 166. 289, 845,
359, 360 . 361, 362. 363. 365. 366, 369,
387, 388, 389, 390, 391. 395. 403, 408,
412
Santa Cruz. Maria de : 207
redução : 321
rio Cai: 50, 141
Santa Cruz de la Sierra: 110, 258, 259,
261. 291
Santa Cruz do Sul: 148
Santa Fé: 28, 149, 241, 259, 261, 262,
267. 269, 292, 294, 303. 311. 312, 313,
315 376 401
Santa Lúcia do Piai: 113, 142, 146
Santa Luzia, rio: 268. 309, 310
Santa Maria, cidade moderna: 80. 96
cabo: 44, 268, 367, 370 (porto), 372.
389. 391
João de. o moço : 174
Frei Manuel de: 365
dos Guenoas, redução: 67
Maior : 272
Posto : 307. 331
Rio 319. 327
do Uruguai : 303
Santa Maita, morros: 318
Santa Rosa. lugar: 321, 324
Santa Rosa. Frei Feliciano: 389
Santa Tecla, posto: 330
Santa Teresa, do Curiti : 169
de los Pinhales, redução: 60, 103, 105.
129, 130. 134. 160. 162. 163. 164. 165.
166. 167. 171. 172. 182, 191, 195, 196.
199. 222. 227
Santa Vitória, passo: 143, 196
Santiago. Chile: 31, 216, 220
do Boqueirão : 326
posto : 330
dei Esteio: 27
dei Jerez, Mato Grosso: 29
Santo Agostinho, posto: 330
Santo André da Borda do Campo 244.
248, 249
Santo Ângelo Custódio: 92, 166, 326, 327.
331
erval: 337. 339
município : 342
Santo António, abade: 176, 177, 247
arroio : 330
estância : 330
íreguezia: 141
. posto: 331
o Velho: 330
Santo António dos Anjos da Laguna
(Laguna) : 407, 412
Santo Cristo: 166, 196
Santo Inácio, posto: 329, 331
r.edução ou Santo Inácio Guaçu : 207,
210, 329. 331
Santo Inácio Mini: 201
Santo Isidro: 331
Santos, cidade: 47. 125, 249. 262. 255.
355. 360. 377, 384 . 386 . 387 . 389. 391,
394, 408, 409, 410
António Vieira dos: 379
Santos Mártires do Japão (=Mártires) :
201
do Caró: 201
São Borja, cidade: 99, 342
erval: 330. 337
estância: 331, 326. 327
povo : 332. 336
São Braz, estância: 331
São Camilo, estância: 331
São Carlos, imagem : 93
do Caapi. redução: 92, 108, 130, 166,
167. 169. 171. 198. 201. 218. 219. 271,
272, 274
São Clemente: "530
São Cosme e São Damião, redução: 102,
149. 201, 216. 218. 328
São Cristóvão, estância: 331
redução: 110. 120, 150, 155. 156. 158,
171. 197, 201. 219
São Damião, estância : 331
São Diniz: 20
São Diogo, posto : 330
São Domingos Soriano, povo: 309
frades de: 392
posto : 330. 331
São Fabiano, posto : 331
São Francisco, vale: 234, 236
vila : 387. 399
São Francisco, província: 46
430
AURÉLIO PÔRTO
São Francisco de Assis: 17, 326
São Francisco de Borja, redução (Veja
São Borja): 71, 99
São Francisco de Paula de Cima da Ser-
ra: 50, 52, 141, 142, 144
São Francisco Solano, posto : 331
São Francisco do Sul, porto: 251
rio: 360, 365. 366
São Francisco Xavier, posto : 321
povo: 81, 101, 148, 149, 150. 166, 195,
220. 269, 272, 306. 322, 323, 324 , 326,
331, 338, 339
São Gabriel, colónia: 312, 385
Ilhas de: 45, 46, 238, 267, 295, 361. 377,
384, 385, 388, 390, 391, 392, 397. 399,
401
estância: 268. 310, 314
São Gonçalo, rio: 66
São João, arraial : 382
São João. erval : 337
estância: 310, 327, 328 , 329, 331
rio: 396
São João. Baptista, redução: 331. 338,
339, 343
de Cássia. 357
dos Campos: 370
de Deus: 331
Mirim, posto: 330, 331
Velho, serro : 329
São Joaquim, redução: 58, 104. 106, 107,
108, 119, 120, 156, 158, 163 . 201, 222,
273. 274. 279
posto : 330
São Jorge, estância: 321, 324 . 331
São José. povo: 100, 101. 102. 201, 219,
270
rio : 370
Tubicba, estância: 330
Tuja, posto: 324, 331
São Leopoldo, visconde : 360
São Lourenço, estância: 327, 328, 329 , 380
São Lourenço Mártir, erval : 337
redução: 339. 343
São Lucas, estância: 329, 331, 330
de Guadiana: 381
São Luís Gonzaga, estância: 315, 327,
328. 329. 330
erval: 337
povo : 319. 339
São Marcos, posto: 321, 324 . 330. 331
São Martinho, estância: 331
do Mol: 369
serra, 99, 107
Vila: 99
São Mateus, baia: 302
São Matias, estância: 331
São Miguel, estância. 327, 328 . 329. 330.
331
São Miguel Arcanjo, povo (ruinas) : 342.
343
redução: 96, 99. 100, 101. 112, 118.
132, 201, 219. 272, 274 . 282. 307, 308,
310, 311, 319, 320, 326. 339
São Miguel Mirim, posto: 329
São Miguel, presídio: 257, 290
Sfto Nicolau, erval: 337
estância: 327
São Nicolau do Jacuí: 242
São Nicolau do Piratini. redução: 76,
78, 80, 81, 82, 84, 87, 90, 167. 169, 186.
200, 206. 208, 218, 221, 227, 269. 270, 296,
297, 308 . 311. 326, 330
São Nicolau do Rio Pardo: 242
São Paulo de Piratininga, vila e capi-
tania: 47, 97. 112. 125, 127, 139, 140,
141, 143, 158. 162, 166, 170, 172, 174,
180, 184, 191, 192, 194, 195, 196, 199,
200. 201. 244, 248, 249 , 252, 282, 283,
285. 294, 309, 355. 357. 359, 368. 377,
■ 378, 380, 386, 389, 393, 394, 399
São Paulo, posto: 330
São Paulo (Veja Piratininga)
São Pascual, estância: 331
São Pedro, posto: 142, 321, 324 , 327. 329,
331
dos Marcos: 369
São Pedro e São Paulo, redução (Veja
Apóstolos) : 201
São Rafael, posto: 330
São Salvador. Uruguai: 266
de Campos, capitania: 372
da Lagoa : 357
templo: 356
São Sebastião, cidade: 361
f reguezia : 354
das Garoupas : 370
São Sepé, cacique: 74
São Sepé, município: 329
São Sepé, fundação da capela das Mer-
cês, livro : 8
São Tomé. capitania: 369. 370
erval : 337
estância ! 327
povo: 98, 99, 101, 162, 194, 202, 219.
252. 270, 311, 320, 325, 326, 331, 332
redução : 99
São Vicente, capitania: 23, 24, 25. 43,
44. 46, 47, 121, 123, 133, 242, 243, 244,
245. 246. 247. 249. 250, 251, 252. 253.
264. 258, 265. 284, 330. 354, 358. 359,
361, 362. 365, 370, 394
Saramandri. rio: 365
Sardinha. Afonso: 249
Sarmiento. Luis: 350. 352
Sarzedas, António Fernandes: 183
Schmidel. Ulrico: 25
Schuller. Rodolfo: 67. 290
Sebastião, rei : 362
Senábria, Diogo de : 46
Serra. Alto da: 142
Serra do Butucaraí : 328, 332, 337
da Cruz : 326
do Erval: 229, 320. 332
Geral: 60, 51, 52. 63. 79, 80, 81, 128
do Mar: 47, 79 -
do Monte Grande: 328
do Nordeste: 39, 113, 116, 142. 295
de Sabarabuçíi: 380, 381, 382, 383
de Santiago : 79
de São Martinho: 80, 102
de São Xavier: 80
dos Tapes: 48. 66. 211. 281
Serrano. António: 54, 55, 66, 182, 298
Sertão da Laguna: 133
Sertão dos Patos: 127. 133, 135, 136, 174
Sertão do Rio Grande: 173, 173, 192
Serviço do Património Histór. e Art.
Nacion. : 9, 13
Sete Igrejas, masques de: 221
Sete Povos: 35. 84, 227, 231, 242, 281,
326, 336. 338, 342
Seutter, Matias: 144
Sé Velha: 354
Sevilha: 209. 210. 302, 351. 352, 381. 382.
383
Sirllias (Duas): 353
HISTÓRIA DAS MISSÕES ORIENTAIS DO URUGUAI 431
Silva, António Castanho da: 164
António de Morais: 143
■ Domingos Leme: 73
Jácome da: 412
João Nunes da: 174, 376
P. Mateus Pereira da: 411
Pereira da (Jácome, genovês) : 412
Silveira, António da: 173
Hemetério Veloso da: 342
João Lopes da: 404
Simch, Francisco Rodolfo: 40
Simões Pires, Notas Genealógicas, livro:
8
Simões, Salvador: 174
Siqueira, Ana Maria de: 171
António da 160
Francisco : 160
P. Gaspar de: 163
Soares, P. Diogo: 144, 202
Fernando : 350
Gabriel : 43
Jorge: 404
Leonardo da Silva: 141
Sobrino, P. Laureano: 168
Sociedade Capistrano de Abreu: 8
Sodré, Firmino : 245
Soledade, vila: 332, 336, 337, 342
Solinas, P. João António: 267, 395
Solis, João Dias de: 42, 351
rio de : 44
Sommervogel. P. Carlos: 220, 221, 224
Sorocaba, vila: 164, 265, 408
Sorvo, conde de: 347
Sottomayor, José de Herrera: 282
Sousa, Francisco Corrêa de : 412
Gabriel Soares de: 43
Irmão João de: 26, 53, 243
João da Silva: 34'. 374, 375, 377, 378,
382
Martini Afonso de: 234, 243, 244. 245.
246. 247 (Vila de) 252, 346. 347, 348.
349, 362
Pero Lopes de: 45. 244. 245. 246, 360.
361
Tomé de: 22. 25, 245
Southey: 289
Souto Maior, José de: 412
Staden. Hans: 45
Studart. Filho C. : 40
Suárez. P. João: 103, 105, 106. 107, 129
Suárez, librería: 291
Sudeste : 140
Sul : 37
Sutil, rio: 330
T
Tabacã, indio: 48, 65, 78, 96
Tabacambi, índio: 32
Tabernier, Mr. : 340
Tacã, aldeia: 269
T&citâS * 57
Taiacipè, lugar: 16, 119. 132, 142. 146.
150
Tainhas, rio: 50, 142
Taiubai. índio: 65, 100, 118
Tajuí, cacique : 70
Talveira : 381
Tamandaré : 356
Tanner. P. Matias: 116, 223, 226, 307
Taiio. P. Francisco Diaz: 58, 60, 61.
128, 129. 134. 136, 137, 138, 148, 180,
181. 182. 183. 184, 191, 212. 214. 215,
278
Tape, província: 33, 44, 45, 46, 47, 48,
49, 51, 54, 59, 61, 64, 65, 76, 79, 80.
86, 95, 96, 97, 98, 100, 103, 108, 109,
110, 112, 113, 117, 118, 128, 129, 130,
131, 134, 135, 136, 137, 141, 144, 159,
161, 162, 166. 173, 199, 200, 204, 206,
208, 209, 211, 212, 214, 215, 216, 217.
218, 219, 222, 223, 224, 226, 227. 234,
270, 271, 282, 297, 304, 305, 309. 320
Tapeei, cacique : 130
Tapitanguá, rio : 327
Taquarembó : 330
Taquari, rio: 50, 51, 60, 66 , 97, 102,
105, 109, 128, 129, 130, 134, 140, 142.
143, 144. 145, 146. 147. 148. 158, 169,
161, 165. 320, 328
Taques, Pedro : 194
Tarabiren, lugar: 193
Tarija: 30, 260, 321
Tarimandi (Tramandaí) : 412
Taunay, Afonso de E. : 125, 141, 149,
166, 172, 179, 188, 192, 199, 200, 213
Tavares, António Raposo: 51, 110, 113,
121, 124, 125, 136, 139, 140, 142, 143,
144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151,
152, 155, 157, 158, 159, 161, 165, 172,
180
Bernardino de Távora: 344
Maurício Pacheco : 386
Távora, Álvaro de Sousa: 362
Techo, P. Nicolau dei: 52, 64, 142, 165,
167, 301
Tejo: 350
Teles, Baltazar : 63
Tembetás : 40
Terceira, ilha: 91, 359
Terra Farroupilha, livro: 8, 37, 51, 54,
57, 86, 132, 141, 149
Firme: 266, 268, 295
do Fogo: 37
Teschauer, P. Carlos: 5, 44. 65, 93, 137,
149, 160, 162, 175, 181. 208, 215, 226,
231. 295. 318. 326, 330, 331. 332, 334
Testimonio : 98, 100
Tiberi, arroio : 325
Tibiquari. rio: 50, 79, 81, 102, 119, 129,
130, 131, 142, 147. 182, 191, 301
Tijucas: 166
Tobati: 190
Tocantis, rio : 39
Todos os Santos do Caró (Mártires) : 89
Todos os Santos (Baía): 255
Toledo, cidade: 352
P. João Suárez: 222, 223
P. Sebastião de: 327
Tolu. P. José: 321, 323, 324. 339
Tomar, Pedro Paulo de: 292
Tombo, torre do: 358, 360
Tordesilhas: 44, 121, 233. 235, 345, 346,
347, 358. 398, 407
Toropi. rio: 101, 319, 321, 327
Torre, bispo de la: 258. 291, 303
Torres, P. Diogo de: 30. 31, 32, 33
Irmão Domingos de: 177, 179. 181, 321
Inácio de : 314
João de : 325
Tramandai. rio: 54, 370, 410, 413
Tranqueira: 285
Trás-os-Montes : 406
Trejo, Frei Hernando de: 251
Trelles : 264
Trindade. Frei Lourenço da: 389, S92
432
AURÉLIO PÔRTO
Trinidad, António de la: 122
Trujillo, P. Francisco Vázques: 168. 208,
269, 296
Tucuniã, Córdoba de: 26, 29, 30, 31,
111, 205, 251, 261, 266, 355, 397
Tupac Yupangui, inca: 42
Tupaceretã, posto : 329
Turvo, rio: 47, 48, 52, 66, 324
Tyaraiú. José (Sepé) : 329
V
Uhle, Max: 41
Ulloa, José de Varella y: 338, 343
Último Farrapo, livro: 8
Um Capítulo da História Territorial do
R. G. Sul: 8
Upamoroti, rio: 43, 326
Urena, P. Tomaz de: 90, 219, 280
Uruai, rio : 44
Urubuquá, rio: 327
Uruguai, Alto: 42, 51, 52, 55, 183, 212.
229, 266, 320, 324, 328, 337
Banda Oriental do: 30, 33, 46, 47. 49,
65, 71, 76, 77, 80, 95, 96, 109, 128,
129, 199. 202, 204. 206, 208, 211, 213, 215,
216, 218, 219, 221, 222, 230, 261, 266.
267, 268, 275, 277, 295. 316, 323. 331,
334, 344, 345, 361, 395
Reduções do: 31, 32, 33, 82, 84, 212.
214, 217, 220, 223, 224, 226, 227, 265,
271, 296, 297, 298, 304, 305, 307, 310,
314, 320
Rio: 44, 48, 52, 54, 55, 59, 65, 66.
78, 81, 82, 83, 90, 92, 99, 102, 127,
141 159, 162. 166, 167, 168, 176, 181.
182, 183, 184, 185, 190, 196, 200, 201,
208, 209. 210. 229, 232, 233, 235, 239,
242, 264, 266, 269, 270, 278, 280, 281,
284, 293, 294, 306, 308, 309, 311, 313,
315, 316, 317, 321, 322, 324. 325. 326.
332 333. 336, 337. 338, 339
Uruguai-pitã, rio: 47. 48, 52. 60
mirim : 103
tupi : 337
V
Vacacaí: 262, 319, 328, 329
Guaçu, ou Grande: 326. 327
Vacacuá : 267
Vacacuan : 267
Vacaria: 318. 319, 320
do Mar: 295, 308. 309. 310. 311. 313.
315, 316, 317. 322. 324. 325. 327. 328.
329, 830
N. Sra. de Oliveira, vila: 141. 142. 144.
159 274 308
dos Pinhais: 315. 317. 318. 328
do Rio Grande do Sul: 315
da Serra: 280
Vacas, arroio, 267
Valadares. Domingos Pires: 183
Valbueno: 144, 173
Valdez, Diogo Flores y (Veja Baldez)
Valença de Alcântara: 381
Valencia: 217
Valhadolid: 221. 285
Valtodono. Irmão Eugênio: 305
Valverde, João Blásquez: 322. 338
Vargas. Getúlio Dorneles, 13
Varistas, 132, 133
Varnhagen. Francisco Adolfo: 245, 367
Várzea, rio da: 65, 320
Vasconcelos, Alvaro Mendes: 346
António Pedro de: 406
P. Simão de: 246
Vasqueancs, Duarte Corrêa: 355
Maitim Corrêa: 371, 372
Vaz, Lourenço : 249
Velho. Francisco Dias: 360. 389 394
408. 412
Vellã. Isabel: 91
Velozo (Veja Silveira. Hemetério)
Veneza: 7. 20
Vera. província: 44, 46
Vera António de: 267
João Alonso de: 280, 292
Torres de: 262
Vergel. Irmão Luís: 93
Viaça, província : 43, 47
Viamão: 45. 6C. '141, 142. 238. 241 242
412
Viamon : 45
Viana, P. João de: 31. 213
Urbino: 245
Vidal. António Afonso: 386
Baltazar Gonçalves: 159
Vieira, João Fernandes: 356
Vilalobo: 351
Viialta, F. : 299
Vila Rica: 28, 29, 30. 53, 195. 393
Vilaverde, Bartoloméu de: 207
Villanueva de los Infantes: 220
Villegaignon, ilha: 23
Vimeiro: 360
Virapoheira: 250
Viteleschi, P. Múcio: 209, 210
Vitória, bispo D. Francisco: 26
Viveros, P. Felipe: 92, 219, 271
Viscaino, ilha do: 266
Visitação, redução: 130, 131, 274
Voigt, Carlos : 341
W
Washington Luis: 172
Withrington, Roberto: 26
X
Xara. Bartolomeu Sánchez: 404
Xavier, S. Francisco: 20, 21, 22
Manuel : 227
Xéria, Luís Céspedes: 124
Ximénez (Veja Jiménez)
Xingu, rio: 39
Y
Yaguacabai : 87
Yaguacaporu : 55
YívlcUci " " 55
Yegros, P. João: 268. 281, 283. 3G9.
328, 329
Ygua. rio : 276
Yopepoyeca: 55
Z
Zapata: 70
Zárate, João Ortiz de: 44. 45. 46. 258.
259, 260. 261, 303
Joana de: 261
Zubéldia. Irmão Joaquim de: 281. 312
Zurbano. P. Francisco Lupércio: 182. 184.
191
ÍNDICE GERAL
Aurélio Porto e sua História das Missões Orientais do Uruguai. Pró-
logo da segunda edição 8
Prefácio da 1* Edição 13
A COMPANHIA DE JESUS.
1. Fundação da Companhia de Jesus 17
2. Os Jesuítas no Brasil 22
3. Província do Paraguai 24
4. A Catequese . 28
5. Civilização jesuítico-colonial 33
Capítulo I. — PRIMITIVOS HABITANTES DO RIO GRANDE DO SUL.
1. Unidade racial de um povo primitivo 37
2. Ensaio de classificação aborígene 43
3. Grupo racial jê 49
4. Grupo tape 63
5. Grupo guaicuru do Sul 66
6. O índio das reduções 71
Capítulo II. — REDUÇÕES DO URUGUAI.
1. Conquista espiritual do Uruguai 76
2 . São Nicolau do Piratini . 82
3. Expansão da catequese jesuítica 84
4. últimas reduções fundadas na Província do Uruguai 92
Capítulo III. — REDUÇÕES DO TAPE.
1. Penetração jesuítica no Tape 95
2. Reduções do Alto-Ibicuí 98
'3. Reduções da bacia do Jacuí 102
a) Santa Teresa 103. - b) SanfAna 105. - c) São Joaquim 106
d) Natividade 107. - e) Jesus-Maria 108. - f) São Cristóvão 110
4. Martírio do venerável Padre Cristóvão de Mendoza 110
5. A "Junta" dos feiticeiros 117
Capítulo IV. — BANDEIRAS PAULISTAS NO SUL. (1636-1669).
1. O bandeirismo paulista 121
2 . A bandeira de Aracambi 125
3. A bandeira de Raposo Tavares 136
4. A bandeira de André Fernandes 159
5. A bandeira de Caaçapá-guaçu 172
6. O desbarato de Mbororé 180
7. Outras actividades do bandeirismo paulista 192
8. O êxodo das populações aborígenes 196
434 AURÉLIO PÔRTO
Capitulo V. — OPERÁRIOS INSIGNES.
1. Os Jesuítas 203
2. Biografias de Missionários 206
Roque González de Santa Cruz 206. - Diogo de Boroa 208. -
António Ruiz de Montoya 209. - Pedro Romero 210. - Diogo de
Alfaro 212. - Cláudio Ruyer 212. - Nicolau Mastrilli Durán
213. - Francisco Diaz Tafio 214. - José Cataldino 215. - Miguel
de Ampuero 216. - Adriano Formoso 216. - Adriano Crespo 217.
Vicente Badia 217. - Silvério Pastor 217. - Manuel Bertoth 218.
Filipe de Viveros 219. - Tomás de Urena 219. - Francisco de
Molina 220. - André Gallego 220. - Pedro Bosquier 220. - Afon-
so de Aragona 220. - Cristóvão de Arenas 221. - João Suárez
de Toledo 222. - Pedro de Espinosa 223. - Marciel de Loren-
zana 223.
3. Os Mártires 224
4. Conclusão 226
Capítulo VI. — ORIGENS DA ECONOMIA DAS MISSÕES.
1. Factores económicos do povoamento do extremo sul 229
2. O ciclo do gado vicentino 242
3. Fundação da pecuária de Assunção do Paraguai 250
4. Introdução do gado nas Reduções 265
5. Gado bovino 269
6. Gado equino 285
7. Origem do gado menor „ 302
8. Vacarias 308
9. Estâncias dos Povos 319
10. Ervais dos Povos 331
Capítulo VII. — OS JESUÍTAS E A EXPANSÃO PORTUGUESA
NO PRATA.
1. Primórdios da controvérsia sobre o Prata 345
2. Rio Grande do Sul — Donatária dos Assecas 354
3. A tentativa do General João da Silva de Sousa 474
4. A expedição de Jorge Soares de Macedo 378
5. Colónia do Sacramento 398
6. Laguna 407
ILUSTRAÇÕES :
Aurélio Porto . 4/5
São Francisco Xavier 21
Padre Simão Rodrigues 22
FIRMAS DE MISSIONÁRIOS 415
MAPAS 415
ÍNDICE ONOMÁSTICO 417